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Delito de Opinião

"Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário", no Museu de Etnologia

jpt, 27.11.24

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Visitei detalhadamente esta exposição "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário", apresentada no Museu de Etnologia (ao estádio do Restelo). A exposição é constituída por painéis de textos e iconografia, que condensam 30 artigos, cada um de diferente autoria. São apresentados num catálogo, com 342 páginas, vendido a 40 euros. Foi-me emprestado. Entre os seus autores, na maioria historiadores, há muitos que li ao longo de anos, vários conheço pessoalmente, e de alguns sou amigo (pelo menos até lerem este postal...).
 
Deixo já a minha impressão (sabendo que diante dela muitos apenas confirmarão que eu sou um reaccionário do piorio, neocolono até e, pior do que tudo, um verme neoliberal). Como catarse da ira que (ainda) sinto.
 
Os textos invectivam, grosseiramente - de modo básico de tão simplista que é, e sob desonesto viés, tamanho que censório -, a presença e posterior ocupação portuguesa. Num patético discurso anticolonial, que nem anacrónico é pois tão medíocre resta. Ou melhor, rasteja, num lamaçal ideológico "bon chic bon genre". E que evidencia uma estuporada vontade "pedagógica" - distraída do facto de não estarmos já em Paris 1964 ou Lisboa 1974... Constituem 7 "fascículos", partes se se quiser ter boa vontade, com temas repetidos, de estrutura descuidada.
 
Os painéis estão pessimamente impressos - apesar da longa lista de patrocinadores... A disposição é pobre (a exposição quer-se concêntrica mas isso é inicialmente imperceptível, é preciso chegar alguém para nos informar, nem sinalética souberam colocar para obstar à amontoada montagem). Na iconografia associada abundam os erros de legendagem (por exemplo, uma fotografia está presente em três painéis com legendas diferentes, uma outra duas, etc.) - mas isso até é o menos diante dos constantes disparates apostos nos textos. Quase culmina com a transmissão de vídeos musicais do actual afro-pimba, com os habituais traseiros femininos em destaque, uma coisa ridícula.
 
É também acompanhada de um conjunto de artefactos africanos, mobiliário nobiliárquico, alfaias agrícolas e, claro, os lendários "manipanços" - grosso modo desde uma (boa) peça da Reinata, as obrigatórias caraças de mapiko, passando por outras esculturas do Mali (??!!, o que estarão a fazer ali?) até à penúltima da exposição, uma porta Dogon (!!??, o que estará ali a fazer?) . O motivo desta associação escapou-se-me, mas presumo que para além do "ai, é tão gira esta peça, temos de a mostrar!", queiram no seu conjunto mostrar aos visitantes que os "pretinhos", perdão, os "afroascendentes" também tinham agricultura, chefes e, imagine-se, religião. E que, claro, sabiam trabalhar a madeira... E até tinham talento para isso. ("Atenção, também eram capazes de fazer olaria....").
 
Quanto ao livro, como é óbvio não pude ainda ler o calhamaço (342 páginas, repito). Mas no metro corri a ler o artigo de João Pina-Cabral e Joana Pereira Leite sobre o ocaso colonial em Moçambique. Apenas para ver se lá estava o disparate, demagógico de ignorante, espetado no resumo posto no painel respectivo (da autoria deles?). Não está, pelo menos de forma explícita. Mas, de qualquer forma, o que ali está pendurado envergonhará qualquer autor.
 
E estamos nós em 2024. Isto seria desesperante se não fosse ridículo. O ridículo da academia portuguesa.
 
Como qualquer antropólogo português sabe - ainda que nem todos o digam em público, mas todos o dizem em privado - o Museu de Etnologia (ao estádio do Restelo) foi há décadas entregue a uma Comissão Liquidatária, gerida por Joaquim Pais de Brito, a qual cumpriu o seu trabalho com denodo e eficiência. O mausoléu posterior tem sido gerido com a competência adequada.
 
Agora, em más horas, foram as cinzas remexidas. Ao que parece esta tralha estará "patente ao público" durante um ano. Como saberão os meus "amigos-FB" e leitores de blog - pelo menos os que (me) visitam de vez em quando - a minha filha e a minha irmã proíbem-me de usar o calão. Por isso escrevi este texto longo. A substituir o rol de palavrões peludos que fui dizendo ao longo das horas que ali desperdicei.
 
*****
 
(Tendo transcrito o postal no meu mural de Facebook aí recebi pedidos de melhores esclarecimentos. Respondi-lhes esmiuçando as causas do meu desagrado. Nisso alonguei-me nos argumentos e apresentei detalhes ilustrativos. Coloco-os aqui, retocados) 
 
 
 

Olivais (e não só) nos anos 70s

jpt, 04.10.18

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Inaugura hoje na Casa de Cultura dos Olivais, Lisboa – à Rua Conselheiro Mariano de Carvalho, entre os Olivais Velhos e a Expo – e ficará até 27 de Outubro, esta exposição fotográfica do Sandro (João Alexandre Taborda). É uma memória única – que então fotografar era muito mais raro – da geração lisboeta, olivalense, dos anos 1970s e início dos 1980s, roupas, hábitos, personagens, artefactos usados, e a arquitectura vivida daquele bairro. Pura história cultural, se quiserem. Há dias em que custa estar longe …

Quando o Sandro morreu, há (já!?) um ano, deixei um breve postal – Driol (o grão-diminutivo que nos merecia), e recupero agora um pouco do que dele disse, e que se associa a esta exposição: 

"O Sandro era da “geração acima”, 4-5 anos mais velho. Por isso então a seita dele era outra, esses que a gente conhecia de vista e nome, cobiçando-lhes as motos e as maravilhosas namoradas. Ou pelos irmãos mais novos. Mas, vizinho, também acampava por vezes, e, mais tarde, já nós mais crescidos, ainda mais, já ombreando. O Drinô (como alguém graffitou em fugaz era de influência do “glamour rock”) era um dos tipos mais idiossincráticos que havia (...) 

Mas o que muito marcou a imagem pública do Driol foi o ter ele sido o fotógrafo “oficial” daquela nossa geração: raros eram os que tinham máquina, ainda menos os que tinham dinheiro para rolos e revelações, apenas dois ou três os que tinham o gosto, mas só ele trazia a tiracolo a paixão de fotografar. (...) E fez um arquivo lindo sobre aquela época de “dias gloriosos”.

Nesta foto (a do cartaz da exposição) estava a fotografar os irmãos mais novos da sua geração, os finais dos anos 70s, os putos a descerem (descermos) as ruas nos carrinhos de rolamentos. Em tantas outras tem os outros, as andanças de nós mais-velhos. Voltar ao acervo do Driol é uma delícia, cada um encontra-se e aos seus queridos de então, na beleza da memória. Certo, há uma “patine” afectiva que nos convoca, coisas até da nostalgia. Mas há outro registo, bem mais alargado, pois tem muito mais nesse legado do Driol. Encontra-se a memória da paisagem urbana como foi: as vestes, os tiques, os penteados, as poses – e quão cinéfilo tudo parece, ainda para mais naquele preto-e-branco. As ruas, os carros, as motos, a arquitectura então tão nova.  Mas é ainda mais do que essa memória social. Pois o Driol teve um olhar, amador, jovem de juvenil a júnior, mas muito cuidado e assim tão adulto, sobre a sua geração naquele tão especial bairro. Por isso nessa sua colecção o que nós encontramos não é o retrato daquela geração. É mesmo um auto-retrato, a voz própria de uma “malta”, esses que nos sonhámos “heróicos” naqueles confusos tempos do pós-pós-Abril. E, se calhar, fomos."

 

Vão ver, para saberem (como se que recordando) como foi, como fomos e nos fizemos:

 

 

Um dia diferente

Sérgio de Almeida Correia, 25.12.13

Passei aqui o meu dia de Natal. Quem quiser poderá fazer o mesmo que eu fiz até 16 de Fevereiro. Basta que se atrevam a entrar no segundo andar da Praça do Rossio, no MGM Macau, para darem de caras com todo o esplendor da Florença renascentista. No final do percurso, depois de encontrarem o retrato do próprio Botticelli, de cumprimentarem Rafael e Leonor de Toledo com seu filho Giovanni di Mantua, num retrato imortalizado por Agnolo Bronzino, de se deliciarem com as imagens da Madonna com a Criança e Oito Anjos, de se cruzarem com La Calumnia e de esfregarem o focinho do Porcellino de Pietro Tacca, enquanto o Nascimento de Vénus vos guarda, entramos numa sala escura onde Simonetta Vespucci nos espera tal qual veio ao mundo com toda a riqueza das suas formas perante os olhos e o pincel do artista. A Vénus e Il Porcellino são os originais. As restantes obras são fotografias em tamanho real, aliás autorizadas pelas próprias galerias depositárias das obras, realizadas em materiais e com um acabamento que são só por si uma obra de arte e que servem para nos situar e preparar antes do encontro com a aclamada Vénus. A recriação da Piazza della Signoria é uma obra única. Resta dizer que a entrada é livre. Sim, leram bem, livre.

Fotografias tiradas por aí (15) - e uma exposição em Serralves

José António Abreu, 12.11.11
Vale a pena ir a Serralves até 29 de Janeiro ver a exposição de fotografias do alemão Thomas Struth. Tiradas entre 1978 e 2010, incluem paisagens urbanas e ambientes industriais de impressionante complexidade, transformados em cenários quase irreais pela ausência dos humanos (em muito poucas se vêem pessoas) que afinal os construíram. Uma série de imagens obtidas no interior de florestas contrapõe a complexidade natural à humana e há também fotos de templos religiosos servindo a sua principal função nos dias que correm (de atracção turística), retratos de famílias de vários países e ainda algumas fotografias tiradas no interior de museus. E são estas últimas que me fazem achar super-irónico o facto de, ao contrário do que é habitual em Serralves, ser proibido fotografar. Ou seja: é proibido fotografar no interior de um museu que apresenta uma exposição de fotografias que incluem fotografias tiradas no interior de museus. Enfim... Resta-me colocar aqui uma foto tirada há meia dúzia de anos, precisamente em Serralves, durante a exposição dedicada a Paula Rego.