Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

O peixe graúdo e o cadáver

João Carvalho, 18.02.11

Na fase actual do processo "Face Oculta", não passa um dia sem que os advogados dos arguidos venham a público dizer que o caso está politizado, que o juiz não terá coragem para fazer o que eles acham evidente, que o nome do primeiro-ministro condiciona a avaliação acusatória, etc., etc., etc., contribuindo eles mesmos para aquilo de que se queixam: a mediatização do processo e o envolvimento político que a ele se colou.

Temos de evitar deixar-nos enredar por essas sucessivas declarações, que pouco ou nada esclarecem e só confundem. Todo o cuidado é pouco, se queremos traduzir bem o que eles dizem. Por exemplo: ainda hoje, o defensor de um dos arguidos se queixou da avaliação das provas apresentadas só por o seu cliente ser "peixe graúdo" no processo, mas que o próprio processo "é um cadáver". O que quer isto dizer? Simples: que o robalo é bom, mas não é fresco.

Mais um processo?

João Carvalho, 10.02.11

«Compreendo que haja, num Estado de Direito, esta espécie de parceria entre a Justiça e a comunicação social» — disse Armando Vara na qualidade de arguido no processo "Face Oculta". «A parte má é que há um linchamento na praça pública, porque uma parte vai deixando sair peças ao longo do tempo de forma a criar na opinião pública um culpado e as defesas não têm os mesmos meios.» E ainda acrescentou: «a mediatização do processo tem sido milimetricamente comandada pela acusação» e é «óbvio» que o acusador, o Ministério Público, está «obcecado pelo primeiro-ministro».

Com esta denúncia sobre o comportamento do MP feita publicamente, Vara candidata-se a mais um processo. Ou não?

Tudo aparentemente

J.M. Coutinho Ribeiro, 18.03.10

Aparentemente, a Unidade de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária foi criada para combater a corrupção. Aparentemente, a Unidade de Combate à Corrupção da PJ está a ser alvo de buscas por parte da Polícia Judiciária. Aparentemente, porque há suspeitas de violação de segredo de Justiça e de segredo profissional por parte de alguns dos seus membros. Aparentemente, os indícios surgiram quando foi encontrado um papel com timbre da PJ entre o material que foi apreendido em busca a Armando Vara. Aparentemente, não há almoços grátis. Logo, aparentemente, o que pode estar em causa é mais do que a violação do segredo de Justiça e do segredo profissional. Aparentemente, o país está do avesso. Aparentemente nada disto é novo na PJ, já foi assim em 1986, aquando do "Sãobentogate", uma história que, como jornalista, fiz deslizar meses a fio nas páginas de "O Comércio do Porto", em que também uma parte da PJ investigou outra parte da PJ. Houve presos e condenados. Mas, pelo que vejo, nada de substancial mudou desde então. Porque, em Portugal, nada do que é essencial muda. E, honestamente, começo a aceitar que já não há muito em quem se possa confiar. Sim, para concluir com o pessimismo que tenho vindo a revelar: este regime está podre. Cheira mal. Faz de cada um de nós um desistente.

Um rapaz de sucesso

Pedro Correia, 08.03.10

 

Desistiu do curso de Gestão ao chumbar por faltas a várias disciplinas. Licenciou-se com 13 discretos valores no Instituto Português de Administração de Marketing. Perdeu a corrida à liderança da Juventude Socialista. Mas o cargo de administrador-executivo da PT, após a vitória eleitoral do PS, deu-lhe conforto: adquiriu casa no centro da capital e não dispensa uma empregada fardada que ajuda a tomar conta dos três filhos.

Um rapaz de sucesso no Portugal socrático.

O estado a que isto chegou (II)

Pedro Correia, 28.02.10

 

1. Nasce um novo termo no léxico nacional: escutas plantadas. Para PJ ouvir e PGR acreditar, vertendo em despacho. A 25 de Junho de 2009, Rui Pedro Soares declarou alto e bom som sete vezes ao telemóvel, em conversa detalhada com o amigo e correligionário Paulo Penedos, que Sócrates não tinha conhecimento do negócio da TVI.

 

2. Rui Pedro Soares, sempre ele - o jovem socialista que Sócrates elogiou na recente entrevista a Miguel Sousa Tavares. Era, desde a chegada do PS ao poder, administrador-executivo da PT. Mas também membro do Conselho de Administração da Tagus Park, o maior parque tecnológico português, onde se tornou figura decisiva a partir de 2006. Dois anos depois, segundo o Expresso, levou Paulo Penedos para a administração da Promitagus, uma empresa-satélite do Tagus Park, que "servia apenas para reduzir a carga fiscal das receitas de arrendamento dos edifícios do parque tecnológico". Se isto não é polvo, não sei o que é um polvo.

 

3. A Tagus Park pagou a Luís Figo 350 mil euros por um filme publicitário de sete minutos gravado a 25 de Setembro - o próprio dia em que o futebolista surgiu como apoiante de Sócrates na recta final da campanha legislativa. O filme só foi montado em Janeiro e a Tagus Park ignora ainda o que fará com ele. Como se só agora tivesse pensado verdadeiramente no assunto.

 

 

4. Miguel Sousa Tavares, no Expresso: "Choca que José Sócrates não perceba que ninguém mais entende como é que se pode ganhar 2,5 milhões de euros por ano de ordenado como administrador da PT, aos 32 anos de idade e sem currículo algum que não o de militante da JS."

 

5. Os homens de Sócrates começam a cair. Para já, apenas os homens de Sócrates nas empresas soi-disant privadas: Armando Vara no BCP, o inefável Rui Pedro Soares e Fernando Soares Carneiro na PT. É o fim de ciclo político mais penoso a que tenho assistido desde sempre em Portugal.

O estado a que isto chegou

Pedro Correia, 27.02.10

  

 

1. Há suspeitas fortíssimas de que os socialistas Armando Vara e Paulo Penedos, alvos de escutas da Polícia Judiciária no processo Face Oculta, foram avisados desse facto pelo próprio aparelho institucional que devia proteger a investigação, a 24 ou 25 de Junho de 2009. A 24 de Junho, recorde-se, o Procurador-Geral da República foi oficialmente notificado da existência dessas escutas.

 

2. Freitas do Amaral, com a sua indiscutível autoridade de professor de Direito, critica o Procurador-Geral da República num artigo demolidor na revista Visão. «O caso das escutas só é 'meramente político', como diz o PGR, porque este optou por uma concepção muito restritiva do conceito de 'atentado ao Estado de Direito'», salienta o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de José Sócrates.

 

 

3.  Um dos maiores especialistas portugueses em Direito Penal, Manuel da Costa Andrade, acaba de sublinhar, em artigo no Público, que o valor da lilberdade de imprensa e o escrutínio do comportamento dos políticos pelos jornalistas podem afastar a ilicitude da suposta violação do segredo de justiça. Até porque os jornalistas «têm o direito de não ser colocados na mira da fúria e do arbítrio dos detentores do poder».

 

4. O boy socialista Rui Pedro Soares, que prestava funções no Departamento de Marketing da PT Multimédia, passando depois pelo departamento de gestão de edifícios da mesma empresa, chegou à Comissão Executiva da PT após a vitória socialista nas legislativas de 2005. Uma promoção espectacular. Quem disse que Portugal não é um país de oportunidades?

 

 

5. Ricardo Sá Fernandes, que foi secretário de Estado das Finanças com António Guterres, garante em entrevista ao i que deixará de votar PS se Sócrates não esclarecer todo o caso das escutas. «O primeiro-ministro e a sua entourage estão a lidar com isto da pior maneira possível porque estão a esconder-se atrás do segredo de justiça, quando o problema não é de segredo de justiça. Por razões formais que existam, há uma razão substancial que passa por cima de todas essas, que é do escrutínio público da decisão judiciária. Não há justiças secretas.»

 

6. José Medeiros Ferreira assinala no Correio da Manhã, com a argúcia habitual: «Portugal deve ser o único país em que o 'segredo de justiça' é um problema nacional. É, pois, um assunto bem português. Experimentem falar do segredo de justiça e de arguido numa capital do mundo e verão a dificuldade de tradução.»

 

7. Desta vez a pressão para que fale não vem dos jornais, mas da Assembleia da República. José Sócrates será o primeiro chefe de um Governo em Portugal a depor no Parlamento. Sem face oculta.

 

 

8. João Cravinho, um dos mais respeitados senadores do PS, sem papas na língua aos microfones da Rádio Renascença: «Não se pode ter uma golden share, nomear o presidente de uma empresa e dois em sete administradores da Comissão Executiva e fingir que o que se passa na PT não é da responsabilidade também do grande accionista Estado.» O destinatário destas palavras, obviamente, é o primeiro-ministro.

 

9. A entrevista à SIC em que José Sócrates passou todo o tempo a evitar responder a Miguel Sousa Tavares não contribuiu um milímetro para que recuperasse a popularidade. Pelo contrário: segundo uma sondagem da Marktest para o Económico e a TSF, hoje divulgada, a popularidade do primeiro-ministro cai a pique. Não admira. Outra coisa é que seria de espantar.

 

10. Atenção à reunião de amanhã da Comissão Nacional do PS. O alerta vem de Ana Gomes.

Balanço da entrevista

Pedro Correia, 23.02.10

José Sócrates não sabe de nada. Desconhecia que a PT - onde o Governo possui uma golden share - queria comprar a TVI, em Junho de 2009, três meses após ele mesmo ter eleito esta estação televisiva como alvo principal de críticas na abertura do congresso socialista. Desconhecia que o seu amigo Armando Vara esteve pessoalmente envolvido nessa operação de venda, abortada pelas notícias saídas na imprensa "hostil". Ignorava que Luís Figo assinou um contrato milionário com a Tagus Park - em cuja administração estava o seu amigo Rui Pedro Soares, simultaneamente um operacional da campanha eleitoral do PS - no próprio dia em que entendeu apelar ao voto no partido do Governo. Alega que Rui Pedro Soares, ex-responsável pelo site da sua candidatura à liderança do PS, não entrou pela sua mão para a administração da PT. Reconhece ter jantado várias vezes com Rui Pedro Soares mas jura que nunca falaram de nada disto.

Quando o vento sopra de feição, ele soube de tudo e foi responsável por tudo. À mínima brisa contrária, torna-se a pessoa mais ignorante do País, como ficou patente na entrevista de ontem à SIC - a primeira em que permaneceu à defesa durante o tempo todo. É um estilo de governação que o define. E que caracteriza um ciclo político que está prestes a esgotar-se.

Grande entrevista

Pedro Correia, 16.02.10

  

 

- Temos esta noite entre nós o Senhor Primeiro-Ministro, que vai responder a todas as nossas perguntas. Muito obrigado por ter acedido ao nosso convite. Começo por perguntar-lhe por que motivo um administrador executivo da PT, que foi seu colaborador directo enquanto organizador do seu site eleitoral, se terá envolvido na venda da TVI àquela empresa.

- Boa noite. Isso é jornalismo de buraco de fechadura. Resulta da violação do segredo de justiça, que é crime.

- Mas as transcrições das escutas telefónicas legais já divulgadas parecem confirmar alegados indícios de interferência directa do poder político na principal empresa cotada na Bolsa em Portugal...

- Isso é jornalismo de buraco de fechadura. Resulta da violação do segredo de justiça, que é crime.

- Recordo-lhe que existem suspeitas de tráfico de influências e até de atentado contra o Estado de Direito. Foi esse pelo menos o entendimento do magistrado de Aveiro que é titular do processo Face Oculta. Há quem acredite que havia a intenção de pôr uma empresa que o Estado controla através de uma golden share ao serviço de objectivos políticos.

- Isso é jornalismo de buraco de fechadura. Resulta da violação do segredo de justiça, que é crime.

- Não pensa que esta aparente tentativa de interferência do poder político em empresas de comunicação social pode condiconar seriamente a liberdade de imprensa em Portugal?

- Isso é jornalismo de buraco de fechadura. Resulta da violação do segredo de justiça, que é crime.

- Foi o senhor que três meses antes, no congresso do PS, transformou a TVI em arma de arremesso político ao elegê-la como alvo principal das suas críticas...

- Isso é jornalismo de buraco de fechadura. Resulta da violação do segredo de justiça, que é crime.

- Em Novembro de 2004, quando houve pressões do Governo PSD para afastar Marcelo Rebelo de Sousa da TVI, o senhor disse o seguinte ao então primeiro-ministro Santana Lopes: "Este episódio é inaceitável e é indigno de um Governo democrático. Este facto mancha o nosso regime democrático. E lembro que o primeiro-ministro se refugia permanentemente na ausência de resposta. É uma nódoa que o vai perseguir." Recorda-se?

- Isso é jornalismo de buraco de fechadura. Resulta da violação do segredo de justiça, que é crime.

- Tem condições políticas para continuar em funções?

- Isso é jornalismo de buraco de fechadura. Resulta da violação do segredo de justiça, que é crime.

- Este tempo tem andado muito chuvoso, Senhor Primeiro-Ministro. Não está já farto de tanta chuva?

- Isso é jornalismo de buraco de fechadura. Resulta da violação do segredo de justiça, que é crime.

- Agradeço todos os esclarecimentos que nos prestou, Senhor Primeiro-Ministro. Muito obrigado.

Frequente, intensa, deplorável

Pedro Correia, 02.12.09

Ouço o ministro da Economia, Vieira da Silva, em directo da Assembleia da República, onde depõe na comissão de Assuntos Constitucionais. Não fala da crise económica, nem do desemprego galopante, nem das empresas que vinham salvar a pátria e afinal só fecharam as portas. Fala sobre o caso Face Oculta, lamentando a "frequente, intensa e deplorável fuga ao segredo de justiça". Aplaudo esta declaração do ministro. Só podia aplaudir, depois de ter sabido que os suspeitos da investigação mudaram de telemóveis depois de terem sido avisados das escutas.

 

Estraga tudo em que mexe

Pedro Correia, 26.11.09

Paulo Pinto Albuquerque não podia ter escolhido pior semana para anunciar a candidatura a vice-presidente da Distrital de Lisboa do PSD, como braço direito do deputado Jorge Bacelar Gouveia. Pela simples razão de ter passado os últimos dias a esbracejar exaustivamente em nome do "interesse público" pela revelação do conteúdo das conversas telefónicas entre José Sócrates e Armando Vara, invocando para o efeito a qualidade de professor de Direito Penal enquanto garantia não pretender colher dividendos políticos do caso. E teve mesmo um grande palco para o efeito - o programa Prós & Contras, da última segunda-feira.

Fiquei agora sem saber ao certo quem se pronunciou naquele palco - se o ilustre professor universitário, insusceptível de pressões políticas, ou o aguerrido social-democrata que tudo fará para travar o passo a José Sócrates. Fiquei também com a certeza de que o PSD não acerta uma: continua a estragar tudo em que mexe.

Esclarecimentos cirúrgicos

João Carvalho, 17.11.09

Armando Vara diz que quer “esclarecer tudo”, mas só se houver “condições para o fazer”, pois não sabe “o que vai acontecer” no interrogatório, nem se terá “acesso” à matéria probatória. O que ele quer é responder a questões “concretas” e conhecer o que realmente sobre ele pende, em vez de ser confrontado com acusações “genéricas”.

Complicado? Não. Se for conforme os seus desejos, Vara está disposto a pôr tudo em pratos limpos, mas não o tudo-tudo: só o tudo cirúrgico.

Indignação ainda oculta

Pedro Correia, 05.11.09

Os novos afazeres políticos, como deputado do Parlamento Europeu, roubam muito tempo a Vital Moreira. Só por isso certamente o ilustre europarlamentar ainda não se pronunciou sobre o caso Face Oculta com a mesma energia e a mesma veemência usada para se pronunciar sobre o caso BPN. Aqui, em que acertadamente se indignava com os "esconsos (e aventureiros) negócios do BPN". Aqui, em que lucidamente recomendava um "código de ética bancária" e um "mecanismo de autodisciplina deontológica" aos banqueiros portugueses. Aqui, em que justamente se insurgia contra as "falcatruas dos dirigentes do banco". Aqui, quando clamava – e muito bem – contra "a dimensão da negociata", que a seu ver a transformava numa "questão política que mancha as instituições democráticas".

Aguardo ansiosamente as reflexões do professor sobre o escândalo Face Oculta e todas as suas ramificações tentaculares que já foram tornadas públicas.