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Delito de Opinião

Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 20.03.23

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A 20 de Março celebra-se A Chegada da Primavera

«A Primavera começa hoje, oficialmente, em Portugal. Noutros anos, só tem início a 21 de Março.

Os ponteiros do relógio irão ser adiantados no último domingo deste mês, quando entraremos no chamado horário de Verão, que irá prolongar-se até final de Outubro.

O equinócio da Primavera ocorre quando o Sol cruza o plano do equador celeste (a linha do equador terrestre que é projectada na esfera celeste). Acontece em Março no hemisfério em que nos encontramos. No hemisfério sul, o equinócio da Primavera acontece em Setembro, quando entramos no Outono.

 

Tenho saudades da Primavera tal como a conheci na minha meninice. Muitas andorinhas e outros passarinhos, um sol tímido que depois de almoçar irradiava um calorzinho bom, os cheiros eram mágicos por todo o lado, e acreditem, o verde tem cheiro, e o aroma a flores e a verde era inebriante. Sentávamo-nos a bordar à sombra de um caramanchão de farta folhagem, lanchávamos a merenda, jogávamos às escondidas e à apanhada e contávamos a alegria das cores primaveris. O regresso a casa era alegre, saltitante e chilreante como a própria Primavera.

 

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Este é O Dia Internacional da Felicidade

«Haver um Dia Internacional da Felicidade pode soar um pouco infantil para os não iniciados. Mas a verdade é que nesta data não há apenas sorrisos e boas vibrações.

Comemoramos o Dia Internacional da Felicidade graças ao trabalho realizado pela ONU e à sua organização não-governamental Acção Pela Felicidade, composta por pessoas de 160 países. Este movimento visa espalhar a consciência de que o progresso não é só aumentar os resultados financeiros, mas também o bem-estar e a felicidade humana.

Em 2011, a Assembleia Geral da ONU adoptou uma resolução que assumiu como “objectivo humano fundamental” dar tanta prioridade à felicidade como às metas económicas. 

Enquanto escutamos, por exemplo,  "Happy", de Pharrell Williams, guardemos um minuto neste 20 de Março para considerar o que realmente nos faz felizes e como poderemos consegui-lo.»

 

O que é a felicidade? É amor, é saúde, é alegria e é conforto. Em podendo ser feliz assim e em podendo ajudar a tornar feliz quem nos rodeia e quem necessita, somos ricos de felicidade.

 

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Hoje é O Dia Internacional de Contar Histórias 

«Quer a história tenha palavras, imagens, sinais ou expressões, todas as formas de contar histórias são ainda mais apreciadas neste dia. 

As pinturas rupestres confirmam que já os nossos mais remotos antepassados aprenderam a desenvolver a arte de narrar histórias, o que se foi acentuando à medida que as gerações se sucediam.

Cada género de narrativa tem um lugar específico na vida de qualquer de nós.

Este Dia Internacional de Contar Histórias partiu de uma iniciativa sueca, em 1991. A tendência ganhou ritmo e rapidamente se expandiu a nível internacional.

O Dia Internacional de Contar Histórias é um pretexto adicional para lermos ou contarmos as nossas histórias favoritas.»

 

O que eu gosto de contar histórias! Narrei incontáveis livros ao meu irmão mais novo, alguns deles com a batota apressada da adolescente que quer fazer coisas, muitas coisas, sem saber bem o quê. Li muitas histórias às minhas filhas, sempre as minhas favoritas, as tradicionais e incontornáveis, as clássicas, aquelas histórias cujo final feliz puxava sempre uma lágrima emotiva e um suspiro de satisfação. Leio histórias aos meus netos. Leio as clássicas, que já não lhes dizem muito. A locução sem imagens foi destruída pelo audiovisual.  E agora as histórias são outras, diferentes e iguais. É assim a paridade. Mas não desisto nem nunca irei de contar a nossa história, rica e plena de peripécias e essa ouvem sempre com atenção.

(Imagens Google)

Que é isso de ser feliz?

beatriz j a, 16.05.22

Estava a ler na Philomag as conclusões de um inquérito que fizeram em França sobre a felicidade: "a satisfação geral com a vida é maior no final da adolescência e diminui continuamente até aos 50 anos de idade, altura em que aumenta lentamente até aos 65 anos de idade", quando as preocupações com as escolhas de vida, juntamente com as dificuldades de conciliar a vida profissional com a vida familiar, desaparecem. "Depois desta idade, a satisfação cai rapidamente" até ao fim da vida. A deterioração das capacidades físicas é um factor importante. Os meios financeiros também desempenham um papel, assim como a dimensão da habitação, a sua localização, o acesso a actividades de lazer e a riqueza das relações sociais."

Estes dados falam-nos das condições necessárias, mas não suficientes, para uma vida feliz. A felicidade é outra coisa diferente de estar satisfeito com as condições da sua vida. Determinar o que é a felicidade é muito difícil. Este ano tenho um aluno um bocado obcecado com a questão da felicidade ser impossível face à nossa condição de mortais. Outro dia perguntou-me, "como é que eu sei se sou feliz? Qual é o critério para se aferir da felicidade?" E depois acrescentou, "e de qualquer maneira, que interessa ter uma vida com momentos felizes se acaba tudo na morte?" Na verdade, tocou em dois pontos fundamentais da existência: o da felicidade, que não sabemos ao certo o que é e a do sentido da felicidade numa existência breve, mortal. 

Aos políticos exigimos o trabalho da justiça social para que possamos ter acesso às condições necessárias a uma vida feliz, mas isso não garante a felicidade, que é particular e subjectiva. A condição das condições de acesso necessárias a uma vida feliz é a liberdade. Talvez por isso na Ucrânia se batam até à morte pela liberdade.

também publicado no blog azul

Quarentena na Quaresma

Cristina Torrão, 14.03.20

Muitas pessoas aproveitam a época da Quaresma para reflectir sobre a vida, ou fazer algum tipo de jejum, seja em relação ao álcool, a doces, a carne, ou até a andar de carro (pelo menos, na Alemanha). E eu acho curioso que tanta gente tenha de fazer quarentena, ou de prescindir de tanta coisa, precisamente durante a Quaresma.

 

Nunca soube bem se acredito em Deus. Mas, à medida que os anos passam, sinto cada vez mais necessidade de acreditar em alguma coisa que nos transcenda. E, em vez de ir procurar algo longe, porque não acreditar no Deus da minha tradição cristã? Porque uma coisa é certa: exista Deus, ou não, possuo uma admiração sem limites por Jesus Cristo, que acreditou poder-se melhorar a sociedade amando e praticando o bem. Pode ser utópico, mas eu, tal como Ele, gosto de acreditar que sim, que é possível.

Por isso, me pergunto se, com esta coisa do COVID-19 e das quarentenas em tempo de Quaresma, Deus nos quer mostrar alguma coisa. Por exemplo: como é difícil ter de prescindir da nossa vida quotidiana. Como é difícil prescindir dos nossos habituais contactos sociais, dos nossos encontros de família, das nossas idas ao restaurante, ou à discoteca, ou ao ginásio, ou a eventos, sejam musicais, sejam jogos de futebol; e, sim, até nos custa prescindir das nossas idas ao trabalho, que tantas vezes amaldiçoamos.

 

Muitas vezes nos perguntamos o que é a felicidade, o que significa ser feliz. Talvez procuremos e exijamos demais; talvez ser feliz signifique apenas ter saúde suficiente para podermos fazer a nossa vida normal.

 

Quando o meu avô materno morreu, a minha avó sentiu-se perdida, sem motivação para continuar a viver. Algo passageiro, pensámos nós. Mas uma doença de Parkinson acelerou a degradação psicológica e física. A minha avó nunca mais foi feliz, até à sua morte, quatro anos mais tarde.

É bem possível que, nos seus últimos dias, ela tenha pensado em tudo aquilo que lhe fugira e não mais voltaria a ter: recordações com o marido, os filhos, os netos… O certo é que, precisamente nessa altura, estando a minha mãe com ela, a minha avó se virou para a filha e expressou as seguintes palavras: «eu era tão feliz… e não sabia». A minha avó era analfabeta (aprendeu a ler e a escrever alguma coisa com o meu avô), mas disse uma das frases mais bonitas e profundas que jamais ouvi.

 

Talvez Deus nos queira pôr um travão, nesta nossa vida consumista e desenfreada, em que não pensamos no que fazemos a nós próprios, nem aos outros seres vivos, nem a este planeta que Ele nos deu de presente e que não hesitamos em maltratar. Talvez Deus nos queira pôr a reflectir, nos queira fazer ver que deixamos fugir a felicidade que possuímos como areia por entre os dedos. Talvez Ele nos queira mostrar que não há dinheiro que pague o contacto humano e a empatia. Talvez nos queira mostrar que somos mais felizes, quando damos um passeio a pé, sem pressas, observando o que existe à nossa volta, seja na natureza, seja na cidade, do que metermo-nos no carro a acelerar e a amaldiçoar tudo aquilo e todos aqueles que se nos metem à frente, mantendo a tensão arterial em valores perigosos. Talvez nos queira mostrar que, para comer uma simples bifana, ou uma salsicha, animais tiveram de morrer, depois de uma vida em sofrimento, e que devemos dar mais valor àquilo que temos no prato, não deitando nada para o lixo de ânimo leve.

 

Podem perguntar-me se, para nos pôr a reflectir sobre tudo isso, é necessário que morra gente infectada com o COVID-19. Não vos sei responder. Só me ocorre desejar que Deus vos mantenha saudáveis.

Muros

Maria Dulce Fernandes, 05.07.19

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Muros são sempre limitações, seja quais forem os objectivos a que se propôs o seu construtor. Muros servem para delimitar, para fechar, para prender.

Seja de fora para dentro, como a Grande Muralha da China, a Muralha de Adriano ou a delimitação fronteiriça EUA-México, cujo propósito foi (e ainda é ) manter os invasores e ilegais afastados, ou de dentro para fora, como o Muro de Berlin ou a Safety Wall (irónico o nome...) na Cisjordânia, fortificações que isolam países inteiros e que circunscrevem o espaço e a vida das pessoas que neles habitam.

Depois há os muros das prisões, tantos e tão longos, que postos em linha dariam a volta ao globo terrestre.
O ser humano é o único animal que encarcera outros animais de diferentes espécies; encarcera também o seu semelhante, o bípede homo sapiens. A questão deontológica da aplicação da justiça dos homens nunca há-de ser pacífica nem conforme em igualdade, o que não significa que seja errada.

Deixei para o fim os outros muros, aqueles mais altos, mais fortes,  horrendos e intransponíveis, que são os muros psicológicos da intolerância.

Em pleno século XXI, igualdade de  cor, credo, raça e género continuam sem o reconhecimento que tanto criacionistas como evolucionistas lhes conferiram.

São séculos de segregacionismo, preconceito de género, xenofobia, homofobia, intolerância religiosa, em suma e numa só palavra ignorância, obscena e simples.

A história dos homens tem milhões de páginas que descrevem os horrores, a indignidade,  as atrocidades a que os seres humanos sujeitaram os seus iguais, em nome da pureza da raça, da verdadeira profissão de fé, da ginecofobia machista ou simplesmente da diferença.

A palavra Tolerância: Tolerância para mim é um exercício constante, para que eu possa ser uma pessoa melhor no trato com o meu semelhante,  todos os homens e mulheres de espírito aberto e vontade férrea. Se cada um de nós é um grão de areia no espaço infinito do universo, muitos grão de areia poderão formar o areal por onde poderemos correr em liberdade impolutos de corpo e espírito aos olhos de um  mundo que se quer renovar.

Somos  prisioneiros do preconceito que se manifesta diariamente em tantos aspectos das vidas de todos nós e, mesmo sem nos apercebermos, procuramos incessantemente abrir a gaiola e sair em liberdade, porque a felicidade de todos é a soma da felicidade de cada um.

 

Instantes em sépia, com capa de muitas cores (3)

Maria Dulce Fernandes, 10.05.19

Finalmente! Diazinho complicado, este! Mais duas ou três tarefas rotineiras, começar a preparar o fecho e pronto! Acaba por hoje. Amanhã é outro dia.
Outra vez a porta! Um dia destes esgano o raio das campainhas. - Sim? Diz lá. - Posso falar consigo? - Claro , entra ! Então o que se passa agora? - Não é nada de trabalho. – Tudo bem, não te preocupes.
- É o João Carlos. Ele não me respeita. Agarra-me em frente a toda a gente e diz coisas ordinárias de modo que todos oiçam, sejam conhecidos ou não. Já tentei falar com ele, mas nem me responde, vira a costas e vai embora. Assim não consigo trabalhar.
- Olha, pequena, eu posso falar com ele, tentar minimizar esses atritos no trabalho, mas não sei se vai resultar bem, ou pelo menos como gostarias que resultasse. Tu sabias que irias ter uma luta muito grande pela frente, pela aceitação, pela integração e pela igualdade, verdade? O João Carlos é teu amigo desde a primária, foi teu padrinho de casamento e é “tio" dos teus filhos. Se a tua decisão foi um choque para todos os teus amigos, imagina para o João Carlos. - Eu entendo isso tudo. O meu psicólogo já trouxe o assunto à baila diversas vezes . Eu sabia e sei que não vai ser um mar de rosas, mas principalmente vindo do João Carlos, porque temos uma grande cumplicidade desde miúdos, dói mais que tudo o resto. – Ora aí está! Tu sentes-te revoltada porque ele não te aceita nem te apoia e o João Carlos sente-se revoltado porque se sente traído. Afinal ainda há bem pouco tempo os dois eram unha com carne, nas noitadas, nos copos, com as mulheres, no futebol, nas patuscadas… - Mas isso não era eu! Era uma versão de mim que eu detestava! Agora sinto-me completa neste corpo que não percebia, que me incomodava como se de uma prótese se tratasse. – Longe de mim prensar que mereces menos do que a versão de ti que te faz feliz, mas tens que pensar que o Manuel foi a única versão da Emmanuelle que o João Carlos conheceu a vida inteira e de que não vai abrir mão com o estalar de dedos que foi a tua decisão. De qualquer modo, vou conversar com ele acerca do seu comportamento no trabalho, mas isto não quer dizer que lhe vou abrir a cabeça , trepanar e transplantar ideias. Tens que dar tempo ao tempo. E não chores, caramba ! – Vou tentar… obrigada por me ouvir. – Sempre que precisares, pequena, vai tranquila.
Parece que levei uma tareia, caramba. Gosto dela, como gostei dele. Não quero nem posso deixar transparecer a dificuldade que tive em compreender. Aceitar, aceito sempre tudo aquilo que contribua para o bem estar, a qualidade de vida e a felicidade das pessoas boas. Mas não posso fingir que a revelação brusca Manuel/Emmanuelle não foi um potente murro no estômago do qual não me recompus, eu e toda a gente que com ela priva. Talvez tenha sido melhor assim. Terapia de choque, PTSD, sei lá.

O efeito bumerangue

Helena Sacadura Cabral, 03.06.15

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 “...Ser feliz é uma deci­são, não é um acaso, nem é deter­mi­nado pelas cir­cuns­tân­cias...”

 

 Esta frase foi retirada de um curioso post de Eugénia de Vasconcellos intitulado “Síndrome de Angelina Jolie” no blogue Escrever é triste em http://www.escreveretriste.com.

Sempre defendi esta tese de que a felicidade dá muito trabalho, já que “infelizes somos todos um pouco”... Mas há quem pareça não acreditar nesta realidade e se compadeça enormemente não só com a sua infelicidade, mas também com a dos outros. Ao compadecer-se cada um está, automaticamente, a empregar todas as suas energias num sentido negativo. Ter pena de si próprio é meio caminho andado para que tudo nos possa correr ainda pior...

Há um ditado popular que uso com muita frequência e que diz mais ou menos isto: “faz por ti que Deus te ajudará”. Tirando o sentido religioso que lhe está subjacente, o essencial é justamente o que defendo. Ou seja, esforça-te, luta, prossegue, não desistas dos objectivos porque, nalgum momento, a vida, como um bumerangue, te devolverá todo o teu empenho!

as coisas que aparecem no meu email

Patrícia Reis, 05.02.14
SENHORAS E SENHORES: O PRODUTO MAIS DIABÓLICO DA HUMANIDADE

O que mais dói não é – desengana-te – a infelicidade. A infelicidade dói. Magoa. Martiriza. É intensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar. Mas a infelicidade não é o que mais dói. A infelicidade é infeliz – mas não é o que mais dói.

O que mais dói é a subfelicidade. A felicidade mais ou menos, a felicidade que não se faz felicidade, que fica sempre a meio de se ser. A quase felicidade. A subfelicidade não magoa – vai magoando; a subfelicidade não martiriza – vai martirizando. Não é intensa – mas é imensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar – mas em silêncio, em surdina, em anonimato. Como se não fosse. Mas é: a subfelicidade é. A subfelicidade faz-te ficar refém do que tens – mas nem assim te impede de te sentires apeado do que não tens e gostarias de ter. Do que está ali, sempre ali, sempre à mão de semear – e que, mesmo assim, nunca consegues tocar. A subfelicidade é o piso -1 da felicidade. E não há elevador algum que te leve a subir de piso. Tens de ser tu a pegar nas tuas perninhas e a subir as escadas. Anda daí.

Sair da subfelicidade é um drama. Um pesadelo. Sair da subfelicidade é mais difícil do que sair da infelicidade. Para sair da infelicidade, toda a gente sabe – tu mesmo o sabes: tens de tomar medidas drásticas. Medidas radicais. Porque a infelicidade é, também ela, radical. Mas sair da subfelicidade é uma batalha interior muito mais dolorosa. Desde logo, porque não sabes se queres, mesmo, sair da subfelicidade. Porque é na subfelicidade que consegues ter a certeza de que evitas a desilusão – terás, no máximo, a subdesilusão; porque é na subfelicidade que consegues ter a certeza de que evitas a perda – terás, no máximo, a subperda. Estás a ficar perdido com o que te digo?

A subfelicidade é o produto mais diabólico que a humanidade criou. Formatado pela consciência, o homem assimilou um conceito que, na verdade, não existe: o da felicidade segura. Espero que estejas bem seguro nessa cadeira quando leres o que aí vem no próximo parágrafo.

A felicidade segura não existe. A felicidade segura é segura, sim – mas não é felicidade. A felicidade pacífica é pacífica, sim – mas não é felicidade. A felicidade, quando é felicidade, assolapa, euforiza, arrebata. E não deixa respirar, e não deixa sequer pensar. A felicidade, quando é felicidade, é só felicidade. E tudo o que existe, quando existe felicidade, é a felicidade. Só ela e tu. Ela em ti. Ela em todo o tu. A felicidade, para ser felicidade, não tem estratos, não tem razão. Ou é ou não é. A felicidade é animal, de facto – mas é ainda mais demencial. Deixa-te louco de felicidade, maluco de alegria, passado dos cornos. Só quando estás dentro da felicidade é que estás fora de ti. Liberto do corpo, da matéria, da sensação – e imerso naquela indizível comunhão. Tu e a felicidade. Já a sentiste, não?

Não há como dizer de outra maneira: se estás acomodado à subfelicidade, se tens medo de ser feliz e preferes a certeza de seres subfeliz: és um triste de todo o tamanho. A subfelicidade é uma tristeza. Uma tristeza de hábitos, de rotinas, de sorrisos – uma tristeza que inibe a surpresa, o imprevisível, a gargalhada. Uma tristeza que te faz refém do que fazes e te impede de te seres o que és. Olha em redor: a toda a volta há pessoas subfelizes, pessoas que dizem “vai-se andando”, pessoas que dizem “tem de ser”, pessoas que dizem “eu até gosto dele”, pessoas que dizem “sou feliz” com os olhos cheios de “queria ser feliz”, pessoas que dizem “é a vida”. Mas não é. A vida não é a quase felicidade. A vida não é a subfelicidade. E, se é a primeira vez que vês isso, fica entendido o que sentes. Ou subentendido, pelo menos.

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in "Eu Sou Deus", de Pedro Chagas Freitas
Para encomenda de um ou mais exemplares autografados, basta enviar e-mail para pedrochagasfreitas1@gmail.com

Romanticídio

Laura Ramos, 14.02.11

 

Neste dia tão parvo, estou com o Miguel Esteves Cardoso:

 

«Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em “diálogo”. O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam “praticamente” apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do “tá bem, tudo bem”, tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?

O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A “vidinha” é uma convivência assassina. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.»

Felizes uma ova

João Carvalho, 29.06.09

Os portugueses são pobres e desmobilizados, num país socialmente muito frágil; mesmo assim, apesar de pouco capazes de se mobilizar individual e colectivamente, são felizes. É a conclusão (?) do recente estudo Necessidades em Portugal – Tradição e Tendências Emergentes, de sociólogos do Centro de Estudos Territoriais do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa.

OBJETIVO 1: ERRADICAR LA POBREZA EXTREMA Y EL HAMBRE por Diego SiquieresAs notícias que vi sobre aquele estudo deixam um bocado a desejar: dão conta dos baixos rendimentos de muitos agregados sem dizer quantas pessoas compõem esses agregados; referem casais jovens que acabam por se considerar relativamente felizes com alguma relutância, talvez pela idade e por se sentirem saudáveis, mas não concretizam a ideia de felicidade; e por aí fora.

Sou muito desconfiado em relação a estas conclusões abstractas de que os teóricos costumam gostar muito. Interessa-me mais o lado concreto das coisas. Registei alguns dados mais específicos.

A população pobre anda nos 20 por cento e o estudo ainda  encontrou privações que se alargam muito para lá dessa percentagem. Por exemplo: um terço dos portugueses em condições precárias e preocupados com a sua sobrevivência e 32,6 por cento sem conseguir aquecer a casa; muito mais do que os 20 por cento de pobres sem conseguir pagar uma semana anual  de férias fora e de regresso ao trabalho antes de concluídas as baixas médicas por causa da redução salarial; 57 por cento com um orçamento familiar abaixo dos 900 euros.

Outros dados: a privação média ou alta atinge 35 por cento dos portugueses; os mais vulneráveis são os idosos, as famílias monoparentais e os menos instruídos; os mais jovens também já enfrentam situações de vulnerabilidade; as qualificações superiores não garantem emprego.

Posto isto, o tal estudo diz que as condições deficientes ou más determinam (numa escala de 1 a 10) um grau de satisfação de 6,6 (um dos mais baixos da Europa) e um grau de felicidade de 7,3.

Concluir que estamos satisfeitos e que somos felizes é aceitar com um encolher de ombros que temos notas positivas sem sequer  saber o que é satisfação e felicidade. Por isso é que não gosto de abstracções. Basta reler os dados concretos para ficar assustado. E para desmontar o cenário que o actual governo apregoava há um ano sobre o aumento da nossa qualidade de vida e a descida do número de pobres.

 

Nota — Sobre este assunto, vale a pena reler esta reflexão no DO, do Jorge Assunção, escrita há pouco mais de um mês.

Macho latino

Jorge Assunção, 21.05.09

 

Ainda a propósito disto (e sou absolutamente contra qualquer tipo de quota, diga-se), encontro isto na The Economist: Men enjoy more leisure time than women in every one of 18 countries examined by the OECD. Italian men have it easiest in comparison with women, lazing around for nearly 80 minutes more each than women who, apparently, clean the house. Other staunch Catholic countries also see big gaps between the sexes, and even in egalitarian Norway men manage to sneak an extra four minutes more to themselves. Portugal não aparece no gráfico, mas não deve andar muito longe do que se passa em Espanha, Itália ou França. Talvez isto ajude a explicar o porquê de nos últimos trinta e cinco anos, apesar das muitas melhorias que se verificaram para as mulheres, a sua felicidade subjectiva aparentemente baixou, quer de forma absoluta, quer de forma relativa face aos homens, nos países desenvolvidos.

Mais pobres e menos felizes

Jorge Assunção, 19.05.09

 

A OCDE publicou este mês o relatório Society at a Glance 2009 onde, entre outras coisas, é possível ter acesso aos gráficos que acompanham este post referentes aos dados sobre a satisfação média que as pessoas desses países aparentam ter para com a vida que levam. O que há a destacar no primeiro gráfico? Entre os 30 países em causa, Portugal está na quinta posição a contar do fim no que toca à felicidade (isto até permite algum spin, afinal de contas, há outros em situação pior que a nossa). Mas antes de ir à situação portuguesa, ainda sobre a interpretação destes gráficos, Thomas Kostigen aproveita para tentar estabelecer uma relação entre impostos e felicidade, isto porque os países mais felizes, são países com elevadas taxas de tributação. Matthew Yglesias afirma, como é óbvio, que não pode ser o acto de pagar impostos a deixar as pessoas mais felizes. Por isso, segundo este, é mais plausível atribuir estas diferenças às desigualdade de rendimento, no sentido em que países que apresentem maior igualdade, tendem a ser mais felizes. Will Wilkinson contesta, isto porque, entre outras considerações, os Estados Unidos, com o seu nível de tributação baixo e desigualdade grande, aparecem relativamente bem colocados no ranking. Wilkinson questiona mesmo porque as desigualdades de rendimento dentro de um país afectariam a felicidade individual? Diz este, provocando, que "as pessoas não experienciam coeficientes de Gini. Preocupam-se é com o carro dos vizinho".

 

Mas o que me chamou a atenção nos dados foi este gráfico:

 

 

E o quê que este gráfico nos diz? Que entre todos os países em análise, Portugal destaca-se por ser aquele onde a felicidade entre 2000 e 2006 mais diminuiu. Não é só o facto de estarmos cada vez menos felizes, contrariamente à tendência, mas pior que isso, somos o que tem a variação mais negativa no período em questão (aqui não há nenhum spin que valha). A questão é: porquê? A Kostigen não posso recorrer, afinal de contas, se algo aconteceu em Portugal neste período no que toca a impostos, foi a subida destes (e o futuro promete mais subidas). A Yglesias talvez faça algum sentido recorrer, segundo consta a desigualdade aumentou na sociedade portuguesa no período em questão. Mas, para mim, a desigualdade só por si não explica a situação, acredito mesmo que num país onde aumente a desigualdade, mas todos os estratos sociais vejam a sua situação melhorar, a felicidade tenderá a aumentar. O problema português é que a nossa riqueza estancou, deixamos de criar riqueza como até então. E com isto largos sectores da sociedade não só viram estancar o seu nível de vida como, pior que isso, encontraram-se de um momento para outro, contrariamente às expectativas geradas, a empobrecer. E se os dados ficam por 2006, não me admiro que de lá para cá a situação tenha piorado. Digo mais, perante aquilo que o futuro nos reserva, temo pelo que será deste país.

 

Voltando ao carro do vizinho a que Wilkinson faz referência, mas tomando-o noutro sentido, estou verdadeiramente preocupado porque são cada vez mais os carros dos vizinhos parados na minha rua nos dias da semana. E isso transmite uma realidade espelhada nos números do desemprego que vão sendo divulgados a cada mês que passa. E mais preocupado estou porque algumas destas pessoas não aparentam qualquer expectativa de encontrarem novo emprego tão cedo. O que os preocupa não é quando voltarão a ter emprego, mas muito mais se o governo prolonga ou não o subsídio a que actualmente têm direito. E esta é uma questão que devia ser central num ano em que se disputam três eleições: desde quanto nós, portugueses, aceitamos de bom tom continuar a empobrecer de ano para ano. Desde quando a apatia triunfou sobre a esperança. E se é viável uma sociedade onde tantos dependem do dinheiro público para sobreviver. Foi Alexis de Tocqueville quem afirmou que "a República Americana vai durar até o dia que o Congresso descubra que pode subornar o público com o dinheiro público", uma frase que pode e deve ser repensada para esta República Portuguesa, versão século XXI.

Ninguém sabe

Jorge Assunção, 28.03.09

 

Na RTP2, hoje, pouco antes da uma da manhã, é transmitido um brilhante filme japonês, baseado numa história verídica que aconteceu no Japão em finais da década de oitenta. Entretanto, o economista Nattavudh Powdthavee é autor de um artigo polémico sobre as crianças e a felicidade que elas (supostamente) não trazem: Think having children will make you happy? Think again, suggests Nattavudh Powdthavee – you’re experiencing a focusing illusion. Para a mãe das crianças do filme em causa, estas não eram muito mais do que isso: um entrave à sua felicidade. Eu cá, ilusão ou não, vou continuar a considerar que as crianças trazem felicidade, a história real que originou o filme é que não me causa mais do que tristeza.

A procura da felicidade

Jorge Assunção, 22.03.09

No Economix, Catherine Rampell tem dois posts interessantes sobre a correlação de algumas variáveis com a felicidade. No primeiro dá conta da correlação positiva entre rendimento e felicidade, no segundo remete para esta análise de Richard Florida, onde é identificada uma correlação positiva entre variáveis como o nível de escolaridade, a percentagem de homossexuais e a percentagem de estrangeiros com o grau de felicidade nos estados norte-americanos.

Sendo certo que correlação não significa causalidade - por exemplo, o facto dos estados norte-americanas onde existe maior felicidade terem maior quantidade de estrangeiro pode ser explicado pelos imigrantes procurarem deslocar-se para locais de maior felicidade - alguns dos dados não deixam de ser interessantes.

Sobre o tópico, o ano passado foi divulgado um estudo para o Reino Unido onde era dito que apesar do aumento da riqueza dos agregados familiares do país entre 1987 e a actualidade, os níveis de felicidade eram semelhantes para ambos os períodos. Conclusão: a riqueza não traz felicidade. Será?

Ao mesmo tempo que era divulgado este estudo britânico, Justin Wolfers e Betsey Stevenson divulgavam outro estudo onde chegavam à conclusão que as pessoas mais ricas eram mais felizes que as mais pobres; os países ricos eram mais felizes que os países pobres; e que à medida que um país enriquece, os níveis de felicidade tendem a aumentar [mais sobre o assunto aqui]. Vem isto contrariar aquilo que o estudo britânico sugeria? Sim, o caso britânico não será portanto a regra.

Mais do que isso, veio contestar o paradoxo de Easterling que tem dominado a ciência que estuda a felicidade, pondo em causa a ideia de que o bem estar dentro de uma sociedade, a partir de um determinado nível de rendimento, é motivado apenas pelo status quo e situações de desigualdade na distribuição do rendimento.

Mas o que verdadeiramente me interessa neste momento é: Can blogging make you happier? Parece que sim...