Os novos "pogroms''
Caça aos judeus na Europa após o 7 de Outubro
Capa do diário francês Libération de domingo, 29 de Outubro
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Capa do diário francês Libération de domingo, 29 de Outubro
Sexta-feira, 13 de Outubro:
Segunda-feira, 16 de Outubro:
A jornalista Teresa de Sousa escreve ao Domingo no Público. Partilho aqui alguns excertos do seu último artigo.
“Em 2008, antes da crise financeira, o PIB da zona euro (que inclui 20 países, entre os quais as maiores economias) a preços correntes era ligeiramente inferior ao dos EUA. Hoje o PIB americano está a aproximar-se do dobro do conjunto desses países europeus.
(…)
Hoje, o rendimento per capita dos países da EU é inferior aos de todos os 50 estados norte-americanos, incluindo o Idaho ou o Mississipi.
(…)
O modelo social europeu é caro. O crescimento é um factor determinante para a sua sustentação, sobretudo quando somos confrontados com o envelhecimento das populações.
(…)
E, no entanto, o discurso económico europeu está estranhamente distante da ambição de regressar às taxas de crescimento mais altas.
(…)
Isso exige outras políticas e outras atitudes. A primeira das quais é deixar de lado o discurso de auto-satisfação.
(…)
Das 30 melhores universidades do mundo, segundo o ranking de Xangai e do THE (Times Higher Education), só há uma europeia continental e três britânicas.”
Há dias, o ranking das universidades e a forma como se pode lidar com os seus resultados, foi referido aqui no blog. As reacções da maioria são idênticas às dos que acham que o crescimento económico resulta das boas intenções dos governantes e da imensidão de leis que conseguem produzir. A auto-satisfação, referida no texto, é uma forma de negação e encaixa como uma luva na narrativa que sustenta uma certa forma de estar na política, em Portugal e não só. Não existem impossíveis que um mentiroso não consiga garantir.
Se os resultados não são agradáveis, ajuste-se a fórmula do cálculo de ranking e se, ainda assim, o sucesso insistir em mostar o seu mau-feitio, acabem-se então com os exames.
À nossa capacidade e consistência em manter Portugal na cauda dos rankings positivos europeus (não importa quais os adversários, acabaremos sempre por ficar no pódio de baixo), deve ser acrescentado o detalhe de que é também a própria União Europeia a afundar-se nas comparações entre blocos económicos.
É impossível usufruirmos do melhor de dois mundos: não há benefícios sem sacrifícios.
Do qual estamos afinal, nós, europeus, dispostos a abdicar?
Não podemos fechar as fronteiras nem travar a torrente globalizadora.
Já não vivemos no tempo dos amplos mercados coloniais, nem das matérias-primas a desaguar na Europa a baixos preços, nem da natalidade elevadíssima, nem dos níveis de crescimento económico superiores a 5% que fizeram do nosso continente o que é, nas três décadas posteriores ao pós-guerra, e permitiram que o Estado-providência se tornasse no que se tornou.
Temos graves problemas estruturais numa zona euro que oscila entre a inflação e a recessão. Enquanto outras parte do globo crescem.
O Plano Marshall é irrepetível. E, se o não fosse, apontaria noutras direcções. Porque a guerra na Europa terminou há 78 anos.
De que parcela deste Estado-providência estamos dispostos a abdicar?
Que nível fiscal estamos dispostos a suportar?
Aceitaremos a redução das pensões de reforma para adequar os pagamentos ao nível de contribuições existente quebrando um pacto intergeracional devido às novas imposições da demografia? Ou, em alternativa, deverão cada vez menos cidadãos suportar contribuições cada vez maiores?
Estas perguntas não são retóricas. São cruciais. Iludi-las não nos conduzirá a lado nenhum. Ou antes: conduzirá ao progressivo definhamento da Europa, que vista de outras paragens parece uma senhora parada no tempo, alimentando-se da difusa nostalgia de um passado que não regressa.
Uma espécie de Gloria Swanson em Sunset Boulevard.
Em 19 de Setembro de 1946 Winston Churchill discursou na Universidade de Zurique e elaborou sobre o deveria ser a Europa após o pesadelo da Guerra.
Neste discurso lançou a ideia do que, a título de exemplo, designou como Estados Unidos da Europa, que deveria ser um sitio onde “as pequenas nações contarão tanto como as grandes e honrar-se-ão pela sua contribuição para a causa comum” (…) e “se, numa fase inicial, nem todos os Estados da Europa quiserem ou poderem juntar-se à União, devemos, contudo, proceder à junção e combinação daqueles que o querem e daqueles que o podem fazer.”
O seu propósito foi lançar um futuro com base na reconciliação das nações europeias para que estas vivessem livres da guerra e da tirania.
“Todos nós temos que voltar as costas aos horrores do passado. Temos que olhar para o futuro.” (…) “A salvação das pessoas comuns, de todas as raças e de todas as terras, da guerra e da servidão deve ser estabelecida em bases sólidas e preservada pela disposição de todos os homens e mulheres de antes morrerem do que submeterem-se à tirania.”
É claramente dentro do espírito original do projecto europeu, que na véspera do dia da Europa, Úrsula von der Leyen, afirmou no Parlamento Europeu que “o futuro da União Europeia que está neste momento a ser escrito na Ucrânia”.
Por muitos defeitos que se possam apontar ao funcionamento das instituições da UE, a Europa sugerida por Churchill, continua a ser um espaço de liberdade. A actual Presidente da Comissão Europeia nasceu mais de dez anos após este discurso e isso mostra como é que ao longo de gerações o sonho europeu se tem conseguido manter fiel ao seu espírito original.
Se dúvidas sobre o valor deste património de paz e de cooperação houvessem, essas dúvidas desvaneceram-se quando, às ordens de Putin, a força da tirania regressou ao solo europeu. Mais do que em qualquer outro momento que me recorde, observo pelos écrans o rasto de caos e destruição, e vejo materializar-se exactamente aquilo que Churchill, e os fundadores da UE, queriam evitar que se repetisse.
A tirania tem de ser travada. Putin tem de ser derrotado e a liberdade irá vencer. É por isso, que é na Ucrânia que se está a desenhar o futuro da UE e é exactamente por isso que os países europeus devem dar todo o apoio às Forças Armadas Ucranianas.
Neste 9 de Maio celebra-se O Dia da Europa.
"Dia 9 de Maio de 1950, pelas 16 horas, Robert Schuman, então ministro dos Negócios Estrangeiros de França, apresentou, no Salon de l'Horloge do Quai d'Orsay, em Paris, uma proposta com as bases fundadoras do que é hoje a UE.
Esta proposta, conhecida como "Declaração Schuman", baseada numa ideia originalmente lançada por Jean Monnet, destacava os valores de paz, solidariedade, desenvolvimento económico e social, equilíbrio ambiental e regional, e incluía a criação de uma instituição europeia supranacional incumbida de gerir as matérias-primas que, nessa altura, constituíam a base do poderio militar: o carvão e o aço.
Por se considerar que esse dia foi o marco inicial da União Europeia, os Chefes de Estado e de Governo, na Cimeira de Milão de 1985, decidiram consagrar 9 de Maio como "Dia da Europa".
Como tudo era simples e puro quando Gaia era jovem e tinha que zelar apenas por Pangeia e Pantalassa, que se divertiam uma com a outra em ternurentos afagos.
Mas os milénios passaram, velozes e impiedosos, e chegou a adolescência. Gaia não entendia o porquê de tantas brigas. Caos sempre a deixara fazer o que queria e Úrano, Ponto e as Óreas não se tinham saído nada mal. Pangeia e Pantalassa pareciam sofrer de transtorno dissociativo de identidade! Nem se entendiam uma com a outra, nem as várias personalidades conseguiam uma coabitação pacífica.
Mais de mil anos passados e o desacordo era tal que Gaia, descontrolada e fortemente abalada, resolveu dar um murro na mesa e deixou que cada persona se individualizasse e fosse à sua vida, não sem que dedicasse uma atenção e um carinho especial à mais pequena, a quem chamou Europa, tal qual uma princesa fenícia que tinha sido sua colega de carteira na escola primária.
A engraçada e esperta Europa cedo percebeu que podia ter de Gaia o que quisesse. Descartou logo a dupla Euroásia e dedicou-se a mil tropelias, brigas e disputas. Mimada até aos dias de hoje, já velha e chata, pensa que pode dar lições ao mundo, mas nem o mundo nem o Putin (Kraken grau5) lhe dão grande importância, deixando-a pendurada e quase sem energias.
Boa velha Europa, gostamos de ti.
Esta ideia de que os europeus são racistas até à medula pela maneira como recebem os refugiados ucranianos e como receberam os refugiados da Síria faz-me lembrar aquela piada,
Na segunda-feira bebi quatro bagaços e uma Coca-Cola e acordei com dores de cabeça. Quarta-feira bebi três Brandys e três Coca-Colas e fiquei cheio de dores de cabeça. Sexta-feira bebi seis uísques e duas Coca-Colas e mais uma vez fiquei com dores de cabeça. É evidente que tenho de deixar de beber Coca-Cola senão nunca mais me livro das dores de cabeça.
O que fica evidente nesta piada é a facilidade com que se raciocina pela superfície sem olhar a elementos não visíveis. E é exactamente o que se faz neste twitt: como os ucranianos são brancos e os sírios não, assume-se que esse foi o elemento diferenciador (a coca-cola) do tratamento dos refugiados desses países.
Acontece que há diferenças grandes entre os refugiados sírios e os ucranianos e não têm que ver com a cor da pele. Em primeiro lugar, os ucranianos que fogem da guerra são quase todos mulheres e crianças.
Não há, entre os ucranianos, uma percentagem de bombistas radicais que entram misturados para criar células de terroristas contra os europeus, homens que enchem as mesquitas de ódio e incitamento à violência contra os europeus. Os refugiados sírios -mas também afegãos e de outros países do Médio Oriente- são muçulmanos enquanto os ucranianos são cristãos. Esta é uma grande diferença, porque os muçulmanos trazem consigo um modelo cultural quase medieval que choca com o europeu: não valorizam sociedades laicas e por isso, não reconhecem a autoridade política como sendo superior à religiosa, logo, não respeitam os princípios organizadores das sociedades democráticas, da mesma maneira que não reconhecem as mulheres como cidadãs de pleno direito e como seres humanos dignos de respeito; não são capazes de revisão racional em questões sócio-culturais e por isso, também, proíbem ou restringem o contacto dos filhos, sobretudo as raparigas, com os europeus, por medo de revisão racional e afastamento da sua mundivisão. São culturas que não valorizam o conhecimento e a educação, não religiosa, dois grandes valores que definem os europeus.
Perturbam imenso as escolas com exigências de abandono do princípio do laicismo e de respeito pelos dogmas do islão: ora as raparigas têm que sentar-se atrás para não perturbar a educação dos rapazes, ora as professoras não podem vir de saias, ora não podem ralhar com os rapazes por serem mulheres ou exigem que as raparigas sejam separadas dos rapazes nas aulas de educação física ou da natação, ora querem proibir que os professores critiquem a religião do Profeta e os seus líderes religiosos... há um ano um aluno decapitou um professor, em França, por os pais acharem que o professor tinha criticado o islão. Em França, os professores têm medo dos alunos muçulmanos. Nós, europeus, valorizamos a discussão e a crítica, os muçulmanos valorizam a obediência e ainda praticam a justiça de Talião.
São pessoas que têm dificuldade em integrar-se na cultura ocidental e criam imensos problemas sociais e culturais como temos visto que o fazem, na Alemanha, na França, na Suíça, etc, sobretudo quando as comunidades são muito grandes, como em Marselha, por exemplo. Por conseguinte, se calhar não é a cor da pele o elemento diferenciador, mas outras considerações sociais e culturais.
Aqui na Europa levámos séculos a estabelecer sociedades laicas, democráticas, com valores de respeito universal pela dignidade humana e de direitos sociais. É um trabalho que custou muitas vidas humanas e que ainda não está acabado. Os refugiados muçulmanos, os homens, sobretudo, ao contrário dos ucranianos, são estressores culturais porque trazem consigo um modelo quase medieval de sociedade e cultura: teocrático, teocêntrico, violento na justiça, desigual nas oportunidades, sem respeito pela dignidade humana - não por causa de um líder despótico que, de vez em quando, sobe ao poder, mas pela própria estrutura organizacional teocrática e ditatorial das suas sociedades. Daí a resistência em receber refugiados sírios e de outros países muçulmanos. Não quero dizer com isto que não há racismo na Europa, que o há, mas a Europa não se reduz a racismo, não é o que a define. Temos muitos valores positivos de hospitalismo. Há muita auto-crítica, há vontade de melhorar, há uma constante revisão racional, valores que os refugiados ucranianos também partilham e respeitam e os muçulmanos em geral não, sejam sírios, afegãos, sauditas ou de outro país qualquer.
texto também publicado no blog azul
A União Europeia, do alto do seu incrível currículo de mais de sete décadas de paz, é frequentemente acusada de representar uma sociedade pós-bélica, o que, para os seus críticos, é uma fragilidade. As opiniões públicas dos seus diversos países, que já nasceram e cresceram em paz, perante tão óbvias vantagens na colaboração e na partilha, não aceitam sacrificar vidas humanas para acertar contas com a história ou pela vã glória de mandar.
Se o ataque da Rússia de Putin à Ucrânia serviu para alguma coisa, foi para unir a Europa na condenação de tal acto. Ao contrário do que aconteceu na ocupação da Crimeia e de parte do Donbass, desta vez a UE passou a linha das declarações vagas, gelatinosas e inconsequentes. Pela primeira vez na sua história, as instituições europeias decidiram gastar parte dos seus milhões na compra de armas, e até a sempre neutral Suíça irá acatar integralmente as sanções europeias contra a oligarquia russa.
Estes últimos dias serviram também para que esta sociedade pós-bélica, de que felizmente fazemos parte, entenda que a liberdade tem um custo – como os americanos dizem Freedom it’s not for free – , e que a diplomacia sem pelo menos um pau, não tem força. Mesmo os mais lunáticos finalmente entenderam que pertencer à NATO não é um capricho.
Descobrimos (muitos já o sabíamos) que os fofinhos partidos anti-sistema que adoram as luzes da ribalta e de proclamar soundbytes sonantes, que insistem em negar os crimes soviéticos, que privam a apoiam ditadores sanguinários, são uma quinta coluna apostada em enfraquecer as instituições e os valores que partilhamos.
Os recentes crimes de Putin e do seu círculo próximo, mostraram-nos também por que é que temem uma democracia à porta de casa. Se a vizinha Ucrânia se tornar próspera e funcional, e for capaz de proporcionar uma vida digna aos seus habitantes, os russos irão querer algo idêntico.
Essa é também a força de uma democracia razoavelmente decente. Nunca nenhum povo aceitaria ficar isolado do mundo para, à força da bomba e deixando um rasto de sangue, defender algo como o que Putin defende. É por isso que os déspotas não gostam da ordem liberal, e dos contra-pesos da democracia. E é exactamente por isso que esta deve ser defendida.
É também por isso que a geringonça que nos governou não deixou de ser uma aliança com o diabo, personalizado pelos partidos que nestas horas mostram aquilo que realmente são e o que verdadeiramente defendem.
Pena é que também, e mais uma vez, a ONU não consiga estar à altura dos acontecimentos. Se o seu secretário-geral quisesse honrar o propósito da Organização que lidera, deveria deslocar-se à Ucrânia, visitar as vítimas da guerra e participar nas conversões entre as partes beligerantes. Mas no que toca a gestos simbólicos, ele prefere ir lavar os pés a uma praia tropical.
A UE e a Comissão têm estado à altura da situação. O que se tem visto nestes poucos dias é aquilo que gostávamos de ter visto sempre -união, solidariedade, lucidez e coragem- e que esperamos não desapareça rapidamente a seguir a esta crise. Mostraram que são capazes. É verdade que também me parece que a pressão da opinião pública um pouco por todo o lado, nas redes sociais e nas ruas, empurrou os políticos que de início estavam indecisos, mas a verdade é que podiam não ter estado à altura dos acontecimento e estiveram, o que dá gosto ver.
Esse terá sido o grande erro de Putin. Olhando para a situação no seu esqueleto, vejo esta linha de acção de Putin ter um começo remoto na reacção de Bush e da sua entourage, Rumsfeld, Collins e companhia ao 11 de Setembro. Dez anos de destruição irresponsável e insana no Médio Oriente, a que se seguiu uma crise de refugiados, não nos EUA que a causaram, mas na Europa, que fez surgir uma desunião e ganância na UE (os países do Norte a perseguirem as economias do Sul) e EUA, que deu origem ao Brexit e a Trump e que acabou na saída vergonhosa de Biden do Afeganistão. Putin viu neste caos e desunião, por uma lado fraqueza e por outro, oportunidade, mas esqueceu-se que a Europa, tendo uma história de guerras, tem também uma história comum de povos entrelaçados por laços familiares, alianças comerciais e políticas.
Message to the people of Ukraine :
— European Commission 🇪🇺 (@EU_Commission) February 28, 2022
The EU understands how hard the situation is. We are at your side.#StandWithUkraine @MamerEric pic.twitter.com/8EPH8Jwt3t
também publicado no blog azul
A humilhante retirada do EUA e das "potências" europeias do Afeganistão só encorajou o ditador russo na sua estratégia - há muito delineada - de invadir e ocupar países soberanos que não se verguem à sua tutela, seguindo um guião que parece imitar o de Hitler na sua concepção de "espaço vital". Não a pretexto de reunir os povos germanófonos, mas russófonos. Não já de uma raça suprema, mas de um povo iluminado pela luz divina. Daí a Constituição em vigor na Rússia entoar hossanas à pátria «unida por uma história de mil anos, preservando a memória dos antepassados que [lhes] transmitiram os ideais e a fé em Deus».
Se esta concepção de relações internacionais prevalecesse, veríamos todo o nosso continente incendiar-se, com reclamações territoriais permanentes de parte a parte - de Gibraltar a Istambul, passando por Estrasburgo e Trieste. Como aqui escrevi em 1 de Setembro de 2009, ao cumprirem-se 70 anos do início da II Guerra Mundial, «a Europa é uma construção política demasiado frágil para podermos adormecer confiados em sonhos de paz perpétua»
Putin ataca em larga escala a vizinha Ucrânia, despejando-lhe incontáveis mísseis de médio alcance, convicto da impunidade. Na certeza de possuir o maior arsenal atómico do planeta - exemplo supremo da razão da força, indiferente a qualquer força da razão. E tem a vantagem, relativamente ao genocida alemão, de estar sentado no chamado "Conselho de Segurança" da ONU, com direito de veto a qualquer decisão que possa lá tomar-se. Numa manifestação suprema de cinismo, aliás, invocou o artigo 51.º da Carta das Nações Unidas para ordenar a tomada da Ucrânia pelas armas. Imagine-se Hitler com idêntico poder formal de paralisar qualquer acção contra si próprio no inútil palácio de vidro em Nova Iorque...
Hoje na Ucrânia - após ter reduzido a Bielorrússia a um protectorado-fantoche, amanhã na Roménia e na Moldávia, depois de amanhã nos Estados bálticos e na Polónia. Quase numa repetição mimética do criminoso expansionismo nazi naquela terrível década de todos os perigos, há quase um século.
Os trágicos acontecimentos que presenciamos, vendo devorar uma nação europeia com 43 milhões de habitantes, não se esgotam nas três frentes de guerra na Ucrânia. Está em curso um sismo de máxima magnitude na geopolítica mundial, com a formação de um eixo Moscovo-Pequim, análogo ao pacto estabelecido em 1940 por Hitler e o seu fiel vassalo Mussolini (representado nos nossos dias por Lukachenko, o grotesto ditador bielorrusso) com os sinistros mandarins de Tóquio. Que mergulhou o mundo num cataclismo à escala planetária.
Poucos já se surpreenderão se o o drama ucraniano desta manhã venha a repetir-se num futuro próximo em Taiwan, com idêntica retórica imperialista e nacionalista a justificar as brutais acções de canhoneira.
Num dia futuro, quando os historiadores fizerem o relato destes dias, aludirão ao prólogo. Escrito em Cabul, no Verão passado, quando os EUA bateram em retirada por ordem do patético "comandante supremo" em Washington, deixando aquele povo abandonado à sua sorte, engolido em novas trevas.
Demonstrando assim ao mundo inteiro que o autoproclamado "líder do Ocidente" mais não é do que um tigre de papel.
Em 2009, os polacos protestaram vigorosamente contra a visita de Vladimir Putin a Gdansk, no Mar Báltico, para assinalar o aniversário do início da II Guerra Mundial. Húngaros e eslovacos vão esgrimindo tensos argumentos dos dois lados da fronteira. A minoria húngara na Roménia reclama direitos que, segundo garante, não lhe são reconhecidos. O mesmo se passa com a minoria russa na Letónia. O exército turco desfila periodicamente em parada para lembrar o dia em que esmagou os invasores gregos na Trácia, há cerca de cem anos. Bascos e catalães mantêm a obsessão de cortar com Madrid. Na Finlândia e na Lituânia, as recordações dos massacres soviéticos ainda ferem muitas sensibilidades. A Bélgica ameaça implodir a prazo, fragmentada por conflitos étnicos e linguísticos. Os Balcãs são um barril de pólvora temporariamente neutralizado. A Escócia exige novo referendo para se tornar independente do Reino Unido. A Córsega aceita com crescente relutância o domínio político de Paris enquanto os pós-fascistas, no norte de Itália, ainda sonham com a erupção da Padânia. Na antiga Alemanha de Leste crescem os sentimentos xenófobos: os movimentos de extrema-direita atingem mais de 20% dos votos de eleitores jovens em Estados como a Saxónia e Brandemburgo.
Convém anotar, de passagem: Gdansk é o nome actual da velha Danzig, onde começou a II Guerra Mundial. Há oito décadas. Anteontem, em termos históricos.
A Europa é uma construção política demasiado frágil para podermos adormecer confiados em sonhos de paz perpétua. Não nos iludamos: este continente em que vivemos mantém feridas mal cicatrizadas, fronteiras mal definidas, conflitos de toda a natureza que poderão reacender-se a qualquer pretexto. Quem se gaba de a Europa ser a parcela mais "civilizada" do globo terrestre esquece que foi precisamente aqui que começaram as duas guerras mais sangrentas e devastadoras de todos os tempos. Saibamos interpretar os sinais da História.
Conseguimos agendar a vacinação cedo, para a nossa idade, com a marca desejada (Biontech/Pfizer), tivemos efeitos secundários leves (cansaço, dores de cabeça e no braço, que aliás não justificaram tomada de analgésicos; na segunda dose, senti ainda náusea durante 24 horas). E obtivemos o certificado digital.
Houve uma certa euforia, ao sabermos que ficaríamos despachados a 21 de Junho, uma segunda-feira, e planeámos a nossa viagem a Portugal para o fim-de-semana seguinte. Embora soubéssemos que teríamos de continuar a cumprir as regras básicas de higiene (máscara, desinfecção das mãos, distância), não víamos entraves à viagem. Porém, ainda antes de tomarmos a segunda vacina, começaram as dúvidas. As informações eram contraditórias, para quem viaja de carro, nomeadamente, em relação à fronteira francesa. As indicações variavam conforme as fontes consultadas: Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão, ADAC (automóvel clube da Alemanha), embaixada francesa em Berlim, sites da ARD ou ZDF. Nuns casos, falava-se em vacinação completa, ou teste PCR; noutros, o teste podia ser PCR ou antigénio; ainda noutros, a vacinação tinha de ter, no mínimo, quinze dias. E, consultando diariamente as fontes, estas mudavam nos próprios sites: hoje isto, amanhã aquilo. Enfim, uma barafunda!
Ainda pensámos em adiar a viagem, à espera dos tais quinze dias depois da vacinação. Mas todos sabemos que tal adiamento implica algumas dificuldades, como datas de férias, hotéis já reservados (pernoitamos duas vezes em França), preparações logísticas em casa, etc. Como os testes antigénio se vendem em qualquer supermercado alemão por cerca de 80 cêntimos, resolvemos comprar uma dezena deles, a fim de estarmos em condições de fazer um nas barbas de algum guarda fronteiriço mais implicativo. Apesar de as fontes não serem claras quanto ao tipo de teste, torcíamos para que chegasse o antigénio, junto com a vacina, apesar de esta ser ainda recente.
Fizemo-nos ao caminho no dia planeado. Tínhamos lido que não havia controle entre a Alemanha e a Holanda e assim foi. Não fosse a redução de velocidade, na zona de fronteira, até surgir a placa azul com a palavra Nederland rodeada das estrelas douradas, e nem notávamos que tínhamos mudado de país. Não tínhamos conseguido informações quanto à fronteira belga, mas o cenário foi o mesmo. Cerca de dez quilómetros depois de Maastricht, nova redução de velocidade, placa a anunciar o novo país, o piso da auto-estrada a piorar substancialmente… bem-vindos à Bélgica! Sem qualquer controle.
Seguia-se a temida fronteira francesa, já imaginávamos guardas fronteiriços a mandarem-nos para trás, depois de mais de 700 km de viagem… Mas, para nosso espanto, o filme repetiu-se: controle zero! Passámos a placa France com as conhecidas estrelas sem ninguém nos incomodar. Nem sequer melhorou o piso da auto-estrada, mas isso já sabíamos. O piso costuma ser bom em França, excepção feita junto à fronteira belga, até se passar Valenciennes e retirar o título da portagem. Só aí se tem a sensação de que se entra noutro país.
Nos hotéis, actuamos como da última vez, apesar de ser muito maçador proceder à desinfecção de superfícies, interruptores e puxadores de portas, depois de quase mil quilómetros de estrada e ainda antes de nos refrescarmos e instalarmos.
Na segunda noite, já em Bayonne (ou Baiona, na versão basca), perguntávamo-nos o que aconteceria na fronteira espanhola. E realmente, mandaram-nos parar! Já me preparava para mostrar o certificado da vacina, rezando para que não ligassem à data da segunda toma, quando reparei que as duas guardas fronteiriças não tinham máscara, nem sequer exigiram que as puséssemos. Não eram espanholas, mas francesas, armadas de cassetetes. Bem, já por várias vezes, no passado, demos com guardas fronteiriços armados até aos dentes, no País Basco. Mas ao tempo que isso lá vai… Queriam saber para onde íamos. Portugal! E com que objectivo? O meu marido balbuciou “vacances” e eu achei por bem dizer que era portuguesa, pois o carro tem matrícula alemã e o Horst pode passar por muita coisa, mas nunca por português. Ela olhou-me surpreendida, mas ainda perguntou quanto dinheiro levávamos. Dissemos uma quantia qualquer e lá nos deixaram passar. Um controle à antiga. De vacinas, testes, Covid não quiseram elas saber!
A fronteira portuguesa em Quintanilha, perto de Bragança, tinha aquele aspecto abandonado de sempre, no meio dos montes transmontanos. Atravessámos a ponte sozinhos, como se Portugal fosse vazio de gente e nós os únicos interessados em entrar neste curioso país.
No pé em que as coisas estão novamente, só espero que a vacina nos sirva de alguma coisa. Seja aqui, seja noutro lado.
A existência ou não dos Corona Bonds dependerá de equilíbrios vários, sendo que, independentemente da abertura que possa vir a haver nos órgãos europeus, cada governante terá de regressar a casa e justificar ao seu eleitorado o que ali terá aceite.
A força política de quem conta, nomeadamente a Alemanha, está limitada não só pela situação politicamente frágil da CDU como pela trajectória eleitoral dos partidos eurocepticos que cada vez estão mais perto do poder.
A existência desse instrumento financeiro tornaria os estados-membros solidariamente responsáveis por essa nova dívida, e isso ainda por cima não encaixa nos tratados europeus. Ultrapassar essa questão formal exigiria uma montanha de formalidades, mas nisso os eurocratas são exímios.
O ponto que se levantaria seria sobre que garantias orçamentais adicionais seriam exigidas aos países financeiramente mais frágeis para que isso alguma vez fosse possível. Não muito metaforicamente o nosso orçamento passaria a ser feito pelos nossos credores.
João Marques de Almeida explica isso com clareza neste artigo do Observador (acesso com assinatura), e quem já cá anda há algum tempo sabe bem que os que mais convictamente agora pedem solidariedade são exactamente aqueles que no dia seguinte se iriam revoltar com a ainda maior interferência de Bruxelas nas nossas contas públicas.
Sol na eira e chuva no nabal é que era mesmo bom. Quem é que não queria?
PS: Estava a escrever o título e lembrei-me de uma certa seita religiosa. E no fundo são mesmo isso, uma seita.
A Constituição espanhola tem 169 artigos. A Constituição da V República Francesa, 89. A da Alemanha, 146. A da República Italiana, 139. A da Bélgica, 198. Portugal, onde a mania de legislar é quase uma doença endémica, supera tudo isto: a lei fundamental portuguesa tem 296 artigos. Aqui está uma oportuna matéria de reflexão para a próxima legislatura da Assembleia da República, que terá poderes de revisão constitucional. Já que tanto se fala em «andarmos a par da Europa», não seria mau começarmos por ter uma Constituição à dimensão europeia.
1
Ao contrário do que por vezes se imagina, a passagem do tempo costuma ser clemente para os políticos. Se assim não fosse, estaríamos em 2019 a escrutinar todos aqueles que durante anos andaram por cá a defender com fervor a integração da Turquia na União Europeia.
Não precisamos de recuar muito. Na campanha para as eleições europeias de 2009, este tema esteve em debate. Com os cabeças de lista do PS e do PSD, Vital Moreira e Paulo Rangel, convergindo no apoio à adesão turca.
«A União Europeia só teria a ganhar com a integração de um país muçulmano e laico», declarou Vital Moreira durante essa campanha. Enquanto Paulo Rangel deixou claro: «Devemos apoiar os esforços de negociação entre a Turquia e a UE.»
2
Ainda mais longe neste entusiasmo andou o ex-Presidente da República Cavaco Silva. Que aproveitou precisamente uma visita de Estado realizada há dez anos à Turquia para garantir o «apoio integral de Portugal» no processo de adesão, possibilitando que a maior potência da Ásia Menor se tornasse «membro pleno» da UE.
Indiferente ao facto de se tratar de um país com mais de 70 milhões de habitantes, aliás na esmagadora maioria residentes fora do continente europeu (em termos geográficos, o centro-sul/sudeste da Trácia é a única parcela de território turco que faz parte da Europa).
Indiferente também à inevitável pressão demográfica desta adesão, que conduziria à quebra de salários e rendimentos dos trabalhadores assalariados no espaço comunitário.
3
Havia já suficientes sinais de alerta para que tais entusiasmos fossem travados. Desde logo, a ocupação ilegal de parte da ilha de Chipre por forças turcas, à revelia do direito internacional. Depois, o contínuo desrespeito da minoria curda residente em solo turco. Sem esquecer a preocupante aproximação do partido do primeiro-ministro (agora Presidente da República) Recep Erdogan ao integrismo islâmico.
Sabemos o que aconteceu desde então: a Turquia tornou-se um Estado autoritário, onde se multiplicam as violações dos direitos fundamentais dos seus cidadãos - incluindo severas restrições às liberdades de expressão, de reunião, de manifestação e de imprensa, acentuadas desde a alegada tentativa de golpe ocorrida em 2016, que serviu de pretexto a Erdogan para uma gigantesca purga no aparelho de Estado, além do silenciamento de incontáveis vozes incómodas no jornalismo turco. Enquanto se vai diluindo o regime laico implantado em 1923 por Ataturk.
4
Tudo isto já é suficientemente grave com a Turquia fora da UE. Agora imaginemos se as teses turcófilas dos generosos políticos portugueses tivessem prevalecido dez anos atrás, escancarando as portas a Ancara: haveria hoje uma séria deriva ditatorial no segundo país mais populoso do espaço comunitário (logo após a Alemanha).
Felizmente os desígnios de Erdogan foram travados pela sábia Angela Merkel e pelo arguto Nicolas Sarkozy, que vetaram a adesão. Felizmente também para alguns políticos cá do burgo, a nossa memória colectiva é muito curta: cada vez somos menos com memória suficiente para pedir-lhes contas do que disseram e fizeram.
Nasci em 1975, num país mal saído da ditadura. Não passei pelo Verão Quente, senão no conforto do útero. Cresci num país a melhorar aos poucos, com momentos piores que outros mas que a minha idade não me permitia lembrar. A maior parte das minhas memórias vêm de 1985-86, pelo que qualquer memória que tenho associa Portugal à União Europeia (na altura a CEE). A minha vida activa apanha-me quase exclusivamente com Portugal como parte do EURO, que afortunadamente eliminou o termo ECU. A minha primeira viagem fora do país que não envolvesse comprar caramelos em Ayamonte foram umas férias a limpar escritórios em Londres. A entrada não requereu mais que um bilhete de identidade. O meu primeiro passaporte foi pedido já com uns 22 anos de idade e terá recebido um carimbo. Não visitei todos os países da UE nem do espaço Schengen, mas já visitei uns quantos. Vivo num país que não é o do meu nascimento e trabalho noutro, sendo que sou obrigado a deslocar-me a vários países da UE/Schengen com frequência. A Europa não é para mim um conceito ou um objectivo: é uma realidade diária.
É por isso que tenho dificuldade em conceber tanta gente a votar em partidos que, por ideologia ou populismo, estejam contra a UE. Isto não quer dizer que seja uma posição inválida ou errada por si mesma, apenas que tenho tanta dificuldade em concebê-la como em compreender que há pessoas que se mutilem extensivamente por motivos estéticos. Há bons argumentos contra a UE, contra uma integração mais profunda ou em favor de manter a UE mas reduzir a sua influência na vida dos estados membros. Infelizmente raras vezes vejo esses argumentos apresentados de forma séria. Em geral são-no conjuntamente com falsidades referentes à ingerência que a UE tem na vida dos países individuais (como em todo o debate em torno de Brexit).
Mas o maior falhanço da Europa provém dos seus partidos mais tradicionais, do centro ou não. Confrontados com a estridência dos partidos populistas ou extremistas (e nos extremos faz pouca diferença se de direita ou esquerda), esses partidos têm optado por cooptar parte dos argumentos para os tentar esvaziar. Casos há em que funciona, mas habitualmente é por pouco tempo e faz sempre lembrar a fábula da rã e do escorpião. A verdade é que as cópias são sempre piores que os originais e, quando temos os países tradicionais ou do centro a copiar os argumentos anti-Europa ou anti-imigração, normalmente soam ocos e falsos. Porque o são.
A Europa é para mim uma realidade diária, escrevi eu. É também um objecto da Evolução, tão real quanto a biológica. Nao há uma meta para um projecto Europeu, é um projecto cujas balizas estarão sempre a mover-se e, se as alcançarmos, teremos que procurar novas. A natureza humana é uma de descontentamento e será sempre necessário adaptar a Europa para que continue a ser um ideal em vez de realidade.
Em tempos a série The Twilight Zone teve um episódio chamado A Nice Place to Visit. Nele um ladrão morria depois de um assalto e acabava num lugar onde tudo lhe corria bem. Recebia o dinheiro que quisesse, ia ao casino e vencia sempre, com a bola da roleta a cair nas suas escolhas e as suas mãos nas cartas a serem sempre perfeitas. Ao fim de algum tempo comçava a odiar o lugar e pedia para ir para "o outro sítio". Claro que o twist é óbvio: ele já estava no outro sítio. Se a Europa não evoluir, se apenas for o melhor sítio do mundo para viver, não tardará muito a que seja também "o outro sítio". Nesse aspecto, introduzir imperfeições é boa ideia. Talvez possamos almejar, em vez de definhar.
À notícia do incêndio da Notre-Dame acorri à tv, deixando-me diante da (tão desiludida) France2. É uma desgraça, por tantos sentida como que se quase pessoal - "notre-dame" é como se a igreja de todos, verdadeiro nome próprio assim como se a tratássemos por "tu", muito mais do que a catedral de Pedro, a romana, que traduzimos, dando-lhe assim a terceira pessoa. Coisa, ligação, um pouco devida a Victor Hugo mas mais ainda, até porque Hugo é mais falado do que lido, da época ainda recente em que Paris foi centro cultural do mundo, e depois turístico, "uma festa" alguém disse, ou talvez fosse mais um "simpósio" que o autor quisesse subentender, mas pouco importa agora, hoje, esse esmiuçar.
E logo me lembrei do "Paris Já Está a Arder?", o célebre livro tão marcante para a minha geração - e para a anterior. Tendo Hitler mandado arrasar a cidade na retirada de 1944, o generalato alemão, apesar dos constrangimentos que tinha - após o atentado a Hitler, e até talvez mesmo antes, as famílias dos oficiais superiores, eram reféns, e talvez isso tenha explicado o suicídio de Rommell -, recusou-se a cumprir essas ordens. Por isso ficou a cidade salvaguardada, imune aos catastróficos efeitos da II Guerra Mundial, ao invés de tantas outras cidades europeias, hoje pejadas de réplicas de um passado, sem "patine", algumas mesmo verdadeiros fantasmas - lembro sempre o meu espanto, numa era bem pré-internet, de tão menos informação detalhada, quando cheguei a Sofia: não havia nada antigo, um mono de arquitectura estalinista, e na qual os restos da velha e tão importante cidade romana cabiam na esplanada de um café lisboeta.
Venho aqui ecoar essas sensações e noto que Luís Menezes Leitão já explicitou as mesmas memórias. Não serei tão escatológico como ele. A F2, às 9 horas, já fala de reconstrução, mostrando espírito estóico, resistente, exemplo de ânimo. E ali se lembra como a catedral de Reims foi incendiada pelos bombardeamentos da I Guerra Mundial, e depois reconstruída.
Nesta desgraça ficam-me, assim em cima do momento, três pontos: a verdadeira irrelevância da "espuma dos dias", depois de ter cruzado este dia na expectativa da ansiada (pela imprensa francesa e belga) comunicação de Macron, programada para o fim do dia de hoje, prevista para culminar estes meses de verdadeira insurgência dos "coletes amarelos". Que interessará isso, agora? E a consciência, tantas vezes esquecida, do quão perecível é a (grande) obra humana, afinal o tal mero pó que a pó voltará, depois do catastrófico incêndio do Museu Nacional do Rio no ano passado e da demência fundamentalista em Palmira (e do saque do museu de Bagdad, aquando da queda de Hussein, cujas verdadeiros danos desconheço).
E um terceiro dado, pouco simpático para esta noite: todos os dias, há imensos anos, são devastadas áreas muitíssimos mais alargadas de floresta virgem do que a área da Nossa-Senhora de Paris. De modo irrecuperável, pois não passíveis de serem reconstruídas mesmo que sem a tal indizível "patine", como o será a catedral. Uma destruição rotineira e avassaladora que não causa qualquer comoção generalizada. Por mero, e catastrófico, antropocentrismo. Choramos, de modo lancinante até, o perecer da obra humana. E encolhemos os ombros ao devastar da obra natural. Divina, para tantos. Que depois se dizem, sabe-se lá porquê, crentes num desenho e desígnio divino.
Só um paupérrimo antropocentrismo pode justificar estas sensibilidades. Nada religiosas. E, mais do que tudo, verdadeiramente incultas. Por mais lágrimas répteis que finjam verter hoje.
David Cameron cometeu um suicídio político ao convocar irresponsavelmente, em 2016, o referendo junto dos britânicos sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia. Não por acaso, nem Margaret Thatcher nem Tony Blair alguma vez tomaram iniciativa semelhante.
Cameron procurava firmar o poder interno, minado pela corrente eurofóbica do seu Partido Conservador. Enganou-se redondamente: revelou-se um péssimo aprendiz político. Perdeu o referendo, ficou isolado. Do partido, dos parceiros europeus, dos eleitores. Saiu pela porta mais baixa deixando o país sob ameaça de fragmentação e a sociedade britânica dividida como nunca.
Três anos depois, o Reino Unido não conseguiu recompor-se do choque do Brexit, que permanece em ponto morto, sem solução à vista. "União desunida" é o que podemos hoje chamar à extinta Grã-Bretanha. Escoceses, irlandeses do norte e londrinos querem fazer parte da UE, ingleses não-londrinos e galeses não.
Eis um bom exemplo do que seria o conjunto da Europa se não existisse UE: todos e cada um a puxar pelo seu lado. A única consequência positiva do Brexit foi ter gerado um pacto firme entre os 27 parceiros das instituições comunitárias: nem um só país quebrou a unidade, ninguém mais imitou o triste exemplo britânico.
Às vezes os povos e os os países precisam destas vacinas.