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Alfredo Marceneiro - Casa da Mariquinhas
Desde ontem o 4 de Outubro passará a ser o Dia Mundial Sem Redes Sociais, leio num risonho postal de facebook. O apagão universal durante horas da teia do Facebook (FB, Instagram, Messenger, Whatsapp) - causando seis mil milhões de dólares de prejuízo, (quase) lamenta a imprensa - foi tonitruante. Claro que outras redes sociais continuaram, desde logo o gutural Twitter ou a "alt-network" Telegram, ou as laborais Linkedin, Academia.edu e ResearchGate, pelas quais passei brevemente. E visitei as minhas contas na Goodreads e na Babelio, e enquanto fumava perdi mais 2 ou 3 jogos na Chess.com (estou com o pior ranking de sempre, num ciclo catastrófico que insisti em pensar momentâneo mas que deverá ser já a degenerescência intelectual). Como neste nenhures não tenho televisão nenhum filme vi nem qualquer opção fílmica se me impôs e assim não visitei a IMDB. E como não tenho tido grande actividade nas minhas contas do DailyMotion e do Youtube também por lá não passei, tendo apenas deixado a tocar a Spotify. Nesse quase remanso também não fui à adorável Pinterest, pois é sítio mesmo de passatempo relaxado, nem à Geni, pois nesta precisarei de muito trabalho dedicado, e não é o momento de a isso me abalançar.
Enfim, mesmo se embrenhado neste redemoinho segui como tantos outros, algo desamparado com a inacessibilidade da minha conta do Facebook e com o silêncio do WhatsApp. É certo que uso estas macro-redes fundamentalmente para divulgar os postais de blog (tal como o Twitter, no qual não tujo nem mujo para além das ligações aos postais). Mas, ainda assim, e apesar desta profusão de outras contas noutras redes, fiquei-me algo combalido.
Valeu-me, vá lá, uma outra rede social, a blogal. Tal como quase todos os dias entrei na minha conta do Feedly, um excelente agregador de blogs. Onde, desde há muito, sigo um largo punhado de blogs - muitos dos quais entretanto encerraram enquanto outros seguem veteranos já algo relapsos, apenas balbuciando em raros postais. Mas há os que continuam viçosos, constituindo uma verdadeira rede social de gente que tem algo a dizer. E que para isso usa palavras, associando-as em formatos sintácticos aceitáveis. Algo óptimo, refrescante, neste mundo das redes sociais. E como tal, no meu caso, digo que o 4 de Outubro é o Dia Mundial das Redes Sociais.
Os mandarins da opinião paga tendem a ter pelas redes sociais um ódio frenético. Pacheco Pereira, por exemplo, casca nelas com furor sempre que a ocasião é, ou ele a faz, oportuna. Acha que são perigosas, veiculam ideias primárias, põem no mesmo plano a opinião do condutor de empilhadores zangado com o mundo, que acredita que a terra é plana e que há várias conspirações mundiais destinadas a engenheirar as sociedades, e a do académico com obra reconhecida pelos pares.
Depois, as redes são usadas por grupos terroristas, extremistas de vária pinta, vigaristas de todo o tipo, predadores sexuais, etc. E todos os dias pessoas e grupos fabricam notícias falsas, ilustradas com fotografias ou vídeos manipulados, afirmações de responsáveis descontextualizadas, e toda uma panóplia de aldrabices sortidas, que são instantaneamente reproduzidas às centenas de milhar por tribos ansiosas pela confirmação das suas crenças.
Que há conspirações é um facto. Mas isso não impediu o nascimento de organizações de fact check, utilíssimas mas que já deram abundantes provas de, quando as notícias põem em causa poderes públicos, se limitarem a papaguear a versão oficial dos factos – consequência do trabalho sentado ao computador, e do viés socialista que afecta a classe jornalística, ao menos entre nós, e que leva os autores (os fact check têm autores de carne e osso) a tomarem-se por pastores da grei, com a obrigação de divulgarem a mensagem certa, se a notícia a verificar for excessivamente desalinhada.
Com fact checks podemos nós bem – acreditamos ou não, ninguém nos obriga. E, o Pacheco Pereira que tenha paciência, com básicos e chanfrados a expectorar asneiras e a vomitar ódio em português das novas oportunidades, também. Até porque no embrulho podem vir, e vêm, coisas boas.
O problema é que Pacheco, e alguns outros Pachecos gurus da comunidade, acham que as escolhas as devem fazer eles, e não nós, a massa anónima dos consumidores de treta. E acham isso, oficialmente, por não quererem a difusão de nódoas ideológicas nas nossas sociedades, mas realmente (processo de intenção meu) por não quererem concorrência: nas redes aparece quem, de graça, tem tanta ou mais audiência do que eles, a propagar ideias que abominam e que querem esmagar com um interdito.
É com este pano de fundo da alegada necessidade de controlar as redes que, pacificamente, assistimos ao espectáculo de os seus donos, à boleia do combate à violência, ao ódio, ao racismo, à pornografia e mais um par de botas, terem desenhado algoritmos que permitem calar – sem processo, sem recurso e, quase sempre, sem publicidade, quem quer que seja que tenha um discurso que ofenda as suas convicções, ou as que acham mais convenientes para não afugentar anunciantes. E esta prática já levou inclusive a que um homúnculo se tenha permitido impunemente fechar a matraca ao presidente dos EUA. Deu nas vistas, claro, como não dão os milhares ou milhões de mensagens que todos os dias são canceladas por coisas tão banais como a exibição de um par de mamas ou, pior, um sexo cabeludo (como o de Courbet, na Criação do Mundo, que o algoritmo púdico de Zuckerberg censurou) mas também apologias ou refutações do nazismo, racismo, alterações climáticas, igualdade de género, perigosidade da Covid e uma longa lista de delitos, dependendo das queixas de ofendidos.
Há aqui uma confusão: as redes são de propriedade privada mas o seu meio é um bem público, a liberdade de opinião. Permitir-se que um idiota como Zuckerberg ou qualquer outro magnata decida o que pode ou não dizer-se no Facebook não é diferente de o dono de um café proibir a entrada de pretos ou hindus: num caso ofende-se a liberdade de opinião e no outro a igualdade dos cidadãos perante a lei, e portanto no acesso a espaços públicos.
Eu gosto das redes, sobretudo do Facebook, e na minha bolha aprendo com frequência alguma coisa, divirto-me com os disparates, espanto-me com a ignorância, aborreço-me com gente pomposa e irrito-me com cretinos que querem çalvar Portugal a golpes de indignações avulsas, maiúsculas, pontos de exclamação e confessada admiração pelas eructações do dr. Ventura.
Tenho lidado com muita gente, e hesitado pouco na hora de saltar da rede para a rua e a conhecer pessoalmente. E, ó espanto, essa gente não é diferente do que imaginava pelos seus avatares. Posso dizer que hoje conto como amigos pessoais, e companheiros de jantaradas e tertúlias, que conheci via Facebook e blogosfera. Que, sendo muitos, ainda são menos do que aqueles que nunca vi por estarem longe e termos vidas desencontradas. De modo que – vai-te lixar Pacheco – as redes têm um saldo largamente positivo, para mim e milhões.
Pois bem: Tenho um amigo facebookiano que prezo muito por pensar (algumas vezes mal, na minha opinião, que naturalmente respeito) com originalidade sobre os mais diversos assuntos. De sólida formação científica na área da Física (que julga, em conjunto com outras ciências duras, o alfa e o ómega da cultura e da lucidez), acrescenta-lhe uma grande simplicidade, que o leva a discutir com todo o cão e gato. E numa discussão sobre um incidente num jogo de futebol, em que um negro se sentiu ofendido pela atitude de um árbitro (peço desculpa por não me lembrar dos detalhes da historieta, e não ter paciência para a procurar), cometeu o erro de argumentar com um pateta justiceiro, um tipo de personalidade muito frequente nas redes. Zás: “A tua publicação desrespeitou os nossos Padrões da Comunidade relativos a discurso de incentivo ao ódio”, toma lá 30 dias de suspensão.
A liberdade de expressão nunca teve muitos amigos, por ser um perigo para os poderes – todos os poderes – e porque quase toda a gente a defende desde que não sirva para ofender aquilo em que se acredita – a fé, a democracia, a pátria e mais umas grandiloquências, que variam consoante as pessoas. Pelo menos era assim; agora é assado porque a lista do que não se pode dizer vem aumentando à medida que se lhe acrescentam novos valores, entre eles o discurso de ódio, a igualdade de género e das civilizações, bem como outras frescuras.
Fizeram-me falta os 30 dias do meu amigo. Não é esquerdista, não é preto nem cigano, não é pobre nem explorado, não é situacionista nem convencional. Azar dele: os tempos vão para quem pensa como deve ser; para os outros há suspensões.
Há tempos o Facebook resolveu alterar o layout a pretexto de umas imaginárias melhorias. Agora que já estou mais habituadinho acho que percebi a necessidade: deslocaram mais coisas para o cabeçalho para a publicidade se ver melhor.
Andei uns tempos agarrado à versão antiga, com o apoio de um site que queria servir os milhões que, como eu, não apreciaram a baldroca. Mas começou tudo a funcionar mal, os moços do site não podiam ganhar a guerra com o czar Zuckerberg.
Imagino que muita gente gostou, a mesma que acha que o moderno é sempre melhor e pronto: vale para toilettes, daí que os locutores da Sic se apresentem com fatos arrepanhados, um número abaixo do que compete; para os interiores mais recentes dos carros topo-de-gama (isto é, os que os jornalistas invejosos assim denominam), que têm uma quantidade de luzes de várias cores que os transforma em discotecas para alucinados; para restaurantes, que começam a perder clientela quando conservam demasiado tempo a mesma decoração porque o cliente, que aprecia lixo moderno no prato, também o quer na decoração; e para piroseiras sortidas, que o engenho para vender sucata inventa.
Há muito tempo, herdei o gabinete, e temporariamente o lugar, de uma pessoa que estimava e respeitava muito. Tinha uma velhíssima secretária de madeira, salvo erro em mogno, e o resto a condizer. Pois o presidente (era uma câmara municipal, e a personagem fatalmente um socialista) insistiu em que a mobília fosse substituída por uma coisa mais arejada. Não foi, claro, enquanto lá estive o velho móvel serviu como fazia há décadas, e abstive-me de lembrar caridosamente ao enxerido que o que precisava de substituição era o blusão de napel em que se apresentava e o shampoo que usava, se usava, porque tinha caspa.
Pois bem, descobri num canto do novo arranjo daquela rede que tinha para cima de mil pedidos pendentes para gostar de páginas. E, penosamente, fui mondar aquilo, descobrindo com espanto que:
Há tantos, mas tantos, mediadores imobiliários, que não se me dá imaginar que o seu número deve ser igual ao de casas à venda; há uma prodigiosa colecção de prosadores e poetas, em número que estimo pelo menos igual ao de leitores; indivíduos que se apresentam como “político” preencheriam sem esforço várias assembleias da república; e gente a vender coisas da mais variada índole é tanta que facilmente abasteceria de forma satisfatória todo o mercado do Bangladesh se lá cessassem de produzir fosse o que fosse.
A malta das escritas distingue-se geralmente por frases profundas e inspiracionais, se forem prosadores, e pungentes e nobres sentimentos se forem poetas, uns e outros reclamando atenção às suas peregrinações interiores rumo à alma que creem dourada. Dito de outro modo, para ler uns é preciso pôr um escafandro e para outros montar umas asas, dois exercícios completamente fora do meu alcance.
Sucede que, mesmo que esta amostra não seja representativa, e com excepção dos intelectuais, traduz uma realidade triste: são pessoas a fazer pela vida, muitas com mérito, e que, pela maior parte, terão um sucesso menos do que moderado.
A nossa economia é tíbia, as oportunidades escassas, o capital disponível praticamente nulo, a fiscalidade rapace, sôfrega e arrogante, o Estado omnipresente nas esquinas da vida e endividado até às orelhas, o futuro incerto, agora mais ainda do que no passado.
À sombra desse Estado é onde toda a gente que não quer ou não pode emigrar se quer abrigar porque o passadio é menos mau e o futuro mais seguro. E a nossa tragédia é que o país não cresce porque o Estado é obeso; quem o quiser emagrecer compra inimigos; o país investe fortemente na educação para exportar mão-de-obra qualificada que, se tiver sucesso, não volta aqui a pôr os pés; e a quase totalidade da Academia, mormente nas áreas ligadas a estas coisas, digladia-se quanto à forma de o administrar, enquanto se vai queixando do empresariado que temos, por causa da formação que dizem que lhe falta, e que todavia é suplementado, todos os anos, com fornadas de gestores altamente qualificados. Os quais, por saberem falar inglês, dão à sola porque por cá publicam anúncios no Facebook nos intervalos do trabalho no call center ou no takeaway.
(Postal para o meu mural de facebook)
Meus queridos amigos,
de súbito brotou um "même" nas redes sociais, o gozo aos comentadores televisivos que, pois agora confinados em casa, surgem na tv via seus computadores tendo atrás estantes apinhadas de livros. Ou seja, é ridículo ter livros e fatela mostrá-los.
Eu percebo as irritações por princípio, os "preconceitos" como agora se diz. Ou, melhor, os "ódios de estimação", como o magnífico MEC lhes chamou um dia, aqui há atrasado. Eu, apesar de mim-mesmo, também os pratico. E enuncio-os: detesto o presidente da Assembleia-Geral do Sporting, o dr. Rogério Alves, apenas e exclusivamente porque trata toda a gente por "querido amigo" (ver acima, neste postal). E abomino, até ao desejo de extermínio, todos os patetas que se (auto)representam com a queixada sob a palma da mão, como se sinalizando o peso do intelecto, tamanho que assim necessita de suporte (ver foto avulsa). Por isso percebo, humano que sou, que detestem só por detestar os tipos que têm livros em casa, amontoados num estrado a que chamam estante e guardados (para hipotética consulta, em alguns casos) numa divisão - recordo que os livros acumulam pó, nisso ácaros, e que não convém tê-los nos quartos de dormir. Por questões sanitárias, mais que não seja.
Há pessoas que têm livros. Eu próprio os tenho. Aqui me selfizei (como vós, "meus queridos amigos", agora falais) na sala da pequena casa aquém-Tejo na qual me aboletei. Um T1, rústico e maravilhoso, no qual está a estante. Duas prateleiras (correspondentes a uma mala de viagem e uns sacos) de livros meus, vindos para este pré-apocalipse, três outras com livros residentes. Faz parte ... Desde há uns tempos, séculos até (consta que pelo menos desde D. Quixote), os remediados têm prazer em comprar livros e vêem utilidade em lê-los. E nas casas (térreas ou apartamentos) congregam-nos numa divisão na qual alguns, segundo a profissão, até trabalham. Ou estudam. Chamam-lhes escritórios, por vezes. Os meus avós tinham-no (magnífico o do meu avô materno, até com mesa de fumo, belíssima, oferta de um regimento que comandou. Vem essa passando de mão em mão, por linha masculina [mas não varonil]. Chegou-me e depois de a viver dei-a, há uns dois anos, a um sobrinho que um dia a virá a passar a seu filho, presumo). Os meus pais também tinham escritórios, carregados de livros. E era o meu pai pessoa bem-educada, tal como o é a minha mãe. Mesmo assim tinham escritórios. Eu tenho-o - ainda que os livros estejam também noutras divisões da casa (no corredor, na sala de refeições, burguesmente dita "de jantar" - a gente já não pode almoçar em casa -, nos quartos e até, para minha vergonha, na cave).
Ou seja, é normal que um tipo que tem que aparecer na tv emitindo a partir de casa o faça desde o seu local doméstico de trabalho. No qual tem livros, já que é um burguês e - sendo opinador - presumivelmente trabalhador intelectual. Sei que muitos de vós usam os telefones na sanita [já agora é "sanita" que se diz e não "retraite", ó seus bimbos armados em finórios]. Mas, de facto, o mais normal é que quem tem que falar em público desde casa não o faça sentado na sanita. Nem em locais com usos estritamente domésticos (ex. o tanque de lavar roupa). Ainda para mais quando, muito provavelmente, lá estão os outros membros da família.
É óbvio que há excepções. Temáticas. Ontem passei pelo canal 11, da bola. E nele estava um friso de 6 comentadores em simultâneo, a falarem (sei-lá-do-quê). Todos tinham as traseiras lisas, nem um livro à mostra. Acredito que os tenham em casa, a alguns exemplares. Mas para aquele público - os compatriotas mais morcões que assistem a painéis futeboleiros - parece mal mostrar livros, descredibiliza os locutores. Não sei se os "meus queridos amigos" me estão a seguir no silogismo ... são os que comungam sensibilidade e gosto com estes espectadores da bola, os tais compatriotas mais morcões, que agora andam a gozar com os literatos que falam na tv.
Enfim: não há qualquer razão para gozar com os tipos que têm livros e que falam desde casa para a tv com as estantes atrás. Repito, é normal tê-los (até eu os tenho), e é normal que se fale para fora numa pequena sala com as paredes algo cobertas de livros.
O que os meus queridos amigos poderiam analisar, e até gozar, é o que esses comentadeiros dizem. E, se tiverem paciência para tal, especularem sobre as agendas, pessoais e colectivas, que transportam no perorar. Muito mais à frente, talvez apenas em era pós-covidiana, poderiam até questionar este tipo de fazer informação televisiva, sem reportagens substantivas e com uma série infinda de charlas inócuas e/ou interesseiras.
Entretanto, e porque confinado, eu vou gozando com os tais morcões. Os que julgam que têm piadola.
Corre a notícia de que as ligações ao blog "Do Portugal Profundo" estão proibidas no Facebook, tal como é vedado citá-lo. Surpreso, ainda que não espantado, fui confirmar. Confere, a minha tentativa de partilhar uma ligação ao seu último postal (que denuncia a censura de que é alvo nesta rede social) foi negada, e fui informado de que o referido blog "viola os princípios da comunidade".
Estas coisas são simples, e sabe-se a metodologia (o processo geral já foi publicada em jornais portugueses, e decerto que é esse o que agora acontece): o blog é vetado no FB devido a denúncias várias às quais se segue uma série de tarefeiros que decide "na hora" se deve ou não vedar acesso ou apagar conteúdos. Há recurso, para "superiores hierárquicos" que mantêm ou não a decisão. Ou seja, e para além do falível funcionamento da empresa - a notícia que li há tempos falava de impreparação dos jovens funcionários temporários e da extrema rapidez exigida aos processos - surge aqui um perverso sistema de censura rizomática, uma espécie de "delação premiada": se um conjunto de pessoas denunciarem um conteúdo porque os "ofende" este é retirado.
Ou seja, se alguém escrever que o Benfica é beneficiado pela arbitragem (19 000 "gostos"-FB no postal de ontem no nosso És a Nossa Fé que isso afirma) um conjunto alargado de membros das claques internéticas benfiquistas pode denunciar o conteúdo: bastará apanhar um jovem tarefeiro inseguro (ou benfiquista) para que as ligações (e citações) sejam retiradas das partilhas no FB.
É óbvio o que aconteceu: António Balbino Caldeira escreveu um texto avesso à exploração política que o populismo racialista (LIVRE/BE) está a fazer do horrível assassinato (não é uma redundância) do estudante cabo-verdiano Giovani Rodrigues, acontecido em Bragança. Concorde-se ou não com a sua argumentação, os termos em que ela é apresentada são - em texto e em putativo sub-texto - eticamente (os tais "princípios da comunidade", por fluidos que sejam) inatacáveis. São até - mas essa é a minha opinião - muito certeiros, por desagradáveis que possam ser aos populistas (facilitadores) das aparentes "boas causas".
Não sou leitor habitual de Balbino Caldeira. Mas claro que o li, veterano e célebre bloguista que é. Convirá lembrar os candidatos e os efectivos delatores, que o bloguista batalhou contra José Sócrates dizendo muito do que agora qualquer cidadão pode saber. Que foi processado pelo famigerado então primeiro-ministro e foi inocentado. E que isso lhe dá mais crédito como cidadão - ainda que não o iniba de cometer erros e de convocar discordâncias - do que os "intelectuais orgânicos" deste movimento populista racialista, então apoiantes dessa cleptocracia socialista. Gente comentadora televisiva, colunista de "jornais de referência", até deputada, e ombreadores do bloguismo remunerado anónimo de contra-informação (fake news avant la lettre). A esses funcionários públicos, ou avençados do Estado, apoiantes dos desmandos na banca pública, do combate à liberdade de imprensa, de afronta à separação dos poderes, do nepotismo e vera criminalização do Estado, e até académicos adeptos da efectiva falsificação de títulos universitários, ninguém persegue com o recurso a estas manobras da tal censura rizomática. Por demagogos que surjam, abjectos falsificadores do real. E essa diferença permite bem perceber onde estão os democratas.
Já para Balbino Caldeira, porque é de uma "direita profunda", como tantos destes "intelectuais orgânicos" são de uma "esquerda profunda" (que nunca, para eles, "extrema"), se organiza (eles organizam, sem rebuço) a censura.
Enfim, ao ser confrontado com a impossibilidade de partilhar no Facebook uma ligação ao "Do Portugal Profundo" deixei esta mensagem ao sistema daquela empresa: "Nada há nos postais do veterano blog Do Portugal Profundo, o qual, como bloguista que sou, leio há cerca de 15 anos, que seja considerável como calúnia ou violentador do espírito de cidadania. As ideias que o autor do blog defende são absolutamente legítimas, concordemos ou não com elas. A proibição da sua divulgação no Facebook é um acto inaceitável. E muito duvido que seja legítimo."
Agora venham-me dizer que eu sou racista.
Adolfo Mesquita Nunes: «Não me parece essencial que um deputado tenha um blogue não institucional, embora me agrade a ideia de que tenha. Já me causa mais estranheza, isso sim, que deputados que o não tenham, por falta de tempo ou de jeito ou de gosto ou de disciplina, adiram com tanta facilidade ao twitter, onde comunicam em meia dúzia de caracteres que rapidamente se esfumam, e ao facebook, onde em meia dúzia de caracteres que se esfumam ao segundo comunicam o que pensam.»
Ana Vidal: «A RTP 2 tinha hoje à tarde, a apresentar as notícias, uma pivot quase completamente afónica. Dificilmente se percebia o que dizia, e tive mesmo de subir o som para conseguir ouvir alguma coisa. Nunca tal tinha visto, e a situação chegaria a ser cómica se não fosse tão confrangedor o visível esforço que a pobre jornalista fazia para falar. Sinais da crise? Se era essa a razão, aposto que não foi grande a poupança: o tratamento e repouso daquelas cordas vocais esticadas ao limite vão sair mais caros do que uma ou duas horas de uma substituta, pagas a recibo verde.»
João Carvalho: «Há quem diga que os casamentos homossexuais são diferentes e que não deviam ser tratados como iguais. Estive a meditar. Esqueçam isso. Um casamento homossexual é o mais igual de todos. Desde logo no sexo dos cônjuges. Os outros é que são diferentes.»
Acabámos de criar uma página do Delito de Opinião no Facebook. Destina-se a divulgar naquela rede social as ligações aos textos que iremos publicando no blog. Aqui fica o convite aos leitores que têm conta no FB para que a acompanhem. E a divulguem entre as suas ligações (os célebres "amigos-FB"), se assim o entenderem aconselhável. O colectivo agradecerá.
Para aceder a essa página basta pressionar: Delito de Opinião.
Hoje li o seguinte tweet:
Sou utilizadora diária do twitter desde 2009 e confirmo o que ali está. Claro que se trata de um tweet brasileiro, mas o essencial está lá, e aplica-se globalmente: antes lia-se e percebia-se comentando ou não. Agora lê-se e dá-se uma lição. Tento manter-me à margem desta tendência, mas é geral, as redes estão sufocantes com moralismos e filosofia de pacotilha. E como esta não é uma questão de agora, fiz uma busca pelos meus posts no Delito e encontrei este, sobre como nos comentários em geral as pessoas apontam muito rapidamente o dedo, sem pensar muito, importa é participar (da pior maneira possível).
Tenho pena que o twitter também esteja agora a sofrer com isso. E não, digo já a quem nunca o usou muito, não era assim, a tendência era a inversa. Ali podíamos rir de subtilezas e coceguinhas no cérebro, quem percebia percebia e dava um RT ou interagia, complementava, alimentava uma espiral saudável de boas piadas, quem não percebia passava à frente e ria para a próxima. A timeline seguia o seu curso e pelo meio divertia-me muito. Ainda me divirto, ainda me rio, mas já faço um esforço por procurar o conteúdo e antes não era preciso.
O pior continua a ser o Facebook parece-me (e caixas de comentários de jornais), e nem é preciso procurar. Às vezes vejo o Jogo do Tanso, da Cátia Domingues para crer. É possível que o missing link esteja entre os visados.
Tenho a convicção de que a saturação com o comentário maldoso vai chegar e teremos o reverso nas redes em geral, ou pelo menos o sossego nas redes. Pode ser só wishful thinking.
Lisboa, Rua Aprígio Mafra
Jim Carrey, na sua conta do Twitter (6 de Fevereiro)
Há ainda quem não goste do Facebook, e alguns sentem isso sem qualquer blaseísmo. Eu gosto, com a minha experiência de emigrado e agora de torna-viagem. Como fonte de informação. Mas também porque forma de contacto com amigos e conhecidos mais ou menos distantes, sabendo novas dos seus passos, relevantes ou quotidianos. Dos seus afazeres e gostos. Da sua vida. Dos seus prazeres, pesares e pensares. E, porque faz parte da vida - e a minha geração já chegou a essa idade, e devemos ombrear nisto -, da sua degenerescência, a miopia, surdez ou até já demência. Como a que reconheço agora em alguns mais ou menos próximos lisboetas, que avizinho no Facebook, há alguns anos indignados e/ou irónicos com a senhora Jonet porque recomendava que não se comesse carne todos os dias. E agora já calados, alheados, porventura no ensimesmamento da senilidade, com esta "raríssima" senhora. Ou, um ou outro, balbuciando, com a vetusta queixada em tremuras, "tecnoforma".
As Novas Cortinas de Ferro
Back to the Cold War
Tsipras espera que a promiscuidade do Syriza com a Rússia assuste Merkel. A chanceler cresceu na RDA e as ligações de um partido comunista a Moscovo podem despertar uma certa nostalgia.
A Grécia tem historial de causar tensões entre o ocidente e o leste. Foi assim no pós-Viena, na mesma década da Questão Oriental que viria a dar a Guerra da Crimeia em 1853. Os ortodoxos seduziram um czar conservador a patrocinar uma revolução, obrigando os ingleses a meter o nariz e um príncipe germânico a tomar conta.
Com a bipolaridade de final do século XX, os helénicos voltaram a obrigar o ocidente a intervir, face à influência soviética nos revolucionários de esquerda. Desta feita, os americanos em vez do Concerto Vienense.
Até quando podemos negar o reemergir da Guerra Fria?
O encontro de Alexis Tsipras com Putin, as suas posições contra as sanções económicas à invasão da Crimeia (a Crimeia outra vez...) e a sua aliança com os Gregos Independentes (a direita ortodoxa outra vez...) querem inverter o desequilíbrio comportamental de Bruxelas, que é mansa com os brutos e bruta com os mansos.
Tsipras está a dizer "Ou se deixam de coisas ou prefiro ser um satélite russo a um escravo europeu". Merkel andará descansada devido à fragilidade económica dos russos, mas num mundo que perdeu a sua bipolaridade será interessante ver como reage a China ao ver Atenas "à venda" e com vontade de mudar de senhoria e a reação dos EUA a tudo isto com um Presidente Republicano a caminho.
Gostava de saber onde é que o Sr. Fukuyama - que declara o "fim da história" quando ela se repete inevitavelmente - enfiou as ilhas de paz e o Sr. Coelho viu o conto de fadas.
Sebastião Bugalho, via FB, estudante, 19 anos
Há muitas vezes um silêncio quando alguém diz mal do facebook ou outra rede social. Se calhar por não acharmos fundamental defender, cada um está onde quer estar, quem não quer ter nenhuma não tem e vivemos bem assim.
Aquilo que faz sentido comentar com os amigos do liceu, não faz sentido comentar com os meus colegas de trabalho. O que faz sentido comentar com os meus colegas de trabalho, não interessa às minhas primas. O que interessa às minhas primas pode não interessar aos meus parceiros de blogue. O que os meus parceiros de blogue gostam de discutir pode não ser assunto para os meus colegas de curso.
Podem argumentar: ah mas para comunicações mais personalizadas pode mandar-se mensagem. Só que para esse efeito, digo eu, tenho o meu email.
Uma solução para este imbróglio comunicacional é procurar um denominador comum entre os vários grupos de "amigos" e só comentar o que possa interessar a todos, como as notícias que circulam no momento e trivialidades do dia-a-dia, ou seja, conversa de café. Só que esse é o tipo de conversa que para ser completa precisa de gestos e inflexões de voz. O LOL não me estimula e o like é um assentimento que pode ter múltiplas leituras. A falta que fazem as inflexões de voz quando se trocam piadas e a prosa corre sanguínea ou ligeira, conforme os humores...
Ná! Por escrito, uma conversa de café não é a mesma coisa.
Há quem diga que se serve do Facebook só para questões de trabalho. Mas nesse caso não faz mais sentido usar as redes de profissionais?
«Sonho com uma bigorna a cair sobre o servidor global do Facebook, interrompendo a "comunicação" entre tantas pessoas desejosas de mostrar fotos da roupa interior ou de espalhar ignomínias. Antes, os idiotas andavam um pouco por todo o lado, mas distinguiam-se bem. Agora, estão escondidos na Internet."
Francisco José Viegas, no Correio da Manhã
Agora que se anuncia que o facebook entrou na curva descendente e que se pode antever a penosa ruína de Mark Zuckerberg e apaniguados - devastados economica e sentimentalmente por estes instantâneos sucedâneos que já por aí pululam - é de bom tom referir, calmamente, que o Delito de Opinião tem uma página nesse proto-defunto Facebook.
Assim sendo os poucos que ainda frequentam aquele meio poderão por lá acompanhar este blog. Bastará para isso aceder à página Delito de Opinião e pressionar ("clicar" no dialecto ou "laicar" no calão) no ícone "Gostei" para continuar a "Gostar" (assim se espera) do blog.
(Um postal propositado para um outro blog onde escrevo, e com tema algo excêntrico ao Delito de Opinião. Mas, como se diz em inglês, aqui fica "para quem possa ter interesse".)
Nos últimos dias recebo várias mensagens com uma "carta aberta aos portugueses", a qual vejo também reproduzida no facebook e na comunicação social. Ecoa o mal-estar com esta imigração e termina com um conselho explícito: que mantenhamos a bola baixa. Sucede-se a algumas outras discussões de facebook (vi algumas, contam-me outras) que realçam o desagrado com a situação actual. Umas explicitando o porquê desse desagrado (mais ligadas às questões da imigração ilegal), outras aludindo a uma generalizada má-vontade dos recém-chegados. E outras pura e simplesmente, considerando os portugueses aqui prejudiciais ("os portugueses são todos mal-educados" li recentemente, e engoli).
Esta carta chega-me, e em tons de concordância, por parte de amigos moçambicanos (alguns do grupo socio-etário da sua autora, até dela amigos pessoais), e por parte de amigos portugueses aqui há longo tempo residentes ou ex-residentes de longo prazo. E também por outros patrícios, entre o incomodados e o até receosos, sobre o que isto significa, o que pode induzir. Não se exagere, é um fenómeno normal, também no nosso país, e em tantos outros, a chegada de imigrantes provoca reacções de incómodo. E, em particular, quando estão inseridas num tipo de relacionamento histórico como este, ex-colonial.
A questão desta "carta aberta" ultrapassa o seu conteúdo ou mesmo o contexto sociológico muito particular da sua realização. E até mesmo o facto de eclodir na sequência da questão recentemente levantada dos vistos de entrada, cujo incremento de controlo advém da mais normal, e salutar, actividade administrativa. A questão central será até mais a da sua recepção e reprodução (partilha electrónica e conversacional).
Alguns pontos gostava de deixar, em corrida, pois por demais atarefado para textos sistematizados:
a. Em finais de XX também houve afluxo de portugueses, normalmente quadros ligados a grandes ou médias empresas, ou pequenos e médios investidores. Uma menor dimensão quantitativa e com outras características sociológicas (para facilitar chamo-lhes "expatriados", no sentido de melhor situação socioprofissional e com lugares de recuo). A reacção foi, e as pessoas esquecem-se, bastante mais adversa. Não só porque isto significava a chegada de capital (financeiro, fundamentalmente) português, e nisso parecendo assumir contornos do "neo-colonialismo". Mas também porque as memórias do período colonial, da guerra de independência (e da civil) eram mais vivas. E ainda porque a "classe média" urbana tinha menores disponibilidades e sentia mais o peso competitivo dos quadros estrangeiros. E a questão de Cahora-Bassa não estava ainda terminada, pois continuo a pensar que o final desse processo significou um "degelo" nas relações entre países e, por arrasto, entre sociedades.
Quando falo em "reacção adversa" falo de discursos públicos, de personalidades conhecidas. E das "cartas de leitores" aos jornais (e quão célebre era a correspondência, vera e fictícia, no jornal "Notícias"). Alusões e acusações a desmandos e maus tratos (e a escândalos económicos) juntaram-se. Umas teriam fundamento (a mácula de uma grande aldrabice bancária foi terrível) outras nem tanto (a primeira vez que escrevi num jornal moçambicano foi para defender um amigo, administrador de uma empresa, que estava a ser, prolongada e injustamente, escalpado no jornal "Savana". E ainda hoje lembro a gratidão ao Augusto Carvalho por ter intercedido no "Domingo" para que ali me publicassem o justíssimo desagravo).
Interessante no processo actual, bem menos intenso, é que se centra no mundo do "facebook", evidenciando a força do novo espaço de discurso público em Moçambique. E fazendo notar que neste espaço, muito menos hierarquizado, as vozes descontentes que se expressam estão mais entre os cidadãos comuns do que nas personalidades da elite político-cultural. Haverá, ponho como hipótese, menos "política" neste expressar do desagrado.
b. A sociedade portuguesa indiscutiu o colonialismo. Ou seja, manteve a sua histórica inconsciência colonialista, muito baseada no velho mito do "modo especial de ser português", aliás, do "modo especial de ser colono". Isso implica a manutenção, fluída, de estruturas mentais sociais que condicionam categorizações e relacionamentos, as quais subsistem, como é óbvio, numa multiplicidade de conteúdos - entenda-se, "cada um como cada qual", ou seja, as perspectivas individuais não são determinadas mas são, isso sim, influenciadas.
Esta "inconsciência", este impensar do passado, não num sentido automortificador mas sim com uma veia prospectiva, continua a ser sublinhada por discursos dominantes. O actual pico da literatura "leve" que evoca a "boa África colonial" ajudará, a continuidade da ideia da "lusofonia" como espaço comum (e com a sua excrescência mal-cheirosa Acordo Ortográfico) é disso motor. A ideia de que as realidades históricas eram brutais desvanece-se. E quase inexiste a ideia que essa brutalidade era sistémica, como lhe chamou Sartre. Estas coisas estão escritas, e há muito. Pegue-se no "O Fascismo Nunca Existiu" (1976) de Eduardo Lourenço e vejam-se os luminosos textos dedicados ao (im)pensamento português sobre a relação colonial com África (escritos entre 1959 e 1976!!!) e está lá quase tudo, numa poderosa análise que as décadas seguintes só vieram sublinhar. Lourenço é muito falado, premiado, elogiado. Mas parece ser pouco (re)lido. A dimensão sistémica colonial da sociedade e economia portuguesa (e metropolitana) está explícita em textos pioneiríssimos de José Capela ainda do início de 1970s, e depois demonstrada no excelente "Fio da Meada" de Carlos Fortuna, um marco já nos anos 90s. Mas dá a sensação que não ultrapassam o meio académico que os respeita. Os extraordinários textos de Grabato Dias (António Quadros) são esquecidos, que de "leves" e "miríficos" nada têm.
Porquê este rodeio bibliográfico? Porque o desconhecimento das realidades históricas e a armadilha da "língua comum" produz em Portugal uma visão de África(s) e categorizações menos actuais do que se pensa, portanto menos úteis, menos utilizáveis, menos propensas a um relacionamento desmaculado (o "imaculado" não é uma palavra ... humana). E implica também muita surpresa, o deparar com ambientes menos propícios aos portugueses do que quantas vezes se pensa, se antevê. Ambientes diversos sociologicamente e diversos nacionalmente, pois não há uma una relação "portugueses-ex-colónias". Mas é tudo, como não poderia deixar de ser, bem menos fraterno do que o nosso (português) senso comum produz.
E talvez este tipo de discursos posssa servir, empurrar, para que se pense melhor. Não "de bola baixa". Mas de "bola alta".
c. A polémica carta pega em excertos discursivos de portugueses sobre Moçambique (recolhidos aquando das polémicas no facebook sobre o fim da atribuição de vistos de entrada nas fronteiras). São entendidos como significativos, os discursos na internet baseando uma indução sobre os portugueses. Para mim este é também um ponto interessante, pelas novas dinâmicas do discurso público e das suas utilizações e interpretações, que demonstra. Pois ao longo dos anos acompanhei os discursos electrónicos sobre Moçambique, em particular no bloguismo. Com a fantástica colaboração do Paulo Querido, organizei o directório "ma-blog", continuado depois com o Vitor Coelho da Silva no PNetMoçambique. Conheci centenas de blogs moçambicanos e sobre Moçambique. Muitos, muitos mesmo, escritos por portugueses. E vários destes por portugueses em Moçambique, voluntários, missionários, cooperantes, turistas, imigrantes, investigadores (como exemplo muito actual este Beijo-de-mulata, recentemente editado em livro em Portugal).
E o que me foi sempre notório, até como analisável, é o facto da (re)produção do encanto nesses blogs. Um encantamento, solidário com as pessoas, embrenhado na natureza, curioso com a história, preocupado com o real e o futuro. Quantas e quantas vezes ingénuo, namorando o exótico, até pa/maternalista, e eu face a isso resmungando. Mas um generalizado tom nos discursos electrónicos portugueses aquando em Moçambique. Oposto, até inverso, ao produzido em discussões de facebook que quase de certeza têm locutores sociologicamente distintos, e na sua esmagadora maioria bem longe do país, cruzando ainda as dores de um "luto colonial", de teimosia imorredoira. E nisso muito mais ligados às concepções (históricas) que acima refiro.
Deste modo, também por tudo isto, assentar a tese da malevolência portuguesa (ou da significativa malevolência portuguesa, mesmo que não universal) no "picanço" a la carte desses exemplos mais ultramontanos (ainda que eles sejam, porque o são, recorrentes em alguns contextos electrónicos) me parece francamente letal. Para quem escreve. Não para quem ouve e lê.
d. Depois, e por fim, o óbvio e mais importante. Moçambique como "terra de oportunidades"? Como penúltimo passo deste generalizado "go south" africano? Como espaço de mineração e garimpo? Como país que vive uma continuada pacificação e um anunciado desenvolvimento? Como terra de gás e petróleo? Esta é a realidade das representações que o país tem, de momento, no contexto internacional. O problema são os imigrantes portugueses (com as suas características)? Ou é a capacidade do país conviver com o fluxo tão diversificado de imigrantes e de migrantes? O qual foi, inclusivamente, saudado há pouco por um membro do governo como dimensão do desenvolvimento e globalização sentidos no país.
A classe média maputense choca-se com a imigração portuguesa, legal e ilegal. E tem razões sociológicas para tal, deixemo-nos de exagerados prudidos. Expressa-as publicamente (jornais, redes sociais). Mas se cruzarmos a sociedade nas suas várias dimensões encontramos outras preocupações com tantos outros núcleos estrangeiros. No norte com os "tanzanianos", nos pequenos comerciantes com os "nigerianos", generalizadamente com os "indianos", em tanta gente com os chineses (sem aspas, pois são realmente chineses contrariamente aos outros universos), nos quadros também com os "sul-africanos", há alguns anos no centro do país com os "zimbabweanos". Etc.
A questão é bem mais vasta. E apaixonante. É a de incrementar a capacidade administrativa para dirimir este desafio que a imagem de progresso do país provoca, o fluxo imigratório. E de fazer coexistir isso com desenvolvimento económico e com justiça social - sim, atentando que nestas mobilidades os défices de capital cultural ou económico dos cidadãos nacionais podem ser (podem ser, sublinho) prejudiciais para a justiça social. Ou seja, os desafios do país são enormes, não são os "200 portugueses por mês" (que Núria Negrão, autora da "carta aberta", afirma) - por piores que estes sejam, que nós sejamos.
Por tudo isto, ver os meus amigos intelectuais, académicos, empresários ou funcionários burgueses, a maioria deles auto-situando-se "à esquerda" (no espectro político moçambicano esta polaridade inexiste, mas na linguagem autodefinidora funciona), até ecoadores do "indignismo" globalizado, a aplaudirem textos sociologicamente tão débeis, generalizações a roçarem o mero preconceito, e invocações do "respeitinho", do "bater a bola baixa", que aludem ao mais medonho do autoritarismo, é-me doloroso.
Até porque, e ainda que não esquecendo (daí a arenga histórica acima colocada) o particular contexto histórico desta imigração portuguesa, a construção de sociedades democráticas é também a defesa de que os imigrantes, não deixando de ser estrangeiros, "batam a bola alta", sejam cidadãos. Metecos, como [me] reclamo. Desajustados, até mal-criados, se calhar. Mas não rasteirinhos.
Oxalá.