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Delito de Opinião

Diz-me lá se és meu

Cristina Torrão, 11.05.23

2023 Mimicat.jpg

Imagem daqui

Durante a infância e a primeira parte da juventude, era grande fã do Festival da Eurovisão. Mas aí por meados de 80 deixei de ligar. O tipo de música deixou de me cativar, muito por culpa do Johnny Logan, essa lenda do Euro-Festival, à qual nunca achei piada. Enfim, entre os vinte e os trinta e cinco anos, eu andava numa onda bem diferente.

A partir de 2000, mais ou menos, tornei a interessar-me. Não sei dizer quem, ou o que, mudou mais: eu, ou o show propriamente dito. Certo, este tornou-se muito excêntrico, algumas actuações são quase insuportáveis, outras continuam muito ao nível pimba. Mas é precisamente isso que me atrai. Se não observarmos tendências, modas, excentricidades, comportamentos e opções de outros países, acabamos por perder o contacto com o mundo real. Além disso, há sempre prestações de qualidade. E seguir este certame não significa desligar-se de manifestações culturais de qualidade indiscutível.

Em 2017, a Europa achou piada ao Salvador Sobral. E nós, sentindo renascer o Vasco da Gama existente em cada um de nós, começámos logo a exagerar: o Festival da Eurovisão ia mudar! Salvador Sobral era o ponto de viragem para mais música de qualidade e menos pirotecnia.

Os portugueses, sempre sonhadores… Lá por já termos tido os nossos “quinze minutos de fama”, no contexto da História da Humanidade (a Era dos Descobrimentos), não quer dizer que o mundo inteiro esteja à espera das nossas lições.

Nunca acreditei nessa tese. Quando, porém, tentava explanar o meu ponto de vista, na única rede social que frequento (Facebook) era quase "fuzilada". Influenciada pelos ares germânicos, diziam, tinha-me tornado numa traidora da pátria! Além disso, não fazia ideia do que era música de qualidade.

O Salvador Sobral passou. Os europeus já não se lembram dele, nem nunca se interessaram em saber mais sobre a sua música. E o Euro-Festival continua, claro, fiel a si próprio.

Considero a nossa prestação deste ano uma das melhores de sempre. Não me coíbo de o dizer. A canção enquadra-se no espírito do certame. O título Ai Coração não podia ser mais português. Há uma leve mistura de tons fadistas (herança moura) com ritmos hispano-ciganos, no fundo, a dualidade que nos caracteriza. A Mimicat pode não ser uma grande artista, mas não lhe faltam garra, força de vontade e autenticidade. A sua actuação, baseada na dança, dispensa grandes pirotecnias. E, apesar de eu ser sportinguista, adoro aquele look vermelhão.

Vou ver a final e torcer pela Mimicat. Espero que ela vença o nervosismo (pareceu-me um pouco nervosa na semi-final) e nos presenteie com uma actuação conseguida. E vou seguir todas as outras prestações, rindo-me, criticando, rolando os olhos e, aqui e ali, surpreendendo-me pela positiva.

Haverá outro continente que reúna tantos países, tão diferentes, num ambiente de festa? Pensemos nisso! Gosto de acreditar que pode fazer bem à Europa reunir-se, uma vez por ano, para celebrar um tal fogo de artifício. Apesar de a música ser o que menos interessa, ela é o pretexto para a reunião. E o virar de costas da Rússia e da Bielorrússia a tanta decadência é quanto basta para me pôr a dar vivas.

Eurovisão. Fui lá espreitar

Marta Spínola, 14.05.18

A Eurovisão para mim é da infância, remete-me para os anos 80 e o video beta que havia lá em casa. Tinhamos alguns festivais gravados e eu via-os de enfiada, cantarolava e dançava o que podia. Lembro-me de algumas músicas improváveis como a da Holanda em 86 (quatro miúdas, na altura mulheres para mim, que pareciam vestidas pela Migacho), ou a Turquia em 85 (Didai didai didai) que eu cantava destemidamente sem pensar se percebia a língua, numa ousadia típica de criança. Já não falo do hinos da minha infância que foram "Sobe sobe, balão sobe", "Playback" e "Bem Bom". 

Não sou, nem vou agora fazer-me passar por pessoa que segue a Eurovisão todos os anos, de há muito tempo para cá. Vou sabendo quem é a música portuguesa, sei depois vagamente quem ganhou, ou no limite, se estou em casa, acompanho a final como barulho de fundo. Claro que o ano passado, até porque me calhou trabalhar nessa dia, vi a vitória do Salvador Sobral cheia de nervos no twitter, onde muita gente como eu, não estava habituada a estas votações com público e tudo.

Falemos das pontuações. Já não há júri a dizer todos os pontos que dá a quem. Ainda há um júri que fala por cada país, mas só referem os ambicionados 12 pontos, twelve points, douze points. O resto é acompanhar no ecran como se puder. E é aqui que começam países a desandar sorrateiramente na tabela se não se estiver antendo. Mas piora quando chegam os pontos do público porque os valores são outros e há concorrentes que dão pulos enormes até ao podium (foi o caso da Itália ontem). O ano passado foi divertido e com muitos nervos porque havia mais gente no twitter com atenção à votação, e quando chegou a esta parte, nós, os que ignorávamos como funcionava, íamos tendo uma síncope. O final, é sabido, foi feliz para Portugal. Foi uma boa noite de twitter.

Mas tudo isto para dizer, que tive oportunidade de ir assisitir in loco à final organizada por Portugal, e gostei muito. Como evento é espectacular. Muita luz e cor, tudo a funcionar ao minuto, um ambiente feliz e de festa, pessoas de todos ou quase todos os países em prova a circular por Lisboa durante a semana. Gostamos muito disto. Ou gosto eu. No Euro2004, na websummit, na Eurovisão, perceber de onde vê e para onde vão.

Uma coisa que pude verificar é que apesar de virem com as cores dos seus países, não torcem necessariamente só por estes. Durante as actuações havia reacções unânimes à música da Austria, da Estónia, de Chipre, Israel, Espanha, Austrália e Reino Unido, por exemplo. Também se verifica este comportamento durante as votações. Há uma diplomacia admirável. Ali estava eu, habituada a escolher o lado e ser-lhe leal até ao fim, meio amudadinha com a falta de pontos para Portugal mesmo gostando de outras canções, e os habitués aproveitavam, aplaudiam, gritavam de exctiação cada vez que alguém se adiantava no primeiro lugar. Saudável esta forma de ver uma competição, sem dúvida. Só quando Montenegro deu 12 pontos, twelve points, douze points à Sérvia se ouviu um "buuuuu" geral, mas até isso foi curioso de perceber. 

No fim como sabemos, venceu Israel com aquele espalhafato todo. Não sou contra, a votação até já conta com o público, e foi o público que catapultou Netta e o seu Toy para o primeiro lugar. Mas dificilmente nos lembraremos das outras 25 daqui a um ano. 

GAMAR PELOS DOIS

Rui Rocha, 14.05.17

GAMAR.png

Se um dia alguém perguntar por mim
Diz que vivi p’ra gamar
Antes de ti, só existi
Cansado e sem nada p’ra dar

 

Meu bem, ouve as minhas preces
Peço que regresses, que voltes a querer
Eu sei que não se gama sozinho
Talvez devagarinho me possam voltar a prender

 

Meu bem, ouve as minhas preces
Peço que regresses, que voltes a querer
Eu sei que não se gama sozinho
Talvez devagarinho me possam voltar a prender

 

Se o teu coração não quiser ceder
Não sentir paixão, não quiser sofrer
Sem fazer planos do que virá depois
Meu Carlinhos, posso gamar pelos dois

Partir os dentes aos burocratas do Festival da Canção

Rui Rocha, 24.05.15

O tema da austeridade tem polarizado a discussão política em Portugal. Todavia, um outro igualmente relevante tem ficado, estranhamente, na sombra. Na verdade, se não faltam pungentes chamamentos que sublinham a necessidade de fazer frente à Europa para derrotar as políticas austeritárias (é ver os vibrantes discursos de Sampaio da Nóvoa, de António Costa e dos protagonistas à esquerda, em geral), poucas ou nenhumas vozes se levantam para exigir uma mudança à Eurovisão. E se há matéria em que temos sido humilhados, enquanto Nação, ano após ano, é a do Festival da Canção. Ora isto não é, não pode ser, um fatalismo. O desafio é enorme, mas o estado de coisas pode ser mudado. Aqui, como no tema da austeridade, existe um problema técnico que deve ser resolvido. Se é verdade que a própria configuração da Zona Euro e dos mecanismos da moeda única são, por natureza, desfavoráveis aos países periféricos, exigindo-se medidas que contrabalancem as ineficiências estruturais da União Monetária, é igualmente certo que as regras do Festival da Canção são completamente inadequadas à realidade portuguesa. Para melhor percebermos do que aqui se fala, recorro ao enquadramento teórico das vantagens competitivas de Porter: o que determina a capacidade competitiva de um país não é o que o país produz, mas o quão sofisticado e produtivo é esse país a fazer o que faz. Ora, o problema é que nós não somos competitivos a fazer concursos. As coisas são o que são e os concursos não são a nossa praia, lá está, não são a nossa zona de conforto. Urge, portanto, uma proposta política que ponha as pernas a tremer aos senhores da Eurovisão. Uma voz que exija mudança, que ameace partir os dentes aos burocratas do Festival da Canção. Queremos ser felizes, queremos ver as nossas canções cantadas por essa Europa fora, queremos boas pontuações. E queremos vitórias. Deus, como queremos vitórias. É assim imperioso que o Festival da Canção, tal como o conhecemos, seja substituído de imediato por um modelo com regras novas, adequadas à nossa realidade. É preciso que o actual sistema de concurso dê lugar a um outro em que somos absolutamente proficientes e em que temos cabais provas dadas de capacidade competitiva. Falo, naturalmente, de substituir, de forma irrevogável, o concurso pelo ajuste directo.