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Delito de Opinião

O candidato.

Luís Menezes Leitão, 22.07.14

 

Depois de ter ouvido Passos Coelho dizer que um dos motivos da sua deslocação ao Sri Lanka foi reconhecer o trabalho extraordinário da AMI, tive a certeza que isso significava da sua parte uma manifestação de apoio para Fernando Nobre também se candidatar às presidenciais. Mais uma vez Passos Coelho insiste na estratégia TMMRS (Todos Menos Marcelo Rebelo de Sousa), e não pára de lançar sinais de abertura para todos os candidatos e mais alguns que o possam impedir de ver Marcelo em Belém. Só que escusava de se deslocar ao Sri Lanka para esse efeito, num gasto desnecessário para os contribuintes. Uma simples declaração pública de apoio em qualquer lugar do Portugal profundo, que depois do seu governo está hoje em dia tão necessitado da AMI como o Sri Lanka, chegaria.

 

Como não poderia deixar de ser, Fernando Nobre respondeu prontamente ao apoio de Passos Coelho. O homem que em tempos tinha dito que se não lhe dessem um tiro na cabeça iria para Belém, acaba de declarar que está vivo, não tem 100 anos, e portanto vai para Belém. Depois de Santana Lopes no sábado, agora com o avanço de Fernando Nobre, já temos assim dois candidatos presidenciais na mesma semana, ambos carinhosamente apoiados por Passos Coelho. Não há dúvida de que estas presidenciais prometem.

 

Entretanto, para aumentar a confusão, Passos Coelho acaba de declarar que espera que os candidatos se assumam, não exclui que possa surgir mais do que um à direita, e propõe que o PSD fique à espera um ano sem decidir quem apoia. A este ritmo, daqui a um ano já teremos perdido a conta aos inúmeros candidatos presidenciais do PSD. Será que a estratégia TMMRS também passa por deixar António Guterres chegar a presidente?

Não se acanhe

Sérgio de Almeida Correia, 24.01.14

Por mim pode reflectir o tempo que for preciso. E aconselhe-se, homem, aconselhe-se com os mesmos que o ajudaram da outra vez. Não sei quem foram mas deu para ver que eles percebiam daquilo a potes. Foi por uma unha negra. Quem sabe se ao fim de meia dúzia de tentativas, somando vários resultados "honrosos", não tem mais votos do que Cavaco Silva? O actual titular já não tem mais tentativas e nem todos têm o fôlego de Mário Soares para arriscarem uma terceira ida a votos. 

Fernando Nobre, a treta e a tradução.

Luís M. Jorge, 05.07.11

Fernando Nobre:

É com alguma tristeza que me afasto das funções de recém-eleito deputado, mas estou certo e ciente de que serei, como já referi, mais útil aos portugueses, a Portugal e ao mundo na ação cívica e humanitária que constitui a minha marca identitária.

Tradução:

 

Toma que já almoçaste. Querias-me aqui no meio da piolheira? Vou mas é para África beber cucas e ser idolatrado pelos pagãos. Em Agosto há eclipse no lago Tanganhica.

 

F.N.:

Travar esta batalha ao lado do senhor doutor Pedro Passos Coelho e da grande maioria do PSD constituiu um enorme desafio que muito me orgulha e uma imensa honra.

Trad.:

 

Deus me livre e guarde do chulé. Se bejo mais um patego de Gaia em berloques faço como o Schweitzer e fundo um hospital no Gabão.

 

F.N.:

O senhor doutor Pedro Passos Coelho e a maioria do Grupo Parlamentar do PSD tiveram sempre para comigo uma atitude de grande estímulo e apreço. Tentei retribuir dando toda a minha energia, disponibilidade e genuíno empenhamento.

Trad.:

 

Foi estimulante como a merda, aquele antro de patifes. De manhã passavam-me a mão pelo pêlo e à tarde conspiravam com a Assunçãozinha, que não é mau pedaço, embora virgem. A gaija diz que teve uma alegria cristã. Alegria tinhas tu se eu te apresentasse o mogambo, filha.

 

F.N.:

"O Parlamento é a Casa da Democracia e os partidos políticos os seus pilares insubstituíveis e incontornáveis. Estou certo que chegará um dia em que o reconhecimento da pluralidade e de modelos de representação política aclamará o Parlamento também como a Casa da Cidadania

Trad.:

 

Isto é subtil: a Casa da Cidadania e tal. Será inteligente demais? Os palermas são todos doutores domingueiros da Lusófona e da Lusíada. Não passaram cinco anos na Faculdade de Medicina como eu. Mas fica mesmo assim, para impressionar os camaradas da Grande Loja.

 

F.N.:

"Acredito também que a Assembleia da República, por si tão dignamente presidida, dará um significativo contributo para o futuro positivo de Portugal".

Trad.:

 

Ahahahah! Um futuro positivo é do caralho. Esta bosta vai ser pior que o Iraque. Quando quero, sou mesmo sonso.

 

F.N.:

"Independentemente da grande honra que é ser deputado (trad: "LOL"), decidi em consciência que, perante os grandes desafios sociais que teremos de enfrentar e viver no futuro próximo (Trad: "Ui, ui..."), serei mais útil na ação, no terreno (Trad: "Quénia? Seicheles?"), ajudando os portugueses mais afetados (Trad: "afectados ou afetados? Rai's parta o acordo, pá. Quero a minha língua de volta")  pela crise e desprotegidos a combater a miséria, a exclusão social e a injustiça, promovendo a dignidade e a esperança entre os mais pobres (Trad: "valerá a pena meter aqui umas crianças, ou umas galinhas? Era um bonito toque."), voltando à minha atividade de mais de 30 anos de intervenção cívica, humanitária e de ajuda ao desenvolvimento em Portugal e no mundo (Trad.: "blá, blá, blá, blá."), no quadro dos Médico Sem Fronteiras e da Fundação AMI, instituição que tive a honra de fundar em 1984 e a que presido" (Trad.: "sim, porque eu é que sou o Presidente!").

 

"É nessa área, e diante dos tempos duros que nos esperam de real emergência social, que a minha experiência, o meu empenho e o meu trabalho (Trad.: "Não querem? Mais fica.") melhor poderão servir o país na resolução dos problemas concretos de pessoas concretas".

Trad.:

 

Para o que é bacalhau basta. Ti-chau, cambada.

Um tiro na cabeça

Ana Vidal, 04.07.11

Entristece-me assistir à morte de alguém, seja ela real ou metafórica. Mais, ainda, à de um homem por quem já tive admiração. Fernando Nobre foi, em tempos, alguém que criou e desenvolveu uma obra meritória e pioneira em prol dos mais desfavorecidos. Mas isso não lhe bastava, sabemo-lo agora. A tentação da ribalta falou mais alto e ele deixou-se armadilhar pela própria ambição, sabiamente manipulada, muito provavelmente, por outros muito mais experientes nessas artes. E assim disse e se desdisse continuamente, descendo a pulso na vida política e na imagem que dele tínhamos. Fernando Nobre não precisou que ninguém lhe desse um tiro na cabeça - nesse dramatismo de novela mexicana que era, afinal, premonitório - para morrer aos olhos de todos nós. No caso, para suicidar-se. Ele próprio agarrou na arma, encostou-a à têmpora e premiu o gatilho. E fê-lo aos poucos, lenta e dolorosamente. Tão altas expectativas para acabar assim, tristemente, sem nobreza nem dignidade. Cai o pano sobre uma figura triste, que ultimamente só tem feito tristes figuras.

Derrota pífia

Laura Ramos, 21.06.11

 

Facto: - Fernando Nobre perdeu a eleição para a presidência da AR.

 

Leitura pseudo-especializada: - Passos Coelho perdeu e Paulo Portas ganhou, numa grande demonstração de força.


Sentença dos cérebros privilegiados (e bem pagos) da nossa praça:

- Primeiros indícios da previsível fragilidade da coligação (hurrah!)

 

Blá blá, bá blá.

 

Pois bem:

- Ninguém percebeu?


O PP prestou o seu primeiro grande serviço ao PSD.

 

E siga a democracia.

O fardo.

Luís M. Jorge, 21.06.11

 

Na última parte de Lawrence da Arábia, Faisal confessa que o homem que acabou de lhe entregar Damasco é uma faca de dois gumes.

 

- Estamos ambos contentes por nos vermos livres dele, não?

 

O militar inglês surpreende-se:

 

- E eu que me considerava um homem duro, Sir.
- Você é apenas um general. Eu tenho de ser um rei.

 

Fernando Nobre não é, por certo, Thomas Edward Lawrence. Não devemos aos seus méritos a vitória recente do PSD. Mas nem por isso a Assembleia da República deixou de revelar um pouco da lucidez e da impiedade do monarca iraquiano ao cumprir, ontem à tarde, a sua função soberana.

Mais um palavroso

Sérgio de Almeida Correia, 20.06.11

É claro que de quem saltita da direita para esquerda e regressa à casa de partida dando o dito por não dito com a maior das facilidades, não era de esperar outra coisa que não fosse a repetição do que já se tinha visto e se aguardava de novo.

Está confirmado que o homem gostou de se ver sentado em S. Bento e quis ficar. 

Deram-lhe importância? Pois agora aturem-no.

A dupla Coelho/Nobre já começou a fazer história

Sérgio de Almeida Correia, 20.06.11

Um chumbo. Dois chumbos. Para começo não está nada mal.

 

Enquanto não chega a renúncia de Fernando Nobre, visto que se Passos Coelho cumpriu com a palavra dele (demonstrando que a sua teimosia é igual à do outro senhor que saiu), também Nobre deverá cumprir com a sua. De caminho, talvez seja melhor o PSD começar a pensar em apresentar um candidato decente (isto é, minimamente qualificado) para poder presidir aos destinos da Assembleia da República nesta fase difícil que o País atravessa. A hora do recreio já acabou. 

Legislativas (21)

Pedro Correia, 06.06.11

A SUBIR

 

Pedro Passos Coelho. Venceu as legislativas suplantando todos os vaticínios e contrariando até o que alguns companheiros de partido antecipavam. A sua clara vitória no frente-a-frente com José Sócrates, como aqui logo se sublinhou, foi vital para que os portugueses acreditassem nele. O seu discurso de vitória, contido e sóbrio, contribuiu ainda mais para se perceber que entrámos num novo ciclo.

 

Paulo Portas. O CDS cresceu em número de votos e número de deputados, consolidando-se em áreas urbanas como Lisboa e Setúbal. Mais importante que isso: fará parte da próxima solução governativa. Um momento alto na carreira política de Portas.

 

Jerónimo de Sousa. A CDU ganha apenas um deputado mas é a única força de esquerda que resiste nestas legislativas. E alcança sobretudo um saboroso triunfo sobre um rival de estimação: o Bloco de Esquerda. A personalidade do secretário-geral comunista desempenhou um papel importante neste resultado.

 

Debates. Não há campanha sem debates. Esteve mal, portanto, um jornal que titulava recentemente em manchete "O povo não vai em debates". Pelo contrário, nestas legislativas os debates televisivos tiveram nível, substância e uma influência determinante. Com destaque natural para aquele que opôs Sócrates a Passos Coelho. Porque o povo vai mesmo em debates.

 

Fernando Nobre. Foi uma aposta arriscada de Passos Coelho para encabeçar o distrito de Lisboa. Aposta ganha: Nobre contribuiu para reforçar a votação social-democrata no principal círculo eleitoral do País (mais cinco deputados e mais 9% dos sufrágios), onde o PSD obtém o melhor resultado desde 1991, depois de ter vencido claramente um debate televisivo na TVI 24 com o cabeça-de-lista do PS em Lisboa, Ferro Rodrigues.

 

Cavaco Silva. Estaria agora a ser alvo de todas as críticas se o PS voltasse a ganhar as legislativas. A clara derrota eleitoral dos socialistas, menos de dois anos após o anterior escrutínio, confirmou que a maioria parlamentar já não correspondia à maioria sociológica do País. A dissolução do Parlamento foi, portanto, a melhor decisão que havia a tomar.

O nome mais cobiçado

Pedro Correia, 19.04.11

 

Fernando Nobre tem confessadas simpatias monárquicas. Apesar disso, o republicaníssimo Mário Soares convidou-o para membro da Comissão Política e da Comissão de Honra da sua candidatura presidencial, em 2006. Apesar de ter apoiado Soares, o Bloco de Esquerda convidou-o para mandatário nacional da sua lista de candidatos ao Parlamento Europeu em 2009, liderada por Miguel Portas. Apesar de ter sido mandatário da candidatura do Bloco, o social-democrata António Capucho convidou-o no mesmo ano para membro da Comissão de Honra da sua candidatura autárquica a Cascais. Apesar de ter sido apoiante do candidato presidencial do PS em 2006, Fernando Nobre desafiou o candidato presidencial do PS em 2011, apresentando-se ele próprio a sufrágio. Com o apoio, entre muitas outras figuras, de Maria Barroso e Isabel Soares.

Monárquico, republicano, de esquerda e de direita: querem um verdadeiro independente? Aí o têm. Pedro Passos Coelho acaba de o convidar para integrar a lista eleitoral do PSD por Lisboa - e ele aceitou. Caiu o Carmo e a Trindade. Como se o percurso errático de Fernando Nobre na política tivesse começado agora. E esquecendo os actuais críticos que foi por causa dessas contradições e não apesar delas que Nobre recolheu 600 mil votos em Janeiro, correspondentes a 14% dos sufrágios nas presidenciais. Ampliando o fenómeno José Manuel Coelho também no escrutínio presidencial de há três meses: um político que se diz comunista e apesar disso foi eleito por um partido de direita para a Assembleia Legislativa Regional da Madeira, tendo recebido na candidatura a Belém votos de todos os quadrantes políticos.

Deixemo-nos de hipocrisias: na corrida aos candidatos independentes, Nobre era certamente o nome mais cobiçado. À esquerda e à direita. Socialistas e bloquistas gostariam de o ter também com eles, como já sucedeu no passado. Passos Coelho levou a melhor, os adversários políticos criticam-no. Tudo isto faz parte do jogo político e teria porventura alguma importância se o País não estivesse - como está - à beira da bancarrota.

Em estado de choque

Pedro Correia, 15.04.11

 

 

Fernando Nobre anda a ser criticado, vejam lá, por faltar à palavra: disse que não se envolveria com nenhum partido e acabou por aceitar figurar como independente nas listas do PSD. Quem o critica, em grande parte, é gente que acha muito bem haver um primeiro-ministro que agora governa com o FMI quando há poucos dias jurava que não governaria com o FMI. "Continuarei a dar o meu melhor para que Portugal possa escapar a esse cenário. Lutarei para que isso não aconteça", declarou o primeiro-ministro em entrevista à RTP, na noite de 4 de Abril, justificando assim esta intransigência: "Um pedido de ajuda externa significaria que o País perderia reputação e prestígio." Quarenta e oito horas depois, dava o dito por não dito.

Quem critica Nobre, em boa parte, é gente incapaz de contestar o secretário-geral do PS, que levou ao recente congresso do partido uma moção estratégica em que se rejeitava expressamente um auxílio financeiro de emergência a Portugal. "Eu não estou disponível para governar com o FMI", declarou alto e bom som o secretário-geral dos socialistas, a 19 de Março, com aquele ar de convicção estudada com que diz tudo e o seu contrário. Quando a moção foi votada e aprovada, em pleno congresso, estava já ultrapassada pelos acontecimentos: o mesmíssimo secretário-geral que negava a necessidade de intervenção estrangeira nas finanças portuguesas acabara de solicitar a referida ajuda externa. Cambalhotas atrás de cambalhotas, trapalhadas atrás de trapalhadas. Sem um sussurro crítico de muitos daqueles que agora se confessam chocados com as incongruências de Nobre.

Eu, por mim, não me choco com a duplicidade de critério destes incongruentes, que em larga medida cumprem uma antiquíssima tradição do servilismo lusitano: é de bom tom evitar qualquer crítica ao Governo. Choca-me, isso sim, que Portugal esteja à beira da bancarrota - e que, segundo as estimativas do FMI, venha a ser o único país da União Europeia em crise persistente no próximo ano.

De uma coisa tenho a certeza: não foi Fernando Nobre quem conduziu Portugal a este cenário de ruína.

O Fernando que, antes de ser, já era

André Couto, 13.04.11

O Governo caiu. O Benfica, desta vez, não foi campeão. O FMI chegou.

A campanha corria macambúzia. O tom e os assuntos do debate ajudavam a que os programas do costume mais parecessem canções de embalar.

Até que Pedro Passos Coelho sacou da cartola - acho que este trocadilho ainda não foi muito explorado - Fernando Nobre como candidato a Presidente da Assembleia da República. E tudo mudou.

Os espíritos como o meu, mais desiludidos pelo vazio de ideias e espaço para o debate, sabem agora que, apesar de o FMI limitar a margem de discussão de programas eleitorais, teremos sempre Fernando Nobre!

 

Um qualquer Fernando disse que Deus fazia o Homem sonhar para a obra nascer. Hoje, outro Fernando, o mesmo que queria reformar todos os políticos e todo o sistema político, começa pelo vértice mais importante desta cruzada: a (sua) eleição directa do Presidente da Assembleia da República. E não o faz por menos: enquanto candidato a deputado já ameaça não chegar sê-lo...

Reflexões pré-eleitorais (2)

Rui Rocha, 11.04.11

Não sou um entusiasta de Fernando Nobre. Não votei nele nas presidenciais. Não me agradou o tipo de  campanha que fez. Creio mesmo que teve momentos bastante infelizes. Sou sensível à maior parte dos argumentos que têm sido utilizados para criticar a sua escolha como cabeça-de-lista do PSD em Lisboa. Parecem-me viáveis quer as críticas que se fazem à instabilidade política de Nobre quer as que, na óptica dos interesses do PSD, defendem a existência de outras alternativas ou salientam que a  opção não trará grandes benefícios eleitorais. Entretanto, tendo em conta a dimensão das reacções que já se produziram, creio que é oportuno sublinhar os seguintes pontos:

  • a opinião pública e os meios de comunicação social não têm para outros actores políticos a mesma tolerância que demonstraram para José Sócrates. Ainda bem que assim é. A bem dos interesses do país, o PSD deve perceber que existe uma diferença profunda entre alternativa e alterne. Esperemos, entretanto, que o grau de exigência seja aplicado em todas as direcções;
  • não vejo que Nobre seja mais incompatível com o PSD do que Alegre com o PS. Bem pelo contrário, tendo em conta a sucessão de posições antagónicas com os interesses do partido que Alegre protagonizou no passado recente;
  • José Sócrates foi aclamado pelo Congresso do PS quando afirmou que são os socialistas que escolhem o Secretário-Geral do partido. É preciso muita lata para certos dirigentes do PS virem agora criticar a escolha de Fernando Nobre pelo PSD. Não incluo na crítica, naturalmente, todos os que, sem vínculo ao aparelho socialista, se pronunciam com total legitimidade sobre a situação;
  • o ruído que o caso gerou é desproporcionado face à sua real importância. O esforço do país deveria ser investido na discussão da responsabilidade pela actual situação e na avaliação das propostas políticas para a superar. Nobre não foi parte do Governo anterior, nem será Ministro do próximo. A análise do valor intínseco dos diversos cabeças-de-lista dos vários partidos constituiria um exercício penoso em que Nobre não seria o pior colocado. O exercício da função de Presidente da Assembleia da República, se vier a concretizar-se, não parece escandaloso se tivermos em conta que foi o 3º candidato mais votado na eleição presidencial. Outros já a exerceram sem que alguma vez se tenham submetido a sufrágio directo.

Notas avulsas da noite eleitoral

Pedro Correia, 24.01.11

 

 

1. Registou-se, como previ, a maior taxa de abstenção de sempre numa eleição presidencial: 53%. Houve menos um milhão de portugueses a votar nestas presidenciais, em comparação com as de 2006. Um sinal inequívoco do divórcio dos cidadãos em relação ao sistema político.

2. Houve 270 mil portugueses a votar branco ou nulo, o equivalente a 6,3% dos eleitores. Isto apesar de os votos brancos ou nulos serem irrelevantes para a contabilidade final em eleições presidenciais. Outro sintoma inequívoco de distanciamento.

3. Muitos portugueses não puderam hoje votar por motivos de ordem burocrática totalmente inadmissíveis. A culpa não pode morrer solteira. Espera-se, pois, a demissão do ministro da Administração Interna e do presidente da Comissão Nacional de Eleições ainda hoje.

4. Manuel Alegre, sem o apoio oficial do PS nem do Bloco de Esquerda, obteve há cinco anos maior percentagem (20,7%) e mais 300 mil votos do que agora (19,8%). José Sócrates e Francisco Louçã, em vez de somar, subtraíram.

5. O eleitorado do centro é decisivo. Por isso a radicalização à esquerda da candidatura de Alegre foi totalmente incompreensível. O desastre eleitoral estava à vista: eu bem avisei.

6. Fernando Nobre, sem aparelho partidário, foi o candidato genuinamente apartidário com maior sucesso nas urnas nestes últimos 30 anos. Com 14%, duplicou a percentagem obtida em 1986 por Maria de Lurdes Pintasilgo. Revelou-se, de facto, a maior surpresa desta noite eleitoral.

7. Numa altura em que os partidos muitas vezes são parte do problema e não da solução há hoje cada vez mais espaço para candidaturas de cidadania, emergentes da sociedade civil.

8. No duelo muito particular que mantém com o BE, o PCP não se saiu mal: aguentou o essencial do seu território. Mas o candidato comunista, Francisco Lopes, obteve metade da percentagem de Nobre, recolhendo menos 130 mil votos do que o seu camarada Jerónimo de Sousa em 2006. Com a máquina comunista a apoiá-lo enquanto Nobre não tinha máquina alguma.

9. Também sem máquina de espécie alguma, José Manuel Coelho obteve 4,5%. Mais que isso: conquistou maioria em três concelhos da Madeira, incluindo o Funchal, em ano de eleições regionais. E superou Lopes em Vila Real. Vale a pena analisar este fenómeno, que na região autónoma ultrapassa o mero voto de protesto.

10. Durante semanas, escutámos comentadores televisivos falar apenas em dois candidatos. Cavaco e Alegre. Como se mais nenhum existisse. Estes comentadores - muitos dos quais já tinham ignorado Alegre nas presidenciais de 2006 - também saem derrotados. E de que maneira.

11. Defensor Moura, esmagado nas urnas, fez um discurso de puro ódio pessoal contra Cavaco. Não cumpriu as regras mínimas do fair play democrático.

12. Destaque para o bom senso revelado por Pedro Passos Coelho. Os sociais-democratas "não vão à boleia desta eleição presidencial", acentuou o presidente do PSD, apresentado como "presidente da Assembleia Municipal de Vila Real" num comício de Cavaco. Fica-lhe bem esta prudência.

13. O melhor discurso da noite foi o de Alegre. Felicitou o vencedor e assumiu a derrota com humildade democrática. Nem uma palavra a mais, nem uma palavra a menos.

14. José Sócrates igual a si próprio com esta frase notável: "Todo o Partido Socialista esteve ao lado de Manuel Alegre."

15. Cavaco Silva, com menos meio milhão de votos que em 2006, pareceu totalmente fora de tom no seu amargo e crispado discurso da vitória: "Nunca vendi ilusões aos portugueses nem prometi o que não podia cumprir." Ninguém tenha dúvidas: esta é uma declaração de guerra contra Sócrates. Começou um novo ciclo na política portuguesa.