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Delito de Opinião

Da ignorância galopante

Pedro Correia, 17.01.24

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Há umas semanas tropecei nesta legenda no canal televisivo AR, que exibe as sessões do hemiciclo de São Bento e preenche intervalos com pequenos documentários relacionados com a Assembleia da República. 

Quem a escreveu, quem a editou e quem a pôs no ar parece desconhecer em que faixa correcta deve circular a língua portuguesa. Comprovando que nem o órgão legislativo escapa ao analfabetismo funcional, algo de que eu já suspeitava.

Coitado do nosso Rei D. Luís, ali retratado - sem culpa nenhuma deste tuguês macarrónico, com timbre do parlamento. O presidente da AR, Augusto Santos Silva, devia reservar um pouco do tempo que gasta em «malhar na direita» para vergastar a ignorância galopante no Palácio de São Bento. Antes de abandonar de vez a função: já não falta muito.

Bilha Solidária

Pedro Correia, 08.09.22

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Não sei quem teve a brilhante ideia. Talvez algum "criativo" recrutado pelo governo, generosamente pago para o efeito. Mas chamar Programa Bilha Solidária a um mecanismo de apoio aos agregados familiares que beneficiam de prestações sociais mínimas parece anedota de mau gosto. Como se não bastasse o uso e abuso da palavra "pacote", tendo Quim Barreiros como pensador de referência.

Se calhar nem sequer percebem. O que só agrava o caso.

O «canibalismo cultural» e os neo-racistas

Pedro Correia, 09.08.22

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Andamos a copiar o pior dos norte-americanos em quase tudo. Já cá chegou uma coisa a que chamam «apropriação cultural», importada de lá. Como ficou patente nas disparatadas mas duríssimas críticas feitas a uma actriz portuguesa alegadamente «não negra» por se ter atrevido a fazer um penteado que deve ser exclusivo de «pessoas negras» como marca «identitária». 

Reivindicar a perpetuação de estereótipos associados em exclusivo a determinados segmentos éticos é uma forma repugnante de neo-racismo, acolhida com simpatia por intelectuais da ocidental praia. «Uma cultura, historicamente suprimida e minorizada, tem seus elementos roubados e seus sentidos apagados pela cultura que sempre a dominou», perora uma dessas sumidades, em português macarrónico. Dando putativa caução académica a quem combate a suposta «canibalização cultural». 

Uma alegada «não negra» com rastas pratica, portanto, «canibalismo cultural». A Portugal estas coisas chegam sempre com algum atraso: há dois anos, uma ex-ministra sueca foi acusada disso pela turba ululante que fala em cultura sem fazer a menor ideia do significado de tal palavra.

É caso para perguntar se este fluxo neo-racista funciona nos dois sentidos. Gerando também brados de indignação contra «pessoas negras» que usem madeixas loiras. Como o senhor que surge nesta fotografia só a título de exemplo.

António Costa não é nenhum indiano

João Pedro Pimenta, 28.01.22

Para além de todas as críticas a António Costa (merecidas, em grande parte), há uma coisa que francamente não suporto: é quando lhe chamam "monhé", "chamuças", "indiano" ou até "preto". Além de serem "argumentos" de tasco e declaradamente racistas - aqui não há qualquer dúvida - são próprios de gente que ou nunca saiu da terrinha ou não conhece o seu país e a cultura que deu ao Mundo.

António Costa não é indiano. É português, filho de um goês, tal como outros membros do seu governo, de governos anteriores, de outros partidos, como o Prof. Narana Coissoró, e de tantas outras áreas da sociedade. Só por aí se pode ver a importância de Goa e dos goeses nas elites portuguesas. Não é à toa que se fica mais de quatrocentos anos num território. Goa representa o que de melhor a presença portuguesa deixou no mundo: uma mistura de cultura lusa e indiana, traços sólidos de civilização e uma população preparada, instruída e trabalhadora. É o melhor exemplo do que a lusofilia e a portugalidade podem apresentar. E se poucos que lá moram falam a língua portuguesa, os nomes de família conservaram-se orgulhosamente.

Não tenho propriamente um grande fascínio pela Índia, mas gostava de conhecer Goa. Lá não existe a pobreza confrangedora que se avista noutras partes do subcontinente. Um dia perguntei a uma rapariga indiana, que me disse ser da costa oeste do país, se era goesa. Ela respondeu, com ar resignado, que não, mas que viver em Goa seria um sonho, tanto para ela como para qualquer indiano.

Ainda e sempre contra a estupidez

Pedro Correia, 09.10.21

«Estou a ficar velho por causa do acordo ortográfico. Aos 37 anos, sou um daqueles velhinhos que teimam em escrever pharmácia porque no tempo deles era assim. Bem sei que é cedo demais para estas teimosias, mas resisti até onde pude. Eu tentei não ser reaccionário. Não tentei com muita força, mas tentei. Continuei a escrever como sempre, mas os revisores da Visão tinham depois o trabalho de corrigir o texto de acordo com a nova ortografia. Vou pedir-lhes que deixem de o fazer. Eu sou do tempo em que se escrevia recepção. Não adianta fingir que sou do tempo em que se escreve receção para nos aproximarmos dos brasileiros -- que, curiosamente, vão continuar a escrever recepção

 

Ricardo Araújo Pereira, na Visão (2011). Tão actual agora como há dez anos

Proibir o verde

Pedro Correia, 05.08.21

Quando já pensávamos ter visto quase tudo em matéria de imbecilidades, eis mais uma, parida no país que acaba de sagrar-se campeão europeu de futebol: a partir da temporada 2022/2023 os equipamentos verdes serão proibidos nos estádios italianos para satisfazer as queixas dos operadores televisivos que alegam dificuldade em distinguir entre a cor das camisolas e o relvado. 

Proibir o verde: eis o sonho totalitário de muita gente também por cá. Em matéria de direitos e liberdades, vamos de restrição em restrição enquanto meio mundo bate palminhas. 

A coisa

Pedro Correia, 25.03.20

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Há uma coisa chamada Conselho Nacional de Saúde. Estava posta em sossego, sem ninguém imaginar que existia, quando a emergência sanitária a fez despertar da letargia.

Com relutância, a coisa reuniu-se. Ficámos a saber que tem trinta membros, incluindo «seis representantes dos utentes, eleitos pela Assembleia da República», «dois representantes das autarquias, designados um pela Associação Nacional de Municípios Portugueses e outro pela Associação Nacional de Freguesias» e «cinco personalidades indicadas pela Comissão Permanente de Concertação Social, sob proposta das respectivas organizações sindicais e empresariais».

 

A reunião decorreu à margem das mais elementares normas sanitárias, sem que os membros da coisa respeitassem as distâncias de segurança, numa sala apinhada. Ao fim de seis ou sete horas de reunião, os conselheiros deliberaram... recomendar ao Governo que mantivesse abertos os museus e os estabelecimentos de ensino. Por unanimidade

Sem surpresa, António Costa procedeu exactamente ao contrário, marimbando-se para a recomendação da coisa.

 

Um putativo porta-voz da coisa, chamado Jorge Torgal, esmiuçou o seu pensamento desta forma, em entrevista ao jornal Público:

«O quadro global nacional [sobre o coronavírus] é relativamente positivo, face à morbilidade de outras patologias com que convivemos todos os dias.»

«As pessoas agem como se fosse uma doença facilmente transmissível por contacto social e não é. (...) É um quadro muito limitado que não é compatível com todo o alarme social que existe.»

«Fechar as escolas é ajudar e justificar o medo, que não tem razão de ser.»

 

Esta entrevista, note-se, foi concedida já depois de a Organização Mundial de Saúde ter qualificado de pandemia o coronavírus.

E ocorreu seis dias antes da declaração do actual estado de emergência em Portugal.

 

Já a 28 de Fevereiro, o mesmo cavalheiro produzira estas pérolas, em entrevista ao Jornal de Notícias

«[O Covid-19] é menos perigoso que o vírus da gripe! Existe um pânico completamente desproporcional à realidade.»

 «É uma doença que tem tratamento.»

«Em Portugal, em 2014, os casos de legionela em Vila Franca de Xira mataram muita gente e deixarem sequelas em muitas mais. Isso, sim, é preocupante.»

 

Raras vezes tenho visto alguém bolçar uma colecção tão grande de inanidades. Questiono-me se os familiares dos 43 portugueses que faleceram em apenas oito dias, vítimas do Covid-19, não deveriam apresentar queixa judicial contra este senhor.

Indaguei entretanto se a coisa ainda se mantinha em funções. Disseram-me que sim. Sem sequer registar uma deserção, depois de ter ficado evidente, aos olhos dos portugueses, que não serve para nada.

"We are in great shape"

Sérgio de Almeida Correia, 20.03.20

No momento em que o Governador do Texas, Gregg Abbott, envia aos seus concidadãos a Declaration of a Public Health Disaster in the State of Texas, e acontece mais uma corrida às armas por parte dos estado-unidenses, certamente para combater a tiro o COVID-19, convém recordar o que Donald Trump foi dizendo ao longo das últimas semanas. Um verdadeiro monumento à estupidez.

We are in great shape! Indeed.

Quando os analfabetos imperam

Pedro Correia, 02.04.18

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O analfabetismo funcional está aí, aos olhos de todos, em doses galopantes. Até em folhas e trombetas que fazem gala em examinar à lupa o currículo académico de figuras públicas, várias das quais fariam melhor em adoptar tamanha exigência na própria casa.

Esse analfabetismo faz comprimir o vocabulário até doses ínfimas, adultera a ortografia à mercê de pseudo-normas que ninguém pode levar a sério (ainda ontem, numa série legendada em acordês, li “para aqui” quando pretendia dizer-se “pára aqui”) e põe a sintaxe portuguesa a fazer o pino, à boleia da vulgata brasileira que impera na Rede.

Há dias, uma determinada figura pública presumindo-se culta colou numa mensagem digital uma pomposa citação de Oscar Wilde em tradução brasileira, sem reparar sequer que aquela não é a nossa sintaxe. Pretendia ser coisa séria, mas soou como as velhas dobragens no país vizinho que punham John Wayne a mandar vir com os índios em espanhol.

 

Um excelente romance em língua inglesa traduzido para português torna-se quase ilegível dada a opção do “tradutor” em utilizar o nosso idioma com a sintaxe original, abusando dos pronomes pessoais e possessivos, usados com extrema parcimónia em português, ao contrário do que sucede em inglês – daí resultando frases como “ela esperava que a sua mãe não estivesse a dormir e ficou à espera que a sua mãe abrisse a porta”.

As traduções literalíssimas, atendendo só à forma sem prestar a menor importância ao conteúdo, já levaram a que vin rouge fosse traduzido para “vinho vermelho”. Parece brincadeira, mas não é: deparei com esta barbaridade numa série francesa vista há meses.

E por falar nisto: a nossa maltratada língua sofre entorses diárias com traduções pedestres que adulteram por completo a carga semântica dos vocábulos. De súbito, somos brindados com “demonstrações” como equivalente a manifestações (demonstrations, em inglês) ou “realizar” como surpreendente sinónimo de “entender” ou “perceber”, relegando para longa distância o antiquíssimo significado de empreender ou concretizar. Há mesmo um escritor muito galardoado que povoa as suas páginas de realizar – embusteira tradução literal do to realize inglês.

 

Há umas semanas abriu em Lisboa um muito badalado espaço de culinária gourmet protagonizado pelas figuras do costume, que são sempre as mesmas. Anos atrás chamar-se-iam cozinheiros, hoje só respondem a quem os trate por chef – assim mesmo, sem e final, à francesa.

Esse espaço está a ser promovido nas tais folhas e nas tais trombetas como mostra de “cozinha casual”. E eis que por nova colagem do inglês um adjectivo que no nosso idioma sempre significou imprevisto ou acidental se cola ao significado de importação, que é “informal” ou “descontraído”.

Alguns exemplos, entre tantos outros, do tal analfabetismo militante. Que impera por aí e teima em impor-nos as suas regras. Se não falarmos ou escrevemos como eles querem, ainda nos chamam ignorantes.

Isto nem é morrer da cura, é qualquer coisa ainda mais estúpida

João Campos, 04.01.12

A confirmar-se isto, pode já ser dado o prémio de proposta de lei (ou de alteração de lei) mais estúpida do ano. E ainda a procissão vai no adro. Concedo que a pirataria possa ser um problema (pessoalmente acho que a questão está hiperbolizada), mas o problema não será resolvido se se despejar sobre ele terabytes de disparates:

 

A proposta de lei apresentada hoje pelo PS no parlamento prevê aplicar uma taxa de 20,48 euros a discos rígidos externos de 1TB. Um telemóvel com 64GB pode custar mais 32 euros e um disco multimédia pode quase duplicar de preço. (Exame Informática)

 

Curiosamente, esta notícia da Exame Informática tem uns comentários muito interessantes. Como este:

 

Mesmo que estivesse de acordo com os valores propostos por estes políticos de algibeira, há um problema que aposto que eles não pensaram. 
A proposta prevê, nos HD, que se pague 0,02€/GB. Se ultrapassar 1TB, então serão 0,025€/GB. Num disco actual de um TB, como diz na notícia, teríamos uma taxa aproximada de 20€. 
O problema será daqui a 10 anos. À boa moda portuguesa, e porque neste caso até dá jeito, a lei não será alterada nos próximos 10 anos. É fácil de perceber que a capacidade dos discos será, nessa altura, de uns 500TB (ou mais, sabe-se lá). Com estas valores, a taxa a pagar será de 10000€. Nessa altura, ou antes espero, virá um deputado adiantado mental dizer que as taxas são muito elevadas. (por "jfacosta")

 

Ou este:

 

Esta Gabriela Canavilhas devia emigrar ou pedir desculpa pelo que diz...ela que fique pelo piano. 
Aliás, acho que deviamos cobrar uma taxa por cada tecla que ela toca no pianinho dela, isto porque PODE SER USADA para tocar músicas com direitos de autor. (por anónimo)

 

Mas a sério, não há nada mais urgente para legislar?

A chamada para a linha 112 : mais um caso típico de "sai da frente Guedes"

Rui Rocha, 04.08.11

 

A questão é esta, bom povo eleitor. A deputada do 112, Joana Barata Lopes, tem 26 anos e, antes de ser eleita, frequentava uma licenciatura em direito e exercia como Assistente Notarial. Saber se uma chamada para a linha de emergência médica constitui ou não crime é uma questão que deve ser discutida em Juízo. Se lá chegar. Mas, está ao alcance de qualquer pessoa com um mínimo de juízo concluir que utilizar os dados de um telefonema como argumento numa discussão sobre a qualidade do serviço revela uma certa imbecilidade. Quem o faz desconhece por completo os princípios básicos de auditoria de qualquer sistema, as mais elementares regras estatísticas e, eventualmente, algum artigo do Código Penal. E prescinde, imagino que involuntariamente, do mais elementar bom senso. Confirma-se que colocar uns cartazes em campanha eleitoral, dizer umas palavras de ordem e envergar umas t-shirts aparvalhadas em comícios não é preparação adequada para o cargo de deputado da nação. Embora possa ser suficiente para se chegar a Primeiro-Ministro ou a candidato ao cargo pelo principal partido da oposição. É claro que é igualmente condenável o aproveitamento político por parte de quem tem os gravadores da Sábado na mão. E que o episódio não deve ser utilizado como manobra de diversão face à indispensável auditoria de um serviço de importância crítica. Todavia, o que fica no final disto tudo é,  mais do que uma situação de emergência, um estado de indigência. Que não se resolve  com uma chamada para o 112, mas impõe uma reflexão profunda sobre os métodos de eleição.