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Delito de Opinião

Diário de uma mãe

Joana Nave, 17.04.25

Não tenho conseguido escrever porque resolvi dar prioridade a outras coisas, como abrandar o ritmo, descansar, realizar as tarefas que tenho em mãos com atenção plena e dedicar mais tempo a cuidar do que me rodeia, quer o espaço, quer as pessoas, quer o que me define.

Cuidar é uma forma de amar e, por isso, o simples acto de cozinhar deve ser feito com toda a calma, para que a energia que passamos para os alimentos cozinhados possa fluir para quem desfruta depois desta refeição. A pressa com que vivemos os nossos dias não nos permite este tipo de cuidados, é simplificar ao máximo e não perder tempo com trivialidades. Tudo está certo, mas também é durante um almoço ou jantar partilhado que temos oportunidade de conversar com os outros, trocar ideias, resolver conflitos internos, que de outra forma não teríamos espaço para expressar. Ter tempo é muitas vezes construir o tempo para o diálogo e para a partilha.

Foi numa dessas conversas que o meu filho de 7 anos me confidenciou que não podia levar uma pulseira de plástico de um super-herói para a escola porque seria gozado pelos seus colegas. Fiquei vários dias a pensar neste assunto e em como estamos a construir uma sociedade às avessas, em que as crianças gozam umas com as outras por estas quererem ser crianças. O que é infantil é menor aos olhos de crianças que estão na idade da infância. Disseram-me que seriam os irmãos mais velhos a passar esta mensagem, mas sinceramente não acho que seja esse o factor principal, acho que nós pais temos pressa de vê-los crescer. Os pequenitos sugam-nas a energia e acresce o facto de actualmente sermos pais cada vez mais tarde, quando já temos menos paciência, e por isso vamos transmitindo a ideia de que eles têm de ser crescidos, responsáveis, que devem deixar de ser bebés, em suma, que devem deixar de ser crianças. Queremos enfiá-los à força no molde do bom comportamento, queremos que sejam um exemplo de tranquilidade, generosidade e sapiência, quando eles estão na idade de experimentar os limites, pular, rebolar, encher os sapatos de lama pegajosa, cair, coleccionar arranhões e nódoas negras, ter alguns conflitos que devemos ajudar a mediar, rir e chorar sem motivo aparente, porque as emoções de uma criança ainda estão a ser definidas, eles estão a aprender a controlar-se e gritam tanto ou mais quanto nos ouvem gritar, porque são absorventes e espelhos do que lhes transmitimos diariamente.

No passado, a educação resolvia-se muitas vezes pelo meio da força. Hoje somos mais pedagogos, mas temos dificuldade em definir barreiras, limites e em permitir que o tempo faça a sua habilidade de os ajudar a crescer, usamos a televisão e os meios audiovisuais em troca de silêncio, temos tantos meios ao nosso dispor que nos perdemos no caminho e só queremos que o tempo passe e que eles queiram ir connosco dar um passeio sossegado, passar uma tarde a ler, ver um filme, porque o faz de conta e a gritaria põem-nos num ataque de nervos.

Diário de uma mãe

Joana Nave, 22.03.25

Para mim, um dos grandes benefícios da maternidade tem sido a forma como passei a relativizar as coisas que não são assim tão importantes, como por exemplo a arrumação da casa. Claro que é importante termos espaços limpos, arrumados, cuidados, mas também não há nenhuma real necessidade de termos sempre tudo em ordem, porque na realidade ninguém vem atrás de nós exigir que as coisas sejam de uma maneira ou doutra, está tudo na nossa cabeça. O chão pegajoso, sinónimo de tardes gulosas a fazer bolachinhas com os miúdos, os brinquedos espalhados por todo o lado, as tardes de preguiça a ler histórias e a ver filmes, são incompatíveis com arrumações e limpezas e é tão bom.

Antes de ter filhos era obcecada com a imagem, o cabelo tinha de estar sempre perfeito, não podia sair de casa sem acessórios e perfume, trocava frequentemente de mala, tinha vários sapatos desconfortáveis e elegantes, casacos a condizer e uma série de outras manias próprias de quem tem demasiado tempo livre. Depois, tive de simplificar, focar-me não só em mim, mas também neles, ver se as roupas estão em bom estado, se combinam, se são quentes e confortáveis, se os narizes não estão ranhosos, se a cara está limpa, se os cabelos estão penteados, se levam casaco, e outras coisas de que necessitam sempre que saem de casa. Continuo a preocupar-me em manter uma imagem cuidada, não troquei a maternidade pelo desmazelo, mas foco-me apenas no essencial, higiene, hidratação, alguma maquilhagem se for apropriado, roupas adequadas à ocasião e calçado principalmente confortável, não uso perfume, nem saltos altos e pinto as unhas apenas quando me apetece, de resto procuro estar alinhada com o meu espírito de tranquilidade e subtileza. Uso uma mala pequena com os artigos essenciais e, quando me desloco para trabalhar, adiciono a mochila com o portátil, um caderno, um estojo, um livro (indispensável) e pouco mais.

No desporto, opto pela natação e pelo yoga, uma aula de cada todas as semanas, na hora de almoço para não interferir com as rotinas do fim do dia.

Faço as compras da semana online, tento fazer comida a mais para ter alguns almoços e jantares adiantados e não ter de passar tanto tempo na cozinha, vou tratando da roupa para não deixar acumular e planeio com frequência para evitar bloqueios quando ocorrem situações inesperadas. É raro deitar comida fora, aproveito sempre as sobras, invento muito e não costumo ter mais do que o necessário. Faço uma gestão eficiente do que temos no frigorífico e no dispenseiro, do que consumimos regularmente, e quando encomendamos comida ou vamos comer fora é porque temos mesmo essa real vontade e não porque não temos o que comer.

Tenho almoços e jantares com amigas e por vezes até uma ida ao teatro. Leio sempre que posso, vejo séries e vou fazendo cursos online para me manter actualizada.

Não sou de modo algum perfeita, mas a maternidade trouxe-me objectivos mais realistas, a falta de tempo tornou-me mais focada, mais produtiva. Tenho rotinas semanais bem definidas e nos fins de semana desacelero, permito-me fazer tudo mais devagar, sem pressa.

Diário de uma mãe

Joana Nave, 10.03.25

Li algures o testemunho de uma mulher em que uma das razões para não ter filhos era manter um estilo de vida minimalista. Entenda-se por minimalista viver com pouca tralha, andar às costas com pouca bagagem, ter um estilo de vida simples. Os filhos, por outro lado, são sinónimo de confusão, muitos acessórios, muitos bens essenciais, muitos brinquedos, muito de tudo e mais alguma coisa. Antes destes nascerem, os pais têm muitas vezes de aumentar a casa onde vivem, arranjar mais mobília, comprar roupas, produtos de higiene e outros para bebé, comprar um número infinito de artigos de puericultura e, por vezes, até comprar um carro maior. Eu lembro-me que comecei a aprender sobre o tal minimalismo ainda antes de ser mãe e, por isso, já tinha reduzido imenso os meus bens pessoais quando comecei a encher a casa com as coisas de bebé. O quarto extra foi totalmente remodelado, libertou-se espaço no resto das divisões e adaptou-se o que já tínhamos. Ainda assim, comprámos coisas que se revelaram inúteis e o destralhar passou a ser uma actividade mais ou menos semestral, com a mudança das estações.

Quando os filhos crescem a situação piora, porque as crianças estão sempre a criar coisas novas, como as centenas de desenhos que ficam espalhados por todo o lado, mais os pequenos projectos que vão de casa para a escola e voltam no final do ano, mais tudo o que fazem por lá, mais os objectos diários que vêm guardados nos bolsos, nas mochilas, e que se vão acumulando pelo quarto, até que um olhar crítico faça uma escolha criteriosa do que fica e do que vai. Depois, há ainda que ter em consideração a energia inesgotável de uma criança, que consegue virar do avesso em segundos o que nos levou um dia inteiro a pôr em ordem.

É deixar fluir, manter uma mente organizada no caos e aprender que não conseguimos controlar tudo. Para mim, este foi e continua a ser um verdadeiro desafio, uma aprendizagem diária, em que tento manter a calma, respirar fundo, contar até mil, antes de deixar que o impulso de querer ter o meu espaço em ordem irrompa com um pulsar nervoso e perca as estribeiras. Não é fácil não termos tempo para nós da forma que queremos, termos de fazer disso uma negociação e até um esforço, ou valorizar sempre os momentos de partilha que temos com estes seres indefesos e dependentes de nós. Vale a pena, claro que vale a pena, porque só nos conhecemos verdadeiramente quando somos levados ao limite e quando aprendemos a dar importância ao que é realmente importante. É um processo contínuo de aprendizagem, de conhecimento, de pequenas vitórias que nos vão transformando e que fazem crescer esta relação pais e filhos. Quem sabe um dia possamos abraçar em conjunto este projecto do minimalismo...

Diário de uma mãe

Joana Nave, 02.03.25

A dinâmica família-trabalho não me tem dado tréguas e tem sido difícil, no pós doença que me deitou abaixo, arranjar tempo para vir aqui deixar algumas ideias sobre a minha vida de mãe. Entre as rotinas deles e as da casa e da família sobra sempre menos tempo do que seria ideal para cuidarmos de nós, dos nossos hobbies, do cultivo do físico, da mente e do espírito. Esta falta de horas tem-me levado a pensar em algo que se fala muito, mas de forma muito cuidada para não ferir susceptibilidades, e que é a questão do segundo filho. Não vou divagar sobre o que seria ter um terceiro ou mais, porque não os tenho e não me sinto habilitada a falar sobre o tema.

Quando o primeiro filho nasce, e se é o primeiro na família, há toda uma mudança de prioridades e foco em torno da nova vida. Os cuidados e as preocupações multiplicam-se, todos têm algo a dizer sobre o que é melhor para o bebé e o afecto é quase sufocante, tentando cada um obter o máximo deste novo ser em troca de mimos, presentes e presença. Quando nasce o segundo filho deixa de haver multiplicação e passa a existir divisão de tempo, de atenção, de cuidado, de afecto. No entanto, a soma de duas crianças para cuidar também suscita o receio de não se ter energia para dois.

Os meus filhos têm quinze meses de diferença e é engraçado que o primeiro sempre teve ciúmes do segundo, quando este último nunca conheceu outra realidade a não ser a de ser o segundo. O primeiro quer competir com o segundo, ser o mais amado porque é o mais velho, porque adquiriu o título da primazia e quer fazer valer o mesmo a todo o custo. O segundo não reclama, ama incondicionalmente o primeiro e pede atenção mediante a sua vontade.

A questão que me assola é que nós pais somos os primeiros a criar esta realidade. Quando o primeiro começou a aprender a ler e escrever houve dedicação extrema da minha parte, por vezes até exagerada. Quando o segundo entrou nesse período, já havia a experiência de que não era necessário insistir tanto no tempo de estudo e, por isso, houve um certo relaxamento, mas será que foi mesmo isso? Será que não se trata de continuar a dar mais atenção ao primeiro, que está um ano à frente e tem aprendizagens mais exigentes e que necessitam de maior foco?

Quando eles me perguntam de quem gosto mais, digo sempre que é dos dois, que ele é o meu menino preferido no mundo e ela a minha menina preferida no mundo. Efectivamente, não há diferença no amor que lhes tenho, mas o primeiro levou com o termómetro na banheira, a esterilização dos biberãos, as roupas novas a estrear, e o segundo beneficiou com a experiência de já não ser mãe de primeira viagem e com a reutilização dos bodies, que só tinham sido usados meia dúzia de vezes.

O quarto que era azul, rapidamente começou a misturar-se com tons rosa e houve sempre a preocupação de dividir o espaço entre carrinhos e bonecas. Porém, ser o primeiro e ser o segundo não é igual, não que seja necessariamente melhor ou pior, simplesmente no primeiro há a descoberta, os erros de fazer algo pela primeira vez, a inexperiência. O segundo é o desafio, multiplicar e dividir em igual parte, criar espaço para a partilha, definir prioridades e perceber a importância de sermos mais e com isso trazermos mais valor para as nossas vidas.

Diário de uma mãe

Joana Nave, 19.02.25

No fim de semana passado falhei o post, porque fiquei doente. A gripe apanhou-me, não posso dizer que tenha sido muito forte ou que me tenha arrasado, mas retirou-me energia, boa disposição e claro que me obrigou ao resguardo para ver se não pegava ao resto da família. É quando estamos doentes que nos sentimos mais impotentes, o não poder dar aquele abraço reconfortante, o beijinho repenicado, o ter mil e um cuidados e zero paciência para tudo o que acontece à nossa volta. Deixamos acumular afazeres, deixamos o inadiável em banho-maria e só a recuperação nos inspira a continuar, nem que isso represente deixar tudo para trás e passar horas intermináveis na cama a ver se o vírus nos abandona de vez.

A sensação posterior é de que não podemos voltar ao mesmo, apanhei o vírus porque o meu sistema imunitário não está suficientemente fortalecido, tenho de dormir mais, fazer mais exercício físico, alimentar-me melhor, ter hábitos de vida mais saudáveis e ter um maior equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Estes pensamentos duram talvez um dia, até voltar tudo ao normal. Eu faço exercício físico uma a duas vezes por semana e tomo as minhas vitaminas diárias, mas o resto... Há que começar por algum lado, redefinir prioridades, focar-me no que é realmente importante, tentar melhorar.

Os pequenitos estavam preocupados, a mais nova andava de volta de mim, mais faladora, a mostrar-me que estava ali para mim, por mais que eu a afastasse para evitar que também ficasse doente. Quando finalmente lhes disse que já estava bem, foi um abraço colectivo que me atirou ao chão e que me deu a força de que necessitava para me reerguer. Eles esgotam-nos, mas têm o dom de nos dar a força vital através do amor.

Diário de uma mãe

Joana Nave, 09.02.25

Tenho-me focado muito nas questões menos boas da maternidade e talvez tenha passado a ideia que sou uma pessoa negativa e estou sempre a queixar-me. O meu propósito tem sido, acima de tudo, mostrar que a realidade pode ser bem mais cinzenta do que os cenários cor de rosa que mostram famílias felizes e sorridentes em viagens de sonho, rotinas perfeitas, roupas bonitas, e tudo o que se publica nas redes sociais. No entanto, as mãos sujas, os narizes ranhosos, o cabelo desgrenhado, os rasgões nas calças na zona dos joelhos, as nódoas que se acumulam nas t-shirts desbotadas, são as marcas das crianças realmente felizes, aquelas que têm liberdade e conforto para crescer num ambiente saudável, que se sujam, que esfolam os joelhos, que comem com as mãos, e que varrem o chão com a roupa e os cabelos, porque ser criança é experimentar as sensações do mundo que as rodeia. O cenário idílico é uma fotografia sem vida, que perpetua uma imagem, mas a experiência é muito mais que isso, é sentir com todas as células do corpo, e com essa aprendizagem crescer.

Eu sei que as pessoas são todas diferentes e um reflexo daquilo que lhes transmitiram, e sei também que podia estar menos atenta, ou não me importar tanto com os resultados, mas quero mesmo dar ferramentas aos meus filhos para que eles possam alcançar tudo o que desejarem. Se eles estiverem bem, sentirei o reconforto de missão cumprida, e não acho que tenhamos de ser todos assim, ou que o que eu faço é melhor. Eu não abdico de trabalhar e de perseguir uma carreira, e de ser cumpridora e rigorosa, porque quero ensinar-lhes pelo exemplo, e também quero que se orgulhem de mim. Por outro lado, também não abdico de acordar mais cedo aos fins de semana para os levar a actividades extra-curriculares, porque sei que estas os vão ajudar a conhecer, a partilhar e a crescer ainda mais. Quando os instigamos para praticarem actividades ao ar livre, estamos uma vez mais a dar-lhes ferramentas para que testem habilidades e se tornem menos sedentários. E há também que transmitir cultura, com passeios, filmes, livros. E há ainda que cultivar amizades, pois somos seres sociais e a nossa rede de contactos será sempre um suporte precioso para o resto da nossa vida.

Diário de uma mãe

Joana Nave, 01.02.25

Depois de sermos mães há duas certezas que passam a fazer parte da nossa vida, nunca mais estamos sozinhas e nunca mais temos descanso. São eventualmente duas questões abordadas de forma fundamentalista, mas é preciso contrariar a tendência para que não sejam a nossa forma de vida. Os filhos só são dependentes de nós até certo ponto e há mesmo um horizonte temporal mais ou menos definido para que tomem as rédeas das suas próprias vidas. Por outro lado, a questão do descanso também está muito relacionada com a rede de apoio que temos.

Para mim, há ainda a questão da responsabilidade, eu sou responsável por eles, tenho o dever de estar presente quando necessitam e tenho o dever de mascarar o meu cansaço, para que as exigências fundamentais das vidas deles possam ser cumpridas, no que respeita principalmente à fase da dependência. Quando crescerem será outra conversa, mas lá chegaremos.

Sendo realista, sinto saudades dos dias em que chegava a casa com um desgaste físico e emocional decorrente dos dias de trabalho e podia simplesmente deitar-me no sofá a vegetar, até recuperar forças para ir fazer algo útil, como dormir e acordar para um dia melhor. Os dias extenuantes ainda existem, e são ainda mais penosos com o cansaço acumulado da vida familiar, mas não há pausas, é chegar a casa e garantir que todas as rotinas são cumpridas, os banhos, os trabalhos de casa, o jantar, e a preparação do dia seguinte. Sou muito apologista de delegar, dar ferramentas e promover a autonomia, e por isso vou ensinando e desafiando a colaboração entre todos, mas claro está que não é tarefa fácil, e quando finalmente dou o meu dia por terminado, penso muitas vezes no que poderia ter feito de forma diferente para que as últimas horas do dia não tivessem parecido um campo de batalha.

Um dos meus trunfos é claramente a organização, ainda que tenha espaço para melhorar, mas há sempre que definir o equilíbrio entre a obsessão pelo zelo e a descontracção da não perfeição, e aqui reside o drama dos meus dias, como manter uma vida calma e organizada sem extremismos, sem me sentir culpada porque a casa onde vou entrar ao final do dia não está limpa e arrumada. Exigimos demasiado de nós próprios e dos outros, porque a sociedade também é exigente, somos inundados diariamente com ideais de perfeição, vidas imaculadas e auspiciosas, carreiras bem sucedidas, filhos geniais e, neste cenário o comum, o normal, parece não se encaixar nesta corrente e deixa-nos ainda mais frustrados e ansiosos.

Eu só queria não sentir esta exigência da perfeição, aceitar os percalços como desafios a ultrapassar, mas sem peso, apenas como evolução permanente e melhoria constante numa vida serena e de aceitação.

Pode parecer que a vida de uma mãe é afinal um novelo em desalinho, que não pode ser usado para tecer porque está cheio de nós, e é muito isso que se revela na maior parte dos dias, e não há que escondê-lo porque já há demasiadas pessoas a testemunhar as alegrias da maternidade, sem permitir que a verdade seja do conhecimento geral. As mães são uma espécie de super-heroínas, dotadas de energia infinita e reservas inesgotáveis, mas sofrem a dor dessa entrega incondicional e devem estar cientes do papel que vão assumir para o resto das suas vidas.

Diário de uma mãe

Joana Nave, 25.01.25

Não sei se é uma preocupação de todos os  pais que os filhos tenham acesso a uma boa educação, para que o futuro seja risonho e possam ter as melhores opções de vida. Há quarenta anos atrás ainda era comum os pais não serem licenciados, mas havia já uma consciência mais ou menos generalizada que se os filhos avançassem até ao ensino superior teriam melhores oportunidades no mercado de trabalho. A sociedade também avançou nesse sentido, com os sucessivos avanços tecnológicos, com o aumento da escolaridade obrigatória e com uma maior oferta e competitividade.

Hoje em dia, há uma oferta muito maior de bens, serviços e também de oportunidades. Não precisamos sair de casa para quase nada, a interconectividade e a globalidade permitem-nos obter tudo o que precisamos.

Esta inércia de movimento leva claramente a um estado de apatia perante os grandes desafios da vida, porque não há esforço, nem compromisso, nem entrega, é tudo demasiado fácil e dado como adquirido.

Penso que é normal projectarmos nos nossos filhos os nossos desejos reprimidos, as nossas ambições ocultas, e com isso querermos que eles conquistem em parte o que não conquistámos. A ideia da superação é positiva, porque também nos devemos superar a nós próprios a todo o instante. No entanto, muitas vezes, mais do que as que seria desejável, projectamos nos nossos filhos os nossos medos, as nossas angústias e as nossas fraquezas, porque não queremos que tenham as dificuldades que nós tivemos ou ainda temos. É por isso que nos dia de hoje temos esta ideia de que têm de aprender muitas línguas e começar cedo, porque não podem ficar para trás. Preenchemos o tempo de brincadeira e o verdadeiro lazer com mil e uma actividades que são fundamentais, a nosso ver, para moldar a personalidade deles, para lhes dar competências que lhes vão fazer falta no futuro. Ouço muitos pais dizerem-me que os filhos vão praticar futebol, porque é um desporto colectivo e é muito importante trabalhar essa competência, e eu questiono duas coisas, por um lado, onde fica a liberdade das crianças se organizarem em grupos de interesses comuns e trabalharem também a competência da iniciativa, da autonomia e da criatividade, por outro lado, porque é que deixámos de ouvir o que as crianças têm para nos dizer e lhes impomos as nossas vontades, que só estão certas na nossa geração, quando eles estiverem no nosso papel o mundo mudou uma e outra vez e o que realmente importa não terá muito que ver com o que nos preocupa actualmente.

Somos pais zelosos, interessados e participativos, pois mesmo quando não temos tempo para ir andar de bicicleta, para fazer uma caminhada, para ler histórias, levamo-los às actividades, oferecemos presentes e esforçamo-nos para que aos 10 anos de idade já sejam conhecedores de uma boa parte do mundo. Esquecemo-nos muitas vezes do que realmente os faz feliz.

Diário de uma mãe

Joana Nave, 18.01.25

Estamos no mês de Janeiro e ainda se definem planos e objectivos para este novo ano. É assim no trabalho, mas também em família, começamos a planear as férias, a marcar no calendário as datas importantes, e a fazer listas intermináveis de tudo o que gostávamos de ter e fazer. Não sendo excepção à regra, também tenho estado empenhada neste tipo de tarefas, identifiquei duas actividades físicas às quais me quero dedicar, recomecei o journaling, estabeleci os meus objectivos de leitura, e tomei a iniciativa de retomar a escrita neste blog. Para já, vou dedicar-me a um tema, seguir um fio condutor, que é simultaneamente o motivo do regresso e também o da ausência: os filhos.

Fui mãe pela primeira vez vai fazer oito anos e, apesar de não sentir que deixei de ser eu própria, tive de redefinir as minhas prioridades. Ser mãe é exigente, e desculpem mas não é para todos, se calhar nem é para mim, porque há dias em que é de facto um sacrifício. Não posso contudo deixar de explicar que sacrifício, embora seja conotado como algo negativo, é uma forma de demonstrarmos a nossa entrega a alguma coisa, uma entrega de compromisso e valor, que nos obriga a abdicar de outras formas de ser e estar para benefício de um bem maior.

A minha história não tem nada de especial, é comum e banal, mas é minha e por isso define-me e mostra quem sou. Fui mãe pela primeira vez há quase oito anos e passados quinze meses fui mãe outra vez. Ainda hoje as opiniões dividem-se, há quem me chama louca, e quem elogie a coragem. Em minha defesa, ou simples descrição dos factos, queria ter dois filhos, porque queria que o primeiro tivesse um irmão, que não fosse filho único como eu. Queria ter um menino e uma menina e quis o destino que assim fosse, então tudo correu pelo melhor. Há vantagens e desvantagens em ter filhos tão próximos, eu tento focar-me nas vantagens e atribuir a culpa dos dias menos bons às desvantagens.

A vida tem-me ensinado que o melhor é não fazer grandes planos, mas dar sempre o nosso melhor a cada instante. Na realidade nunca sabemos quando tudo começa ou acaba, é mais um viver o dia a dia com a certeza que é este momento presente que nos abraça e impele a continuar em frente. Há quase oito anos que não tenho um sono descansado, e não é porque eles durmam mal, são verdadeiros anjos, umas poucas doenças não muito preocupantes, uns pesadelos nocturnos, e pouco mais. O problema sou eu e um sono leve que veio para ficar, uma preocupação constante que faz, como muitos dizem, ter o coração a bater fora de nós, um estar sempre alerta, um matutar no passado, presente e futuro que possa dar-lhes tudo o que merecem.

Continua...

Alberto

José Meireles Graça, 08.08.23

Jogue, Sr. Fulano, estamos à espera.

Está nervoso, Sr. Beltrano? Eu não posso andar mais depressa porque estou aqui a pedir a intervenção do meu santo Nicolau. Vamos lá a ver se ele me ajudou. (Tirando uma carta): É que não queríamos outra! Sabe o meu amigo o que tenho aqui?

Não sei nem tenho de saber, Sr. Fulano. Faz parte das regras do jogo. Jogue faz favor.

Ora bem, o que o meu santo me deu foi o valério de Ravel, está a ver? E com este valério o meu jogo ganhou um grande futurejo. Obrigado, são Nicolauzinho.

E se a carta comprada fosse realmente conveniente poderia dizer: Isto é a melhor carta Dumont! – um jogo de palavras invariavelmente acolhido com um silêncio gélido.

O jogo, a feijões, corria em minha casa e uma, às vezes duas, vezes por semana, os dois juntavam-se-me para uma disputa a cujo resultado ambos afectavam não ligar a menor importância. Beltrano afinava quando as coisas não lhe corriam de feição e Alberto havia ao longo dos anos desenvolvido todo um dialecto e manejos cujo propósito era desestabilizar o adversário num jogo que metia muita táctica e complicados raciocínios. Eu, o terceiro jogador, conhecia a música; e sabia que quando a coisa lhe estava a dar para o torto dizia, ao comprar com força uma carta: Anda cá minha douda quizofrénica!

Inúmeras vezes ouvi, em noites de vitória, um discurso solerte: Só ganhei com a ajuda do meu santo Nicolau. Na verdade ajuda-me e eu ajudo-o a ele, que bem sabe que é preciso jogar como só eu.

O grande perdedor, na maior parte das vezes, era eu, nunca tendo sido possível apurar porque, delicadamente, nunca coloquei a questão, se por intervenção de S. Nicolau, por simples azar ao jogo ou burrice. Levei a coisa à conta dos deveres de anfitrião. Conversas sobre os casos da semana poucas. Que das personalidades, partidos, autoridades, casos, novidades, Alberto via sobretudo o lado burlesco e escangalhava-se a rir e fazer rir.

Não haverá mais jogo agora. Que morreu ontem aos 86 anos, ao cabo de uma vida trabalhosa de profissional respeitado, intelectual à sua pessoalíssima maneira, devotado à família e meu tio.

Famalicão*

José Meireles Graça, 15.07.22

No Facebook, quando o assunto fervia e a propósito do escândalo do Ministério Público de Famalicão, escrevi o seguinte:

Alguém sabe onde está a promoção do MP sobre o caso da família de Famalicão? Tenho visto várias transcrições de excertos, a começar na Lusa, logo isso deve ser acessível, mas no site, que eu veja, não há textos. A julgar apenas pelas transcrições o MP acha normal o império do Estado ser enfiado pela goela abaixo dos cidadãos recalcitrantes quando calhe estes terem suficiente amor às suas convicções para tentar impedir o sistema de ensino de formatar as cabecinhas dos infantes em escolhas ideológicas que não são neutras. Ou seja, a Constituição declara o Estado laico mas o poder do dia acha que o ensino oficial deve promover a religião boazinha da chamada ideologia de género, por exemplo, entre outras obsessões. As querelas ideológicas resolvem-se, em regime democrático, por escolhas livres, mas a liberdade fica diminuída se se pretende condicionar as crianças a ver o mundo da forma que o vê uma parte dele, que é a dos paizinhos que legitimamente são de esquerda. Eduquem os vossos filhos com as caraminholas em que acreditam, abstenham-se de reivindicar o direito, que a Constituição, a lógica, o senso e a decência não consentem, de educar os filhos de quem não compre as frescuras do tempo. Ontem a Mocidade Portuguesa, hoje acampamentos do Bloco de Esquerda em formato de sala de aula e com notas?

As transcrições a que me refiro estão, por exemplo, aqui. E as primeiras observações que se podem fazer são estas: se a promoção não é pública, então excertos não deveriam andar na imprensa; se andam é porque alguém lá os pôs; quem os pôs só pode ter sido o advogado da família, ou esta, ou o MP, ou funcionários; se o que chega à comunicação social são extractos, deveria o próprio MP ter interesse na divulgação porque os interesses a proteger, se há, com o secretismo, já estão ofendidos, e nada garante que o que os jornalistas entenderam salientar tenha mais relevo do que o que ficou omisso.

O texto acima foi objecto, dentro do meu mural, de comentários aqui e ali azedos e vi-me aflito para evitar zangas. Tenho amigos claramente de direita, outros em cima do muro e outros ainda à esquerda. E nas raras vezes (três a que tenha dado atenção, para ser exacto) em que pessoas entenderam excluir-me por não “aguentarem sarcasmos” ou o meu alegado machismo considerei o facto como uma derrota: as redes são lugares tribais e as pessoas sentem-se confortáveis apenas nas respectivas bolhas mas um mundo alternativo em que toda a gente concordasse comigo seria decerto muitíssimo razoável, e progressivo, e rico, e sensato, e exornado ainda de muitas outras qualidades, mas também, como a ilha de Calipso, prodigiosamente chato.

Um destes amigos (que no diálogo em questão não participou – se o tivesse feito haveria ainda mais troca de tiro de morteiros, por ter notoriedade), que estimo, declara-se como liberal de esquerda, coisa que tecnicamente parece que existe mas nunca pude apurar o que seja. Curiosamente, é, como eu, naturalmente tolerante em relação a pessoas que subscrevam ideias que contrariem as próprias, e escreveu este fim-de-semana, na sua coluna no Expresso, sobre o caso.

Ainda bem. Que assim comento um texto que li integralmente e não um de que conheça apenas partes e que tem contornos de legalês, que é um terreno eriçado de escolhos. Que diz então Luís Aguiar-Conraria? Muitas coisas para concluir que

“A escolaridade obrigatória faz parte do consenso da sociedade, e os pais não têm o direito de impedir que os filhos usufruam desse ensino.”

Começando pelo fim, o raciocínio é capcioso: há efectivamente um consenso social em torno da obrigatoriedade do ensino; mas não há, como este conflito e a polémica em torno dele demonstram, nenhum consenso em torno da ominosa disciplina de Cidadania e é ela, e só ela, que está em causa, e não a obrigatoriedade do ensino de cadeiras do currículo tradicional. A menos que se queira entender que o “consenso social” cobre as manias do pensamento progressista-socialista-modernista que são moeda corrente e provavelmente maioritárias nos assuntos de que trata a disciplina mas de modo nenhum pacíficas.

Esta conclusão é, ademais, tão intelectualmente enviesada como outros raciocínios que a suportam como, por exemplo, quando diz

“Que hoje a direita em peso assuma as dores dos pais de Famalicão, quando impediu a escola de atender a casos particulares, é irónico”.

A observação refere-se à desastrada iniciativa da ministra Maria de Lurdes que, in illo tempore, quis arranjar um expediente para fazer passar de ano os alunos que, por excederem o máximo de faltas, chumbassem automaticamente. O expediente consistia num exame de faz-de-conta e o propósito era diminuir administrativamente o número de “retenções”, vulgo chumbos. A direita, realmente, torceu o nariz. E bem, porque todo o espectro político subscreve a massificação do ensino, mas à parte esquerda, aparentemente, não importa se isso se faz com analfabetos albardados de diplomas. A relação deste incidente pretérito com o problema actual Luís vê-a porque eram “casos concretos” aos quais os professores deveriam ter “flexibilidade” para atender. Eu não vejo relação nenhuma.

A seguir vem um bom argumento: “A possibilidade de uma família muçulmana não querer que a filha adolescente tenha aulas de Educação Física é real. Um dia acontecerá (...) mas conto que com o Estado para impor o direito desta adolescente a ter as aulas todas”.

Também eu porque a Constituição defende a igualdade entre os sexos, que resultaria negada pela excepção. E não é apenas a Constituição, é também o estádio actual do tal consenso social, que no caso se estabeleceu numa sociedade de tradição judaico-cristã, e não numa muçulmana, que não só é alienígena como não se mostra geralmente compatível com um certo número de valores (o da igualdade de direitos entre os sexos é um deles) que consideramos como um adquirido civilizacional.

Sucede que os pais de Famalicão não pretendem ofender nenhum valor social legítimo, mas antes correntes de opinião de modo nenhum pacíficas, que no caso são as de uma parte do eleitorado, que desencantou o expediente de formatar as cabeças das criancinhas nas crenças em engenharias sociais que lhes norteiam as posições políticas, com a esperança de em adultos estarem mais receptivos a adoptarem os disparates e radicalismos, com frequência ridículos, que imaginam fazerem parte de um espécie de teleologia em direcção à sociedade perfeita.

A própria polémica suscitada ilustra isto: se a esquerda, em geral, subscreve o palavreado progressista que enforma parte da disciplina, e alguma direita não, é um abuso usar o poder do Estado para obrigar os filhos da parte que tem reservas a serem educados pelos critérios, em questões de moral e certas de organização social, da que não tem.

Por exemplo: igualdade de género? Esta formulação equívoca (fora da Gramática, onde tem um significado preciso) destina-se a inculcar a ideia de que o sexo é uma construção social e não uma marca distintiva biológica, o que abre a porta a uma quantidade de abusos e tolices que não vou detalhar porque o ponto não é o bem-fundado da teoria – é que quem a defende não tem o direito de a impor, com autoridade professoral, aos filhos de quem encara semelhantes delírios como fazendo parte de modernismos passageiros quando não são masturbações intelectuais de marxistas reciclados que arranjaram um modo de vida nas universidades do mundo anglo-saxónico, de onde vêm estas modas.

O texto vai longo e por isso salto para o ponto em que o autor declara que “A primeira hipótese [chumbos] é demasiado penalizadora para os miúdos, que deveriam ter sido protegidos e não penalizados pelos pais irresponsáveis que lhes calharam”. Irresponsáveis?! Subscrevo integralmente o que dizia há dias  Rui Ramos sobre a forma como estes pais devem ser encarados, e o que no dia seguinte disse Alberto Gonçalves, e lembro que

No tempo do Estado Novo os inimigos activos do regime eram uma minoria, e dentro desta sobressaíam os comunistas, que por o serem pagaram um pesado preço. Gente dos meus lados, mas não tão lúcida quanto eu, costuma lembrar a evidência de o tipo de sociedade que os comunistas reivindicavam ser imensamente mais deletério que a que pretendiam substituir. Pois sim: o facto é que, sem o activismo comunista, acharíamos hoje que o Estado Novo praticamente não teve repressão. Acaso acha o Luís que os filhos de comunistas devem censurar aos pais terem-nos prejudicado pela defesa das suas convicções? Pergunto eu, que sou anticomunista.

Amigas dilectas minhas chamam incansavelmente a atenção para o facto de a miudagem não ligar provavelmente grande coisa à disciplina, diga o que disser o professor que lhes calhar em sorte, e que no tempo delas a Religião e Moral não as pôs nem mais nem menos católicas, nem as condicionou nas suas mundividências, que foram tributárias muito mais do que aprendiam nos recreios e em leituras avulsas e conversas; assim como a disciplina de Organização Política, se queria formar servidores do regime, falhou clamorosamente.

Isto dizem elas, com mais verve. E diz Conraria que a disciplina não deveria existir. Também acho, a menos que fosse facultativa e sem notas.

Ou seja, mesmo quem defende a existência da aberração acha que ela não tem importância, razão pela qual deve permanecer; e quem acha que ela não devia existir entende que o melhor é que exista.

Porquê? Porque o Estado não pode emendar a mão, quem a deve emendar é quem seja vítima de atropelos.

Deve ser o que entendem por cidadania.

 

* Publicado no Observador

Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 15.05.22

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Hoje celebra-se O Dia Internacional da Família

"A data foi escolhida pela Assembleia Geral da ONU, que proclamou o dia 15 de Maio como o Dia Internacional da Família.

A celebração do Dia Internacional da Família visaentre outros objectivos, destacar:

  • a importância da família na estrutura do núcleo familiar e o seu relevo na base da educação infantil;
  • reforçar a mensagem de união, amor, respeito e compreensão necessárias para o bom relacionamento de todos os elementos que compõem a família;
  • chamar a atenção da população para a importância da família como núcleo vital da sociedade e para seus direitos e responsabilidades;
  • sensibilizar e promover o conhecimento relacionado com as questões sociais, económicas e demográficas que afetam a família.

O primeiro Dia Internacional da Família foi celebrado em 1994."

Nada importa mais do que a família. Nascemos e crescemos num seio familiar. Aprendemos a ser gente com a família, seguindo os seus usos e costumes. Ser gente é saber viver em sociedade, ter noção de que a liberdade que a democracia nos providencia tem regras e com base no respeito pelas instituições e pelas pessoas, construirmo-nos como indivíduos com as qualidades e defeitos inerentes a qualquer ser humano, que singra na vida dependendo grandemente das suas escolhas e motivações.

A família é o núcleo. É em casa que se aprendem os valores fundamentais, que passam de geração em geração, pois todos nascem dependentes da família, vivem com a família em dependência e precisam da família à beira do fim. Primeiro damos-lhe raízes. Depois damos-lhes asas. Finalmente damos-lhes segurança  e conforto.

"Paz e harmonia: eis a verdadeira riqueza de uma família." - Benjamim Franklin, seguramente a pensar nas provações das famílias ucranianas. 

Cresci numa família tradicional. Tal como os nossos bisavós, os nossos avós e os nossos pais antes de nós, eu e os meus irmãos aprendemos o valor do trabalho, da educação,  da responsabilidade e do respeito.  Não nos faltou coisa alguma, mas sempre tivemos a noção de que tudo o que os nossos pais nos deram foi fruto de muito trabalho. Tenho orgulho em verificar que passámos estes valores aos nossos filhos e estamos empenhados em participar activamente na formação dos nossos netos para que também possam ter uma vida boa, pautada pelos valores centenários que têm guiado a nossa família através de muitas gerações. 

 

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No dia 15 de Maio celebra-se também  O Dia do Objector de Consciência 

 

"A objecção de consciência é um direito fundamental dos/as cidadãos/ãs previsto constitucionalmente, e que permite a isenção do cumprimento do serviço militar quando obrigatório, substituindo-o pela prestação de um serviço cívico de natureza exclusivamente civil, igualmente obrigatório.

Pode requerer o reconhecimento do estatuto de objector de consciência de serviço militar o/a cidadão/ã que, estando sujeito/a a obrigações militares, não as pretende cumprir por convicção de que, por razões de ordem religiosa, moral, humanística ou filosófica, não lhe é legítimo usar de meios violentos de qualquer natureza, contra o seu semelhante, quer se trate de defesa nacional, colectiva ou pessoal."

Na realidade, quease todos nós por cá somos de algum modo objectores de consciência, porque não achamos legítimo usar "de meios violentos de qualquer natureza, contra o seu semelhante, quer se trate de defesa nacional, colectiva ou pessoal."

Todos excepto os militantes e simpatizantes do PCP, os mentecaptos a quem as estações de TV pagam para comentar a guerra e toda a escumalha que lhes bebe as palavras e as traduz no lixo que se vê, que se ouve e que se lê.

 

(Fotos Google)

O Estado das coisas

Zélia Parreira, 12.01.22

A 24 de Dezembro um dos meus filhos fez um teste rápido,  em casa, cujo resultado era duvidoso. Em menos de 2 horas, graças ao contacto imediato com o médico de família, já tinha realizado teste PCR na Área de Doenças Respiratórias e um teste antigénio na farmácia local, que confirmou a positividade à covid19 e reportou ao SNS. Em consequência dessa notificação, o SNS contactou o paciente, por mensagem de telemóvel,  pedindo que identificasse, no portal do SNS, as pessoas que se encontrassem na mesma habitação. Assim fizemos e fomos todos identificados.


Família fechada em casa, cuidados preventivos para os restantes membros da família, acompanhamento quotidiano do médico de família. Pensei "isto está muito bem organizado!".


No primeiro dia útil seguinte (27 de Dezembro) avisei a minha entidade patronal. O mesmo fizeram os meus filhos. Comprometemo-nos a enviar o comprovativo da necessidade de isolamento profiláctico logo que ele nos fosse facultado.

Perante a total inoperância da linha SNS24 durante vários dias (só conseguimos contactar a 1 de Janeiro) e corroborando os esforços do meu médico de família,  contactei a Unidade de Saúde Pública, por email e por telefone, no dia 29 de Dezembro. Desde aí,  insisti e insisti. Zero resposta. Zero declarações.

Sou funcionária pública. Tenho 5 dias úteis para apresentar a justificação da ausência ao trabalho, sob pena de me serem aplicadas sanções que podem ir até à expulsão da função pública. Nesta data, já lá vão 13 dias úteis.

Felizmente, tive o cuidado de pedir para ficar em teletrabalho enquanto estava em isolamento profiláctico. Fi-lo por uma circunstância muito simples: porque podia. Nem todos têm esta sorte e para esses, que tiverem passado por esta situação, tratou-se efectivamente de uma ausência injustificada ao trabalho.

Ainda assim,  o pedido de teletrabalho teve como fundamento a necessidade de isolamento imposta pela saúde pública, mas que a saúde pública se recusa a atestar. Ou seja, neste momento, pode dizer-se que prestei falsas declarações porque não consigo fazer prova do fundamento que aleguei.

Eu sei que houve muitos casos nas últimas semanas,  mas estamos a falar de uma unidade de saúde local. Quantos casos terá havido aqui, diariamente, para impedir a emissão dos respectivos atestados?

O seu tempo próprio

Ana Cláudia Vicente, 28.11.20

1Neste mundo, tudo tem a sua hora; cada coisa tem o seu tempo próprio.

 2Há o tempo de nascer e o tempo de morrer; o tempo de plantar e o tempo de arrancar (..)

5o tempo de atirar pedras e o tempo de as juntar; o tempo de se abraçar e o tempo de se afastar;

6o tempo de procurar e o tempo de perder; o tempo de guardar e o tempo de deitar fora;

7o tempo de rasgar e o tempo de coser; o tempo de calar e o tempo de falar (...).

Livro de Eclesiastes, 3 (1-2;5-7)

Não sei que idade terão os vossos pais, ou teriam. Os meus têm mais de oitenta. Estão a aguentar-se bem. Quando penso neles, recordo como quase nenhuma geração é poupada a aflições: conheceram primeiro a privação de alimento, a guerra; a peste ficou para o fim. Tiveram e têm o seu tempo próprio. E nós, e o nosso tempo? Não sabemos - não é coisa que consigamos realmente prever. Vivemos as primeiras décadas de vida em progressiva melhoria, comparativa abundância. Agora é hora de nos havermos com uma verdadeira dificuldade colectiva. Há semanas ou meses que convivemos com este encargo novo, cheio de cansaços e angústias surpreendentes. É vez de cuidarmos dos nosso mais velhos e dos nossos mais novos em circunstância instável. Todos os dias improvisamos, todos os dias há uma nova exigência a acrescer ao que tínhamos previsto. É isto, foi esta a fragilidade que os outros, neste mundo e noutra hora, sentiram antes de nós?

Num tempo de guardar e de deitar fora, de se abraçar e de se afastar, evoco duas grandes alegrias: trabalhar em algo que importa e  pertencer a uma boa equipa. Quis a sorte que neste ano desse por mim, todos os dias, a fazer parte de um colectivo de pessoas competentes, confiáveis e generosas. Uma pessoa aguenta quase tudo, quando assim acontece.

O silêncio e tanta gente

Maria Dulce Fernandes, 21.10.20

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A lotaria genética é algo assombroso que transcende todo e qualquer um de nós. A possibilidade de um gene recessivo de existência recente ou até pré-histórica pode determinar um distúrbio de 25% de probabilidades de se verificar geneticamente adquirido.

E aí, ainda não nascemos e a nossa vida já possui toda uma carga adicional de lutas e desafios a superar, que com o passar do tempo constituirão a normalidade que conhecemos.

A lotaria genética pode proporcionar distúrbios esteticamente agradáveis ou monstruosidades e os outros, os que não se vêem e acarretam deficiências profundas que podem ou não ser contornáveis.

A hipoacusia bilateral profunda é A deficiência auditiva por excelência. É diagnosticada por uma sucessão de exames que se iniciam aos 2 dias de vida e não terminam nunca.

Após uma série de testes audiológicos e ressonâncias magnéticas para diagnóstico definitivo, somos postos perante a perspectiva da cirurgia, o tal ouvido biónico, que nos ajudará a perceber o mundo também pelo som e a podermos ser nós a traduzi-lo pela nossa própria voz, construído em palavras que nunca falámos na impossibilidade de reproduzir algo que desconhecemos.

Quem pensará duas vezes perante a possibilidade de contornar ou até vencer a imparidade?

É aqui que entram em cena os fundamentalistas do silêncio que, sob a capa da protecção à capacidade e direito absoluto de escolha das minorias, insistem em alternativas como a linguagem gestual ou a leitura labial, e a escolha – ouvir ou não ouvir - partirá exclusivamente do indivíduo com deficiência quando alcançar a idade da decisão.

Quero acreditar que estas pessoas têm boa intenção e são apenas imbuídas de sentimentos protectores, porque de outro modo é incompreensível que nos tempos do audiovisual estejam a condenar um indivíduo a um ostracismo de idade das trevas. Aqui, a questão religiosa nem se põe. Se Deus não deu ouvidos, então terá que ser surdo, ter-lhe-á dado cordas vocais para quê senão para poder falar?

A linguagem gestual e a leitura labial nunca devem ser excluídas da aprendizagem de um surdo, porque ser bilingue e estar comunicável é fundamental. Em última instância, a decisão de não querer ouvir, aí sim, dependerá sempre, única e exclusivamente, do indivíduo em questão se assim o seu livre arbítrio permitir fazer acontecer.

A transição nem sempre é confortável. A confusão e o medo podem marcar negativamente as primeiras horas ou os primeiros dias, até chegar o entendimento de que as palavras rupestres que gesticulamos podem ser pronunciadas, reproduzidas num som que pode chegar até nós e tornar-se música para os nossos "ouvidos biónicos".

É um renascimento para um mundo sonoro, é um milagre, é magia... é isso tudo, as possibilidades são imensas e é fantástico poder acontecer.

Conversas em família (5)

Maria Dulce Fernandes, 02.09.20

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Estou, mãe? Diz. A tua neta quer falar contigo. Tem uma aventura para te contar. Ah sim? Deve ser uma grande aventura, pois se saiu daqui faz pouco tempo, mas que venha de lá a aventura. Estou, avó? Então neta, conta lá as tuas façanhas. Não é azenhas, avó, é mesmo uma peripécia. Não consigo deixar de sorrir quando ela joga estes ases vocabulares. Estou à espera, podes começar. Então… conheces aquele parque ao pé da minha casa, aquele que tem muitos espaços com água? Conheço. Então,  hoje fomos até lá para distrair o mano e sentámo-nos na beira da água. A água estava morninha e eu disse à minha mãe que me apetecia mesmo dar um mergulho. Então comecei a borrifar o meu pai e cheguei mais para dentro para alcançar mais água. Silêncio. E então? Então, não sei como, splash! Caí dentro de água! Com a minha roupa e os meus sapatos e tudo. Não acredito! É verdade, avó. Tive que voltar para casa embrulhada naquele cobertor branco com um ursinho que costuma estar por baixo, no carro do mano. Que maluquice, neta! Isso é que foi uma aventura, mas só prova que foste pouco cuidadosa e que tens que ter mais atenção durante as brincadeiras. Estás enganada, avó. Prova é que os nossos desejos se podem realizar!
Pois é… será que ver o copo meio vazio é sinal de maturidade ou apenas pessimismo?

 

Foto de Paulo Oliveira retirada do Google

Conversas em família (4)

Maria Dulce Fernandes, 22.08.20

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Altura estava excelente. A praia, o sol, o bulício qb de veraneantes, os restaurantes a meia haste pela falta da clientela que não pode ou não quer arriscar as ameaças da pandemia…

Foram duas semanas de grande diversão, mas o regresso era inevitável e na viagem de volta a casa, as saudades em suspenso ressurgiram e juntamente com elas a perspectiva da diversão continuada dos últimos dias.

Estávamos todos ansiosos e sequiosos dos abraços e dos carinhos que não têm virus que os refreie.

E lá foram eles atrás dos gatos esquivos e medrosos, mais dados a mariquices de velhos do que a afagos de crianças. A Sally, talvez para mostrar o novo look pós tosquia de Verão, foi-se chegando e dignou-se ronronar e permitir umas festinhas, o que deixou a neta feliz e encorajada para a brincadeira. Foi uma tarde divertida aquela.

Avó, achas que posse levar a Sally emprestada, só por uns dias, comigo para a minha casa? Não acho boa ideia, neta, os gatos são muito territoriais e estes não estão habituados a outras casas. Não  iriam sentir-se felizes na tua casa. Iriam sentir a falta dos seus espaços, percebes? Não. Lá na minha casa também tem espaços. É verdade que tem, mas o Dean e a Sally, como muitos outros gatos, cresceram num espaço específico, que é esta casa e que eles consideram ser o seu território, ou seja o seu lugar pessoal. Sabes o que é o olfacto? É o cheiro? Isso. Os animais reconhecem-se pelo cheiro. É por isso que eles andam sempre a cheirar os rabos, avó? ( sorriso maroto) É sim. E também reconhecem pelo cheiro os seus lugares favoritos, camas, casa de banho, bebedouro, comedouro… As cadeiras, as costas dos sofá, as pernas do avô ( sorriso rasgado). Isso mesmo. Ora tu não tens nada disto lá em casa, por isso eles iriam sentir-se meio perdidos, tristes e com medo, percebes? Como tu, nos primeiros dias de férias quando à noite as sombras, diferentes das do teu quarto, te pareciam vampiros atrás da porta. Ah, mas isso foi no ano passado quando eu era pequenina. Pois sim (sorri) mas sabes que podes vir para cá sempre que quiseres e a gataria estará por aí para ires brincando com eles, não sabes? Sei. Sabes avó, acho que eu também sou capaz de conhecer o teu cheiro! Isso é porque tu és uma gatinha tola.

Conversas em família (3)

Maria Dulce Fernandes, 13.08.20

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Agosto de 2019, Lourinhã, Dino Parque.


Avó, sei que hoje é o teu aniversário, mas será que posso ter também um presente? E que presente seria esse? Um "Pequenodaclet" em esqueleto dentro de um tijolo. Queres dizer um Pterodáctilo não é? Não. Esse não conheço. Queria mesmo um Pequenodaclet. Acho que é mais pequeno e engraçado. Deve ser bem fofinho, não achas, avó? Então não acho!

29

Maria Dulce Fernandes, 08.12.19

Quando a minha tia Luzia, a irmã do meio da minha mãe, casou com um aprendiz de alfaiate “vindo das berças" e que jogava à bola, toda a família esperava um rapagão alto e espadaúdo.
O Tio António era um alegre barrigudo, roliço e de estatura mediana, que adorava beber, comer, cantar e jogar à bola.
Fazia as delícias dos miúdos nas porradarias do Sócio Gravócio, nome inventado e imagem de marca daqueles jogos greco-romanos, em que valia tudo para o mandar ao tapete.
“Viva Eu”, do Nilton César, era o seu hino, que normalmente trauteava enquanto trabalhava, e cantava em plenos pulmões após uma refeição bem regada.
Era tão bom alfaiate como futebolista.
Poderia estar a ironizar, mas o facto é que era um excelente praticante da modalidade. No SC Nandufe era muito considerado e a sua camisola número 29 determinou a alcunha que perdurou enquanto viveu: o 29.
No rés do chão do prédio onde morava em Lisboa à sombra do Galo da Ajuda, funcionava uma mercearia explorada pelo Sr. Manuel e pela D. Lurdes, eles próprios brigantinos expatriados, em busca de vida melhor. O Sr. Manuel, homem alto e seco de carnes, troçava amiúde do nosso 29, desacreditando-o como o desportista que era devido à sua figura redonda e bonacheirona, desafiando-o constantemente para isto e para aquilo, principalmente para uma corrida desde o Armadorense, clube recreativo do bairro, até ao cemitério da Ajuda.
O Tio António ia protelando o evento, até um dia em que a contundência do Sr. Manuel o levou a aceitar a aposta.
Com cerca de duas vintenas de pessoas a assistir, partiram os corredores com o Sr. Manuel garboso e veloz a liderar a corrida. Correu-lhe bem, até meio da subida. Depois o 29 passou por ele calmamente, foi até ao cemitério, voltou para baixo e acabaram os últimos metros com o 29 perdido de riso a ajudar o Sr. Manuel a terminar.
Este feito ficou para a história do bairro, e “não és nenhum 29” ainda se ouve aos antigos ajudenses. Outros dizem que ainda lhes parece ouvir o trautear de "Viva Eu" ao virar da esquina.

Férias em família

Maria Dulce Fernandes, 16.09.19

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Quando o meu neto nasceu, estava eu para sul. Apressado como tudo neste mundo açodado, apresentou-se uma semana mais cedo, embaralhando um bocado os planos a toda a gente.
Este ano, e pela primeira vez, decidimos levar a neta mais velha de férias para aliviar os futuros pais da grande pressão (e peso, e inchaço, e…) das esperanças.
A neta mais velha tem quatro anos, uma personalidade vincadíssima, o discurso de um político, uma imaginação espantosa e uma esperteza impressionante, já para não referir a memória auditiva, que armazena tudo o que capta e reproduz depois, tantas vezes fora de contexto, para nosso grande embaraço. Está decididamente na idade do não. Não vou. Não quero. Não faço. Não como. Difícil.
A ultima vez que fui de férias com uma criança pequena foi seguramente há mais de 20 anos, altura em que a mobilidade psicossomática ainda se encontrava no auge. Confesso que estou totalmente destreinada e que apesar de nunca ter sido grande pedagoga (o meu primeiro casamento, o pacto não de obrigação mas de dever que assinei com o trabalho, deixou-me sempre aquele amargo de boca de ser mãe em part time), tinha a firme convicção de que seria como andar de bicicleta… também nunca fui grande ciclista.
Após acurada pesquisa, decidimo-nos por um “resort" na nossa zona de eleição, conceito tendência, que tende a substituir o all inclusive, que por sua vez substituiu a pensão completa, muito em voga nas zonas balneares nos anos 60 da minha meninice.
Espaço bem aproveitado, com cerca de treze vilas, doze quartos ou suites por vila, restaurantes, restaurantes temáticos, bares, auditório, excelente animação diurna e nocturna a cargo do Chapitô, cinco piscinas e o Kids Club.
O Kids Club é um conceito giro para dar algum descanso aos pais ou avós com crianças. Algum descanso traduz-se, no meu entender, por um par de horas. Uma tarde, pontualmente, vá lá.
Eu que nunca fui uma mãe muito presente nem uma avó disponível, mas que sou galinha o suficiente para ser até considerada um tanto sufocante, não consigo entender o conceito de férias em família de quem deixa os filhos por conta de outrem desde que o espaço abre até que encerra, preocupando-se mais com a carta de bebidas à descrição, em aterrar numa espreguiçadeira, comer, beber e dormir, do que em saber se os filhos estão bem, quem os cuida, se se alimentam… Tal e qual largar um acessório enxovalhado na 5 a Sec e ir recolhê-lo no último minuto do expediente.
É a festa da vida levada ao exagero… que o vinho escorra pelas gargantas e a festa dure até às tantas. E mais duraria se não fosse imposto um contacto telefónico que obrigava os progenitores extremosos a irem levantar os rebentos descartados, bastas vezes horas depois do encerramento do espaço infantil.
Podem achar que são coisas de velha, concepções e juízos retrógrados, mas será que pode haver sossego se há cuidados? Pode, desde que exista uma noção clara dos direitos e dos deveres. Um filho é um bem precioso e não uma obrigação mensal, como a factura da luz. As crianças são cansativas, insanas e exasperantes? Sem dúvida, mas há lá melhor coisa nesta vida?