Passar uns dias enfiado em casa devido a uma gripe gera destas coisas: às tantas apetece folhear uma daquelas revistas que ficaram abandonadas a um canto qualquer da sala, semanas a fio, por absoluta falta de interesse. Entre duas séries de espirros, pego numa dessas revistas 'cor-de-rosa', como agora se diz, que são oferecidas como brinde de certos jornais.
O que encontro? A total devassa da intimidade de alguns 'famosos', por vezes com a conivência dos ditos cujos ou das respectivas famílias.
Fico a saber, por exemplo, que um escritor famoso "já não se preocupa em esconder a relação" que mantém com certa senhora: "o casal" foi visto em centros comerciais, "onde não passou despercebido". Que uma conhecida jornalista da televisão "passou não há muito tempo por um processo de divórcio" e hoje garante que "a prioridade é a sua filha", após "alguns rumores que lhe atribuíram vários romances com colegas de profissão". Que a jovem actriz A está "sem namorado desde que terminou a sua relação" com o fulano B, "ainda sofre com a ruptura e diz mesmo que não tem vontade de voltar a apaixonar-se". Que a mãe dessa menina confidencia que desde a referida "ruptura" a filha "só teve um relacionamento muito curto" com o beltrano C, "após o qual se apercebeu que continuava a gostar" de B. Entretanto, sem perder tempo, B "já foi surpreendido com uma companhia feminina no Algarve". Vem com nome completo: só falta número de bilhete de identidade e de número de contribuinte. "Os dois mantiveram encontros secretos num hotel, em Lisboa, mas mais uma vez o relacionamento acabou por não ser assumido", acrescenta a folha de couve, com requintes detectivescos.
Que mais se aprende folheando esta revista de grande tiragem? Que a sicrana D "tem fechado os olhos" a numerosos pretendentes, incluindo o empresário E, "que já namorou com a jornalista F, da estação de televisão X, e com a relações públicas G". E que quatro 'celebridades' da nossa praça "lutam contra o excesso de peso seja pela idade, problemas hormonais ou gravidez": uma delas "assume ter ganho oito quilos em meio ano", sem assumir no entanto que isto se deva a problemas hormonais e muito menos à idade.
Parei aí, mas havia muito mais matéria do género na referida revista de bisbilhotices, igual a tantas outras que por aí circulam. São publicações que prestam culto a "famosos" que ninguém conhece, ignoram o significado do termo "intimidade", adoram escrever o verbo "assumir", imaginam um "casal" em cada par que vislumbram ao virar da esquina, acreditam que uma pessoa se realiza essencialmente pela "relação" que estabelece seja com quem for, e não concebem que uma jovem possa viver sem ser "com o coração destroçado" após ter terminado o namoro, forjado ou real, que essas mesmas publicações garantiam ser "eterno" semanas antes. Recentemente houve mesmo uma revista que dava determinado "casal" por separado quando páginas antes, na mesma edição, assegurava que "irradiavam felicidade".
Com o coração destroçado fiquei eu ao saber de tudo isto. E só me apetece é espirrar. Felizmente não sou 'famoso': ainda me tiravam uma fotografia a assoar-me, o que não é das coisas mais bonitas de se ver.