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Delito de Opinião

Está na hora de regulamentar a miséria moral

Sérgio de Almeida Correia, 09.07.20

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Esta manhã, ao fazer a revista da imprensa diária, a minha atenção recaiu sobre uma notícia do DN cujo título referia a existência de estudantes que estavam dispostos a pagar a professores para lhes fazerem os exames.

Na leitura do seu desenvolvimento ficámos a saber que vários centros de explicações e professores receberam propostas de alunos que os procuravam no sentido de mediante uma contrapartida pecuniária se disponibilizarem a fazer os ditos exames.

Sabemos todos que a nossa vida pública está pejada de chicos-espertos, aldrabões e vigaristas, e que muitos dos exemplos que nos vão chegando de cima e de classes profissionais que deveriam ser modelos de correcção e de comportamentos éticos e morais irrepreensíveis têm-se revelado pouco edificantes e viveiros de bandidos e de gente pouco recomendável.

Nada de mais natural, portanto, num país onde nos últimos anos lemos e ouvimos os relatos de políticos, alguns ministros e outros deputados, que falsificaram as habilitações e os seus curricula, fazendo exames aos domingos e por fax, alardeando qualificações e méritos que não possuíam, se ouvem relatos de magistrados que pagavam a terceiros para elaborarem as suas sentenças, de outros que recebiam para interferir nas decisões dos colegas, de alguns que jubilando-se se predispunham depois a receberem meia-dúzia de patacos para o que se tornavam assalariados e prestadores de serviços a soldo de terceiros, de empresários caloteiros, de gente com lugar cativo em revistas e programas do social-parolismo metida em sarilhos, enfim, de quem fosse fazendo pela vida sem olhar a meios.

E cabular e copiar nas provas e exames académicos deve ser algo tão velho que certamente se perderá nos confins da história. Num momento ou noutro, voluntária ou involuntariamente, nem que fosse num olhar de relance, nos nossos tempos de estudante olhámos para o vizinho do lado ou tivemos a tentação de fazê-lo.       

Entretanto, chegou o COVID-19, que nos obrigou a todos, e em todo o mundo, a mudar o nosso quotidiano, a alterar hábitos e comportamentos. Da vida familiar e social à profissional foram muitas as mudanças e os constrangimentos que nos foram impostos nas mais diversas latitudes. Entre estes também estava a necessidade de se trabalhar a partir de casa e das escolas encerrarem, prosseguindo o ano lectivo de uma forma atípica, com aulas à distância e com as populações escolares confinadas.

A notícia do DN alerta-nos para uma outra dimensão que a infelicidade que nos tocou trouxe à luz.

Refiro-me à predisposição para a institucionalização da fraude e da corrupção que guiarão as futuras gerações pela vida fora, começando logo durante o seu percurso formativo e sem qualquer vergonha. Já não se trata mais de um pequeno ou grande copianço sem consequências de maior para safar uma preparação menos conseguida para um determinado exame.

Agora estamos num patamar superior. Estamos mais qualificados e com menos vergonha. Telefona-se, vai-se à procura do mercenário disponível. Trata-se de comprar os professores, pagar o resultado dos exames, financiar quem pode ajudar a emitir o passaporte para uma futura vida profissional. Investir numa fraude que permita ir subindo degraus sem esforço.

Quando uma sociedade chega a este nível de especialização, o mais certo é que depois tudo o mais se poderá ir comprando: o acesso a uma bolsa, o canudo, a carreira, as promoções, o prestígio, a respeitabilidade, o marido ou a mulher, o chefe, o juiz, o procurador, o vizinho, o padre, o partido, o lugar de deputado, o ministério, e por aí fora. 

O investimento nos exames exigirá um esforço acrescido dos encarregados de educação, financiamento ou empréstimo, visto que na maior parte dos casos serão apenas estudantes a tempo inteiro, mas com o espírito empreendedor revelado e a astúcia demonstrada os resultados a curto e médio prazo estarão garantidos. 

Estamos perante uma verdadeira revolução. Estudar para quê? É melhor contratar alguém que estude por nós, que se prepare para o exame e a quem se possa pagar para o fazer. É só necessário encontrar o parceiro adequado. 

A minha única dúvida é se com tudo isto o governo não deveria começar a pensar em enquadrar essa situação. Talvez começando por tabelar o custo dos exames, impondo preços mínimos e máximos, acautelando os conflitos de interesses, as situações de concorrência desleal e a criação de oligopólios. A isenção do IVA, ou a sua aplicação a uma taxa reduzida, também deverá ser equacionada. Bem como a possibilidade de dedução desse custo em sede de IRS. E depois importaria criar uma aplicação que fosse tecnologicamente avançada, e exportável, uma espécie de plataforma, que se instalasse nos smartphones e permitisse gerir uma bolsa de contactos para dinamizar o mercado dos exames.

Fraude? Corrupção? Ignorância? Sim, isso, tudo bem. Temos de nos modernizar, de nos adaptar aos novos tempos. Claro, tudo isso, mas devidamente regulamentado e com os formulários bem preenchidos. Não pode haver abébias para ninguém.

Eis a solução para os nossos problemas e a oportunidade para ocuparmos o primeiro lugar dos rankings. O da miséria moral incluído.

Pedido de ajuda

Rui Rocha, 01.12.15

Desculpem se vos incomodo com as minhas consumições, mas ando mesmo muito angustiado. A minha filha Leonor fez os exames do básico há mais de dois anos e, ao contrário do que seria de esperar, não apresenta sinais de qualquer trauma. Para ser sincero, ainda agora a apanhei a rir à gargalhada. Conhecem outros casos semelhantes? Não acho isto normal...

exame nacional de Português, 9º ano

Patrícia Reis, 17.06.14

O miúdo chegou a casa descontraído.

O teste? Ridículo. Adjectivo dele.

Entrevista ao Mário de Carvalho por Carlos Vaz Marques e um excerto de Memórias de Cubas Brás de Machado de Assis.

Entregou-me o teste e sorriu.

 

Nada de especial.

 

Perguntei pelo próximo, o de matemática. Ao contrário dos Lusíadas ou do Auto da Barca do Inferno, a matemática é mesmo uma equação estranha para a minha criatura adolescente.

 

Já não levanto a nota, mãe, esquece.

 

Já esqueci. Depois, sem grande alarido, o miúdo diz ainda

 

O terceiro ciclo já está. Venha o secundário.

 

 

 

O exame

Patrícia Reis, 18.06.13

o exame

O miúdo sabe de Pessoa. Até sabe mais que muitos, já foi à Casa Fernando Pessoa, já disse alto e bom som para um mini filme uma carta que o poeta terá escrito a Ofélia, uma carta que começa com bebé, meu bebezinho. O miúdo sabe e, por isso, não hesita, ataca o exame a pensar que depois é o futuro. Seja ele o que for. Nem pensa na nota de português ou na injustiça da nota de português, pensa nos heterónimos e de como gosta de Álvaro de Campos. Não se lembra se leu ou não o Ano da Morte de Ricardo Reis, talvez sim. A sua caneta anda tão depressa quanto a sua mão o permite. Felizmente não faz parte do lote dos 22 mil alunos que não conseguiram fazer o exame. Para ele é um alívio. Está cansado. Cansado da pressão, do secundário, de dar descontos a este ou aquele. Quer crescer, mesmo sabendo que crescer é difícil.

 

A prova, mãe? Era difícil, devo ter um 17.

Inteiros numa fé talvez sem causa

Pedro Correia, 17.06.13

 

Vários colegas de blogue já comentaram a greve dos professores. Eu prefiro comentar estas declarações, para mim espantosas, da presidente da auto-intitulada Associação de Professores de Português (quantos professores representa esta associação?) que vem contestar o carácter "dúbio" do exame do 12º ano hoje realizado.

Dúbio, para a professora Edviges Antunes Ferreira, é algo que merece crítica. Como se a literatura pertencesse ao reino das matemáticas, em que dois mais dois serão sempre quatro.

Admira-se esta docente que houvesse "questões dúbias" sobre Ricardo Reis, por sinal um dos mais dúbios autores da literatura portuguesa, heterónimo de um poeta que ultrapassava os restantes naquela ambiguidade que por vezes molda o génio.

Dúbio, em literatura, não é defeito: é qualidade. Queria o quê, doutora Edviges? Um teste à americana, cheio de quadradinhos, como quem preenche um boletim do Euromilhões?

"Tem quatro questões e duas delas podiam ser mais objectivas", queixa-se a docente, esquecendo talvez que o enunciado em causa não se destinava a alunos do ensino básico mas a um exame do 12º ano de escolaridade, em que se pressupõe que qualquer estudante esteja apto a interpretar textos que ultrapassem a linearidade objectiva de uma notícia de jornal. "O poema, só por si, é subjectivo", pasma a doutora Edviges. E nós pasmamos com ela. Como se a subjectividade, inerente à melhor literatura, fosse defeito em vez de qualidade.

Queixa-se ainda a presidente da APP de, noutra parte do exame, estar incluído um texto de António Lobo Antunes, que exige - como qualquer texto deste escritor - "uma leitura muito atenta". E aponta o dedo acusador, segundo as declarações recolhidas pela Lusa: "Não chegaria uma vez. Os alunos teriam de encontrar as respostas ao longo de todo o texto". Até porque os alunos eram "obrigados a ter uma percepção global do texto" para conseguirem "responder a essas questões de uma forma correcta".

Eu é que pasmo cada vez mais. Mas qual é o problema de um exame requerer "leitura atenta" de quem o faz, doutora Edviges? A senhora prefere cultivar o facilitismo na escola em contraste com as crescentes dificuldades na vida extra-escolar? Algum dos seus alunos se sente capaz de interpretar um texto sem ter uma "percepção global" daquilo que lê? À luz de que patamares mínimos de exigência se deverá elaborar um enunciado destes que não implique uma "leitura atenta"?

E volto ao princípio: que critérios pedagógicos a senhora adopta, poupando "subjectividades" e "leituras atentas" aos seus alunos? Como sei de antemão que ficarei sem resposta, respondo eu próprio. Com estes versos - muito subjectivos - de Ricardo Reis: «Seja qual for o certo, / Mesmo para com esses / Que cremos serem deuses, não sejamos / Inteiros numa fé talvez sem causa.»

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Mantenho-me alerta e conto-vos se houver novos desenvolvimentos

Rui Rocha, 11.05.13

Desde que chegou a casa, ontem ao fim da tarde, mantive-me atento e vigilante. Até ver, nada.  E isso ainda me perturba mais. Será esta aparente normalidade um sinal de que algo de muito grave se passa? Que terríveis consequências estarão a desenvolver-se enquanto a alegria, a vivacidade, o entusiasmo, o brilho nos olhos, esse mesmo de sempre, tudo isso se mantém. O próprio beijo que me deu à noite pareceu tão igual aos da semana passada. Não sei, confesso que não sei. Entretanto, temo e tremo. Enquanto redobro a atenção. Se isto continuar assim, sem que nada aconteça, levo-a ao médico. Afinal de contas, já passaram mais de vinte e quatro horas desde que a Leonor fez o exame de Matemática do 4º ano. E todos sabemos que isso só pode ter provocado sequelas traumáticas. 

Os exames nacionais ou uma questão de fôlego

Leonor Barros, 26.06.12

Eram 9.00 horas, deu o toque final e centenas de alunos entraram para mais uma aventura no maravilhoso mundo dos exames nacionais. Estranho é como Isabel Alçada ainda não se inspirou nesta verdadeira epopeia a que nos sujeitam a todos com ares de distribuir competência e rigor.

Seriam umas 9.15 quando me trouxeram a prova de Alemão. Folheio-a, deito-lhe um olho, perscruto-a de várias perspectivas e começo a resolvê-la. Além do grau de dificuldade mais elevado que nos dois anos anteriores, e acrescento desde já que não viria daqui mal ao mundo, este ano tínhamos mais uma novidade: só um verdadeiro Zatopek no que a língua alemã diz respeito conseguiria fazer todas as tarefas obrigatórias com calma e tempo para reflectir, um maratonista cheio de fôlego, um Schuhmacher a lutar pela pole position. Zatopeks não temos, Schumachers idem e até o Carlos Lopes já pendurou as sapatilhas há muito tempo, mas Usain Bolt teria dado jeito hoje. Podemos preparar muito bem os alunos, podem até ser todos excelentes, aplicados, empenhados, interessados mas não os podemos preparar para estas ‘idiossincrasias’ do Gabinete de Avaliação Educacional, GAVE para os íntimos. Se é a isto que chamam rigor devem estar equivocados. Aquilo era uma prova de maratona. Só os que têm fôlego se salvarão, não necessariamente os que sabem.

E serve tudo isto para dizer que não, os exames nacionais não são fiáveis, não têm coerência alguma de ano para ano, uns anos são assim, outros assado e outros nem por isso, apesar de serem exactamente os mesmos programas. Servem propósitos vários mas não aquilo para que alegadamente foram instituídos. Dizia Nuno Crato que o Ministério da Educação devia ser implodido, isto antes de se tornar eminente Ministro da Educação, porque agora, fazendo parte do sistema, faz o que outros antes fizeram: muito pouco de jeito. É pena. É preciso ter fôlego.

 

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Crash testes

Rui Rocha, 14.07.11

 

Os resultados dos exames nacionais do ensino básico representam uma desgraça nacional. Deixando de lado o eduquês das competências e das aprendizagens, metade dos alunos não sabe um charuto de Matemática e não consegue escrever ou entender uma frase na nossa língua.

 

Não nos enganemos. A primeira responsabilidade por este estado de coisas é dos pais. E os pais destas crianças são os filhos do facilitismo que atravessou o final da década  de 80 e a década de 90 do século XX. Fazem parte do exército dos que entraram para pseudo-universidades com notas negativas, dos que encontraram um emprego (sem nada fazerem para o merecer) na crista da onda de uma expansão económica insustentável e que, contra toda a probabilidade, foram até promovidos porque o Estado e as empresas cresceram e era preciso promover alguém. Apesar dos sucessivos choques de realidade que começam a sofrer, esses pais vêem ainda o mundo dos filhos com os olhos do facilitismo de que beneficiaram. Nada mais falso. O mundo dos filhos terá muitas e extraordinárias oportunidades. Mas, essas estarão reservadas a quem as souber merecer. E, assim, se os pais foram calaceiros impenitentes e ainda assim alcançaram o que muitos nem sequer sonhavam, os filhos terão que investir muito esforço sem nenhuma garantia de alcançarem metade daquilo que os pais esbanjaram. A mensagem em casa deveria ser a de valorizar a escola, o estudo, o trabalho e a dedicação e sim, também e no devido tempo, o lazer, os amigos, a diversão, o amor, os passarinhos da Primavera,  o calor do Verão, o vento do Outono e o frio do Inverno.

 

A segunda responsabilidade é do sistema de ensino. Sucedem-se as reformas curriculares e organizativas e os resultados são os que vemos. A matéria é vasta e não cabe num post. Mas, esta sucessão de fracassos deixa claro que nada se melhora apenas por decreto, por programa ou por estatística. Melhorar dá muito trabalho. Melhorar um nadinha exige um tremendo esforço. E só se faz com pessoas. A par dos alunos, as pessoas mais importantes no sistema são os professores. E a qualidade média dos professores em Portugal é muito fraca. Com honrosas excepções (insisto que existem), a massa docente compõe-se de um grupo da velha guarda com práticas pedagógicas ultrapassadas e conhecimento técnico desfasado e de um grupo de jovens e menos jovens turcos que estão no ensino como podiam estar numa repartição de finanças a carimbar requisições. Neste último grupo lá os temos também, os que entraram nos cursos superiores com notas miseráveis e que hoje se dedicam a ensinar aos outros coisas que nunca perceberam. Melhorar a qualidade dos professores é fundamental. O exame de acesso à profissão é uma necessidade urgente. O sistema de ensino público não existe para dar emprego a quem quer ser professor. Existe para ensinar e por isso deve escolher quem tiver melhores condições para o fazer. O exame não é a única forma de avaliação, mas é fundamental. E a prestação de provas não devia ficar-se por aqueles que pretendem ingressar na profissão. Ao longo dos tempos, ingressaram na carreira muitos incompetentes. Também estes deviam submeter-se a exame. E não é preciso inventar muito. Basta submeter os professores aos exames e provas a que também os alunos são submetidos. Infelizmente, muitos dos professores não os saberiam resolver. E existem hoje alguns professores bem preparados no desemprego que os poderiam substituir.

 

Tratando-se do futuro dos nossos filhos e do país, este é um tema que gera sempre grande debate. Mas, para começar, já não seria mau que se assegurassem dois aspectos tão básicos que até dá raiva sentir-me obrigado a falar neles: que as crianças fossem para a escola com vontade de aprender e que os professores soubessem e quisessem ensinar.

 

E, para terminar, deixo ainda uma pergunta: com resultados tão maus, existe alguma razão para alunos e professores não passarem o mês de Julho na escola, uns a esforçarem-se por ensinar e outras a esforçarem-se por aprender?