Eurobonds
Ou como esvaziar os mealheiros que ainda têm algumas moedas.
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Ou como esvaziar os mealheiros que ainda têm algumas moedas.
Uma das razões evidentes para estarmos a assistir ao descalabro da União Europeia reside no total apagamento da Comissão Europeia e do seu Presidente Durão Barroso. A Comissão deveria ser a guardiã dos Tratados, mas assiste passivamente à transferência do poder para um (formalmente dois) dos Estados-membros, que se permite até exigir um novo Tratado. Como aqui escrevi, um tratado imposto por um (vá lá, dois) dos Estados-Membros aos outros constitui na prática um Diktat, fazendo lembrar os acordos de Munique que resultaram no desmembramento do Estado checoslovaco. A União Europeia está assim a perder o seu cariz de União de Estados, passando a ser a imposição de sucessivos protectorados.
Ora, Durão Barroso deveria estar na primeira linha de combate contra esta situação. Infelizmente, no entanto, entra em sucessivas contradições, cedendo facilmente à mínima pressão alemã. Se não vejamos. Há uns tempos Durão Barroso anunciou que iria apresentar para breve propostas sobre eurobonds, tendo insistido nelas, e até se falou que haveria um braço-de-ferro entre ele e Angela Merkel. Se havia um braço-de-ferro ele perdeu-o, pois hoje já aparece alinhado com o discurso da chancelerina a dizer que "os eurobonds não são a resposta correcta para a crise" e que "só poderão existir a muito longo prazo". Só que, como diria Keynes, a longo prazo estaremos todos mortos.
Mas há que reconhecer que ainda antes de ter tido lugar, a cimeira europeia foi um êxito estrondoso. Já se conseguiu que os países europeus e as instituições da União Europeia falem todos a uma só voz: é a voz de Berlim.
Adquiri um montão de coisas no Continente e na Worten, recorrendo a créditos que fui pagando com novos créditos. Durante uns tempos correu tudo bem mas agora ninguém – bancos, empresas de crédito rápido, familiares, amigos – aceita emprestar-me mais dinheiro. Cheguei a preocupar-me mas já descobri a solução: enviei uma mensagem de correio electrónico para a Sonae propondo que solicitemos crédito em conjunto. Ainda não responderam mas não podem recusar – afinal, quem é que lucrou com as minhas compras?
A discussão em torno dos eurobonds constitui um claríssimo exemplo do desnorte que continua a existir na Europa e que infelizmente também parece ocorrer a nível interno. É evidente que os eurobonds são do interesse dos países endividados pois constituem uma forma de fazer os outros países responsabilizar-se pelas dívidas que aqueles assumiram. Nesse âmbito, também são do interesse dos mercados pois diminuem claramente o risco dos credores desses países. E são finalmente do interesse dos órgãos comunitários, uma vez que ao responsabilizar todos os Estados-membros pela dívida, estabelecem uma maior união europeia, transmitindo ao mundo a ideia de que na Europa estão todos no mesmo barco.
Os eurobonds não são, no entanto, naturalmente do interesse dos países do Norte, que não estão disposto a pagar pelas dívidas do que chamam "os bárbaros do Sul". Por isso a sua introdução só poderia resultar de um jogo de cedências em que esses países compreendessem que têm mais a ganhar ao assumir esse custo financeiro do que os custos que resultariam para eles do descalabro do euro. Mas estamos a falar de democracias e as opiniões públicas desses países estão fortemente contra o negócio, o que leva os seus governantes a perceber que não o podem executar. Já não existem hoje governantes da estatura de um Helmut Kohl que impôs a reunificação alemã nas condições pedidas pelos alemães do leste, mesmo contra a opinião maioritária dos que o elegeram.
É por isso compreensível que Durão Barroso proponha os eurobonds e que Angela Merkel os rejeite liminarmente. O que é de estranhar é que Angela Merkel tenha conseguido paralisar a discussão até este momento. O resultado da sua tomada de posição é que o debate já surge tarde demais uma vez que começa a ser evidente que os eurobonds já não terão triple A, pelo que neste momento a sua introdução já não trará todos os benefícios que poderia trazer.
O que é absolutamente incompreensível é posição de Passos Coelho que, sendo Primeiro-Ministro de um país com óbvio interesse nos eurobonds, aparece em Berlim a defender a posição alemã contrária aos mesmos. E a seguir até critica a posição do Presidente da Comissão Europeia, o nosso conterrâneo Durão Barroso, dizendo que "compreende" a sua proposta, mas que não pensa "que seja essa a solução para o problema de hoje". Quando Passos Coelho diz que a Europa tem de falar a uma só voz, estar-se-á a referir à voz de Berlim?
Há um princípio que qualquer governante português deveria seguir: é a de que não interessa nada cair nas boas graças de governantes estrangeiros defendendo posições evidentemente contrárias aos nossos interesses. Já há 150 anos Lord Palmerston dizia: "England has no eternal friends, England has no perpetual enemies, England has only eternal and perpetual interests". E Mao Tsé-Tung referiu um princípio de combate simples: "Devemos apoiar tudo que o inimigo combate, e combater tudo o que o inimigo apoia". Pelos vistos Durão Barroso, que tem essa formação política, não se esqueceu desta regra simples.