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Delito de Opinião

Sublevação em Inglaterra

jpt, 07.08.24

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(Oswald Mosley, retrato do artista quando jovem)

Na semana passada aconteceu um desgraçado ataque em Southport, tendo como corolário o assassinato de três meninas e ferimentos em mais algumas. De imediato explodiu o boato que teria sido um imigrante ilegal (um dos boat people que continuadamente atravessam o Canal da Mancha) muçulmano, recém-chegado ao país. Parece que não, o miserável assassino será um filho de imigrantes ruandeses (país maioritariamente cristão), nado e criado na Grã-Bretanha. Mas pouco interessa a verdade, o boato espalhou-se, fundamentalmente através da rede Telegram (a recomendada pelo ditador Maduro, esse tão do apreço de parlamentares portugueses). Impulsionadas por essa incessante "partilha" mentirosa, turbas de milhares de britânicos têm-se manifestado, violentamente, em várias cidades - e não são apenas os degenerados tatuados, típicos do velho holiganismo futebolístico e que tão emulados vêm sendo pela ralé ocidental, pois as imagens mostram gentes com, pelo menos, aparência de serem "peles limpas".

Opõem-se à imigração, perseguem imigrantes, atacam seus locais ou de requerentes de asilo, templos e albergues, preferencialmente se muçulmanos. E empresas ou escritórios associáveis a trabalhos com a imigração. A polícia britânica afadiga-se, há milhares de detenções, já condenações a pesadas penas de prisão para alguns dos vândalos. Musk, o histriónico Citizen Kane actual (e apoiante de Donald Trump, o golpista tão do apreço de parlamentares portugueses) apoia o disseminar dos boatos e a continuidade das "jacqueries" na Grã-Bretanha, anunciando uma "guerra civil".

No centro de Londres instituições universitárias alertam os seus alunos para particulares cautelas nos próximos dias. Para restringirem a sua mobilidade. Especialmente se forem muçulmanos. Ou mesmo apenas "não-brancos". Peço, com veemência, à minha filha para se deixar ficar em casa, mesmo que ela possa perfeitamente passar por inglesa.

Não fosse ela cruzar-se com a escumalha imunda que, entre desmandos violentos, urra "CHEGA! CHEGA!". Siamesa, mas mais rija, da corja que para aqui anda a excitar-se. Mais mansa, por enquanto.

Os rótulos fáceis do jornalismo preguiçoso

Pedro Correia, 13.12.23

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A SIC fez esta estrondosa descoberta: 56% dos eleitores argentinos são de "extrema-direita". Eis uma demonstração prática de jornalismo preguiçoso - aquele que se apressa a pôr rótulos na política e varre contextos, circunstâncias e questões concretas para debaixo do tapete. Neste caso, vale a pena lembrar que a Argentina já foi um dos países mais ricos do globo: em 1912 tinha a nona economia mundial, à frente de países como Alemanha, França e Dinamarca.

Nos últimos anos os rótulos mais frequentes desta subespécie de jornalismo são "populista" e "extrema-direita". Sem nunca haver os respectivos contrapontos. O que define a diferença entre um populista e um não-populista, por exemplo.

Será não-populista o governo peronista que terminou funções com o país mergulhado em 143% de inflação anual, uma moeda que perdeu 99,2% do valor face ao dólar nos últimos 20 anos e quatro em cada dez argentinos em situação de pobreza nesta que já foi a mais próspera nação da América do Sul?

Se proliferam os extremistas de direita, onde andam os extremistas de esquerda, suas réplicas do campo oposto?

Faz sentido designar 56% dos eleitores como extremistas, seja qual for a ideologia política que estiver em causa?

O jornalismo preguiçoso não responde a nada disto. Nem esclarece como é que um ultraliberal, como o recém-empossado Presidente argentino, Javier Milei, pode ser catalogado de "extrema-direita" e até rotulado de fascista quando o fascismo proclama a existência de um Estado forte e este economista, pelo contrário, quer um Estado mínimo. Consciente - mal ou bem - de que na Argentina, nove bancarrotas depois, o aparelho estatal não faz parte da solução, mas do problema. 

 

Hoje, mais que nunca, não há "direita". Há direitas. Meter no mesmo saco os herdeiros ideológicos do marechal Pétain e os herdeiros ideológicos do general De Gaulle, só para mencionar duas figuras históricas da direita conservadora, nacionalista e até reaccionária que se combateram entre si em França, é grave erro de análise. Tal como, por exemplo, meter Giorgia Meloni e Milei na mesma gaveta. A verdade é que Milei acaba de derrotar nas urnas os discípulos ideológicos de Juan Domingo Perón, esse sim um fascista clássico (e amigo de nazis).

Casos diferentes que devem ser analisados não como amálgama, antes como sintoma generalizado dum protesto difuso com aspectos comuns mas motivações tão diversas que escapam a rótulos simplistas. E têm igualmente erupções à "esquerda", como ocorreu em 2015 na Grécia, com a vitória eleitoral do Syriza

A dicotomia partidos velhos versus partidos novos está hoje presente nos cenários eleitorais um pouco por toda a parte. Isto tem a ver com dinâmicas históricas e crises sociais: nenhuma etiqueta pronta-a-colar a explica.

 

A verdade é que os partidos e os próprios sistemas políticos, tal como as pessoas, também envelhecem.

Em Portugal, não por acaso, do vetusto PPD/PSD já emergiram três novas forças políticas na última década. Impulso de regeneração de um sistema que gera anticorpos: nuns casos resulta, noutros nem por isso. Resultou em proporções diferentes, e até ver, com a erupção do Chega e o nascimento da Iniciativa Liberal. Não resultou com a efémera Aliança do evanescente Santana Lopes.

Acontecerá o mesmo ao PS quando passar à oposição.

Paralelismos

beatriz j a, 10.03.22

Estrangeiros dirigem-se à Ucrânia para formar uma legião estrangeira contra o fascismo de Putin como no século passado o fizeram dirigindo-se a Espanha, pouco tempo antes da Segunda Grande Guerrra, com o mesmo objectivo de lutar contra o fascismo. Para quem estranhe que se faça um diagnóstico de fascista a Putin, sendo um ex-KGB, é só avaliar os sintomas visíveis: populismo; distorção da História para engrandecer o povo; apelo e exaltação dos valores da mística da Nação russa; propaganda de demonização do Ocidente; identificação do Estado ao líder messiânico (ser contra Putin é ser contra a Rússia); identificação do líder com a alma do povo russo; vitimização; fabricação de narrativas de mentira com ocultação sistemática dos factos; agressividade.

Outros povos também tiveram líderes de perfil fascista, alguns recentemente, mas o seu sucesso foi sempre limitado devido a viverem em democracias com instituições que resistiram a esse assalto do poder por uma pessoa e a sua clique, o que é uma razão acrescida para não deixar Putin sair vitorioso desta guerra que impôs à Ucrânia, um país democrático e para reforçar a união das democracias no mundo.

 

publicado também no blog azul

O Leal fascista

José Meireles Graça, 26.09.21

Chamar alguém de fascista é um insulto que infelizmente os comunistas degradaram pelo excesso de uso.

Tudo pela Nação, nada contra a Nação, era o mote da seita, que oferecia um modelo completo de governação. Tão completo que, tecnicamente, ninguém é fascista salvo os apaniguados de Mussolini, todos os outros defensores de regimes estatistas subscrevendo diferenças em relação ao modelo original, com características próprias que, nuns casos mais e noutros menos, dele se afastavam.

É o que dizem os entendidos de respeito, que se recusam a classificar o regime salazarista, por exemplo, de fascista. E não dizem os comunistas porque, como o fascismo histórico foi derrotado, e o seu principal estadista pendurado de cabeça para baixo numa praça em Milão, tachar alguém de fascista já implica que defende ideias derrotadas, para além de odiosas.

As palavras, porém, ganham vida própria, e que se danem os rigores históricos e os tecnicismos. E na verdade, se reduzíssemos o fascismo a uma doutrina que faz prevalecer os conceitos de nação e raça sobre os valores individuais e que é representado por um governo autocrático, centralizado na figura de um ditador, quase nenhum regime seria hoje fascista, salvo talvez o chinês; mas se substituirmos nação por humanidade, raça por género, e governo por centrão rotativista, então fascistas há por aí avonde.

Fascista, para um comunista, é todo aquele que defende a liberdade económica e portanto aceita a desigualdade material que daí resulta; e para mim, que não sou menos do que um comunista e tenho igual direito de me borrifar para o rigor dos conceitos, fascista é todo aquele que vê com bons olhos o atropelo de direitos individuais em nome de um bem maior que arbitrariamente define. Dantes era a nação e agora é o que se queira: podem ser os direitos das mulheres e por isso se pretendem estabelecer regras processuais penais diferentes para os crimes contra elas; podem ser os “direitos” dos animais sencientes (senciência que exclui desde logo, abençoadamente, as lombrigas, mas não, incompreensivelmente, os ratos), e por isso se pretende acabar com as touradas; e pode ser o SNS e por isso há quem entenda que todo o vício (exagero: não é todo, é apenas aquele que possa originar doenças ou achaques e que o portador de tais opiniões não tenha) deve ser activamente combatido pelo Estado a golpes de proibições e sanções, em nome da sustentabilidade do SNS, que deve começar “a ser encarada como obrigação de cada um de nós”.

O truque consiste em defender um valor qualquer que seja consensual, neste caso a “sustentabilidade” do SNS, e absolutizá-lo. Isso faz com que a voz ou o comportamento dissonante sejam antissociais, e fica aberta a porta para a repressão. Que se danem os direitos individuais, sem cuja compressão valores colectivos imaginariamente superiores podem ser ofendidos, desde logo pela livre expressão da opinião.

É daqui que vem o combate às notícias falsas e o labéu do negacionismo: para que as notícias sejam falsas alguém assim as define, muito mais do que alguém assim as demonstra, e o negacionismo considerado perigoso é o que belisca a verdade oficial, não o que, no mercado das ideias, se cobre de ridículo. Que haja uns cómicos a acreditar que a terra é plana, ou que a humanidade nasceu exactamente há oito mil anos, duzentos e trinta e um dias, não são notícias que valha a pena censurar; mas que no imenso catálogo das medidas da “luta” anticovid, se considerem inúteis muitas, abusivas outras, contraproducentes bastantes, indutoras de males maiores do que os pressupostamentes evitados a maior parte – isso é que não pode ser. E não pode porque que o País estude, represente, reclame, discuta, mas que obedeça quando se chegar à altura de mandar, é o que o Poder deseja, a bem da grei. E como, dada a urgência, por causa do progresso das infecções e da intranquilidade pública que a comunicação social alimenta, a opinião exige medidas: do que se precisa é de obediência porque a altura de mandar já era ontem.

Temos então que há uns depositários de uma acendrada noção do que é o bem público que sabem, o que sabem calha coincidir com o que julga saber a maior parte do eleitorado e neste quadro os que discordam podem até às vezes, em nome da liberdade, dizer o que lhes vai na alma, desde que obedeçam. E, se não obedecerem, são completamente livres de o fazerem desde que não tenham os mesmos direitos que os bons cidadãos: podem perfeitamente achar que não se devem vacinar, mas não podem entrar num restaurante aos fins de semana sem exibir um certificado, nem viajar de avião, nem, nem. Hoje. E amanhã ou vivem da forma que os savonarolas da saúde acham indicada ou terão o direito de ir ao privado, porque ao público não, que está reservado a quem exiba certificados vários de bom comportamento.

Fernando Leal da Costa é um destes iluminados. Às tolices arrogantes que defende no Observador Henrique Pereira dos Santos responde cordata e certeiramente: recomendo a leitura para se entender a maneira insidiosa como o fascismo higiénico faz o seu caminho e quais são os argumentos ao dispor das pessoas de senso.

Este conflito é novo: de um lado estão os amantes da liberdade e do outro os fascistas, enquanto dantes de um lado estavam fascistas de esquerda e do outro fascistas de direita.

Fernando Leal da Costa, que foi governante no tempo da troica, é um fascista. E antes que venha por aí uma horda de comunistas abrir-me os braços e declarar, os olhos húmidos de emoção camaradesca, que vi finalmente a luz, declaro:

Fernando é tão fascista como os comunistas, mas mais perigoso do que estes, que estão acantonados na sua aldeia de cro-magnons, porque parece muito civilizado.

A costela portuguesa dos Daft Punk

João Pedro Pimenta, 11.03.21

Os Daft Punk, talvez o grupo (ou duo) de música electrónica mais famoso do globo, resolveu encerrar actividades, anuncionado-o numa mensagem lacónica a fazer justiça à imagem silenciosa dos seus elementos. Além de silencisos, eram discretos, tanto que nem mostravam os seus verdadeiros rostos em público, coisa que nos tempos actuais até parece visionária. No entanto, têm algumas curiosidades, com a origem de um dos elementos do dueto, que recordo aqui na adaptação de um post já com uns anos (podem vê-lo aqui, se quiserem).

Nas cerimónias de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno, em Sochi, destacou-se o conhecidíssimo Coro do Exército Vermelho, a cantar uma divertida versão de Get Lucky, dos Daft Punk, uma das músicas mais tocadas dos últimos anos nas pistas de dança de todo o Mundo. Um espectáculo com piada, e que é um hino à globalização: um grupo de rapazes russos a cantar, numa cerimónia internacional no litoral do Cáucaso, uma música em inglês da autoria de um duo francês, um dos quais com apelido português.

Ora o elemento de origem lusitana é Guy-Manuel de Homem-Christo, francês de terceiro geração, trineto do jornalista e polemista republicano Homem-Cristo (pai), reconhecido na toponímia aveirense, e bisneto de Francisco Homem Cristo (filho), que se destacou por ter sido o primeiro grande intelectual e propagandista do fascismo em Portugal, e cuja biografia política, Do Anarquismo ao Fascismo, é da autoria de Miguel Castelo Branco. De tal maneira ganhou a confiança de Mussolini que se tornou logo um dos principais "embaixadores" do Duce para espalhar a nova doutrina pela Europa e até mesmo para organizar um congresso do fascismo em Itália. Morreu em 1928, em Roma, num desastre de automóvel, no decurso dessas actividades políticas, quando já vivia e tinha família em França. O início da carreira dos Daft Punk, e em certa medida o seu progresso, pode ser visto no filme Eden, de Mia Hansen-Løve, baseado na percurso do seu irmão na música electrónica, onde conviveu de perto com os Daft Punk, sem nunca alcançar o enorme sucesso destes.

O irónico disto tudo é que provavelmente o Coro do Exército Vermelho, surgido, como o próprio nome indica, no tempo da União Soviética, não imaginaria sem dúvida estar a cantar uma música da autoria do bisneto de um notório propagandista do fascismo, inimigo mortal (ou outra cara da moeda?) da URSS. E com toda a certeza Homem Cristo Filho, admirador e defensor do fascismo italiano, jamais pensou que um seu descendente directo comporia músicas em inglês que seriam cantadas pelo coro do Exército Vermelho. Não seria essa, com certeza, a divulgação que pretenderia, mas o certo é que um seu descendente com o seu nome acabou por se tornar mundialmente conhecido pela sua música, e não certamente pela sua ideologia política (nem pela sua cara, já que o duo há anos que só aparece em público mascarado).
 

Relembre-se ainda que tanto o Homem Christo pai como o filho são referidos no Manifesto Anti-Dantas, de Almada Negreiros, de uma forma pouco elogiosa, como não podia deixar de ser naquele texto verrinoso onde ninguém escapa.

O pior presidente na história dos EUA

João André, 08.01.21

Li abaixo o post do José Meireles Graça e fiquei pasmado. Não entro pela sua opinião sobre a qualidade do trabalho que fez (cada um que tire as suas opiniões), mas pela forma como viu estes últimos meses como «uma mancha indelével no seu mandato». Deixo duas notas que me parecem relevantes.

1. Não houve fraude eleitoral nas eleições. Isto foi confirmado múltiplas vezes pelos estados, pelas instituições federais e pelo simples facto de os democratas não terem tido resultados tão bons no Congresso e Senado como para a presidência. Deixo este ponto aqui porque é importante deixar factos, não fantasias propaladas por pessoas com alucinações de conspirações por répteis que tomaram conta dos EUA.

2. e mais importante. Mesmo que alguém pense que Trump fez um bom trabalho legislativo e administrativo, não há forma de contornar o facto de ele ter fomentado uma divisão na população do país que não se via desde a Guerra Civil, bem como não há forma de ignorar que ele motivou e atiçou a turba de aloucos que invadiu o centro da Democracia dos EUA. Donald J. Trump é o homem que, enquanto presidente, quis dividir o país e iniciou uma insurreição. Isto não é desculpável nem que ele tivesse conseguido eliminar a pobreza no país.

Não compreender este aspecto fundamental faz-me confusão. A atitude de Trump perante qualquer norma democrática (e ao longo de todo o seu mandato, não apenas nos últimos meses) não é uma mancha. Mancha no mandato é o que teve Bill Clinton quando perdoou Marc Rich ou mentiu para esconder um encontro sexual. Se um presidente não cumpre a sua função primária, defender a Constituição do país e liderar toda a população e acaba por quase ser o arquitecto de uma descida aos infernos, então não há outra forma de ver as coisas: Donald J. Trump é o pior presidente da história dos EUA.

Nice

Sérgio de Almeida Correia, 30.10.20

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A motivação, o pretexto, se quiserem, é cada vez menos compreensível. E pela forma como se exprime, saindo violento das entranhas guturais das bestas, resume-se a uma frase banalizada. A grandeza Dele é ofuscada pela sua miséria moral.

O que aconteceu em Nice e regularmente se repete numa espiral incontrolável, muito mais em França, também na Bélgica e noutros locais outrora marcados pela aceitação do vizinho, de quipá ou com turbante, e pela outorga de um espaço de liberdade e responsabilidade a cada um, numa fraternidade serena e acolhedora mesmo quando as marcas da vida tornaram os dias mais longos e as noites difíceis e sofridas, tornou-se uma distante recordação.

Agora já não se trata de recebermos o outro com fraternidade e igualdade. O outro vai obrigar-nos a repensar a nossa relação, a deixar tudo o que se construiu para trás. Porque na violência insana nada se constrói, e nem mesmo o que foi erguido com o sacrifício de todos se mantém de pé.

Quando uma igreja, local de entrega, reflexão e paz se torna em local de emboscada para os indefesos, quando a loucura faz dela um talho onde o cutelo processa a degola dos sacrificados inocentes, e as bestas se comprazem vendo o sangue fresco escorrer pela pedra fria e silenciosa, não há diálogo possível.

Deixou de ser um problema de diálogo intercultural ou inter-religioso para se tornar num problema de sobrevivência. De todas as civilizações. Da humanidade.

Sim, porque se a violência, a barbárie, o terror, tudo isso a que estamos a assistir e cujo nome já não faz a diferença, é afinal, como escreveu Camus, "l'hommage que de haineux solitaires finissent par rendre à la fraternité des hommes", então não se poderá continuar a assistir à homenagem passivamente, deixando que a indiferença, o relativismo moral e ético e a banalização do mal, de que falava Hannah Arendt, façam apodrecer o que ainda resta de saudável para se voltar a construir.

É preciso matar o caruncho que se apoderou das estruturas e subiu pelas colunas dos templos. Há que domar a besta, trazê-la de novo ao caminho da razão. Sem vacilar.

A esperança é um pranto. A tolerância está de luto.

Ensaiando uma explicação serena sobre uma confusão recorrente

Tiago Mota Saraiva, 17.11.15

Depois de vário comentadores do Delito colocarem nas caixas de comentários as suas certezas sobre a equiparação do comunismo ao nazismo/fascismo, José António Abreu também o fez aqui. De uma forma serena e sem ser preciso um tratado diria que, para comparar, nos devemos entender sobre o terreno da comparação.
Se optarmos por fazer a comparação pelo número de mortes causados, suponho que o capitalismo também entrará a jogo e vencerá de uma forma avassaladora, por isso não pode ser. Se o fizermos pelas suas expressões práticas e qualidades das respectivas democracias - recordando que nenhum país no mundo alguma vez se declarou como um estado comunista - também creio que é de difícil comparação até porque nenhum estado nazi/fascista pretendeu ter práticas democráticas e, mais uma vez, temos de colocar na equação muitos estados-exemplo das práticas do capitalismo. 
Assim sendo, creio que o único campo em que podemos colocar esta comparação é do ponto de vista teórico-ideológico. Nesse campo, o nazismo/fascismo é uma ideologia que não perfilha a libertação do homem, mas a vitória perante outros. Mais, o comunismo foi, ao longo da história, quem mais combateu (e continua a combater) o nazismo/fascismo para que pessoas como eu ou o José António Abreu possamos, em liberdade, escrever no mesmo blogue o que bem entendermos.

A brincar ou a sério?

José Navarro de Andrade, 28.03.12

Portugal sempre foi um país extraordinariamente violento.

Para não ir mais atrás, em 1807 participámos com brio na Guerra Peninsular, sendo que não houve por cá um pintor à altura de Goya para desenhar a carvão o que fazíamos aos franceses que se atrasavam da coluna. Seguiu-se uma assanhadíssima guerra civil que demorou a extinguir. Mesmo depois de assinado Évora-Monte, continuava o país a ser uma charneca fora de portas das cidades, com Brandões, Remexidos e outos bandoleiros que tais a ditar a lei do punhal onde lhes aprouvesse.

A coisa pareceu acalmar no último quartel do séc. XIX, mas foi só para tomar balanço. No curto período de 13 anos, entre 1908 e 1921 foram assassinados um Rei, um Presidente, um Primeiro-Ministro (António Granjo), um herói nacional (Machado Santos) e 2 Ministros, os 4 últimos na Noite Sangrenta. Fora alguns ajustes de contas avulsos, como o caso do Senador José João de Freitas que em Maio de 1915 tentou matar a tiro num comboio o Primeiro-Ministro indigitado João Chagas, mas acabou linchado pelos populares no Entroncamento. Um palmarés destes, nem nos famigerados Balcãs.

Seguiu-se o Estado Novo, que até foi levezinho em crimes de Estado, se o medirmos com os seus congéneres ditatoriais: Espanha e Grécia, por exemplo, para não falar dos pequenos fascismos que medraram à sombra de Hitler e Mussolini, como a Hungria, a Roménia, a Bulgária, Vichy, a Croácia dos Ustase ou a Sérvia de Nedic.

Manhoso como só ele, Salazar trocou os fusilamentos políticos e o derrame de sangue nas ruas, à maneira do Chile, da Argentina ou do Uruguai, por safanões num vão de escada. E fez pior, muito pior: destilou a ideia de sermos um povo de brandos costumes. Uma falácia que foi ganhando raízes ao mesmo tempo que durante mais de 10 anos, os mancebos de Portugal passavam os primeiros anos de adultos em África, a praticar brandas e discretas sevícias nos autóctones.

Desculpem o meu francês, mas brandos costumes my ass. Por isso não deixo de ficar estupefacto quando vejo umas correrias no Chiado, com uma polícia aparvalhada, uns rapazolas a menearem-se diante dela em danças tribais, um par de esplanadas de pernas para o ar a dar cabo do turismo e – agora é que não percebo mesmo – uns esganiçados a berrar “fascistas” – a sério?

Querem fazer isto como deve ser, à antiga portuguesa? Ponham então os olhos nos coreanos ilustrados abaixo. Senão será melhor ficarem em casa. Agora assim, com esta mariquices, só demonstram a póstuma e perene vitória do espírito salazarista.