Os rótulos fáceis do jornalismo preguiçoso
A SIC fez esta estrondosa descoberta: 56% dos eleitores argentinos são de "extrema-direita". Eis uma demonstração prática de jornalismo preguiçoso - aquele que se apressa a pôr rótulos na política e varre contextos, circunstâncias e questões concretas para debaixo do tapete. Neste caso, vale a pena lembrar que a Argentina já foi um dos países mais ricos do globo: em 1912 tinha a nona economia mundial, à frente de países como Alemanha, França e Dinamarca.
Nos últimos anos os rótulos mais frequentes desta subespécie de jornalismo são "populista" e "extrema-direita". Sem nunca haver os respectivos contrapontos. O que define a diferença entre um populista e um não-populista, por exemplo.
Será não-populista o governo peronista que terminou funções com o país mergulhado em 143% de inflação anual, uma moeda que perdeu 99,2% do valor face ao dólar nos últimos 20 anos e quatro em cada dez argentinos em situação de pobreza nesta que já foi a mais próspera nação da América do Sul?
Se proliferam os extremistas de direita, onde andam os extremistas de esquerda, suas réplicas do campo oposto?
Faz sentido designar 56% dos eleitores como extremistas, seja qual for a ideologia política que estiver em causa?
O jornalismo preguiçoso não responde a nada disto. Nem esclarece como é que um ultraliberal, como o recém-empossado Presidente argentino, Javier Milei, pode ser catalogado de "extrema-direita" e até rotulado de fascista quando o fascismo proclama a existência de um Estado forte e este economista, pelo contrário, quer um Estado mínimo. Consciente - mal ou bem - de que na Argentina, nove bancarrotas depois, o aparelho estatal não faz parte da solução, mas do problema.
Hoje, mais que nunca, não há "direita". Há direitas. Meter no mesmo saco os herdeiros ideológicos do marechal Pétain e os herdeiros ideológicos do general De Gaulle, só para mencionar duas figuras históricas da direita conservadora, nacionalista e até reaccionária que se combateram entre si em França, é grave erro de análise. Tal como, por exemplo, meter Giorgia Meloni e Milei na mesma gaveta. A verdade é que Milei acaba de derrotar nas urnas os discípulos ideológicos de Juan Domingo Perón, esse sim um fascista clássico (e amigo de nazis).
Casos diferentes que devem ser analisados não como amálgama, antes como sintoma generalizado dum protesto difuso com aspectos comuns mas motivações tão diversas que escapam a rótulos simplistas. E têm igualmente erupções à "esquerda", como ocorreu em 2015 na Grécia, com a vitória eleitoral do Syriza.
A dicotomia partidos velhos versus partidos novos está hoje presente nos cenários eleitorais um pouco por toda a parte. Isto tem a ver com dinâmicas históricas e crises sociais: nenhuma etiqueta pronta-a-colar a explica.
A verdade é que os partidos e os próprios sistemas políticos, tal como as pessoas, também envelhecem.
Em Portugal, não por acaso, do vetusto PPD/PSD já emergiram três novas forças políticas na última década. Impulso de regeneração de um sistema que gera anticorpos: nuns casos resulta, noutros nem por isso. Resultou em proporções diferentes, e até ver, com a erupção do Chega e o nascimento da Iniciativa Liberal. Não resultou com a efémera Aliança do evanescente Santana Lopes.
Acontecerá o mesmo ao PS quando passar à oposição.