Passam hoje exactamente nove anos sobre o dia em que "O Senhor Engenheiro José Sócrates" (Eduardo Lourenço dixit) foi detido, vítima de um ataque "justicialista" do Ministério Público - a crer-se na interpretação do seu correligionário Ferro Rodrigues, ex-presidente da Assembleia de República. Felizmente que a intentona do aparelho judicial não foi bem conseguida, pois todos estes anos decorridos ainda não houve julgamento.
De qualquer forma urge pôr o tal Ministério Público "na ordem", como defende o actual presidente da Assembleia da República, Santos Silva, homónimo do amigo do actual vice-presidente do Parlamento Europeu, um tal de Silva Pereira. O tipo que na lista de candidatos estava atrás (apesar de, pelos vistos, ser deputado mais importante) da mulher do Vital Moreira, esse antigo cabeça-de-lista de Sócrates. Esse que também quer pôr o Ministério Público bem ordenado...
Mas, e repito-me, temos de nos congratular. Pois, pelo menos, o "Senhor Engenheiro José Sócrates" ainda não foi julgado pelos "justicialistas".
Levantou celeuma o episódio dos recentes insultos a Ferro Rodrigues proferidos - enquanto o Presidente da Assembleia da República almoçava com família e próximos colaboradores - por um grupo de adversários das vacinas contra o COVID-19. Li e ouvi vários exigindo averiguações e processos jurídicos contra os manifestantes. Muitos negaram - como se nisso agravando a situação - o carácter espontâneo afirmando-lhe dimensão organizada e até tutelada. E foi notório que vários implicitaram ou explicitaram ser aquilo o "ovo da serpente", um ataque inaudito à democracia. Nisso exigindo-se um procedimento criminal. Ouvi mesmo, num programa de produção de opinião política, a secretária-geral adjunta do PS e dois antigos dirigentes do PSD e do CDS clamarem por um processo contra os manifestantes, afirmando um "crime público" e até criticando, ainda que moderadamente, Ferro Rodrigues por não ter apresentado queixa.
Sobre isso aqui botei o "Mulher com Altifalante", recordando processos similares ocorridos há meia dúzia de anos, e que não vêm sendo considerados pelos produtores de opinião como o primeiro passo na escalada para o fascismo. E li ontem um texto muito interessante, muito informado, de Carlos Guimarães Pinto: "Lágrimas de Blocodilo". É uma memória preciosa, até porque explicita fenómenos similares aos que aconteceram agora com Ferro Rodrigues mas com implicações políticas muitíssimo maiores.
O texto peca por não nomear o indivíduo a que alude - o que é nítido eco de um traço cultural português, o de elidir o "nome dos bois". Eu não me lembrava destes episódios, naquela época vivia no estrangeiro e ter-me-ão escapado. Por isso fui agora procurar informações sobre o assunto. E pelo que percebi o putativo organizador dessas arruadas insultuosas, depois elevado a deputado, chama-se João Vasconcelos. Será ele um agente do fascismo? Têm a palavra os indignados.
Nasceu uma nova estrela no comentário futebolístico em Portugal: chama-se Marcelo Rebelo de Sousa e parece ter jeito para mandar bitaites sobre bola. Mostrando assim estar em sintonia com a esmagadora maioria dos compatriotas.
Talvez saudoso dos tempos em que dominava os serões televisivos de domingo, o Presidente da República não resistiu a debitar opiniões sobre o Portugal-Bélgica que já se tornou desafio de má memória para todos nós. Conseguiu até pôr fora de jogo dois comentadores titulares: Marques Mendes, na SIC, e Paulo Portas, na TVI, abdicaram no passado dia 27 de comparecer nas suas tribunas televisivas dominicais. Não há como o futebol para destronar a política.
Se não podes vencê-lo, junta-te a ele. Assim terá pensado o inquilino de Belém, que trocou a cansativa deslocação a Sevilha por um jantarinho mesmo ao pé de casa, no seu bairro de Cascais. Foi aí que uma chusma de repórteres o encontrou, certamente não por casualidade. Gerou-se uma competição de microfones, por vezes mais emocionante do que o embate entre portugueses e belgas na Andaluzia.
Marcelo até parecia António Costa cruzado com o saudoso Zandinga: surgiu em registo de “optimista irritante”, falando no intervalo do jogo e emitindo vaticínios para o desfecho da partida. “A Bélgica domina 15 minutos, nós estamos melhor 20 minutos. O Cristiano podia ter metido naquele livre. Jogámos melhor do que a Bélgica, surpreendemos a Bélgica, mas depois a Bélgica, muito eficaz, em três tentativas de remate à baliza acerta uma. Apanha-nos em contrapé, avançados, num contra-ataque muito rápido. Era praticamente imparável, aquele remate. Acho que temos jogado primorosamente bem. Agora só falta entrar a bola, ter golo.”
O Presidente podia ter ficado por aí, mas quis ir mais longe: arriscou que Portugal daria a volta e venceria 2-1. Confidenciando que trouxera uma garrafa de espumante para a celebração. Faltou-lhe a prudência de João Pinto, antigo campeão europeu do FC Porto: o melhor é fazer prognósticos só no fim.
Mais valia não ter falado, resmungam agora os supersticiosos, inconformados com a vitória belga. Mas fica-lhe este consolo: no confronto com as anteriores declarações de Ferro Rodrigues, levou a melhor. O que pouco surpreende, dada a insistente tendência do presidente da Assembleia da República em propiciar títulos de jornais e telejornais pouco abonatórios para a dignidade institucional do cargo. A novela da sua controversa deslocação a Sevilha – anunciada em Budapeste, reiterada no hemiciclo parlamentar e afinal transformada numa prosaica ida ao Algarve – parecia uma rábula do Ricardo Araújo Pereira, talvez para compensar o súbito desaparecimento do programa deste humorista na SIC.
Em linguagem futebolística, dir-se-ia que Marcelo venceu Ferro por margem tangencial. É certo que o segundo protagonizou mais tentativas de remate, mas nenhuma se concretizou. E acabou derrotado com autogolo.
Em política existe uma fronteira muito ténue entre comédia e drama. Talvez por isso seja abusivo concluir que Ferro Rodrigues, segunda figura na hierarquia do Estado português, viveu uma semana dramática. Mas é garantido que nada lhe saiu bem.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues, 71 anos, tem experiência suficiente para saber que a mistura deliberada entre o exercício de funções institucionais e o palco do futebol costuma gerar golos na própria baliza, vitimando políticos em busca de popularidade fácil. Mas o presidente da Assembleia da República não resistiu à deriva populista, preenchendo manchetes à boleia do desporto-rei.
Inebriado não com uma vitória mas com um simples empate –entre as selecções de Portugal e França em Budapeste – Ferro deu ordem de mobilização aos compatriotas para comparecerem em força no jogo seguinte, contra a Bélgica, em Sevilha. Parecendo ignorar factos elementares: o Governo de António Costa preparava-se para fazer marcha-atrás nas medidas de desconfinamento, a Andaluzia é a região da Europa com mais novos casos de infecção por Covid-19 e no estádio sevilhano onde se disputou o jogo só eram permitidos 14 mil espectadores. Não fazia qualquer sentido apelar a deslocações em massa.
Recebeu críticas de diversos quadrantes. Mesmo alguém que foi muito próximo dele no Governo e na cúpula do PS, como o ex-ministro Paulo Pedroso, deixou bem claro o seu repúdio: «Não perde uma ocasião de mostrar ostensivamente a dessintonia entre a liberdade de circulação das altas esferas do Estado e a preocupação da pessoa comum que não pode visitar a avó a Santarém.» E o jornalista da SIC Bento Rodrigues falou por muita gente com estas palavras de revolta: «O apelo da segunda figura do Estado provoca uma profunda náusea em quem, como eu, tem testemunhado a duríssima realidade nos hospitais devido ao impacto directo e indirecto da pandemia.»
Ferro não fez caso. Sexta-feira passada, no alto da tribuna do hemiciclo de São Bento, despediu-se assim dos deputados: «Bom fim de semana a todos. Os que puderem, em Sevilha, claro.» Na mesma sessão, esquecendo-se de que o microfone se mantinha ligado, chamou «gajos»naos deputados do PCP e do Bloco de Esquerda, numa demonstração de que o sentido de Estado por vezes parece rumar a parte incerta.
Teve de ser o Presidente da República a iluminá-lo. Previdente, Marcelo Rebelo de Sousa anunciou que não iria ao futebol devido à emergência sanitária no sul de Espanha e ao facto de quase três milhões de residentes na Área Metropolitana de Lisboa estarem impedidos de fazer deslocações de longo curso entre sexta e segunda-feira.
Só aí o número um do Parlamento terá percebido até que ponto a febre da bola lhe turvara a lucidez. No fim de semana, acabou por trocar a esfuziante Andaluzia pela pacatez do Sotavento algarvio. Fez muito bem: a selecção nacional foi derrotada, Portugal disse adeus ao Campeonato da Europa. Drama e comédia andaram de mãos dadas.
O governo do partido do senhor Ferro Rodrigues proíbe-nos há 15 meses de assistir a jogos de futebol em Portugal e há poucas horas reiterou essa interdição em toda a Área Metropolitana de Lisboa. Alegando motivos sanitários.
Entretanto, o próprio senhor Ferro incentiva os portugueses, proibidos de frequentar estádios em Portugal, a encher um estádio... em Espanha. Por espantosa coincidência, precisamente na zona de Espanha onde existe maior risco sanitário.
Obedecendo a fidelidades tribais, há quem bata palminhas a isto.
Distanciamento físico? Aumento de contágios? Pressão crescente sobre as estruturas hospitalares? Novas variantes prontas a esgotar o alfabeto grego? Cercas sanitárias? Recuo nas medidas de contenção decretadas pelo Governo?
Esqueçam tudo isto: afinal não há pandemia, o Covid-19 recebeu um chuto de Cristiano Ronaldo e foi parar a cascos de rolha. Podemos todos festejar à vontade, com muitos beijinhos e abracinhos. A sugestão - quase uma ordem - acaba de ser transmitida aos portugueses pela segunda figura do Estado: a selecção portuguesa transitou para os oitavos-de-final do Campeonato da Europa e vai jogar domingo em Sevilha contra a da Bélgica.
'Bora lá, cambada. Para a Andaluzia, rapidamente e em força. Tudo ao molho e fé em Deus.
ADENDA: A Andaluzia é neste momento uma das regiões da Europa com maior incidência de casos de infecção pelonovo coronavírus. Tem 166 por 100 mil habitantes, enquanto Portugal tem 124.
"Diz que" teremos de andar mascarados na rua. Se a defesa contra a pandemia a isso apela não serei eu a opor-me. E nem sequer me questiono como é que este tipo não tem a dignidade de se demitir, por "razões pessoais" ou "reforma", seria pedir-lhe demasiado face ao que é. O que me surpreende é que nenhum dos dele lhe diga para ir saindo. Septuagenário vácuo, apagável. Nulo.
Nesta coisa da cidadania verbal (da análise densa ao "amandar bocas", nisso a cada um como a cada qual, e cada dia é um dia ...) o mais importante é o conforto, a demansa do estado reconfortado. Obtém-se este por "pertença", "ser" do clube e holigar em sua defesa. Ou seja, "ser" do partido (do governo) ou "ser" de um qualquer partido/grupo contra (o governo ou outra coisa). Seja lá a propósito do que for.
Ontem li imensa gente a clamar contra as medidas/propostas anunciadas pelo governo. Francamente, são palavras loucas. Leio agora este seu resumo, em forma de declaração do PM que anuncia a vontade de "abanar" os cidadãos, e não lhe encontro nenhuma falta de senso comum: os funcionários públicos, e adjacentes, serão convocados - se tiverem disponibilidade material para tal, e grande percentagem decerto que a terá - a usar uma aplicação securitária que não lhes viola os direitos individuais, e que o poder político considera útil para este momento de crise sanitária. E a sociedade civil será convocada para estender a céu aberto o uso de máscaras, quando isso for espacialmente recomendável. Qual o problema, qual a irracionalidade?
Por outro lado, isto - este pretendido "abanão" nos cidadãos - permite repensar. Não o futuro Natal mas as práticas do poder político neste 2020. Lembrar a descarada modorra intelectual que antecedeu o confinamento (o vírus que nunca chegaria; a oportunidade de exportar para a China; as fronteiras que não se podiam fechar; a urgência em visitar os lares de terceira idade; a superficialidade do "gozo fininho" da semi-quarentena presidencial - essa série de dislates ditos por dignitários do PR para baixo). Mas acima de tudo, deveria lembrar a mediocridade do discurso que reclamava, em Março e Abril, contra "a sensação de falsa segurança" - contra as máscaras, há século sabidas como boa medida para este tipo de praga; contra os testes (e esta alarvidade, então, foi inenarrável, demonstrativa da mediocridade das autoridades sanitárias). Porque estas medidas de agora são, a um nível imediato, praticamente nada mais do que promotoras da tal "falsa segurança".
Mas estas medidas têm uma outra dimensão, menos efectiva pois menos material: convocam-nos, mobilizam-nos, apelam a um maior cuidado individual/familiar nos núcleos de sociabilidade, de interacção, e também nos contactos episódicos. Melhor dizendo, reconvocam-nos ... Alertam-nos para não baixarmos a guarda, e será essa a sua grande qualidade. E, se assim é, seria interessante que os adeptos deste poder e sua geringonça capitaneada pela dupla PR/PM, repensassem as atoardas que vieram dizendo ao longo de meses. Quando em pleno confinamento tantos (em poucos dias 100 000 pessoas assinaram um documento!) apelaram para uma redução das comemorações do 25 de Abril, pela sua dimensão simbólica para afirmar o estado de concentração tão necessário? Eram adversários da liberdade e da democracia, quiçá adeptos do Chega. Quando o boçal Ferro Rodrigues clamou que não se iria mascarar e tantos o apuparam? Éramos fascistas ... (o homem nem tem a dignidade de se demitir, apesar de ter passado ao lado da maior crise da sua carreira política). Idem para o 1º de Maio, idem para a Festa do Avante, idem para as festividades anti-história de Portugal. E quando Sousa veraneou em bamboleios sob trajes menores, saracoteando-se pelas praias em campanha presidencial, e tantos de nós nos torcemos diante de tamanha indecência histriónica? Fomos ditos da extrema-direita, zangados com este histérico presidente porque não afronta o PS.
Talvez agora este "abanão" que Costa quer dar possa abanar alguns dos seus adeptos palavrosos. E que assim possam perceber que muito do que foi dito e feito por esta incompetente elite política foi contraproducente, de facto criando uma efectiva sensação de "falsa segurança" ao longo de meses. Que desconcentrou, descentrou. Estará na altura de sairem do tal "conforto". A administração desta crise pandémica tem sido errática, com coisas boas e más, mas muito longe de qualquer "milagre português" que a imprensa patrioteira (e muita dela avençada) propalou. E só os "cobardes", para falar a la Costa, os adeptos holigões, tão timoratos que avessos à (auto-)crítica, é que são incapazes de ver isso. Não precisam de pedir outro poder, de passar à oposição. Pois, lá está, cada um como qual. Mas podem, e devem, pedir, exigir, melhor.
75 anos sobre a derrota alemã. A pior das guerras da História, o fim dum regime que foi realidade e símbolo da "colectivização do mal". E uma data tão simbólica - bodas de diamante com a paz, se se quiser. E ainda, cada vez mais raros, alguns veteranos combatentes (há algum tempo, em 2008, morreu o último "poilu", combatente francês da outra demência europeia de XX, a I GM. E no ano a seguir o último britânico). Que dia tão simbólico, que celebração! E, por toda a Europa, da Rússia de Putin à G-B de Johnson, e mesmo lá fora, com o nada confinável Trump, que contenção cerimonial. Numa data destas! Que mensagem...
Quando há duas semanas tantos se indignaram por cá com o perfil das "celebrações" das datas simbólicas em Portugal, logo o coro habitual se levantou, gritando "salazarentos". Pois era preciso, disseram, e disse-o Rodrigues, uma animação colectiva para mostrar que não viria aí nenhum "fascismo".
As formas cerimoniais por esse mundo afora, ontem e hoje, da celebração do dia da Vitória contra o pior dos fascismos reais, e de aversão às suas hipotéticas reanimações, foi a maior demonstração da mediocridade, tétrica, patética, destas figuras gradas que elegemos, deste Sousa e deste Rodrigues. E dos que os rodeiam.
Eu iria dizer que "só não viu isso quem não quis", só não percebeu o significado da diferença entre estas celebrações gerais do Dia da Vitória e as dos dias 25.4 e 1.5., quem realmente não o quer fazer.
Mas não seria verdade. Porque a abissal mediocridade que Sousa, Rodrigues et al mostraram neste pequeno episódio é a mesma que nós temos. Pois só uma população medíocre elege isto e gosta.
Hoje, 1º de Maio e manifestações por aí. Tal como houve celebrações "em sala grande" e sem "mascaradas" no 25 de Abril. Então é dia para recordar esta postura de Mattarella, o presidente italiano, celebrando nesse mesmo 25 de Abril o 75º ano (número ainda mais simbólico) sobre a libertação italiana na II Guerra Mundial. Ou seja, o dia da liberdade, da democracia, do fim do jugo nazi-fascista. E da paz. Fazendo-o de modo tão mais simbólico, tão mais solidário, tão mais cidadão, tão mais democrata. Tão mais respeitador. E tão mais inteligente. Do que este paupérrimo duo Rodrigues-Sousa na festa chocha de São Bento e nas arruadas de hoje.
Porque precisa esta "esquerda" instalada, cinquentona, sexagenária, septuagenária, destas festividades? É um potlatch de incúria intelectual. Revivem um panteão risível, entre louvores aos múltiplos itens do "movimento comunista" e aquilo a que se chamava "terceiro-mundismo", agora dito "pensamento abissal". Utilizando como matéria-prima um grupo seleccionado, pouco orgânico, de militares apolitizados na sua maioria, e que pensaram consoante as suas circunstâncias de época. Disso amputando outros, que não correspondem aos desejos desta gente de agora, já apenas afectivos pois, de facto, mera disfunção ideária. É um ritual que serve para reforçar a "amnésia organizada" sobre a revolta de Abril e a revolução que se lhe seguiu. Manobra que lhes permite dizer, nas outras 51 semanas, todos os que não se revêm nesse vetusto imaginário de radicalismo marxista como "fascistas", "inimigos da democracia", "salazaristas". Não há outra razão para a parvoíce cerimonial desta semana.
Assim a "vacinada" e "desmascarada" boçalidade de Rodrigues, acolhida pelo pusilânime Sousa, não só se contrapõe a esta simbólica grandeza de Mattarella, ali só a celebrar a queda final de Mussolini/Hitler. De facto, as patéticas manifestações (ditas, hipocritamente, celebrações) de hoje e a cerimónia de 25 de Abril servem para nos dizer, aos imunes ou convalescidos do apego totalitário, como "fascistas". A fronteira é fluída, mas cruza ali ao PS, puxada à "esquerda".
Este ritual, falsificador da vida portuguesa, sobrevive nos dislates. Sempre desculpados pelo "afecto memorialista" com a "liberdade", com a (nossa) "juventude". Todos os anos se revive essa parvoíce. Nem falo da absurda capa de hoje do "Público", que é onde leva a patetice misturada com uma inenarrável candura, e a querer-se interventiva ... Agora um bom e antigo amigo enviou-me um filme associando o novo líder do partido demo-cristão, um puto de 30 anos, com o salazarismo. Respondi-lhe, entre homens, invocando genitálias e "imoralidades" sexuais. Uma querida amiga chamou "Sua Excelência" ao abjecto terrorista assassino Carvalho, fui suave na reacção (e nem falei na piroseira) mas presumo-a ofendida. E pelas redes sociais abundam os dislates louvaminheiros do mesmo tipo. E não só cá: no mural de um intelectual moçambicano que, recorrendo a codiciosas demagogias textuais, entende dever ensinar-nos como viver, um demo-cristão português é invectivado de fascista, neo-nazi, homossexual, (voz de) colono. E, para abrilhantar a festa, de branco. E comunistas portugueses - brancos, já agora, - vão lá aplaudir. Tal como o dono da casa o faz, ainda que muito democrata, como por cá o consideram os libertários.
Celebrar o 25 de Abril é celebrar a Paz (que todos esquecem pois julgam secundária) e a Liberdade. E o 1º de Maio é celebrar os direitos laborais. Não é mistificar a história, falsificar o presente. E impensar.
Assim sendo, com a imagem de Mattarella, vai daqui de Nenhures a minha saudação à UGT e aos sindicalistas do BE, que decidiram celebrar o dia dos trabalhadores como, neste momento, manda a ética de cidadania. E sei que muitos deles, ali na rapaziada bloquista, queimam incenso e mirra a uns totens execráveis. Mas portaram-se muito bem neste dia. Ao invés de outros, com mais responsabilidades institucionais. E de outros, profissionais intelectuais com obrigações analíticas.
É assim que Ferro Rodrigues responde a quem lhe pergunta se os deputados usarão máscaras nas celebrações do 25 de Abril. Nem vale a pena elaborar sobre isto, este homem. Está a gozar com a tropa, com todos nós. Está a bombardear o esforço, estatal, de disseminar o uso de máscaras. Encerrado na sua mediocridade, na sua senilidade, na sua arrogância. Os apaniguados deste mono sustentam-no como segunda figura do Estado. Que gente ...
Isto das "celebrações" mostra bem o espírito de casta, fermentado na cultura maçónica e da sua estreita abordagem ao simbólico, da gente que gere o país. Acima do povo. Não vale a pena bradar sobre o fraco que é Ferro Rodrigues, pois apenas corresponde ao que há. Ou sobre a superficialidade do PR, também correspondente ao que o povo vota(ou?). Mesmo com o que João Soares disse - ainda que também ele maçónico, note-se -, mostrando senso político, talvez herdado, continuam as patetas proclamações. Imensos clamam que estando a AR a funcionar nada obsta a uma cerimónia com pompa, como se o assunto seja o do horário de uma repartição. E vão convictos nisso, como se defendessem "Abril".
A questão é de como as pessoas recebem isto no seu íntimo. Luis Naves, nosso co-bloguista aqui no Delito de Opinião, perdeu o pai (os meus pêsames). Narra que o funeral apenas teve 11 pessoas, "uma a mais do que o permitido". Na última semana três pessoas que me são próximas vivem situações semelhantes (um funeral paterno, duas impossibilitadas de acompanhar pais nonagenários, muito doentes, sem Covid). São coisas diferentes? São, mas o relevante é o impacto na população, as formas como a acção política é lida e sentida. Quando pessoas que há décadas vivem na e da política não o compreendem isso é sinal da degenerescência do regime. E do quão obtusos são muitos dos cidadãos que, por estreita militância de sofá, sentem que apoiar é tudo aceitar.
João Gonçalves escreveu ontem um postal no FB sobre o facto da rainha de Inglaterra ter, pela primeira vez, suspendido as celebrações públicas do seu aniversário (que têm, no seu simbolismo, uma dimensão política). Veja-se o inusitado eco desse postal, muito significante. Entretanto Putin cancelou as celebrações da vitória na II Guerra Mundial, as quais têm uma dimensão extrema de exaltação nacionalista e de afirmação deste presidente. Ao invés, por cá temos o "poeta de combate" Manuel Alegre a sair à liça, em retórica falsária, a defender "Abril" - quando o que se pede, e ele aldraba na contestação, é uma frugalidade simbólica, uma densidade política.
E tudo se fará para festejar com pompa, ao invés do que mandaria a prudência sanitária (pelos efeitos no comportamento das pessoas, não pela higiene da cerimónia) e a comunhão política (idem). Também para que se possa dar realce simbólico e político a um homem tão básico como Vasco Lourenço. Esse que, exaltado com a proximidade de "Abril" onde terá o seu momento anual de consagração, acaba de apelar ao golpe militar no Brasil. E ao qual os seus correligionários maçónicos tanto abraçarão entre pompas e cerimónias, "para brasileiro ver".
Claro que ao dizer isto convoco que as rasteiras invectivas, os urros de "bolsonarista", "fascista". Exactamente daqueles que andam aí a defender "Abril" deste modo. Para um ou outro escasso imbecil que ainda apoie esta arrogante medida mas que ainda tenha no seu recôndito âmago uma escassa centelha de inteligência (é uma hipótese meramente académica) deixo o trailer deste fraco filme, sobre os dias subsequentes à morte da princesa Diana. O qual valerá apenas por Helen Mirren. Mas há um detalhe que me tem vindo à memória nestes dias em que se discute o simbólico das celebrações ("quer-se dizer", há imensos imbecis que nem percebem o que é "simbólico" mas que para aí andam a falar como "doutores"). Resumo-o:
Diana morreu, comoção generalizada, e crise pois o povo reclama do que considera ser falta de apreço real pela princesa. A quebra de popularidade da Coroa virá a ser enorme, e levará década a sarar. Nos dias prévios ao funeral Blair, muito popular, tenta remediar a situação.
Ora um dos factos que indigna a população, em luto pela "princesa do povo" como lhe chamou Blair, concentrada diante do palácio e das tvs, foi que a bandeira no palácio não fora colocada a meia-haste, como se deveria fazer em sinal de luto. Correu que era o sinal do menosprezo real pela princesa. E estupefacção da rainha quando Blair lhe pede para mandar colocar a meia-haste a bandeira. Pois aquela, no seu simbolismo peculiar, é o pavilhão real, apenas içado para significar a presença da rainha. Tem um significado diferente da bandeira nacional, essa sim passível de ser colocada a meia-haste. Mas as pessoas não conheciam esse detalhe, hoje em dia esquecido. E atribuíam outro significado - político -, julgando-o uma afronta.
É um filminho, não é preciso ser cinéfilo para o ver ou conhecer. João Soares viu-o. O pai dele sabia da poda. Esta gente de agora, aprisionados na sua mentalidade de casta, na jactância, nada percebem. São os coveiros de "Abril". Com a voz cava e vácua de Alegre, e a patetice grosseira de Lourenço e Rodrigues. E dos seus sequazes.
Há duas semanas, o presidente da Assembleia da República enfureceu-se com um vice-presidente da bancada do PSD porque este partido tinha "deputados a mais" na sala de sessões do parlamento. Há dois dias, com uma rispidez muito semelhante, o mesmo Ferro Rodrigues insurgiu-se contra um deputado do CDS que protestava contra a anunciada presença de mais de duas centenas de pessoas no mesmíssimo local, a pretexto da celebração do 25 de Abril. Praticamente mandando calar o deputado, sob a alegação de que aquele tema não era para tratar ali. Como se entre as competências da segunda figura da hierarquia do Estado estivesse a de fornecer guiões aos deputados para falarem daquilo que ele considere politicamente correcto.
É inaceitável que para o trabalho regular no hemiciclo apenas um quinto das bancadas devam estar preenchidas, alegando-se grave risco sanitário, mas para celebrar o feriado esse risco esmoreça ao ponto de ser expressamente ali autorizada a presença de um terço dos deputados. Com o alto patrocínio do Presidente da República, que há quase um mês se apressou (e bem) a cancelar as cerimónias do 10 de Junho, Dia de Portugal. E no preciso local onde por esmagadora maioria já se autorizou por três vezes um estado de emergência que impõe a clausura compulsiva dos cidadãos e a supressão de vários direitos e liberdades. Incluindo o direito de manifestação, o direito de reunião, o direito de resistência, o direito à greve, a liberdade de circulação, a liberdade de emigração e a liberdade de culto.
Irão suas excelências comparecer de mordaça (perdão, de máscara) e cravo? Eis uma original forma de "celebrar Abril".
Em tempos proibicionistas, com a liberdade de expressão cada vez mais comprimida, o senhor Ferro Rodrigues lembrou-se de interditar a palavra "vergonha" naquele que devia ser o espaço da liberdade por excelência: o hemiciclo da Assembleia da República. Um local onde desde o tempo da monarquia constitucional se pronunciaram as mais acaloradas diatribes contra o poder de turno e só foi transformado em mausoléu da interdição durante os anos em que ali se sentavam as silenciosas sumidades da Assembleia Nacional.
Se "vergonha" é expressão a banir, com horrores de blasfémia, questiono-me o que acontecerá no dia em que um deputado da Nação se atrever a proclamar que se está «cagando para o segredo de justiça». Mas talvez aqui o senhor Ferro Rodrigues abrisse uma benevolente excepção.
Quando vivia em Maputo contactei - por razões profissionais ou conjugais - com inúmeros governantes portugueses ali visitantes, na sua maioria socialistas. Oscilavam entre o pungente (Vitalino Canas era um exemplo tétrico de défice mental) à extrema compostura arguta (Sousa Franco ou Luís Amado foram disso exemplos). Isto não é uma avaliação política: um imbecil nunca poderá ser bom governante mas alguém muito decente e capaz pode falhar rotundamente. É apenas uma consideração pessoal. Recordo isto devido ao episódio "vergonha" que Ferro Rodrigues acaba de protagonizar na AR a que preside. Pois há cerca de duas décadas ele visitou Maputo como ministro e a impressão que deixou foi a melhor: educado, afável, muito bem preparado.
Politicamente pouco me interessa. Para mim ele é, acima de tudo, o homem que acabado de ser eleito presidente do grupo parlamentar do PS, sob o novo secretário-geral Costa, foi discursar ao parlamento reclamar o legado governativo de Sócrates (estava este, então recém-regressado ao país, a pavimentar a sua via para Belém, entre posfácios de Eduardo Lourenço, conferências sobre Rimbaud, e elogios alheios ao seu magnífico PEC4). O qual foi detido logo a seguir (julgo que até na semana seguinte). E deixemo-nos de coisas, se até eu, mero emigrante de longo prazo, vulgar antropólogo docente, sabia desde 2007/8 das trapalhadas da banca, das aleivosias da malta que o rodeava, das coisas bem estranhas dos negócios em Moçambique (sobre as quais ninguém fala), do combate à liberdade de imprensa - e do quão misteriosa era a fonte dos seus recursos pessoais - é completamente impossível que o seu predecessor no PS tudo ignorasse. Sabia-o perfeitamente, sabiam-no os seus mais próximos (como o sabiam todos os membros daqueles governos, e o pessoal "menor" circundante daquele poder). Ou seja, Ferro Rodrigues não foi apenas conivente com o socratismo. Reclamou-o como legado a preservar. E o seu opróbrio (vede como evito o termo "vergonha") é esse.
Pode agora surgir Ferro Rodrigues a querer censurar o léxico do extremo-direitista Ventura, erro crasso que este muito agradece, como é óbvio. Mas o que me nada me surpreende é a impudicícia (vede como evito o termo "vergonha") com que os socialistas defendem esta patetice. Explico-me melhor: acabo de ler no mural FB de um prestigiado socialista a sua reflexão sobre o caso, até elíptica. E no seu mural há um comentário que ele acolhe, e até responde plácido ainda que discordante: trata-se de uma veemente concordância com Ferro Rodrigues aposta por um deputado (poeta,filósofo, bloguista) importante deste poder. Porfírio Silva de seu nome, o homem que acusou Passos Coelho de usar o cancro da sua mulher como propaganda eleitoral.
A minha pergunta é esta: pode Ferro Rodrigues, que aceita ombrear no seu grupo parlamentar com um filho da puta destes, ter algum critério sobre o léxico alheio? E já nem pergunto o mais óbvio, pode alguém que aceita dialogar com um filho da puta daqueles colher algum respeito pelas suas opiniões?
No meio disto quem se sai a rir, claro, é o comentador da bola. Irá longe, parece-me.