Diz-me lá se és meu
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Durante a infância e a primeira parte da juventude, era grande fã do Festival da Eurovisão. Mas aí por meados de 80 deixei de ligar. O tipo de música deixou de me cativar, muito por culpa do Johnny Logan, essa lenda do Euro-Festival, à qual nunca achei piada. Enfim, entre os vinte e os trinta e cinco anos, eu andava numa onda bem diferente.
A partir de 2000, mais ou menos, tornei a interessar-me. Não sei dizer quem, ou o que, mudou mais: eu, ou o show propriamente dito. Certo, este tornou-se muito excêntrico, algumas actuações são quase insuportáveis, outras continuam muito ao nível pimba. Mas é precisamente isso que me atrai. Se não observarmos tendências, modas, excentricidades, comportamentos e opções de outros países, acabamos por perder o contacto com o mundo real. Além disso, há sempre prestações de qualidade. E seguir este certame não significa desligar-se de manifestações culturais de qualidade indiscutível.
Em 2017, a Europa achou piada ao Salvador Sobral. E nós, sentindo renascer o Vasco da Gama existente em cada um de nós, começámos logo a exagerar: o Festival da Eurovisão ia mudar! Salvador Sobral era o ponto de viragem para mais música de qualidade e menos pirotecnia.
Os portugueses, sempre sonhadores… Lá por já termos tido os nossos “quinze minutos de fama”, no contexto da História da Humanidade (a Era dos Descobrimentos), não quer dizer que o mundo inteiro esteja à espera das nossas lições.
Nunca acreditei nessa tese. Quando, porém, tentava explanar o meu ponto de vista, na única rede social que frequento (Facebook) era quase "fuzilada". Influenciada pelos ares germânicos, diziam, tinha-me tornado numa traidora da pátria! Além disso, não fazia ideia do que era música de qualidade.
O Salvador Sobral passou. Os europeus já não se lembram dele, nem nunca se interessaram em saber mais sobre a sua música. E o Euro-Festival continua, claro, fiel a si próprio.
Considero a nossa prestação deste ano uma das melhores de sempre. Não me coíbo de o dizer. A canção enquadra-se no espírito do certame. O título Ai Coração não podia ser mais português. Há uma leve mistura de tons fadistas (herança moura) com ritmos hispano-ciganos, no fundo, a dualidade que nos caracteriza. A Mimicat pode não ser uma grande artista, mas não lhe faltam garra, força de vontade e autenticidade. A sua actuação, baseada na dança, dispensa grandes pirotecnias. E, apesar de eu ser sportinguista, adoro aquele look vermelhão.
Vou ver a final e torcer pela Mimicat. Espero que ela vença o nervosismo (pareceu-me um pouco nervosa na semi-final) e nos presenteie com uma actuação conseguida. E vou seguir todas as outras prestações, rindo-me, criticando, rolando os olhos e, aqui e ali, surpreendendo-me pela positiva.
Haverá outro continente que reúna tantos países, tão diferentes, num ambiente de festa? Pensemos nisso! Gosto de acreditar que pode fazer bem à Europa reunir-se, uma vez por ano, para celebrar um tal fogo de artifício. Apesar de a música ser o que menos interessa, ela é o pretexto para a reunião. E o virar de costas da Rússia e da Bielorrússia a tanta decadência é quanto basta para me pôr a dar vivas.