Reflexões europeístas (9)
Na campanha em curso para a eleição de domingo, há forças políticas que defendem a saída, unilateral ou negociada, de Portugal do euro. Há mesmo um partido que apela ao regresso imediato ao escudo.
As consequências? Depois logo se vê, confessa o cabeça-de-lista sem pruridos nem temores. Chegou a esta indigência o debate político entre nós.
E no entanto devo reconhecer a alguns economistas -- com destaque para João Ferreira do Amaral e Eugénio Rosa -- o mérito da coerência, do desassombro e da persistência ao pronunciarem-se contra a permanência portuguesa no euro.
É útil que este debate seja travado. Em todas as etapas da construção europeia, nas últimas três décadas, os decisores políticos colocaram sempre os portugueses perante factos consumados. Refiro-me, em especial, a Mário Soares, Cavaco Silva e António Guterres: nenhum pensou seriamente convocar um referendo sobre esta matéria, todos fizeram questão de colocar o País nos sucessivos "pelotões da frente". Ao contrário, por exemplo, do que fizeram os britânicos, que recusaram dissolver a libra no sistema monetário europeu e obedecer aos ditames do Banco Central Europeu.
Dito isto, e reiterando o mérito da discussão, considero absurda a tese que nos pretende reconduzir ao vetusto recanto "orgulhosamente só". Como se Portugal fosse a aldeia do Astérix. Mas sem a poção mágica.
Sem o euro, o impacto da crise dos últimos cinco anos tinha sido ainda mais duro - um facto que não é ignorado nas capitais do Velho Continente. O poder de atracção da UE ficou aliás bem patente no Verão passado: enquanto alguns profetizavam o pior para o destino europeu, em 2013, a Croácia tornava-se o 28º estado membro da união, tendo concretizado a adesão ao euro a 1 de Janeiro de 2023.
Vale a pena parar para pensar: quanto teríamos de pagar em escudos pelas dívidas que contraímos em euros?
Um hipotético regresso ao escudo, com a consequente desvalorização da moeda nacional, conduziria a falências em cadeia, à descapitalização das empresas, à fuga de capitais, ao aumento drástico da dívida pública, a uma inflação galopante, à quebra da coesão social, à radicalização abrupta da nossa vida política e a um empobrecimento dos portugueses em larga escala.
Não admira que o tal nostálgico do escudo tenha respondido com um "logo se vê" ao ser questionado sobre as consequências daquilo que defende...
Por mim, não tenho dúvidas: devemos continuar no euro. Mas de olhos bem abertos para este fenómeno imparável que é a globalização. Um fenómeno que nos forçará a reformar o Estado e a repensar as suas funções - não à escala nacional mas à escala continental.
A economia mundial, o livre comércio e a desregulamentação de muitas actividades outrora blindadas à luz dos parâmetros dos "estados nacionais", fazendo da Europa uma fortaleza inexpugnável, colocam-nos problemas novos todos os dias. Não adianta bradar contra eles: seria tão inútil como bradarmos contra a internet e a revolução operada no domínio das telecomunicações.
Além disso devemos pensar que a globalização tem sido uma onda libertadora para quatro quintos da Humanidade.
É a velha Europa que tem de adaptar-se. Não será o resto do mundo a adaptar-se à velha Europa.