Festas da Paróquia, a concorrência dos municípios e o rentismo da SPAutores
Terminada a festa, e faltando ainda desmontar algumas das suas estruturas, já posso escrever sobre dois temas associados que, por omissão, será como se não existissem. E existem.
O primeiro deles prende-se com algo que já referi mais vezes, e que se prende com o facto de, nas duas décadas já viradas do século XXI em Portugal, as câmaras municipais serem das poucas entidades que têm dinheiro para caprichos.
Muito para além das reabilitações de esquadras da polícia e de equipamentos escolares, que em vez de serem assegurados pelos orçamentos das respectivas tutelas, se recorrem da boa vontade dos executivos municipais, é nas festas locais que o voluntarismo de um presidente de câmara se pode avaliar. Sob a desculpa de promoção do território, do turismo, da notoriedade da “marca” do município, contratam-se artistas de calibre mais ou menos famoso. O executivo escolhe um nome, passa o cheque (eu sei que os cheques estão fora de moda, mas o acto da assinatura adequa-se muito mais ao atravessar-se por uma decisão, que qualquer outra modalidade electrónica com tripla segurança), e a magia acontece.
Acredito que outrora, mesmo nas sedes de município, tenham existido comissões de festas realizadas em honra do orago local. Nos últimos anos, que coincidirão com o tal período das farturas municipais, estas comissões foram substituídas pela autarquia ou qualquer outro órgão análogo. Esta mudança foi tão mais recente, quão paroquial seja a edilidade, pois nas sedes de distrito a coisa é, há bem mais tempo, levada muito a sério.
Na minha freguesia existem festeiros, que são cidadãos que gastam dias de férias e, sem qualquer remuneração, se dispõem a dar o corpo ao manifesto para que a celebração anual ocorra. Na sede dos municípios, os festeiros são os funcionários municipais. É normal que umas semanas antes do evento se oiça dizer que a instalação de contadores de água está a demorar mais por causa da festa e sobre a iluminação pública com problemas, idem aspas com o electricista.
Esta desigualdade de esforço e de empenho exigido é depois reforçada pelos tais cartazes de artistas famosos que desviam o público, no que acaba por ser uma concorrência absolutamente desleal.
No caso da minha freguesia, a concorrência sentida não é causada pelo nosso Município de Porto de Mós, que celebra o São Pedro a 29 de Junho, mas pelos da Batalha e de Alcobaça. As festas são todas numa sequência de fins de semanas, com o feriado de 15 de Agosto pelo meio, a que se soma a Feira Medieval de Aljubarrota a 14, data da Batalha Real e feriado municipal na Batalha. No fim de semana seguinte é sempre a Feira de São Bernardo em Alcobaça, onde este ano actuaram os Xutos e Pontapés. Tudo organizado e tratado por funcionários municipais, com entradas livres e contratações asseguradas pelo orçamento do Município.
Os tempos que vivemos, onde o sentido de comunidade vive sobre ataque, este desequilíbrio de meios e de esforço exigido faz com que seja cada vez mais difícil manter a tradição.
O outro ponto de que queria falar respeita aos direitos de autor cobrados pela Sociedade Portuguesa de Autores. Este assunto já me levou a que no passado, e sem qualquer sucesso, tentasse aceder às contas deste organismo, que dizem existir para defender os interesses dos artistas.
Já aqui postei sobre o extinto Festival de Jazz da minha terra, o JuncalJazz. Nas suas três edições, em 2018, 2019 e 2022, a SPA arrecadou à organização deste festival o total de 1164€. Ignorando os momentos maravilhosos que vivemos e proporcionamos, este festival teve um lucro de 250€ em 2018, deu prejuízo em 2019, que foi dividido pela organização num valor superior aos ganhos da primeira edição, e ficou rigorosamente a zero em 2023.
Importa acrescentar que este custo é suportado à cabeça, ou seja, tem de ser inventado de alguma forma, pois antecede qualquer receita de bilheteira.
Mais de que uma vez, em conversa com os artistas que ali actuaram, puxei o assunto perguntando quanto é que os artistas autores recebem da SPA. A pergunta era claramente provocatória e a resposta envolvia sempre entre um a quinze palavrões. Os músicos, que aspiram a fazer da música uma profissão, sabem bem que estes custos não são mais do que barreiras à sua entrada no ofício.
Um dos resultados desta acutilância rentista foi que o referido Festival de Jazz, por insustentabilidade financeira, deixou de se realizar. Graças à SPA os artistas têm menos um palco onde actuar.
Se o propósito da defesa dos direitos de autor é uma causa nobre, a dificuldade que tive em aceder às contas da SPA, juntamente com as queixas dos músicos, leva-me a concluir que o modelo português da defesa dos direitos de autor tem tudo para que possa ser classificado como um esquema rentista. Existe uma elite de galões e dragonas que é remunerada por ter o nome dentro dos rectângulos do organograma da coisa, e que criou uma rede de correspondentes por todo o país, os quais correm as redes sociais à procura de eventos prevaricadores, para, depois da sua identificação, avançarem com o camaroeiro e assim sacarem mais uns cifrões. Já ouvi dizer, e isto pode ser apenas bluff para criar aflição aos cobradores da SPA, que algumas comissões de festas mandam fazer um prospecto para afixar pelas ruas, que não é exactamente igual ao que lhes entregam. Será verdade? Será que vão ter de passar a levantar o rabo da cadeira para maximizar as suas rendas?
O mesmo se passa com as festas da paróquia. A Festa de São Miguel deste ano pagou 1.391,50€ de direitos de autor. Segundo o documento emitido, este valor foi calculado da seguinte forma:
4 Bailes a 79€ cada
3 Concertos de música ligeira a 158€
1 Animação de Rua a 27,50€ (Banda Recreativa Portomosense – peditório e procissão)
3 Actuação de DJ’s a 158€
1 Cabine de Som a 100€
Como é natural este valor é descontado às receitas da festa, e nisso residirá também outra diferença relativamente às festas concelhias, onde, imagino, mais uma vez seja o cheque municipal que, directa ou indirectamente, cubra esta alcavala, o que só confirma a deslealdade da concorrência a que as festas da paróquia estão sujeitas.