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Delito de Opinião

O PS deve cinco Orçamentos ao PSD

Pedro Correia, 03.10.24

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Quando Marcelo liderava o PSD, entre 1996 e 1999

 

O PSD aprovou cinco Orçamentos do Estado apresentados na Assembleia da República por executivos minoritários do PS. Aconteceu com os orçamentos de 1997, 1998 e 1999, viabilizados por decisão de Marcelo Rebelo de Sousa quando liderava os sociais-democratas como principal força da oposição. E com os orçamentos de 2010 e de 2011, quando José Sócrates chefiava o Governo e Manuela Ferreira Leite e Pedro Passos Coelho ocupavam a presidência do partido laranja.

O contrário jamais sucedeu.

Não há memória de vermos a bancada parlamentar socialista contribuir, com a abstenção, para a passagem de um Orçamento do Estado submetido ao hemiciclo de São Bento por executivos minoritários do PSD.

Moral da história? O PS deve cinco Orçamentos ao PSD. Tão simples como isto.

Biden fora da corrida: era inevitável

Pedro Correia, 21.07.24

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Joe Biden anuncia o abandono da corrida à reeleição presidencial, imitando o que fez Lyndon Johnson em 1968. Com uma diferença significativa: nesse ano, o inquilino da Casa Branca desistiu a 31 de Março, enquanto o actual chefe do Executivo norte-americano só o fez hoje. A um mês da convenção do Partido Democrata, favorecendo claramente o candidato republicano, Donald Trump.

Numa aparente confimação da perda acelerada das suas capacidades cognitivas, Biden terá sido dos últimos a perceber o óbvio ululante: não reúne condições mínimas para exercer funções políticas que ultrapassem o fim do mandato presidencial, que termina a 20 de Janeiro.

De algum modo, tudo isto se inscrevia na esfera do inevitável. O que me levou há três dias a escrever isto: «A capa da Economist, tão cruel para Biden, tem forte carácter premonitório. Antecipa o que acabará por acontecer tão cedo quanto possível. Antes que seja tarde de mais.»

Claro que as coisas podiam - e deviam - ter ocorrido de outra maneira. Mas elaborar teses sobre este dramático Verão político dos democratas norte-americanos é tarefa para historiadores futuros, não para os palradores das pantalhas que passaram toda a semana a garantir por cá que o prazo para haver outra solução já se esgotara e a recandidatura de Biden iria mesmo por diante.

Enganaram-se redondamente. O que não os impedirá de passar as próximas semanas a palrar a um ritmo ainda mais frenético, como se fizessem alguma ideia sobre o que realmente ali se passa. 

 

Leitura recomendada:

How Biden will be replaced and what's next now that he's dropped out, no Washington Post.

Perdeu o controlo

Pedro Correia, 11.03.24

Parafraseando o Luís Paixão Martins noutro contexto e noutra circunstância, o PS «perdeu o controlo da narrativa».

É verdade. Mas não é só uma questão de narrativa. Eu diria mais, analisando a segunda derrota eleitoral dos socialistas no ano em curso: ao optar por governar como se só existissem reformados e pensionistas em Portugal, o PS perdeu o contacto com as novas gerações.

Perdendo o contacto, também perdeu o voto. As coisas são o que são.

Da irremediável decadência do francês

Pedro Correia, 19.01.23

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Ao ouvir ontem a presidente executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, falar durante grande parte da manhã numa comissão parlamentar em São Bento, confirmei esta evidência: o francês sofre um irremediável declínio.

A gestora é francesa, os deputados são portugueses, mas a senhora - incapaz de dominar o idioma de Camões - recorreu ao inglês. Podia ter-se expressado sem problema na sua língua materna, recorrendo aos competentes serviços de tradução simultânea da Assembleia da República, mas se calhar nem pensou nisso. Preferiu falar na "língua do império", com pronúncia muito questionável, presumindo - porventura cheia de razão - que à volta daquela mesa poucos seriam os deputados capazes de entendê-la sem recorrerem a intérpretes.

Em duas gerações, o francês - dominante na cultura e nos circuitos diplomáticos até meados do século XX - foi riscado do mapa linguístico corrente fora do perímetro dos países onde ainda é idioma oficial. Paradoxalmente, isto aconteceu a partir da data do seu suposto apogeu: a vaga revolucionária do Maio de 68. Que, partindo da esquerda mais radical, funcionou afinal como trampolim definitivo para a expansão da cultura norte-americana a nível planetário. Ao romper os cânones estabelecidos, deitou fora também os vetustos padrões gauleses que imperavam desde o Século das Luzes, começando pela língua, tornada obsoleta. Os próprios franceses a vão abandonando nos palcos internacionais.

E nós? Ainda não chegámos ao ponto de falar em inglês com a senhora francesa – foi ela quem teve de recorrer à tradução simultânea quando ontem os grupos parlamentares lhe formulavam perguntas. Mas à volta daquela mesa não faltou o jargão “amaricano” para designar cargos com designações consagradas na nossa língua. Abundaram as alusões ao “si-i-ou” e ao “chérman” da TAP, como se fôssemos micro-sucursal linguística do vasto império.

A questão é que somos mesmo. Desembocámos nisto.

A ler

Sérgio de Almeida Correia, 22.04.20

Para além de colega e actualmente meu bastonário, o Luís Menezes Leitão é, igualmente, companheiro nesta casa que nos acolhe. Espero que, apesar disso, o autor me perdoe.

Faltando-me a paciência e a disposição para sobre o tema escrever alguma coisa, não podia deixar de aqui trazer o que ele escreveu na sua crónica do jornal i sobre as comemorações do 25 de Abril pela Assembleia da República.

Para se concordar não é preciso estar no mesmo campo político. Tal como para criticar também não se exige estar do outro lado da barricada.

É que há coisas que me parecem de tal forma evidentes que só por birra ou ausência completa de bom senso se pode insistir. E nesta insistência temos tido dirigentes que são imbatíveis, conseguindo mostrar dentro e fora do Parlamento que é possível articular as duas na perfeição.

A melancolia de António Costa

Pedro Correia, 13.02.19

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A mais recente debandada de vários membros do Bloco de Esquerda - entre os quais se encontram diversos fundadores daquela que constitui hoje a maior bancada parlamentar situada à esquerda (embora à direita, no hemiciclo) da do PS - constitui certamente um aviso de que poderá estar para breve uma recomposição deste tabuleiro político. Em alternativa à sua definitiva decomposição.

 

Com a formação da "geringonça", em Novembro de 2015, António Costa secou os dois principais blocos políticos que ainda se afirmam defensores da via revolucionária - ou "socialista" - para a tomada do poder e a transformação da sociedade.

O BE equivale hoje à ala esquerda do PS, sendo notórios os vasos comunicantes entre os dois partidos e a ambição do núcleo dirigente bloquista de integrar um Executivo liderado pelo partido que Mário Soares fundou em 1973.

O PCP abandonou a via do protesto, trocando-a pela via do resmungo ocasional enquanto baixa os decibéis para não ferir a sensibilidade governativa.

Ambos os partidos aceitaram nesta legislatura o que recusaram na anterior: a ortodoxia financeira de Bruxelas, o aperto na despesa pública, a primazia atribuída ao controlo do défice. Costa anestesiou BE e PCP com umas vagas flores de retórica "socialista" enquanto entregava a condução integral dos assuntos do Estado, na componente financeira, a Mário Centeno, recém-convertido à austera disciplina imposta pelo Banco Central Europeu. E com tanto zelo o professor de Finanças se prestou à missão que acabou glorificado com o título honorífico de presidente do Eurogrupo. Uma justa recompensa por se ter revelado o campeão das cativações. Ou dos orçamentos mentirosos, para evitar um eufemismo.

 

Há quase quatro anos que não escutamos ninguém, por bandas do BE, exigir a renegociação da dívida - estribilho incessantemente martelado nos quatro anos anteriores - nem reivindicar a saída de Portugal do sistema monetário europeu. Ainda menos se ouve por aquelas bandas um vago sussurro em defesa da "revolução socialista". Os bloquistas, já com um pé no umbral da porta que lhes dará acesso directo à próxima coligação governamental, nada fazem para ensombrar o sorriso de Centeno.

Quanto ao PCP, continua a reivindicar em teoria o adeus ao euro e o regresso ao escudo, mas já ninguém leva a sério esta proclamação mecânica após a bancada comunista ter votado cordatamente, de braço dado com o PS, quatro orçamentos que validavam a moeda única e as políticas a ela associadas. Transfiguração reformista e proto-capitalista que lhe valeu, de resto, uma derrocada eleitoral nas autárquicas de 2017. E vem gerando muita contestação interna, que seguramente seria alvo de notícias nos jornais se estes aplicassem ao PCP os critérios informativos que reservam aos restantes partidos.

 

O socialismo europeu há muito ultrapassou a sua fase épica: limita-se hoje a gerir o sistema capitalista, desempenhando a tarefa insubstituível de secar as alternativas de cariz revolucionário que ainda lhe mordiam o flanco esquerdo. É este o papel que António Costa tem exercido em Portugal. Um papel histórico, podemos já dizê-lo sem desmentido.

Daí o ar melancólico que o primeiro-ministro vem exibindo nas suas mais recentes aparições públicas. Ele não ignora nada disto. Nem a debandada em curso nos dois parceiros da "geringonça" - ruidosa no BE, muito mais silenciosa no PCP - o apanha de surpresa. No fundo, está lá para cumprir esta missão, por mais que intimamente lhe custe. Sem estados de alma, Centeno - o seu operacional máximo nesta estratégia - foi devidamente recompensado. O mesmo sucederá com ele, num futuro próximo. Mas, de algum modo, o essencial do seu encargo já pertence ao passado.

Tsipras? We don't know him

Pedro Correia, 28.07.17

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«La politique c'est, avant tout, l'interprétation des réalités

Charles de Gaulle (1958)

 

«Cometi erros... grande erros.»  Numa notável entrevista ao Guardian, o primeiro-ministro grego Alexis Tsipras - outrora «the global pinup of the far-left anti-establishment movement», para usar a saborosa expressão do jornal britânico - faz várias confissões. Estava impreparado ao assumir o poder, em Janeiro de 2015, não soube escolher as pessoas certas, foi confrontado com um panorama ainda mais sombrio do que esperava.

Hoje, com o seu país a registar tímidos progressos na frente económica, o antigo radical de esquerda não hesita em reconhecer que foi correcta a decisão de manter os compromissos assumidos pelo Estado grego perante as instituições políticas de Bruxelas e os pilares financeiros da eurozona - contrariando o que algumas vozes líricas apregoavam então e ainda apregoam por cá. E questiona, acertadamente: «Se abandonássemos a Europa íamos para onde? Para outra galáxia?»

De campeão da retórica anti-austeridade a gestor das mais severas medidas austeritárias de que há memória na Grécia: eis um governante que chegou a contar com uma ruidosa legião de adeptos lusitanos mas nunca mais voltou a ser mencionado nos círculos políticos e mediáticos em Portugal. Há um par de anos, muitos queriam fazer-se fotografar com ele. Hoje apagaram essas fotografias, eventualmente comprometedoras. «As coisas são o que são», costumava dizer o general de Gaulle: nada como a dura realidade para destronar os mitos.

PàF mais à frente

Pedro Correia, 06.11.15

As coisas são o que são

Pedro Correia, 13.10.15

Se a lógica que alguns socialistas defensores da "unidade de esquerda" para entronizar o derrotado António Costa em São Bento tivesse sido levada à prática nas quatro décadas de vigência da Constituição de 1976, Mário Soares e António Guterres - eleitos sem maioria absoluta - nunca teriam sido primeiros-ministros. É quanto basta para se perceber até que ponto a prática constitucional ameaça ser distorcida por estes dias.

Nada disto é inocente (10)

Sérgio de Almeida Correia, 15.07.15

"The summit document asserts with self-serving dishonesty that Greece’s debt has come off the rails due to the failure of Greek governments to stick to the Memorandum over the last year. Had this not occurred, the debt would still be sustainable.
This is a lie. Public debt ballooned to 180pc late last year – long before Syriza was elected – and even though the New Democracy government had complied with most Troika demands.
The truth is that Greece was already bankrupt in 2010. EMU creditors refused to allow a normal debt restructuring to take place because it would have led to instant contagion to Portugal, Spain, and Italy at a time when the eurozone had no lender-of-last resort or defences." - Ambrose Evans-Pritchard, The Telegraph

Nada disto é inocente (7)

Sérgio de Almeida Correia, 15.07.15

"Greece unquestionably needs reform. But remember where the country was just a year ago. Austerity was paused in 2014, which allowed growth to return. Athens was in a primary surplus and needed no further financial aid — only extensions to smooth out the steep repayment cliffs in 2015 and 2016 that the eurozone and the International Monetary Fund recklessly left unchanged in the 2012 restructuring. Would it really have been so hard to simply grant the extensions (without haircuts), let the growth rebound continue (which would have increased the ability to service the debt) and leave Greeks to fight out whether and how to fix their country (or not)?" - Martin Sandbu, The Financial Times