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Delito de Opinião

Facto internacional de 2023

Pedro Correia, 17.01.24

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TERRORISMO DO HAMAS E VIOLENTA RÉPLICA DE ISRAEL

Este foi, por destacada maioria, eleito o Acontecimento internacional de 2023 pelos autores do DELITO DE OPINIÃO: o conflito bélico iniciado a 7 de Outubro com um sangrento ataque de centenas de milicianos do Hamas a civis no sul de Israel, incluindo velhos, crianças e até bebés - atrocidades nunca antes registadas neste país, independente desde 1948. Morreram cerca de 1200 pessoas e centenas de outras foram raptadas e sequestradas, permanecendo muitas em cativeiro nos túneis da Faixa de Gaza. «Foi o nosso 11 de Setembro», repetiu-se em Telavive.

A resposta do Governo de unidade nacional logo constituído em Israel, sob a liderança de Benjamin Netanyahu, foi duríssima e também sangrenta, merecendo a condenação categórica do secretário-geral da ONU e de grande parte da comunidade internacional. Com a evacuação forçada de metade da população palestina residente em Gaza e a morte de milhares de civis a pretexto da perseguição aos membros do Hamas, armados e apoiados pela ditadura teocrática de Teerão.

O conflito, ainda sem solução à vista, tem vindo a ampliar-se, adquirindo dimensão regional. Já com repercussões no Líbano, na Síria (onde se mantém a guerra civil iniciada em 2011), no Iraque, no Irão e no Iémene (outro país em prolongada guerra civil), de onde partem brigadas terroristas que têm condicionado as rotas dos navios no Mar Vermelho, também transformado em palco bélico. Com graves repercussões no abastecimento de bens à Europa, via Canal do Suez.

Já lhe chamam uma nova guerra israelo-árabe - como aconteceu em 1948, 1967 e 1973. Mas esta parece ter contornos mais amplos, como comprovam os navios de guerra norte-americanos e britânicos que agora navegam no Mediterrâneo Oriental e pelas zonas mais tensas do Mar Vermelho. 

 

Eis duas opiniões dos participantes na votação, resumindo esta tragédia em cascata que volta a enlutar a velha Palestina dilacerada por lutas milenares:

«O terrorismo do Hamas provocou uma resposta também com contornos terroristas de Israel.»

«Mesmo quando as causas são justas, os fins nem sempre justificam os meios, muito menos quando os meios envolvem o terror e a morte de inocentes.»

 

Como sempre acontece no DELITO DE OPINIÃO, é possível votar em mais do que um tema. O segundo mais mencionado foi esteeclosão da Inteligência Artificial. Assinalando o lançamento do ChatGPT e tecnologias similares. «Ainda está por compreender - ou sequer imaginar - o alcance do impacto que as nossas vidas vão sofrer», observou um dos participantes na votação.

Registaram-se ainda votos isolados na Cimeira do Clima no Dubai, na resistência ucraniana ao invasor russo, pelo segundo ano consecutivo, e na rebelião do grupo Wagner e morte de Prigójin que sobressaltou durante alguns dias o regime ditatorial de Vladimir Putin.

 

Facto nacional de 2023

Pedro Correia, 16.01.24

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QUEDA DO GOVERNO DE MAIORIA ABSOLUTA

Em 2022, o PS emergia eufórico das urnas: acabara de conquistar a segunda maioria absoluta da sua história - a primeira havido sido em 2005, com José Sócrates. António Costa via-se inesperadamente premiado pelos eleitores após uma campanha desastrosa do PSD, em que Rui Rio foi acumulando erros do princípio ao fim. Com o BE e o PCP a pagarem o preço político de terem contribuído para a geringonça durante quatro anos e chumbado o Orçamento do Estado de 2022.

Mas o impensável aconteceu: o PS absoluto revelou-se muito mais frágil do que o PS relativo. O Governo recauchutado de Costa protagonizou uma sucessão de monumentais trapalhadas - desde os 14 ministros e secretários de Estado que foram abandonando o barco pelos motivos mais diversos até à inenarrável nomeação de João Galamba para ministro das Infraestruturas e à sua manutenção no cargo, contra todas as evidências e o parecer expresso do Presidente da República, por obstinação do chefe do Executivo, já desligado da realidade.

Tinha tudo para correr mal. E correu mesmo. O copo transbordou em 7 de Novembro, com o anúncio de que Galamba estava a ser investigado pelo Ministério Público, tal como o "facilitador" Diogo Lacerda Machado (melhor amigo do primeiro-ministro) e o próprio chefe de gabinete de Costa, Vítor Escária - este apanhado com 75.800 euros em notas escondidas no gabinete de São Bento, a escassos 20 metros da secretária do chefe do Governo. Pior ainda: o próprio Costa era alvo desta "Operação Influencer" por suspeita do crime de prevaricação.

«Obviamente, apresentei a minha demissão a sua excelência, o senhor Presidente da República», declarou o primeiro-ministro ao princípio dessa tumultuosa tarde. Marcelo Rebelo de Sousa anunciaria depois a dissolução da Assembleia da República a 15 de Janeiro (concretizada ontem) e a marcação de eleições legislativas antecipadas para 11 de Março. Virava-se a página, nada voltaria a ser igual.

 

Esta estrondosa queda do Governo de maioria absoluta foi eleita, por larga maioria, o Acontecimento Nacional de 2023 pelos autores do DELITO DE OPINIÃO. Que aqui, como em qualquer outro capítulo das nossas escolhas anuais, podem sempre votar em mais de um tema.

«Inenarrável, tanto o Governo, como a sua queda» - foi um dos comentários registados. «Apenas um ano depois de Costa nos garantir que iriam ser mais quatro anos», houve quem lembrasse. Enquanto a «descoberta de 75.800€ em dinheiro escondidos no gabinete contíguo ao de António Costa» justificava menção específica.

 

Em segundo lugar, não muito distante, ficou o colapso do Serviço Nacional de Saúde - tema que percorreu todo o ano de 2023 em Portugal e já se prolongou para 2024. Algo «gravíssimo», sublinhou um dos autores deste blogue. Enquanto outra voz se levantava para destacar isto: «Foi o facto de maior impacto directo na vida dos cidadãos deste país e é o exemplo acabado da falta de visão e má gestão dos sucessivos governos desde há muitos anos.» Já em 2022 este assunto fora aqui mencionado, oscilando entre as designações "caos nos hospitais" e "derrocada no SNS".

Terceiro lugar para a histórica Jornada Mundial da Juventude, que congregou em Agosto cerca de milhão e meio de visitantes, jovens na sua esmagadora maioria, transfigurando durante mais de uma semana a face de Lisboa. Também com a presença do Papa Francisco, nesta sua primeira visita à capital portuguesa enquanto dirigente supremo da Igreja Católica. 

 

Três outros factos, cada qual com um voto. Passo a enunciá-los para ficarem lavrados em acta como sempre sucede, ano após ano, no nosso blogue:

- Revelações sobre abusos sexuais na Igreja (facto já mencionado no ano anterior).

- A bicicleta atirada contra as portas de vidro do Ministério do Ambiente: «É o símbolo de muito, senão de tudo o que sucedeu, ainda por cima coroado de rídiculo e inverosímil. Quando tentei explicar o que tinha sucedido a colegas estrangeiros, riram-se na minha cara, com imensa dificuldade em acreditar.» 

- A decadência generalizada do regime, envolvendo acontecimentos já mencionados e alguns outros. Desta forma: «A queda do Governo; o afundamento do SNS; a estultificação do ensino público; o caso Galamba; a novela TAP, o que se descobriu na CPI e foi pressurosamente varrido para debaixo do tapete; 75 mil euros em notas encontrados escondidos em São Bento; a promiscuidade na gestão dos assuntos públicos.»

 

Facto nacional de 2010: crise financeira

Facto nacional de 2011: chegada da troika a Portugal

Facto nacional de 2013: crise política de Julho

Facto nacional de 2014: derrocada do Grupo Espírito Santo

Facto nacional de 2015: acordos parlamentares à esquerda

Facto nacional de 2016: Portugal conquista Europeu de Futebol

Facto nacional de 2017: Portugal a arder de Junho a Outubro

Facto nacional de 2018: incúria do Estado

Facto nacional de 2019: novos partidos no Parlamento

Facto nacional de 2020: o vírus que nos mudou a vida

Facto nacional de 2021: vacinação em massa

Facto nacional de 2022: o regresso da inflação

Facto internacional de 2022

Pedro Correia, 11.01.23

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AGRESSÃO RUSSA À UCRÂNIA

Este foi, por larguíssima maioria (quinze em vinte dos participantes), eleito o Acontecimento internacional de 2022 pelos autores do DELITO DE OPINIÃO: a invasão da Ucrânia pela Rússia, obedecendo à voz de comando do ditador de Moscovo, Vladimir Putin. 

Iniciada na madrugada de 24 de Fevereiro, esta agressão bélica faz lembrar tempos que há muito não víamos no Europa, tendo provocado um número impressionante de vítimas (fala-se em cerca de cem mil, entre baixas militares e civis dos dois lados), a destruição de grande parte do território da Ucrânia e uma onda de refugiados sem precedentes no continente desde a II Guerra Mundial: calcula-se que 15 milhões de pessoas - cerca de um terço da população do país agredido - tenha sido forçada a abandonar os seus lares. Muitos procuraram refúgio noutros países, incluindo Portugal. 

A guerra - que Putin desencadeou pensando que fosse concluída a curto prazo, com a ocupação de Kiev, a deposição das instituições do país invadido e a detenção ou assassínio do Presidente Volodimir Zelenski - tem-se prolongado, tendo os ucranianos já recuperado cerca de 55% do território inicialmente invadido. Cidades como Butcha, Irpin e Mariúpol tornaram-se tristemente famosas em todo o mundo, pelos massacres que os esbirros armados do Kremlin lá cometeram. 

A agressão motivou uma unidade inquebrantável dos países ocidentais no apoio à Ucrânia - financeiro, humanitário e militar. Com Zelenski enaltecido como símbolo da resistência e países até há pouco neutrais, como a Finlândia e a Suécia, envolvidos na estratégia global de defesa face ao imperalismo russo - ao ponto de terem aderido à NATO, algo impensável há um ano.

 

Passo a citar algumas das opiniões emitidas pelos participantes nesta votação:

«A partir de 24 de Fevereiro o mundo mudou de forma abrupta.»

«A guerra na Ucrânia modificou mesmo as nossas vidas; esperemos que não modifique ainda mais.»

«A chocante invasão da Ucrânia pela Rússia, em pleno século XXI, fez soar todos os alarmes. Põe em risco a ordem mundial tal como a conhecemos, tem como alvo as sociedades democráticas liberais, e é afirmação da autocracia feita ruidosamente ao som dos tambores bélicos, a única e verdadeira força de Moscovo. Este conflito tem provocado alinhamentos e realinhamentos geostratégicos. Ironicamente, teve o condão de unir o Ocidente e de alargar a NATO até às fronteiras da Rússia. Quanto mais tempo a guerra durar mais perto estaremos de que se torne global, com consequências imprevisíveis para o planeta.»

 

Como todos os anos acontece, é possível cada um votar em mais do que um tema. Assim, eis dois acontecimentos do ano passado que também mereceram referência nesta eleição: planeta Terra ultrapassou os 8 mil milhões de habitantes (três votos) e revolta popular no Irão (dois votos).

Registaram-se ainda votos isolados na morte da Rainha Isabel II, na inflação como fenómeno global e no desrespeito pela vida no planeta («guerra, alterações climáticas, agravamento do fosso entre muito ricos e muito pobres»).

 

Facto nacional de 2022

Pedro Correia, 09.01.23

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O REGRESSO DA INFLAÇÃO

Duas gerações de portugueses nunca tinham experimentado isto. Todo o ano passado foi vivido sob o espectro da inflação, numa depreciação contínua do valor do dinheiro e consequente aumento dos preços dos bens essenciais. Desde 1993 que não se registavam cifras destas entre nós: o surto inflacionário chegou a atingir dois dígitos (10,1%) em Outubro. No final do ano, cifrava-se em 9,6%. Mas pode voltar a subir neste primeiro trimestre de 2023, segundo alertou o governador do Banco de Portugal. Reflectindo-se de forma bem visível na diminuição do nosso poder de compra.

A política monetária seguida pelos bancos centrais, a pandemia que abalou as tradicionais cadeias de abastecimento e a guerra na Ucrânia, com a consequente crise energética e alimentar, foram causas próximas deste regresso à inflação, que se regista um pouco por todo o mundo e causa muita preocupação entre os portugueses. Ao ponto de este regresso da inflação ter sido eleito o Acontecimento Nacional de 2021, embora por escassa margem, pelos autores do DELITO DE OPINIÃO: sete votos em 20 dos que participaram - podendo sempre ser escolhido mais de um tema, como é tradicional entre nós.

«Esta antiga campanheira da nossa já longa história voltou a dar sinal de si. Poderíamos ter aproveitado a sua hibernação, de três décadas, mas o avanço mais efectivo verificado na sua ausência foi o disparar da dívida do país», assinalou um dos "delituosos", justificando a escolha.

 

Em segundo lugar, com seis votos, ficou o que alguns intitularam desgovernação, havendo também quem lhe chamasse crise política. Em alusão aos sucessivos casos que abalaram o governo maioritário de António Costa, num constante entra-e-sai de membros do Executivo. «Não tenho memória de se ter assistido a tantas demissões num governo que ainda não fez um ano» , observou alguém.

A inesperada maioria absoluta do PS nas legislativas de Janeiro foi outro tema mencionado, recolhendo quatro votos. É outro regresso: neste caso a um cenário político inexistente desde 2009, quando chegou ao fim o primeiro Executivo de José Sócrates. 

Menção ainda (com dois votos) para o caos nos hospitais, também classificado de "derrocada do SNS" - outro assunto que foi acompanhando o quotidiano nacional em 2022.

 

Depois, cinco outros factos, cada qual com um voto. Passo a enunciá-los para ficarem lavrados em acta como sempre sucede, ano após ano, no nosso blogue:

- Escândalo de pedofilia na Igreja Católica «e o subsequente rosário de disparates dos seus representantes, e de um certo chefe de Estado de um estado supostamente laico».

- A continuação ideológica da geringonça por outros meios.

Fim da geringonça e a «oportunidade perdida de dar um novo rumo ao país».

- O crescente impacto das alterações climáticas no litoral e no interior de Portugal.

Fim do uso obrigatório da máscara (muitos de nós já nos tínhamos esquecido disto).

 

Facto nacional de 2010: crise financeira

Facto nacional de 2011: chegada da troika a Portugal

Facto nacional de 2013: crise política de Julho

Facto nacional de 2014: derrocada do Grupo Espírito Santo

Facto nacional de 2015: acordos parlamentares à esquerda

Facto nacional de 2016: Portugal conquista Europeu de Futebol

Facto nacional de 2017: Portugal a arder de Junho a Outubro

Facto nacional de 2018: incúria do Estado

Facto nacional de 2019: novos partidos no Parlamento

Facto nacional de 2020: o vírus que nos mudou a vida

Facto nacional de 2021: vacinação em massa

Facto internacional de 2021

Pedro Correia, 14.01.22

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ASSALTO AO CAPITÓLIO NOS EUA

Aconteceu logo no início do ano, a 6 de Janeiro de 2021. Todos assistimos, incrédulos e atónitos. Nunca se tinha visto algo assim: uma turba enfurecida subia as escadarias do Capitólio, em Washington, e invadia o histórico edifício, perante a impotência das forças de segurança, colocando em risco senadores e congressistas. Precisamente quando ali se travava um debate fundamental: o que viria a confirmar em definitivo o resultado da eleição presidencial de Novembro de 2020.

Estes milhares de insurrectos, apoiantes declarados de Donald Trump, invadiram e vandalizaram a sede do poder legislativo dos EUA com a intenção deliberada de castigar figuras públicas como a democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes, o líder da maioria no Senado, Chuck Schumer, e o próprio vice-presidente Mike Pence, a quem acusaram de traição por conceder a vitória a Joe Biden, seu adversário político. Algo que Trump ainda hoje não fez.

A sessão foi interrompida, com o mundo a assistir em directo. Mas viria a ser retomada nessa mesma noite, quando a forças da ordem conseguiram travar a multidão em fúria e deter alguns dos cabecilhas, impedindo danos maiores. Com cinco mortos registados, entre eles quatro polícias. 

 

Este brutal assalto ao Capitólio foi para nós o Acontecimento internacional de 2021, com oito votos em 25 emitidos pelos autores do DELITO DE OPINIÃO que participaram nesta escolha. 

Venceu à tangente. Em segundo lugar, com sete votos, foi mencionado o regresso dos talibãs ao poder no Afeganistão, perante a humilhante retirada das forças ocidentais, incluindo as norte-americanas. Aconteceu em 15 de Agosto: foi outro facto que fez chocar o mundo.

Em terceiro lugar, com três votos, a realização dos Jogos Olímpicos de Tóquio, fora da data inicialmente prevista: deviam ter acontecido em 2020 e acabaram por ocorrer só no ano seguinte, entre 23 de Julho e 8 de Agosto. Com uma particularidade: as provas desportivas disputaram-se sem público devido às fortíssimas restrições impostas pela pandemia. Facto inédito, a merecer destaque.

 

Houve ainda votos isolados em vários outros temas, que passo a referir:

- Chegada da missão Perseverance à superfície de Marte.

- Escalada dos regimes autoritários e totalitários em diversos países: China, Rússia, Bielorrússia, Afeganistão, Turquia e Nicarágua.

- Tensão crescente na fronteira entre a Rússia e a Ucrânia.

- Falta de capacidade própria da UE em questões de defesa.

- Missão militar SACD em Moçambique.

- Agravamento da crise de cadeia logística desencadeada pela pandemia.

- Itália, campeã europeia de futebol.

 

Facto nacional de 2021

Pedro Correia, 13.01.22

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VACINAÇÃO EM MASSA

Quase todos nós passámos por isto entre Janeiro e Dezembro: fomos vacinados contra a covid-19. Em dose dupla, na grande maioria dos casos. E ainda com reforço, em boa parte, à beira do fim do ano. A vacinação em massa foi considerado o Acontecimento Nacional de 2021 em eleição democrática no DELITO DO OPINIÃO, seguindo uma tradição aqui iniciada em 2010.

Graças à unidade de missão liderada pelo almirante Henrique Gouveia e Melo, Portugal passou do quinto lugar mundial em número de infectados na relação com o número de habitantes e do oitavo posto em óbitos também nesta escala registados no início de Fevereiro para o estatuto - reclamado pelo Governo - de país proporcionalmente mais vacinado no globo, já em Novembro, quando 86% da população nacional tinha recebido vacinas. 

A memória colectiva tende a diluir-se. Eis, portanto, o momento de lembrar como este caminho foi muito tortuoso. Em Janeiro, chegámos a ser o país com mais mortes e mais novos casos de coronavírus por milhão de habitantes, quando havia 11 pessoas a morrer por hora de Covid-19. O panorama alterou-se, para muito melhor, graças em boa parte à intervenção de Gouveia e Melo, a quem o Expresso, em Junho, chamava "o almirante salva-vidas". Num só dia, 6 de Julho, foram ministradas mais de 154 mil vacinas.

 

A pandemia continua connosco, agora com carácter quase endémico e um surto de infecções menos letal. Mas não esquecemos o pesadelo destes quase dois anos nem o combate que lhe foi sendo travado neste país agora com 19.181 mortos oficialmente registados, vítimas do vírus que veio da China. E ainda não é possível baixar a guarda. Ontem Portugal registou um máximo de novos casos em 24 horas: 40.945. Apesar das vacinas e de todas as outras precauções que nos dominam o quotidiano. 

Não por acaso, o acontecimento nacional do ano destacado pelo DELITO em 2020 já tinha sido o novo coronavírus. Nota-se uma linha de continuidade neste destaque de 2021, que mereceu dez dos 25 votos da tribo "delituosa". 

 

O segundo lugar, com sete votos, coube ao colapso da geringonça, associado (três votos) ao chumbo do Orçamento do Estado, o primeiro ocorrido desde sempre em quase meio século de sistema democrático. 

 

Depois, cinco outros factos, cada qual com um voto. Passo a enunciá-los para ficarem devidamente lavrados em acta:

- Atropelamento do trabalhador Nuno Santos pela viatura ministerial em que seguia o ex-ministro Eduardo Cabrita.

- Decisão do Governo de "investir" na TAP com dinheiro dos nossos impostos.

- A rocambolesca fuga para a África do Sul do ex-banqueiro João Rendeiro, já condenado por sentença definitiva em Portugal.

- Sporting campeão nacional de futebol 19 anos depois.

- Queda de Luís Filipe Vieira, confrontado com uma sucessão de investigações judiciais que o levaram a abandonar a presidência do Benfica.

 

Facto nacional de 2010: crise financeira

Facto nacional de 2011: chegada da troika a Portugal

Facto nacional de 2013: crise política de Julho

Facto nacional de 2014: derrocada do Grupo Espírito Santo

Facto nacional de 2015: acordos parlamentares à esquerda

Facto nacional de 2016: Portugal conquista Europeu de Futebol

Facto nacional de 2017: Portugal a arder de Junho a Outubro

Facto nacional de 2018: incúria do Estado

Facto nacional de 2019: novos partidos no Parlamento

Facto nacional de 2020: o vírus que nos mudou a vida

Facto internacional de 2020

Pedro Correia, 04.01.21

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PANDEMIA DE COVID-19

Um obscuro vírus surgido no final de 2019 num mercado da República Popular da China - em contexto de péssimos hábitos de higiene, práticas arcaicas, deficiente supervisão e total falta de transparência política e administrativa - transbordou das fronteiras do país e contaminou o mundo. Exibindo a face mais negra da globalização: a que aproxima populações inteiras e une continentes pelos piores elos: os da doença e da morte.

Chegada em final de Janeiro à Europa, a pandemia de Covid-19 - assim declarada, de forma tardia, pela Organização Mundial de Saúde só a 11 de Março - causou até ao fim do ano 85 milhões de infecções e provocou 1,8 milhões de mortos. Deixando evidente o péssimo tratamento que países supostamente evoluídoas dão aos seus cidadãos mais velhos, recolhidos em depósitos a que só por ironia macabra podemos chamar "lares".

Tem sido este, de longe, o segmento social mais atingido pelo novo coronavírus - pessoas que se situam à margem dos discursos oficiais e das respostas dos governos, tratadas como se já sobrassem na sociedade ainda em vida.

 

Este foi o Acontecimento internacional de 2020, assim considerado por 16 dos 21 autores do DELITO DE OPINIÃO que participaram nesta escolha. 

Mesmo outros temas também destacados acabam por se relacionar com este. Foi o caso da descoberta da vacina anti-Covid, que mereceu três votos do colectivo "delituoso". Aprovada e difundida «num prazo inacreditavelmente curto», comprova a existência de uma «maciça cooperação científica mundial», como sublinhou um dos colegas de blogue.

 

Houve ainda votos isolados na "bazuca" europeia - espécie de Plano Marshall aprovado na UE para tentar reerguer as economias abaladas pelo coronavírus no espaço comunitário - e na redução abrupta das ligações aéreas, à escala global, no ano em que o mundo voltou a ser composto por lugares longínquos e distantes. Algo inimaginável a 1 de Janeiro de 2020, comprovando como é sempre arriscado o exercício de fazer previsões.

Facto nacional de 2020

Pedro Correia, 03.01.21

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O VÍRUS QUE NOS MUDOU A VIDA

A culpa é do novo coronavírus que chegou da China e começou a causar baixas em Portugal a partir do terceiro mês do ano: a primeira vítima mortal por Covid-19 - um antigo massagista do Estrela da Amadora - foi registada a 16 de Março.

A partir daí, toda a nossa vida quotidiana ficou virada do avesso. Nada continuou a ser como era dantes. Daí a escolha feita pelos membros do DELITO como Acontecimento nacional de 2020: a maioria dos votos relacionou-se com o conjunto de radicais mudanças que vimos sofrendo desde então. Desde o uso obrigatório de máscaras nas mais diversas circunstâncias ao confinamento domiciliário imposto na grande maioria dos concelhos portugueses. Tendo como pano de fundo a radical supressão de direitos fundamentais, incluindo o direito à livre circulação, por força dos sete estados de emergência decretados a partir de 18 de Março pelo Presidente da República, com aprovação parlamentar. Algo inédito na história do nosso actual regime constitucional, implantado em 1976.

Os reflexos da pandemia em Portugal não ocorreram apenas no campo político ou sanitário: houve também consequências no campo económico. Com uma queda abrupta do PIB nacional (-16,5% logo no segundo trimestre de 2020) e um dramático aumento do desemprego (acima de meio milhão de portugueses sem trabalho, totalizando 8,5% da população activa).

 

Este conjunto de circunstâncias, tendo o Covid-19 como traço comum, mereceu 12 votos dos autores do DELITO. A curta distância - com oito votos - ficou o assassínio do imigrante Ihor Homeniuk por elementos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a 12 de Março, no aeroporto de Lisboa.

Um homicídio que causou imensa polémica, levando à tardia demissão da directora nacional daquele departamento público e à decisão - ainda mais tardia - do Governo português de indemnizar a viúva e os filhos daquele cidadão ucraniano que procurava Portugal para trabalhar. Não esqueçamos: Homeniuk foi morto por funcionários do Estado, em instalações do Estado, quando se encontrava à guarda do Estado.

 

Houve ainda um voto isolado no excesso de mortalidade não-Covid registado em Portugal neste funesto ano bissexto, «que quintuplicou as baixas da Grande Guerra». Desde 1920 não ocorriam tantos óbitos no País. Subida de 9% em relação a 2019, sendo apenas cerca de metade explicados pela pandemia.

 

Facto nacional de 2010: crise financeira

Facto nacional de 2011: chegada da troika a Portugal

Facto nacional de 2013: crise política de Julho

Facto nacional de 2014: derrocada do Grupo Espírito Santo

Facto nacional de 2015: acordos parlamentares à esquerda

Facto nacional de 2016: Portugal conquista Europeu de Futebol

Facto nacional de 2017: Portugal a arder de Junho a Outubro

Facto nacional de 2018: incúria do Estado

Facto nacional de 2019: novos partidos no Parlamento

Facto internacional de 2019

Pedro Correia, 06.01.20

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SUBLEVAÇÃO POPULAR EM HONG KONG

A larga maioria dos votos, ao escolhermos o facto internacional de 2019, foi a sublevação popular em Hong Kong, que paralisou por completo, em diversas ocasiões, a antiga colónia britânica que é desde 1997 Região Administrativa Especial da República Popular da China. Pequim comprometeu-se a aplicar ali durante meio século o chamado princípio "um país, dois sistemas", garantindo a manutenção neste território - uma das principais praças financeiras mundiais - o sistema capitalista e a aplicação de direitos civis que são negados à esmagadora maioria da população chinesa. Mas estas promessas têm vindo a ser postas em causa.

Tudo começou em Junho com um vigoroso protesto estudantil contra uma nova lei que autorizaria a extradição de residentes em Hong Kong para outras parcelas do país, onde vigoram um código penal e um sistema carcerário muito mais severos: basta lembrar que a China é a nação do mundo que mais aplica a pena de morte. O movimento alastrou a outras faixas populacionais, dando origem à greve geral de 15 de Agosto e a gigantescas manifestações que não desmobilizaram quando o Executivo local, em Outubro, deixou cair a anunciada alteração legislativa. Havia já então novas reivindicações populares: a demissão da chefe do Governo, Carrie Lam, que ascendeu ao cargo em 2017 por escolha de um colégio eleitoral muito restrito em que obteve apenas 777 votos, e a eleição por sufrágio universal dos 70 membros do Conselho Legislativo - o órgão parlamentar de Hong Kong. Actualmente só metade dos deputados resultam do voto directo dos eleitores locais.

O novo ano começou da mesma forma: cerca de um milhão de pessoas desceram à rua exigindo reformas democráticas, em aberta oposição ao sistema ditatorial chinês.

 

A crise política, económica e social em Hong Kong - ainda sem solução à vista - foi designada facto internacional de 2019 por 15 dos 24 autores deste blogue que participaram na votação.

Com quatro votos, o segundo mais mencionado - e de algum modo relacionado com este - foi o conjunto das manifestações populares em vários continentes que agitaram sobretudo a Europa, a América do Sul, o Norte de África e o Médio Oriente. Em países tão diversos como França, Venezuela, Chile, Bolívia, Colômbia, Argélia, Irão, Iraque e Líbano.

 

A ameaça de destituição de Donald Trump - já concretizada na Câmara dos Representantes mas que deverá ser travada no Senado - foi escolhida por dois de nós.

Houve ainda votos isolados na vitória conservadora no Reino Unido, que permitirá concretizar o Brexit, na guerra comercial EUA-China e na contínua destruição da Amazónia.

 

Facto internacional de 2010: revelações da Wikileaks

Facto internacional de 2011: revoltas no mundo árabe

Facto internacional de 2013: guerra civil na Síria

Facto internacional de 2014: o terror do "Estado Islâmico"

Facto internacional de 2015: a crise dos refugiados

Facto internacional de 2016: Brexit

Facto internacional de 2017: crise separatista na Catalunha

Facto internacional de 2018: movimento #MeToo

Facto nacional de 2019

Pedro Correia, 04.01.20

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NOVOS PARTIDOS NO PARLAMENTO

O ano que agora terminou foi dominado por factos políticos a nível nacional. A 6 de Outubro, os portugueses regressaram às urnas para escolher um novo elenco parlamentar do qual saiu o segundo Executivo liderado por António Costa - desta vez vencedor, embora longe da maioria absoluta que o PS ambicionava. Em 2019, recorde-se, houve dois outros escrutínios: as europeias, a 26 de Maio (triunfo eleitoral do PS, com 33,4%), e as regionais na Madeira, a 22 de Setembro (vitória do PSD, com 39,4%, e a consequente formação de um Governo de coligação com o CDS, facto inédito a nível regional).

Na opinião maioritária dos autores do DELITO DE OPINIÃO, o mais relevante neste conjunto de consultas eleitorais foi a entrada de novos partidos na Assembleia da República - ampliando o que já sucedera em 2015, com a eleição do solitário deputado do PAN.

Desta vez o partido animalista foi muito mais bem sucedido: obteve 3,3% nas urnas, multiplicando por quatro a representação parlamentar. E três forças políticas estreantes passaram a ter assento no hemiciclo: o Chega (1,3%), com André Ventura, a Inciativa Liberal (1,3%), com João Cotrim de Figueiredo, e o Livre (1,1%), com Joacine Katar Moreira.

Onze dos nossos 24 votos distinguiram esta ascensão dos novos partidos parlamentares como acontecimento do ano em Portugal. Em segundo lugar, com seis votos, ficou a degradação do Serviço Nacional de Saúde - facto que não deixou de ser notícia ao longo de 2019.

 

Os restantes sete votos recaíram, isoladamente, noutras ocorrências, confirmando o variado leque de opções aqui registado de ano para ano.

Foram mencionadas desta forma:

- Vitória eleitoral do PS nas legislativas;

- Prepotência de Ferro Rodrigues como presidente da Assembleia da República;

- O fim da "geringonça";

- Greve dos camionistas de matérias perigosas;

- O novo sindicalismo;

- Violência doméstica;

- A maior carga fiscal de sempre.

 

 

Facto nacional de 2010: crise financeira

Facto nacional de 2011: chegada da troika a Portugal

Facto nacional de 2013: crise política de Julho

Facto nacional de 2014: derrocada do Grupo Espírito Santo

Facto nacional de 2015: acordos parlamentares à esquerda

Facto nacional de 2016: Portugal conquista Europeu de Futebol

Facto nacional de 2017: Portugal a arder de Junho a Outubro

Facto nacional de 2018: incúria do Estado

Facto internacional de 2018

Pedro Correia, 04.01.19

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MOVIMENTO #METOO

 

A repercussão, praticamente à escala planetária, do movimento feminista #MeToo, iniciado no final de 2017 mas com particular visibilidade só no início do ano passado,  mereceu do DELITO DE OPINIÃO a escolha como Facto Internacional de 2018. Houve oito votos nesta opção, atendendo sobretudo ao profundo impacto deste movimento no circuito intelectual e artístico dos Estados Unidos - sem esquecermos os ecos que produziu também na Europa, onde (por exemplo) em 2018 não se atribuiu o Prémio Nobel da Literatura devido às alegações de que o marido de um dos membros da academia, o dramaturgo e fotógrafo francês Jean-Claude Arnault, terá assediado sexualmente algumas mulheres - o que foi desmentido pelo visado.

Em Portugal, ao contrário do que tem sucedido noutros países, o movimento parece tardar em implantar-se: ainda não foram conhecidas, por cá, denúncias de supostas agressões sexuais a figuras mediáticas, designadamente do espectáculo, do teatro, da televisão, dos meios empresariais ou da política.

 

Em segundo lugar, com cinco votos, ficou aquilo que denominámos de revolta dos pagantes, abrangendo nomeadamente o movimento dos chamados "coletes amarelos" que despontou em Novembro em França e parece ter perdido força nas semanas mais recentes.

Outro acontecimento em destaque, com quatro votos: a brutal crise na Venezuela, que já levou ao êxodo de cerca de três milhões de pessoas, enquanto o país se afunda na depressão económica, na mega-inflação e na repressão política, às ordens do ditador Nicolás Maduro, reeleito em Maio de 2018 entre acusações quase unânimes de fraude eleitoral num escrutínio de que foram afastados, logo à partida, os principais opositores.

 

Houve dois votos na formação de um Governo populista em Itália, onde a Liga xenófoba e o movimento pós-ideológico Cinco Estrelas formaram uma coligação com efeito práticos a partir de Junho, desafiando as regras impostas por Bruxelas num dos Estados fundadores da União Europeia e naquela que é hoje a terceira maior economia do espaço comunitário.

Outros dois votos recaíram na inédita cimeira EUA-Coreia do Norte, ocorrida em Abril em Singapura, reunindo o inquilino da Casa Branca, Donald Trump, e o ditador de Pyongyang, Kim Jong-un, com vista à desnuclearização da península coreana, que alberga a fronteira mais perigosa do planeta, vigorando ali o estado de guerra desde 1950.

 

Registaram-se ainda votos isolados na dissolução definitiva da ETA no País Basco espanhol, na invasão comercial da Europa pela China, que vem comprando à peça infra-estruturas basilares do Velho Continente (o porto do Pireu, em Atenas, é um exemplo entre muitos) e ainda na chamada consciência ambiental, com esta justificação que ficou lavrada em acta: «Desde o plástico, passando pelas alterações climáticas (que receberam finalmente uma necessária dose de realidade - outros chamaram-lhe alarmismo), seguindo pela água e acabando (nesta sequência) nas extinções. Nunca o ambiente recebeu tanta atenção da população.»

 

 

Facto internacional de 2010: revelações da Wikileaks

Facto internacional de 2011: revoltas no mundo árabe

Facto internacional de 2013: guerra civil na Síria

Facto internacional de 2014: o terror do "Estado Islâmico"

Facto internacional de 2015: a crise dos refugiados

Facto internacional de 2016: Brexit

Facto internacional de 2017: crise separatista na Catalunha

Facto nacional de 2018

Pedro Correia, 03.01.19

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INCÚRIA DO ESTADO

 

Houve consenso generalizado, entre os autores do DELITO DE OPINIÃO, quanto ao Facto Nacional do Ano: elegemos a reiterada incúria do Estado português na protecção e segurança de pessoas e bens. Isto a propósito de acontecimentos tão diversos - mas todos igualmente dramáticos - como o devastador incêndio de Monchique, que dizimou grande parte do maior pulmão verde do Algarve, a derrocada de um troço da estrada municipal que ligava Borba a Vila Viçosa, causando a morte de cinco pessoas, a queda de um helicóptero do INEM em circunstâncias que estão a ser investigadas, havendo a lamentar a perda de quatro pessoas que se haviam distinguido a salvar vidas humanas, ou ainda as repercussões do roubo de material bélico em Tancos, ocorrido em 2017 mas com desenvolvimentos no ano que agora terminou.

Dezoito dos nossos 26 votos recaíram neste conjunto de ocorrências, cada qual com o seu grau de dramatismo e controvérsia. Não apenas em função do que aconteceu mas devido à incapacidade das autoridades em apurar responsabilidades e aplicar a respectiva e efectiva punição. O que deixa muitos portugueses perante a angustiante convicção de que ninguém, ao nível da administração do Estado, nos protege em verdadeiras situações de perigo.

 

Os restantes oito votos dividiram-se em partes iguais.

Metade destacou o brutal assalto à Academia do Sporting, em Alcochete, cometido a 15 de Maio por cerca de quatro dezenas de elementos da principal claque do clube, o que teve consequências aos mais diversos níveis. Para os assaltantes, que em grande parte se encontram detidos, aguardando a conclusão do debate instrutório; para os jogadores agredidos, vários dos quais decidiram rescindir unilateralmente os contratos que os ligavam ao clube; e para o próprio Sporting, que entrou em convulsão interna, culminando no afastamento do presidente Bruno de Carvalho, a 23 de Junho, por vontade expressiva dos sócios, que em 8 de Setembro elegeram Frederico Varandas para o seu lugar.

Houve ainda quatro votos no facto de Portugal ter conseguido em 2018 o défice mais baixo em democracia, excedendo as previsões da Comissão Europeia e do próprio Governo, com o ministro das Finanças - agora também presidente do Eurogrupo - a antecipar um défice cada vez mais próximo do zero nas contas públicas de 2019.

 

 

Facto nacional de 2010: crise financeira

Facto nacional de 2011: chegada da troika a Portugal

Facto nacional de 2013: crise política de Julho

Facto nacional de 2014: derrocada do Grupo Espírito Santo

Facto nacional de 2015: acordos parlamentares à esquerda

Facto nacional de 2016: Portugal conquista Europeu de Futebol

Facto nacional de 2017: Portugal a arder de Junho a Outubro

 

 

Quando não existe fogo, o fumo é notícia: gera cliques na mesma

Pedro Correia, 21.08.18

Durante anos, recomendei aos estagiários a quem dava formação em exercício que tivessem sempre presente uma das regras básicas da profissão de jornalista: «Não tens de ser o primeiro a divulgar a notícia. Só deves ser o primeiro a dar a notícia certa, devidamente comprovada.»

Acontece que esta regra se tornou obsoleta. Hoje, na desenfreada "caça ao clique" e perante a propagação acéfala do que quer que seja através das redes sociais, a salvaguarda mínima da veracidade das notícias foi empurrada para a borda do prato - tantas vezes não por culpa dos jornalistas que assinam a peça mas pelos superiores hierárquicos que incentivam a sua publicação imediata, trocando o rigor dos factos pelo algoritmo "viral".

Andam alguns por aí a justificar a crise do jornalismo no desinteresse crescente do receptor, quando deviam apontar o dedo ao emissor. Sexta-feira passada, registou-se uma das mais chocantes adulterações do jornalismo, pervertido pela ânsia da "publicação imediata", sem cuidar da veracidade do que se publica. Ao fim da manhã, um jornal digital garantia ao País, em estrondosa manchete, que Bruno de Carvalho reassumira a presidência do Sporting por determinação judicial.

 

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«Tribunal terá dado razão a Bruno de Carvalho. (...) Trocado por miúdos, o antigo líder volta a ser presidente», rezava a putativa notícia, intitulada «E o impensável aconteceu: Bruno de Carvalho é de novo presidente do Sporting.»

Repare-se na caótica distribuição das formas verbais. O título proclama um categórico «é», que não admite dúvidas. A primeira frase da pseudo-notícia mostra-se dubitativa: o tribunal «terá dado razão» a Carvalho, destituído da presidência do clube pelos sócios que acorreram à assembleia geral de 23 de Junho. No final, regressavam as certezas: «O antigo líder volta a ser presidente.»

O jornal escreveu e publicou estas linhas incendiárias sem documentação, sem possibilitar o exercício do contraditório, sem ler o despacho judicial a que fazia referência: tudo errado. Baseou-se apenas na suposta técnica do "bitaite" soprado por aquele a quem interessava que o boato se transformasse em notícia: o próprio Bruno de Carvalho.

 

Foi quanto bastou, nesse dia, para fazer mudar os alinhamentos de todos os telediários da hora do almoço.

A SIC, por exemplo, abriu o seu Primeiro Jornal com uma repórter presente no estádio José Alvalade a debitar isto: «Bruno de Carvalho veio trazer uma providência cautelar que cancela, que anula, a assembleia destitutiva realizada a 23 de Junho.»

A TVI colocou o tema logo em segundo lugar no seu Jornal da Uma. Também com uma "enviada" a Alvalade, que nos comunicou em tom categórico: «Este documento judicial anula essa assembleia geral. Essa reunião magna não é válida.»

A RTP, mais prudente, remeteu a peça só para o minuto 17 do seu Jornal da Tarde. Mas lá estava também o repórter junto às instalações do Sporting, embora neste caso o tom fosse visivelmente cauteloso: «Fomos informados de que Bruno de Carvalho teria na sua posse um documento do tribunal que colocaria em causa algumas das decisões tomadas na assembleia destitutiva.» Confessando o jornalista, com assinalável honestidade, não ter visto documento algum: daí ter colocado todos os verbos no condicional.

Entretanto, não faltou quem convocasse para comentar em estúdio os habituais tudólogos, especialistas em comentar o que não conhecem.

 

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Durante mais de duas horas, o boato foi tomado como verdadeiro e transmitido como facto a todos os cantos do País. Sem ninguém conhecer o teor concreto daquilo em que era suposto basear-se a notícia. Só interessavam os cliques e a corrente "viral" que potenciam receitas publicitárias.

O fenómeno contagiou quase todos os títulos jornalísticos, baseado noutra nova regra que passou a imperar na profissão desde o predomínio do digital: "Se os outros falam, nós falamos também."

Até que houve quem percebesse enfim que tudo não passara de um rebate falso, propagado pelo primeiro dirigente desportivo demitido pelos sócios em 112 anos de história do Sporting. Não havia tribunal nenhum a dar-lhe razão, o voto emitido na assembleia geral continuava válido e os actuais órgãos sociais leoninos, de carácter provisório até às eleições de 8 de Setembro, têm plena validade jurídica.

Centenas de linhas e milhares de palavras depois, lá surgiu o volte face. Imprimiu-se a notícia de teor oposto, desta vez num título quilométrico: «Bruno de Carvalho tentou apresentar providência mas era fumo sem fogo: continua suspenso de sócio e ex-presidente.»

Um fumo sem fogo que gerou imensos cliques. E que ajuda a explicar, de modo eloquente, a grave crise reputacional do jornalismo português.

Facto internacional de 2017

Pedro Correia, 09.01.18

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CRISE SEPARATISTA NA CATALUNHA

Catalunha dominou grande parte do ano informativo em termos internacionais, sobretudo a partir de Setembro, quando o Parlamento autonómico catalão aprovou a "lei da desconexão", com os votos favoráveis das forças separatistas regionais, num arco ideológico que ia da direita nacionalista à extrema-esquerda anticapitalista, apenas unidas na necessidade de acelerar o corte dos laços políticos com Madrid.

O processo desembocou na convocação de um referendo ilegal para validar o processo de independência unilateral, convocado pelos separatistas à margem da Constituição e contra o parecer expresso de todas as instituições do Estado espanhol - Rei, Governo, Senado, Câmara dos Deputados, Tribunal Constitucional e tribunal comuns. Realizada a 1 de Outubro, sem campanha eleitoral, sem cadernos eleitorais credíveis e sem mecanismos independentes de verificação dos resultados, a consulta não foi reconhecida pela comunidade internacional.

As semanas que se seguiram foram alucinantes: declaração unilateral da independência em Barcelona (10 de Outubro), logo seguida da suspensão dos efeitos do acto separatista, aprovação por ampla maioria no Senado espanhol do artigo 155.º da Constituição que revogou a autonomia, convocação de eleições antecipadas na Catalunha para 21 de Dezembro, fuga para Bruxelas do presidente cessante do Governo regional, Carlos Puigdemont, acusado - tal como outros ex-membros do executivo - de rebelião, sedição e peculato pela justiça espanhola.

As eleições de Dezembro deram pela primeira vez a vitória a uma força não-nacionalista, o Cidadãos. Os separatistas, sem maioria do voto popular, mantiveram no entanto a maioria dos lugares no Parlamento autonómico. Mas nenhum dos seus dirigentes máximos tem condições para formar Governo: Puigdemont, líder do Juntos Pela Catalunha, permanece refugiado na Bélgica e Oriol Junqueras, líder da Esquerda Republica, encontra-se detido às ordens da justiça espanhola.

 

A crise catalã, muito longe de estar resolvida, foi o acontecimento do ano para o DELITO DE OPINIÃO, merecendo 11 dos 21 votos referentes ao Facto Internacional de 2017.

Em segundo lugar, com seis votos, ficou o início da presidência Trump, outro dos factos mais relevantes do ano que passou em termos internacionais.

Registaram-se ainda votos isolados na fundação do movimento #metoo, no êxodo forçado do povo roínguia na Birmânia, no puritanismo macartista travestido de "progresso" e nos sinais de esperança na luta contra a corrupção, o nepotismo e o branqueamento de capitais.

Perspectivas plurais num mundo sempre turbulento.

 

Facto internacional de 2010: revelações da Wikileaks

Facto internacional de 2011: revoltas no mundo árabe

Facto internacional de 2013: guerra civil na Síria

Facto internacional de 2014: o terror do "Estado Islâmico"

Facto internacional de 2015: a crise dos refugiados

Facto internacional de 2016: Brexit 

 

Facto nacional de 2017

Pedro Correia, 08.01.18

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PORTUGAL A ARDER DE JUNHO A OUTUBRO

 

Não há memória de um incêndio tão mortífero. Os portugueses não esquecerão a tragédia de Pedrógão Grande, com as chamas a devorarem árvores, mato, casas, carros e lamentavelmente também pessoas a 17 de Junho. O balanço deste fogo florestal - que alastrou aos concelhos de Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera - foi dantesco: 66 pessoas mortas, 254 feridas (muitas em estado grave), 150  famílias desalojadas e quase 50 mil hectares de floresta reduzidos a cinzas.

Portugal continuou em chamas. Em Julho já tinham ardido 118 mil hectares de área florestal e agrícola. Em zonas tão diferentes como  Alijó e MaçãoMértola e AbrantesCoimbra e Sertã. Uma situação de calamidade nacional, entre críticas generalizadas de falhas das comunicações e da protecção civil.

Os incêndios prosseguiram a sua acção devastadora no mês seguinte, confirmando 2017 como um dos piores de sempre em matéria de fogos florestais. Registaram-se 268 fogos num só dia, a 12 de Agosto. E este máximo foi superado no dia 20, quando houve 304 incêndios simultâneos.

Ainda traumatizado pelo drama de Pedrógão, o País viu-se confrontado com outra enorme tragédia, a 15 de Outubro, quando a área florestal de dezenas de concelhos do interior e até do litoral foi total ou parcialmente destruída pelas chamas. Viseu, Coimbra, Leiria, Castelo Branco, Braga, Aveiro e Guarda foram os distritos mais afectados pelos incêndios, que provocaram a morte de 45 pessoas, arrasaram empresas, pastos e áeas de cultivo, inutilizaram aldeias, cercaram cidades, calcinaram o pinhal de Leiria e deixaram um rasto de devastação com prejuízos ainda difíceis de contabilizar. Com ecos noticiosos em toda a imprensa internacional, até às mais recônditas regiões do globo.

No plano político, os fogos de Outubro levaram à tardia  demissão da ministra da Administração Interna e a um reajustamento no elenco governamental.

No total do ano, morreram 125 portugueses vítimas dos incêndios. Este foi, infelizmente, o Facto Nacional do Ano para o DELITO DE OPINIÃO, numa votação que congregou 22 dos 30 membros deste blogue.

 

Só três votos destoaram da linha dominante.

Um deles recaiu na Operação Marquês, enfim concluída a parte investigatória com acusações deduzidas ao ex-primeiro-ministro José Sócrates, ao antigo banqueiro Ricardo Salgado e aos gestores Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, entre vários outros arguidos.

Outro voto realçou o facto de Portugal ter conseguido em 2017 o défice mais baixo em democracia, excedendo as previsões da Comissão Europeia e do próprio Governo.

Houve, finalmente, ainda um voto isolado na degradação do regime e das suas instituições. "Notório em tudo o que aconteceu na Administração Interna, na Protecção Civil, na Saúde, na Defesa, na Assembleia da República, nos factos constantes da Operação Marquês, nas nomeações para as empresas onde o Estado tem uma palavra a dizer, nalgumas sentenças e acórdãos judiciais, no desporto."

 

Facto nacional de 2010: crise financeira

Facto nacional de 2011: chegada da troika a Portugal

Facto nacional de 2013: crise política de Julho

Facto nacional de 2014: derrocada do Grupo Espírito Santo

Facto nacional de 2015: acordos parlamentares à esquerda

Facto nacional de 2016: Portugal conquista Europeu de Futebol

 

Catalunha: mitos e factos (2)

Pedro Correia, 20.12.17

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Nestes dias de campanha eleitoral, tenho ouvido e lido os maiores disparates sobre a Catalunha. Proferidos por gente manifestamente ignorante que só agora acordou para esta questão, juntando-se de imediato aos tudólogos de turno - os que falam sobre tudo sem nada saberem de coisa nenhuma.

Vale a pena desmontar alguns destes mitos.

 

1. Os catalães querem recuperar a independência

Falso.

A Catalunha nunca foi um Estado independente. Integrou o Reino de Aragão até ao século XV, quando ocorreu a união dinástica através do casamento de Isabel a Católica, Rainha de Castela, com Fernando de Aragão.

 

2. Espanha é um Estado de formação recente

Falso.

A conquista de Granada aos mouros, em 1492, e a incorporação pacífica de Navarra, em 1516, deram ao Estado espanhol a sua configuração actual. Já com mais de 500 anos, Espanha é muito mais antiga, por exemplo, do que a Bélgica (existente desde 1830), Itália (1870) ou Alemanha (1871)

 

3. Portugal só é independente graças à Catalunha

Falso.

Portugal é um país independente há quase nove séculos. Já o era havia meio milénio quando recuperámos a plena soberania, em 1640, pondo fim ao domínio de seis décadas da coroa espanhola em Lisboa, coincidindo com a revolta catalã, iniciada semanas antes. Madrid enviou então tropas para a Catalunha, integrando aliás efectivos portugueses, mas manteve uma forte guarnição militar em Portugal - o que não impediu a vitoriosa rebelião dos conjurados e a rápida proclamação de D. João IV. Seguiu-se uma guerra fronteiriça que durou 28 anos e terminou muito depois de ter sido neutralizado o conflito catalão, em 1652.

 

4. A língua catalã é a dominante na Catalunha

Falso.

As estatísticas desmontam esta fantasia. O castelhano é a única língua verdadeiramente veicular na Catalunha - falada e entendida por 99% dos seus habitantes. É menor a influência do catalão, entendido por 90% e falado por 65% dos residentes.

 

5. A Catalunha tem sido explorada por Espanha

Falso.

A Catalunha é uma das parcelas mais ricas do Estado espanhol, com um PIB per capita equivalente a 28,5 mil dólares. Superando a riqueza de Aragão (26 mil dólares), Leão e Castela (22 mil), Galiza (21 mil), Valência (21 mil), Astúrias (20,9 mil) Andaluzia (17 mil) ou Extremadura (16 mil). E ultrapassando a média nacional espanhola, avaliada em 24,1 mil dólares - dados sempre de 2016. Por curiosidade, refira-se que Portugal tem um PIB per capita de 19,8 mil dólares.

 

6. A Catalunha não tem autonomia

Falso.

A Catalunha é uma das regiões não-independentes com mais poderes próprios no mundo - consagrados no Estatuto Autonómico de 2006. Tem bandeira própria, hino próprio, órgãos de governo (Executivo e Parlamento) próprios, sistema educativo e sistema sanitário próprios, forças de segurança próprias, órgãos judiciais autónomos, receitas tributárias autónomas e uma língua autóctone difundida sem restrições em todos os graus do ensino oficial.

 

7. Existe um povo catalão

Falso.

Não há nenhum carácter diferenciador, do ponto de vista étnico ou rácico ou religioso, que permita distinguir um catalão de qualquer outro habitante do resto de Espanha. A maioria dos apelidos dos habitantes da Catalunha é de origem castelana e ao longo dos séculos a população foi-se mesclando através de processos cíclicos de migrações internas, levando a Catalunha a absorver largos milhares de andaluzes, extremenhos, castelhanos, leoneses, asturianos, valencianos, galegos e gente oriunda das restantes parcelas do país. Aqui subscrevo, com a devida vénia, as sábias palavras do filósofo Fernando Savater: "Chamar povo ao conjunto dos cidadãos não é pecado, tal como não o é chamar corcel a um cavalo: são liberdades poéticas, de duvidosa retórica. Mas é ilusório acreditar que o corcel é mais do que um cavalo ou que o povo está acima dos cidadãos."

 

8. A democracia não chegou à Catalunha

Falso.

Os catalães foram chamados às urnas 35 vezes nos últimos 40 anos. Em três referendos, todos vinculativos: o de 1978, destinado a validar a Constituição (em que foi a região de Espanha com maior índice de aprovação à lei fundamental, favorecendo-a com 90% dos votos) e os estatutos autonómicos de 1979 e 2006. E em sucessivas eleições de carácter nacional, regional, municipal e local.

 

9. Os catalães não têm acesso aos órgãos do Estado

Falso.

Há representantes da Catalunha em todos os órgãos políticos que resultam de eleição no Estado espanhol: Câmara de Deputados e Senado, além do Parlamento Europeu. Dois dos sete constitucionalistas que redigiram a lei fundamental do país eram catalães - Miguel Roca e Jordi Solé Tura. Tal como o ex-presidente da Câmara dos Deputados Landelino Lavilla, que foi também ministro da Justiça e líder da União do Centro Democrático. Ao longo dos anos vários outros catalães têm-se distinguido no Governo nacional. Alguns exemplos: Narcis Serra, que foi vice-presidente do Governo socialista de Felipe González; Josep Borrell, que ascendeu à presidência do Parlamento Europeu após ter sido ministro e deputado em Madrid; Josep Piqué, titular da pasta dos Negócios Estrangeiros no governo conservador de José María Aznar; Carme Chacón, primeira espanhola a ocupar a pasta da Defesa, durante o executivo do PSOE liderado por Rodríguez Zapatero; ou Dolors Montserrat, actual ministra da Saúde.

Facto nacional de 2016

Pedro Correia, 06.01.17

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PORTUGAL CONQUISTA EUROPEU DE FUTEBOL

Tínhamos tudo contra nós. Jogávamos em casa da selecção adversária, perante um público maioritariamente hostil e tradicionalmente muito arrogante. Éramos apontados como “patinho feio” em todas as casas de apostas desportivas. Para cúmulo, vimos o nosso melhor jogador – e melhor jogador do mundo – inutilizado a partir do minuto 8 por falta que o árbitro entendeu não assinalar.

Mas soubemos resistir a todas as adversidades. Abdicámos do tradicional futebol-espectáculo que durante décadas nada mais nos propiciou senão umas quantas “vitórias morais” e trouxemos para Portugal  o mais cobiçado troféu até hoje conquistado pelo futebol português: o Campeonato da Europa ao nível de selecções seniores, arrebatado na épica final do Parque dos Príncipes, em Paris.

A conquista do Euro-2016 foi considerada o Facto Nacional do Ano pelo DELITO DE OPINIÃO, numa votação que congregou 27 dos 31 membros deste blogue e em que era possível eleger mais de um tema, como é costume entre nós, ano após ano.

 

Não faltaram desde o início os profetas da desgraça ao nível do comentário desportivo, prontos a vaticinar o desaire da equipa das quinas em geral e do seleccionador Fernando Santos em particular.

Indiferente às aves agoirentas, a selecção trilhou a sua rota ascendente, passo a passo, com persistência, sem nunca perder: 1-1 com a Islândia, 0-0 com a Áustria, 3-3 com a Hungria, 1-0 com a Croácia, 1-1 com a Polónia (vitória no desempate por penáltis), 2-0 com o País de Gales e 1-0 na final de 10 de Julho frente à anfitriã, França.

Cristiano Ronaldo (3), Nani (3), Renato Sanches, Quaresma e Éder marcaram os golos portugueses. Rui Patrício foi designado melhor guarda-redes deste torneio que nos encheu de orgulho e júbilo.

Motivos redobrados para todos festejarmos o maior título de sempre do futebol português. Mesmo aqueles que não costumam ser grandes apreciadores de futebol.

 

Aos 14 votos que recaíram no Euro-2016 seguiram-se cinco nas trapalhadas da Caixa Geral de Depósitos, nas suas diversas versões, que se sucederam ao longo do ano e ainda não terminaram.

O terceiro facto nacional mais mencionado - com quatro votos - foi o sucesso da geringonça, contrariando muitos prognósticos.

Houve ainda referências ao aumento do turismo em Portugal (dois votos), ao processo de "reversões e crescimento" capitaneado pelo Governo, à generalização da oferta da Uber em Lisboa e ao facto de a Câmara Municipal de Mafra ter enterrado a antiga polémica com José Saramago, falecido em 2010.

 

Facto nacional de 2010: crise financeira

Facto nacional de 2011: chegada da troika a Portugal

Facto nacional de 2013: crise política de Julho

Facto nacional de 2014: derrocada do Grupo Espírito Santo

Facto nacional de 2015: acordos parlamentares à esquerda

Facto internacional de 2015

Pedro Correia, 04.01.16

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A CRISE DOS REFUGIADOS

Mais de um milhão de desalojados de guerra ou emigrantes impulsionados pela crise económica - oriundos do continente africano, do Médio Oriente e até de paragens mais longínquas como o Bangladeche e o Afeganistão - acorreram em 2015 à Europa, procurando neste continente santuário e asilo. O país mais desejado, na rota da esmagadora maioria destas pessoas, todas contempladas com o duvidoso rótulo mediático de "migrantes", foi a Alemanha, o que tem suscitado ampla polémica no país. Com o aparecimento de movimentos como o Pégida e contestação aberta, nas próprias fileiras democratas-cristãs, à chanceler Angela Merkel, que proclamou Berlim e outras urbes germânicas como "cidades abertas" ao fluxo de refugiados.

A maioria destas pessoas foge da sangrenta guerra civil da Síria, que já provocou mais de 250 mil mortos em quatro anos e pelo menos quatro milhões de exilados, em grande parte concentrados em campos improvisados nos países limítrofes - Líbano, Jordânia e Turquia. A somar-se à guerra ocorreu em 2015 a ocupação de cerca de um terço de território sírio pelas hordas do Daesh, que ali impõem a lei do terror - que visa sobretudo a forte minoria cristã da Síria, avaliada em cerca de 10% da população.

A crise dos refugiados, presente em todos os debates políticos europeus, foi o facto internacional do ano, segundo o critério do DELITO DE OPINIÃO. Na eleição, em que participaram 23 autores deste blogue (que podiam votar em mais de um tema), este recebeu 17 votos, seguindo-se o fundamentalismo do chamado "Estado Islâmico" (já eleito facto internacional de 2014), com sete votos. 

Apenas dois outros acontecimentos de 2015 receberam votos solitários: o restabelecimento das relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos e a possível cura contra o cancro realizada por investigadores da Universidade de Copenhaga. Boas notícias que infelizmente não bastaram para ofuscar as más.

 

Facto internacional de 2010: revelações da Wikileaks

Facto internacional de 2011: revoltas no mundo árabe

Facto internacional de 2013: guerra civil na Síria

Facto internacional de 2014: o terror do "Estado Islâmico"

 

Facto nacional de 2015

Pedro Correia, 03.01.16

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ACORDOS PARLAMENTARES À ESQUERDA

O facto nacional do ano - reconhecido por gente das mais diversas tendências políticas - foi a celebração de acordos entre António Costa e os líderes dos partidos situados à sua esquerda (BE, PCP e PEV) que permitiram ao PS formar Governo, empossado a 26 de Novembro.

Costa já havia referido, na campanha para as eleições legislativas de 4 de Outubro, a sua intenção de alargar o chamado "arco da governação" para incluir nele os comunistas e bloquistas, geralmente encarados apenas como militantes de partidos de protesto.

Os acordos de incidência parlamentar assinados a 10 de Novembro - em separado e sem a presença de jornalistas, numa sala fechada da Assembleia da República - permitiram a investidura de Costa como sucessor de Passos Coelho nas funções de primeiro-ministro, ainda que tivesse sido este o vencedor das legislativas, por maioria relativa. E mereceram o destaque do DELITO DE OPINIÃO, com 13 votos entre os 23 autores do nosso blogue que participaram nesta escolha (podendo cada um votar em mais que um tema).

 

O segundo acontecimento nacional mais mencionado (8 votos) foi a entrada em funções do XXI Governo Constitucional, que trouxe de regresso os socialistas ao poder, quatro anos depois.

Seguiram-se votos solitários nos seguintes factos: a polémica dos cartazes do PS durante a pré-campanha das legislativas; a "saída limpa" do programa de ajustamento financeiro; os 27 dias que marcaram a curtíssima duração do XX Governo Constitucional, liderado por Passos Coelho; a conquista do bicampeonato pelo Benfica; e a polémica transferência de Jorge Jesus para o Sporting.

 

Para o ano há mais votações. E talvez também mais transferências.

 

Facto nacional de 2010: crise financeira

Facto nacional de 2011: chegada da troika a Portugal

Facto nacional de 2013: crise política de Julho

Facto nacional de 2014: derrocada do Grupo Espírito Santo

Factos

Sérgio de Almeida Correia, 23.12.15

1. O orçamento rectificativo foi aprovado no Parlamento com os votos contra do BE, do PCP, dos Verdes, do PAN e do CDS-PP;

2. O PSD absteve-se logo na primeira votação em que o Governo não podia contar com os votos da esquerda radical;

3. A abstenção do PSD acontece depois de Passos Coelho ter afirmado que “admito que não teria uma solução muito diferente desta que foi adoptada, na medida em que não foi possível identificar ao longo destes anos um comprador para o Banif”;

4. A abstenção do PSD pode, no entanto, ser entendida como um sinal de coerência relativamente aos últimos anos quanto à capacidade de decisão e à responsabilidade do partido para resolver o problema do BANIF;  

5. Na primeira oportunidade que surgiu o CDS-PP voltou a aliar-se à esquerda radical que antes tanto criticou e à qual, repetidas vezes, acusou de falta de sentido de Estado;

6. O CDS-PP não tem nada a ver com o que aconteceu nos últimos três anos em relação ao BANIF porque o seu supervisor foi para o Parlamento Europeu;

7. O CDS-PP esclareceu que votou contra porque tem "dúvidas legítimas e fundadas em primeiro lugar sobre se esta é a única solução possível", desconhecendo-se quais as soluções que em três anos o partido propôs para o Banif, nem qual a solução que neste momento proporia;

8. Os registos dizem que CDS-PP integrou com o PSD o XIX Governo Constitucional que permitiu a nacionalização do BANIF através de uma injecção de dinheiro público de 1100 milhões de euros, mas neste momento há dúvidas no Largo do Caldas sobre se o partido chegou a fazer parte de algum governo de coligação com o PSD; 

9. Em momentos críticos do regime os amantes do "bloco central" ainda são capazes de se entenderem e de trocarem algumas carícias;

10. A cronometragem dos tempos das intervenções parlamentares deve ser concessionada a uma entidade independente e manter-se visível e acessível ao público e a todos os senhores deputados enquanto durarem os debates, única forma de se evitarem mais figuras tristes até ao final da legislatura.