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Delito de Opinião

A simetria

Pedro Correia, 18.03.25

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Há umas décadas, para a esquerda mais extremista, nenhum partido dito socialista, trabalhista ou social-democrata era suficientemente de esquerda.

Para esta corja de fanáticos hiper-revolucionários, os partidos "burgueses" do centro-esquerda «faziam o jogo da direita» e eram «aliados do fascismo».

 

Os tempos mudaram.

 

Hoje, para a direita mais extremista, nenhum partido dito liberal, democrata-cristão ou conservador moderado é suficientemente de direita.

Para esta corja de fanáticos hiper-nacionalistas, os partidos "globalistas" do centro-direita «fazem o jogo da esquerda» e são «aliados do comunismo».

 

Simetria perfeita: duas faces da mesma moeda contaminada pelo mais extremo absurdo.

Da idolatria

Pedro Correia, 28.02.25

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Os comentadores da direita extremista - como se verifica nas caixas de comentários do DELITO - expressam um ódio à Europa liberal em tudo idêntico ao da esquerda mais extremista.

Ódio que tem hoje farol e guia: Donald Trump, cem por cento descendente de europeus, filho de imigrantes de segunda geração e neto de quatro avós que não tiveram o inglês como língua materna. *

 

Este ódio visceral está expresso numa frase debitada anteontem pelo novo-velho inquilino da Casa Branca, com a elegância que o caracteriza e a arrepiante ignorância histórica de que dá mostras quotidianas: «A UE foi criada para lixar os EUA.»

Mas este assumido anti-europeu e "pacifista" belicoso que acaba de declarar guerra comercial à União Europeia impondo taxas draconianas à importação de produtos aqui produzidos (prejudicando também Portugal), num ataque despudorado aos princípios liberais, vive no lado de lá do oceano.

Pode dar-se ao luxo de tratar inimigos como aliados e aliados como inimigos. É, aliás, o que tem feito desde o primeiro dia do seu novo mandato.

 

Os fanáticos apoiantes dele cá do burgo beneficiam da democracia liberal europeia (o sistema político mais invejado do mundo), mas escrevem como se odiassem Portugal. E como se desejassem viver na terra do Tio Sam.

Azar deles: o falso pacifista, filho e neto de imigrantes, declarou guerra também à imigração. Nenhum destes membros tugas do seu clube de fãs seria hoje admitido como residente nos EUA. Para não contaminarem a "Terra Prometida".

Terão de aplaudir o Bonaparte de Mar-a-Lago à distância.

Coitados, deve ser penoso. Idolatram quem os rejeita - a eles, ao país onde nasceram, ao continente onde residem.

 

* Trump assinou hoje um decreto impondo o inglês como idioma oficial dos EUA, facto inédito na história do país, independente há quase 250 anos. Freud talvez explique.

Extremismo contra os «ricos» e o «lucro»

Pedro Correia, 22.10.24

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Vejo Mariana Mortágua sempre de ar carrancudo, como se tivesse eternas contas a ajustar com o mundo. Brada agora contra o «discurso extremista» de Luís Montenegro. Imputação patética, quando da banda oposta há quem acuse o primeiro-ministro de «vender-se ao PS».

É extraordinário que pretenda dar lições de anti-extremismo, a pretexto do recente congresso do PSD. Sendo coordenadora do Bloco de Esquerda, precisamente o único partido parlamentar que recusou fazer-se representar na reunião magna dos sociais-democratas. Gesto extremista. Como se sentisse asco em imaginar-se ali. Sem cumprir regras de elementar cortesia democrática. Ao contrário do que fizeram PS, Chega, IL, PCP, Livre, CDS e PAN. 

Nada mais natural nela, aliás, do que a exibição do extremismo. Quando dispara contra os «ricos», quase cuspindo tal palavra. Quando diaboliza o «lucro», palavra interdita no léxico bloquista - como se preferissem o seu antónimo, prejuízo. Quando menciona a «direita» com desprezo visceral que lhe franze ainda mais o cenho.

Comparada com ela, Catarina Martins tornou-se modelo de moderação: não por acaso, a actual eurodeputada chegou em tempos a aludir ao suposto carácter «social-democrata» do programa do Bloco. Frase que jamais imaginaríamos proferida pela sua sucessora na sede da Rua da Palma.

 

Mas afinal o que propõe o «extremista» Montenegro?

Acordo imediato com Madrid para o pagamento da utilização da albufeira de Alqueva por agricultores espanhóis e a garantia de caudais mínimos no Tejo - bandeiras ambientalistas. Reforçar o policiamento de proximidade e ampliar o recurso a sistemas de videovigilância no combate ao crime - medidas que o trabalhista Keir Starmer pôs em vigor no Reino Unido. Lançar um projecto de reabilitação da Área Metropolitana de Lisboa que tem como primeiro pólo um denominado Parque Humberto Delgado - o mais célebre dissidente do salazarismo. Conceder a 150 mil doentes o acesso aos medicamentos hospitalares em farmácias de proximidade - promessa da defunta geringonça que ficou por cumprir. Garantir a universalidade do acesso ao ensino pré-escolar - antiga reivindicação da esquerda parlamentar. Duplicar as verbas de apoio às vítimas de violência doméstica - causa que o próprio BE abraça.

Conclusão: fez bem Mortágua em ordenar aos seus camaradas para nenhum deles comparecer em visita ao congresso laranja. Podiam ficar contaminados pelo «extremismo». E sair de lá tão «sociais-democratas» como Catarina Martins.

Os rótulos fáceis do jornalismo preguiçoso

Pedro Correia, 13.12.23

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A SIC fez esta estrondosa descoberta: 56% dos eleitores argentinos são de "extrema-direita". Eis uma demonstração prática de jornalismo preguiçoso - aquele que se apressa a pôr rótulos na política e varre contextos, circunstâncias e questões concretas para debaixo do tapete. Neste caso, vale a pena lembrar que a Argentina já foi um dos países mais ricos do globo: em 1912 tinha a nona economia mundial, à frente de países como Alemanha, França e Dinamarca.

Nos últimos anos os rótulos mais frequentes desta subespécie de jornalismo são "populista" e "extrema-direita". Sem nunca haver os respectivos contrapontos. O que define a diferença entre um populista e um não-populista, por exemplo.

Será não-populista o governo peronista que terminou funções com o país mergulhado em 143% de inflação anual, uma moeda que perdeu 99,2% do valor face ao dólar nos últimos 20 anos e quatro em cada dez argentinos em situação de pobreza nesta que já foi a mais próspera nação da América do Sul?

Se proliferam os extremistas de direita, onde andam os extremistas de esquerda, suas réplicas do campo oposto?

Faz sentido designar 56% dos eleitores como extremistas, seja qual for a ideologia política que estiver em causa?

O jornalismo preguiçoso não responde a nada disto. Nem esclarece como é que um ultraliberal, como o recém-empossado Presidente argentino, Javier Milei, pode ser catalogado de "extrema-direita" e até rotulado de fascista quando o fascismo proclama a existência de um Estado forte e este economista, pelo contrário, quer um Estado mínimo. Consciente - mal ou bem - de que na Argentina, nove bancarrotas depois, o aparelho estatal não faz parte da solução, mas do problema. 

 

Hoje, mais que nunca, não há "direita". Há direitas. Meter no mesmo saco os herdeiros ideológicos do marechal Pétain e os herdeiros ideológicos do general De Gaulle, só para mencionar duas figuras históricas da direita conservadora, nacionalista e até reaccionária que se combateram entre si em França, é grave erro de análise. Tal como, por exemplo, meter Giorgia Meloni e Milei na mesma gaveta. A verdade é que Milei acaba de derrotar nas urnas os discípulos ideológicos de Juan Domingo Perón, esse sim um fascista clássico (e amigo de nazis).

Casos diferentes que devem ser analisados não como amálgama, antes como sintoma generalizado dum protesto difuso com aspectos comuns mas motivações tão diversas que escapam a rótulos simplistas. E têm igualmente erupções à "esquerda", como ocorreu em 2015 na Grécia, com a vitória eleitoral do Syriza

A dicotomia partidos velhos versus partidos novos está hoje presente nos cenários eleitorais um pouco por toda a parte. Isto tem a ver com dinâmicas históricas e crises sociais: nenhuma etiqueta pronta-a-colar a explica.

 

A verdade é que os partidos e os próprios sistemas políticos, tal como as pessoas, também envelhecem.

Em Portugal, não por acaso, do vetusto PPD/PSD já emergiram três novas forças políticas na última década. Impulso de regeneração de um sistema que gera anticorpos: nuns casos resulta, noutros nem por isso. Resultou em proporções diferentes, e até ver, com a erupção do Chega e o nascimento da Iniciativa Liberal. Não resultou com a efémera Aliança do evanescente Santana Lopes.

Acontecerá o mesmo ao PS quando passar à oposição.

Uma revolução silenciosa

Pedro Correia, 16.11.23

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Dirigentes da Internacional Socialista reunida no Porto em 1976: François Mitterrand, Isaac Rabin, Willy Brandt, Mário Soares, Olof Palme, Harold Wilson e Joop den Uyl. Outros tempos, bem diferentes dos actuais

 

O título já diz muito: «A demissão de António Costa, uma estocada para a esquerda a sete meses das eleições europeias». Mas todo o texto justifica leitura atenta. Este artigo no Público espanhol é uma excelente radiografia das encruzilhadas e bloqueios da social-democracia europeia. Que hoje só governa com maioria absoluta em Malta, o menor dos 27 Estados da UE. Em Espanha, acaba de ajoelhar perante extremistas e separatistas. Em Portugal, com poucos anos de intervalo, vê dois primeiros-ministros a contas com a justiça.

Tudo isto reflecte a mudança do eixo político ocorrida nas últimas quatro décadas, fragmentando o espectro ideológico e reduzindo drasticamente as famílias partidárias clássicas - democracia-cristã, socialismo democrático e comunismo. Uma autêntica revolução silenciosa que tem mudado o nosso continente muito para além das mais arriscadas previsões feitas por académicos e politólogos na já longínqua década de 80.