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Delito de Opinião

A estupidez de Trump e acólitos

João André, 03.04.25

Donald Trump announces 27% tariffs on Indian imports, but others are hit  harder | Economy & Policy News - Business Standard

Tenho evitado falar muito de Trump, não só aqui no Delito, mas em geral. Deixa-me deprimido, saber que faz o que faz sem que alguém o controle.

Depois do anúncio das tarifas de ontem, tenho dificuldade em o evitar. A Cristina tem andado a listar algumas das atrocidades e fez-nos o serviço de publicar o artigo de Miguel Sousa Tavares que faz um apanhado de algumas das decisões ridículas que têm saído de Washington (e noutros posts de outros delituosos vemos mais). Há no entanto um aspecto na questão das tarifas que é difícil deixar passar em claro. Como foram decididas.

Trump falou na reciprocidade. Claro que não é isso que implementou, porque se o fizesse, o grunho Musk teria de recontratar toda a gente despedida e iniciar um enorme programa de emprego no Departamento de Comércio para poder replicar as tarifas em todo o mundo. Também não replicou simplesmente a tarifa média desses países sobre bens (manufacturados, os serviços estão isentos) adquiridos nos EUA.

O método foi este: dividir as o défice comercial (em dólares) para esse país pelas importações americanas desse mesmo país, obter esse rácio e, se positivo (ou seja, os EUA têm um défice comercial com o país), dividir esse rácio por 2 e aplicá-lo como tarifa.

Exemplo: se o país X exporta 100 mil milhões de dólares de bens para os EUA e os EUA exportam 75 mil milhões para o país X. O défice é 25 mil milhões. O rácio é 0,25 (ou 25%). Resultado: aplica-se uma tarifa de 12,5% (aparentemente arredondou tudo para cima, ou seja, seria 13%). Para não haver azares, a tarifa mínima fica-se pelos 10% (com o Reino Unido aparentemente há excedente comercial em favor dos amaricanos, mas levam com 10% na mesma).

Para quê estudar economia, micro ou macro, fazer matemática mais extensa que o 5.º ou 6.º ano, entender consequências, etc.? Não vale a pena. O génio estável de Trump e do seu bando de moluscos* é quanto basta para tudo.

 

* - tenho noção que com isto provavelmente acabei de impedir a minha entrada no país por vários anos. Não me parece que venha a ter pena disso.

O problema continua a ser de estupidez

Sérgio de Almeida Correia, 03.03.25

Vídeo. Luís Montenegro ameaça com moção de confiança e passa empresa aos  filhos(créditos: daqui)

Teria sido bom e desejável que o caso Spinumviva não tivesse acontecido.

Melhor ainda que o Governo se preocupasse apenas em governar e o País não estivesse suspenso e em situação de semi-paralisação, há semanas, por causa da falta de habilidade política, esperteza saloia e total falta de vergonha do primeiro-ministro Luís Montenegro.

Todo o espectáculo a que temos assistido, e que só se prolonga por culpa exclusiva do primeiro-ministro, devia ter morrido à nascença se aquele não estivesse preocupado em ter sol na eira e chuva no nabal.

Se como advogado e jurista o modo como conduziu a “cessão” de quotas a favor da sua mulher e dos filhos já deixava muito a desejar, o que se tem seguido está ao mesmo nível. O que aconteceu na Assembleia da República e em S. Bento não tem justificação e Luís Montenegro deveria ter abordado a situação de outra forma.

Como muitos notaram em múltiplos artigos de jornal e comentários nas rádios e televisões, a estratégia de vitimização pode funcionar para alguma população. Não serve à generalidade das pessoas. E qualquer cidadão medianamente inteligente, que se dê ao trabalho de pensar e de acompanhar a actualidade política e empresarial, rejeita-a.

Em causa não está uma acusação de corrupção, nem ninguém acusou o primeiro-ministro de coisa idêntica ou similar. 

Há, isso sim, um conjunto de situações atinentes à sua vida profissional, familiar e empresarial, no mínimo problemáticas de um ponto de vista ético e político, que suscitam muitas dúvidas, e que ele em vez de esclarecer desde o início sem rodeios, nem subterfúgios, entendeu ir contornando, deixando sair a informação que lhe interessava à medida que lhe convinha, ou que os seus spin doctors lhe diziam.

Afirmou o primeiro-ministro Luís Montenegro que lamentava a desconfiança que se instalou sobre quem exerce cargos políticos e governativos.

Lamenta ele, é verdade, mas sem razão, porque também para isso contribuiu. E lamentam ainda mais todos os portugueses, com razão, que ao longo dos anos têm tido fartos motivos para desconfiar dos seus líderes políticos, vendo essa desconfiança aumentar em cada dia que passa com a displicência com que muitos, a começar por ele, não obstante os maus exemplos que vinham do passado, assumem funções políticas e governativas e exercem os mandatos em que são investidos. Os maus exemplos não têm faltado e os políticos, os maus políticos, só têm de se queixar de si próprios.

Quando o primeiro-ministro, querendo fazer de Calimero, pergunta se “seria justo e até adequado fechar tudo, abandonar tudo, só porque circunstancialmente fui eleito presidente do PSD e agora exerço as funções de primeiro-ministro”, importa dizer-lhe que ele não foi “circunstancialmente eleito”. Ele foi eleito líder do PSD porque escolheu candidatar-se à liderança do partido, porque é político profissional há dezenas de anos e nunca fez nada fora da política. Porque fez uma opção que só a ele, e quando muito à sua família, dizia respeito.

Na vida há que fazer opções e não foi por desconhecer o que se passa em Portugal há décadas, e o risco a que os políticos estão expostos, tantos têm sido os exemplos, que o primeiro-ministro foi tão imprevidente.

Também nada obrigava Luís Montenegro a encerrar empresas ou a deixar a sua actividade profissional pelo facto de se ter tornado presidente do PSD, embora devesse pelo menos ter pensado nisso e preparado o futuro quando se apresentou a eleições perante os portugueses como candidato a primeiro-ministro, encontrando nessa altura soluções adequadas à sua situação profissional e empresarial, que não o colocassem em risco, ou à governação e aos compromisso políticos assumidos, de modo a que no futuro não pudessem vir a revelar-se comprometedores.

Mais a mais sabendo quais as implicações decorrentes da sua eventual eleição para presidente do PSD, qual o programa que teria de cumprir e as decisões que se lhe imporiam. Estou certo de que se o negócio da empresa de Luís Montenegro fosse a exploração de uma geladaria, um negócio de reparação de automóveis ou uma banca de jornais ninguém estaria preocupado com as avenças do grupo Solverde e não se teria assistido ao charivari que aí veio.

E não pense o primeiro-ministro, mais um erro, que o problema ficará sanado pelo facto de só agora, tarde e a más-horas se predispôr a fazer o que poderia ter feito antes de assumir funções governativas. O mal está feito e com excepção da dissolução da empresa não há nenhuma outra que lhe salve a face. Depois, quando sair da actividade política, logo constituirá outra sociedade com quem quiser e dedicar-se-á à reconstituição da sua carteira de clientes.

Ninguém com dois dedos de testa e um mínimo de boa-fé acredita que a empresa sobreviverá entregue a um estudante e a um recém-licenciado, por muito dotados que sejam, em matérias que implicam conhecimentos altamente especializados, aconselhamento em negócios que valem milhões e uma boa rede de contactos. A não ser que alguém lhes coloque uma mão por trás e continue a aconselhá-los e orientá-los até que ganhem asas e se emancipem.  

Se a Solverde fosse minha, provavelmente, não tendo acabado com a avença antes, já a teria cortado cerce, tal o grau de exposição e os danos causados aos seus accionistas. Se a concessão for renovada dirão que houve favorecimento, se a perderem imputarão responsabilidades ao "granel" gerado.

De qualquer modo, pergunta-se se será que aquela empresa, com aquele mesmo objecto social, alguma vez teria conseguido a carteira de clientes e as avenças, e o sucesso que obteve, se tivesse sido constituída sem um sócio que antes fosse líder parlamentar do maior partido português, deputado em várias legislaturas, com uma agenda recheada de contactos dentro e fora da política?

Ou será que Luís Montenegro está convencido de que se ele não tivesse o seu currículo político e a sua formação académica, mérito dele e do nosso sistema de partidos, conseguiria que fossem encomendados trabalhos por ajuste directo com algumas autarquias do seu partido, enquanto advogado, ou que enquanto empresário alguma vez conseguiria aquelas avenças? Não há nisto nenhum mal, porque isso também é trabalho e “investimento” dele, mas não se queira atirar mais areia para os olhos das pessoas.

Ainda me recordo do problema suscitado com Pedro Siza Vieira e uma sociedade imobiliária que este detinha com a mulher quando assumiu funções como ministro.

Nessa altura, o Rui Rocha, hoje líder do Iniciativa Liberal, escreveu aqui no Delito de Opinião umas linhas sobre o assunto. E o PSD, através de mais um dos seus craques em São Bento, afirmou que "quem não cumpre regras legais das incompatibilidades, quem não cumpre a lei não pode ser ministro, é a própria lei que culmina essa violação com a demissão. Se não fosse a lei, devia ser pelo menos a consciência do senhor ministro Adjunto, do senhor ministro Siza Vieira, ou a consciência do primeiro-ministro a dizer-lhe que ele devia imediatamente cessar funções".

Quanto à posição do CDS-PP, o núncio Paulo já esclareceu o país. Mas será que aquilo que o PSD disse em 2018 em relação a Siza Vieira se deverá aplicar hoje a Luís Montenegro? 

O primeiro-ministro esteve mal na forma como conduziu este processo desde a primeira hora. Esteve mal nas respostas que foi dando e nas que optou, num primeiro momento, por omitir, permitindo que a bola continuasse a rolar e a aumentar de volume, dando gás ao discurso populista, demagógico e oportunista de quem só se sente bem na política se esta for uma choldra e andarem todos enlameados.

E esteve ainda pior na tentativa de vitimização, nas perguntas que atirou para o ar, como se não soubesse já as respostas e aquelas possuíssem algum sentido. Enfim, promovendo um espectáculo indigno de uma democracia consolidada e de políticos com dimensão, evitando perguntas da comunicação social e levantando a voz sem motivo, como se o facto de querer falar alto lhe desse razão.

Não dá. Não lhe dá a ele, também não dá a Pedro Nuno Santos, nem a ninguém. Têm altura, é verdade, não têm é estatura política.

A infeliz encenação na discussão da moção de censura do Chega, a dramatização da declaração prestada em S. Bento, rodeado pela sua equipa, numa imagem que quase parecia de velório, é bem o que ficará dos vários actos da opereta dos últimos dias.

Com ou sem voto de confiança, com mais uma ou menos uma inócua moção de censura, o destino político de Luís Montenegro está mais do que traçado. Será tudo uma questão de tempo, ainda que o Presidente da República se mantenha mudo.

Passos Coelho, com todos os defeitos que possa ter, só não tomará neste momento conta do partido se não quiser. 

E não, não me comovo com nada do que aconteceu porque o problema não é de inveja. Nem sequer, desta vez, é de corrupção.

Como normalmente sempre acontece neste tipo de casos que se colocam na política nacional com cada vez mais frequência, este é apenas mais um problema de estupidez. Da grossa.

Mas contra isso, apesar do número elevadíssimo de casos que temos tido, e continuamos a ter, ainda não há vacina, pese embora ser altamente contagiosa e afectar todos os partidos políticos.

Há por isso que investir no combate à doença. Talvez com as verbas do PRR.

A resiliência à estupidez tem sido grande entre os nossos políticos e os nossos partidos. E recorrente. E a recuperação, a cura, por mais que se mudem as moscas, é que não há maneira de se ver.

 

Em tempo: à cautela, leia-se o art.º 372.º do Código Penal.

Uns são jornalistas, outros fazem de conta

Pedro Correia, 12.10.24

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Maria João Avillez com Marcelo Rebelo de Sousa nos anos 80

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Maria João Avillez com Mário Soares nos anos 90

 

A presidente de uma coisa chamada "Comissão da Carteira Profissional de Jornalista" saiu da penumbra para encher o peito com uma absurda ameaça à luz do dia: diz-se disposta a denunciar Maria João Avillez ao Ministério Público por alegado crime de «usurpação de funções». Motivo: a jornalista terá entrevistado o primeiro-ministro na SIC sem possuir título profissional actualizado por aquela instância burocrática que carimba papéis no Palácio Foz.

Maria João Avillez faz parte, por mérito próprio, da história do jornalismo português das últimas décadas. Colaborou na RTP desde os 17 anos. Integrou já como profissional os primórdios da redacção do Expresso. Marcou presença no Público, Rádio Renascença, DN e Observador, entre outros títulos. É autora de obras fundamentais sobre protagonistas políticos do último meio século, como Francisco Sá Carneiro, Álvaro Cunhal e Mário Soares. Possui, portanto, imensa vantagem competitiva sobre quem agora diz querer denunciá-la: um extenso currículo que fala por si.

Tivesse a senhora da Carteira um décimo desse percurso jornalístico e certamente se sentiria realizada.

A propósito, sinto imensa curiosidade em saber se a ignota delatora se atreve igualmente a formalizar queixa junto do Ministério Público contra o ex-primeiro-ministro António Costa, suposto praticante do mesmo "crime". Como é público e notório, o indigitado presidente do Conselho Europeu tem «conduzido uma série de conversas» - muito publicitadas - no novo canal televisivo Now. A figuras como Marcelo Rebelo de Sousa, Mário Centeno, António Vitorino e Durão Barroso. Não sendo portador, tanto quanto se sabe, de carteira profissional de jornalista.

Dois pesos, duas medidas? O melhor será perguntar sem rodeios à presumível denunciante se também considera que Costa «usurpou funções». Ou, em alternativa, se reconhece ter perdido uma excelente oportunidade de permanecer na virtuosa obscuridade a que se confinava até agora.

Da ignorância galopante

Pedro Correia, 17.01.24

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Há umas semanas tropecei nesta legenda no canal televisivo AR, que exibe as sessões do hemiciclo de São Bento e preenche intervalos com pequenos documentários relacionados com a Assembleia da República. 

Quem a escreveu, quem a editou e quem a pôs no ar parece desconhecer em que faixa correcta deve circular a língua portuguesa. Comprovando que nem o órgão legislativo escapa ao analfabetismo funcional, algo de que eu já suspeitava.

Coitado do nosso Rei D. Luís, ali retratado - sem culpa nenhuma deste tuguês macarrónico, com timbre do parlamento. O presidente da AR, Augusto Santos Silva, devia reservar um pouco do tempo que gasta em «malhar na direita» para vergastar a ignorância galopante no Palácio de São Bento. Antes de abandonar de vez a função: já não falta muito.

Bilha Solidária

Pedro Correia, 08.09.22

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Não sei quem teve a brilhante ideia. Talvez algum "criativo" recrutado pelo governo, generosamente pago para o efeito. Mas chamar Programa Bilha Solidária a um mecanismo de apoio aos agregados familiares que beneficiam de prestações sociais mínimas parece anedota de mau gosto. Como se não bastasse o uso e abuso da palavra "pacote", tendo Quim Barreiros como pensador de referência.

Se calhar nem sequer percebem. O que só agrava o caso.

O «canibalismo cultural» e os neo-racistas

Pedro Correia, 09.08.22

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Andamos a copiar o pior dos norte-americanos em quase tudo. Já cá chegou uma coisa a que chamam «apropriação cultural», importada de lá. Como ficou patente nas disparatadas mas duríssimas críticas feitas a uma actriz portuguesa alegadamente «não negra» por se ter atrevido a fazer um penteado que deve ser exclusivo de «pessoas negras» como marca «identitária». 

Reivindicar a perpetuação de estereótipos associados em exclusivo a determinados segmentos éticos é uma forma repugnante de neo-racismo, acolhida com simpatia por intelectuais da ocidental praia. «Uma cultura, historicamente suprimida e minorizada, tem seus elementos roubados e seus sentidos apagados pela cultura que sempre a dominou», perora uma dessas sumidades, em português macarrónico. Dando putativa caução académica a quem combate a suposta «canibalização cultural». 

Uma alegada «não negra» com rastas pratica, portanto, «canibalismo cultural». A Portugal estas coisas chegam sempre com algum atraso: há dois anos, uma ex-ministra sueca foi acusada disso pela turba ululante que fala em cultura sem fazer a menor ideia do significado de tal palavra.

É caso para perguntar se este fluxo neo-racista funciona nos dois sentidos. Gerando também brados de indignação contra «pessoas negras» que usem madeixas loiras. Como o senhor que surge nesta fotografia só a título de exemplo.

António Costa não é nenhum indiano

João Pedro Pimenta, 28.01.22

Para além de todas as críticas a António Costa (merecidas, em grande parte), há uma coisa que francamente não suporto: é quando lhe chamam "monhé", "chamuças", "indiano" ou até "preto". Além de serem "argumentos" de tasco e declaradamente racistas - aqui não há qualquer dúvida - são próprios de gente que ou nunca saiu da terrinha ou não conhece o seu país e a cultura que deu ao Mundo.

António Costa não é indiano. É português, filho de um goês, tal como outros membros do seu governo, de governos anteriores, de outros partidos, como o Prof. Narana Coissoró, e de tantas outras áreas da sociedade. Só por aí se pode ver a importância de Goa e dos goeses nas elites portuguesas. Não é à toa que se fica mais de quatrocentos anos num território. Goa representa o que de melhor a presença portuguesa deixou no mundo: uma mistura de cultura lusa e indiana, traços sólidos de civilização e uma população preparada, instruída e trabalhadora. É o melhor exemplo do que a lusofilia e a portugalidade podem apresentar. E se poucos que lá moram falam a língua portuguesa, os nomes de família conservaram-se orgulhosamente.

Não tenho propriamente um grande fascínio pela Índia, mas gostava de conhecer Goa. Lá não existe a pobreza confrangedora que se avista noutras partes do subcontinente. Um dia perguntei a uma rapariga indiana, que me disse ser da costa oeste do país, se era goesa. Ela respondeu, com ar resignado, que não, mas que viver em Goa seria um sonho, tanto para ela como para qualquer indiano.

Ainda e sempre contra a estupidez

Pedro Correia, 09.10.21

«Estou a ficar velho por causa do acordo ortográfico. Aos 37 anos, sou um daqueles velhinhos que teimam em escrever pharmácia porque no tempo deles era assim. Bem sei que é cedo demais para estas teimosias, mas resisti até onde pude. Eu tentei não ser reaccionário. Não tentei com muita força, mas tentei. Continuei a escrever como sempre, mas os revisores da Visão tinham depois o trabalho de corrigir o texto de acordo com a nova ortografia. Vou pedir-lhes que deixem de o fazer. Eu sou do tempo em que se escrevia recepção. Não adianta fingir que sou do tempo em que se escreve receção para nos aproximarmos dos brasileiros -- que, curiosamente, vão continuar a escrever recepção

 

Ricardo Araújo Pereira, na Visão (2011). Tão actual agora como há dez anos

Proibir o verde

Pedro Correia, 05.08.21

Quando já pensávamos ter visto quase tudo em matéria de imbecilidades, eis mais uma, parida no país que acaba de sagrar-se campeão europeu de futebol: a partir da temporada 2022/2023 os equipamentos verdes serão proibidos nos estádios italianos para satisfazer as queixas dos operadores televisivos que alegam dificuldade em distinguir entre a cor das camisolas e o relvado. 

Proibir o verde: eis o sonho totalitário de muita gente também por cá. Em matéria de direitos e liberdades, vamos de restrição em restrição enquanto meio mundo bate palminhas. 

A coisa

Pedro Correia, 25.03.20

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Há uma coisa chamada Conselho Nacional de Saúde. Estava posta em sossego, sem ninguém imaginar que existia, quando a emergência sanitária a fez despertar da letargia.

Com relutância, a coisa reuniu-se. Ficámos a saber que tem trinta membros, incluindo «seis representantes dos utentes, eleitos pela Assembleia da República», «dois representantes das autarquias, designados um pela Associação Nacional de Municípios Portugueses e outro pela Associação Nacional de Freguesias» e «cinco personalidades indicadas pela Comissão Permanente de Concertação Social, sob proposta das respectivas organizações sindicais e empresariais».

 

A reunião decorreu à margem das mais elementares normas sanitárias, sem que os membros da coisa respeitassem as distâncias de segurança, numa sala apinhada. Ao fim de seis ou sete horas de reunião, os conselheiros deliberaram... recomendar ao Governo que mantivesse abertos os museus e os estabelecimentos de ensino. Por unanimidade

Sem surpresa, António Costa procedeu exactamente ao contrário, marimbando-se para a recomendação da coisa.

 

Um putativo porta-voz da coisa, chamado Jorge Torgal, esmiuçou o seu pensamento desta forma, em entrevista ao jornal Público:

«O quadro global nacional [sobre o coronavírus] é relativamente positivo, face à morbilidade de outras patologias com que convivemos todos os dias.»

«As pessoas agem como se fosse uma doença facilmente transmissível por contacto social e não é. (...) É um quadro muito limitado que não é compatível com todo o alarme social que existe.»

«Fechar as escolas é ajudar e justificar o medo, que não tem razão de ser.»

 

Esta entrevista, note-se, foi concedida já depois de a Organização Mundial de Saúde ter qualificado de pandemia o coronavírus.

E ocorreu seis dias antes da declaração do actual estado de emergência em Portugal.

 

Já a 28 de Fevereiro, o mesmo cavalheiro produzira estas pérolas, em entrevista ao Jornal de Notícias

«[O Covid-19] é menos perigoso que o vírus da gripe! Existe um pânico completamente desproporcional à realidade.»

 «É uma doença que tem tratamento.»

«Em Portugal, em 2014, os casos de legionela em Vila Franca de Xira mataram muita gente e deixarem sequelas em muitas mais. Isso, sim, é preocupante.»

 

Raras vezes tenho visto alguém bolçar uma colecção tão grande de inanidades. Questiono-me se os familiares dos 43 portugueses que faleceram em apenas oito dias, vítimas do Covid-19, não deveriam apresentar queixa judicial contra este senhor.

Indaguei entretanto se a coisa ainda se mantinha em funções. Disseram-me que sim. Sem sequer registar uma deserção, depois de ter ficado evidente, aos olhos dos portugueses, que não serve para nada.

"We are in great shape"

Sérgio de Almeida Correia, 20.03.20

No momento em que o Governador do Texas, Gregg Abbott, envia aos seus concidadãos a Declaration of a Public Health Disaster in the State of Texas, e acontece mais uma corrida às armas por parte dos estado-unidenses, certamente para combater a tiro o COVID-19, convém recordar o que Donald Trump foi dizendo ao longo das últimas semanas. Um verdadeiro monumento à estupidez.

We are in great shape! Indeed.

Quando os analfabetos imperam

Pedro Correia, 02.04.18

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O analfabetismo funcional está aí, aos olhos de todos, em doses galopantes. Até em folhas e trombetas que fazem gala em examinar à lupa o currículo académico de figuras públicas, várias das quais fariam melhor em adoptar tamanha exigência na própria casa.

Esse analfabetismo faz comprimir o vocabulário até doses ínfimas, adultera a ortografia à mercê de pseudo-normas que ninguém pode levar a sério (ainda ontem, numa série legendada em acordês, li “para aqui” quando pretendia dizer-se “pára aqui”) e põe a sintaxe portuguesa a fazer o pino, à boleia da vulgata brasileira que impera na Rede.

Há dias, uma determinada figura pública presumindo-se culta colou numa mensagem digital uma pomposa citação de Oscar Wilde em tradução brasileira, sem reparar sequer que aquela não é a nossa sintaxe. Pretendia ser coisa séria, mas soou como as velhas dobragens no país vizinho que punham John Wayne a mandar vir com os índios em espanhol.

 

Um excelente romance em língua inglesa traduzido para português torna-se quase ilegível dada a opção do “tradutor” em utilizar o nosso idioma com a sintaxe original, abusando dos pronomes pessoais e possessivos, usados com extrema parcimónia em português, ao contrário do que sucede em inglês – daí resultando frases como “ela esperava que a sua mãe não estivesse a dormir e ficou à espera que a sua mãe abrisse a porta”.

As traduções literalíssimas, atendendo só à forma sem prestar a menor importância ao conteúdo, já levaram a que vin rouge fosse traduzido para “vinho vermelho”. Parece brincadeira, mas não é: deparei com esta barbaridade numa série francesa vista há meses.

E por falar nisto: a nossa maltratada língua sofre entorses diárias com traduções pedestres que adulteram por completo a carga semântica dos vocábulos. De súbito, somos brindados com “demonstrações” como equivalente a manifestações (demonstrations, em inglês) ou “realizar” como surpreendente sinónimo de “entender” ou “perceber”, relegando para longa distância o antiquíssimo significado de empreender ou concretizar. Há mesmo um escritor muito galardoado que povoa as suas páginas de realizar – embusteira tradução literal do to realize inglês.

 

Há umas semanas abriu em Lisboa um muito badalado espaço de culinária gourmet protagonizado pelas figuras do costume, que são sempre as mesmas. Anos atrás chamar-se-iam cozinheiros, hoje só respondem a quem os trate por chef – assim mesmo, sem e final, à francesa.

Esse espaço está a ser promovido nas tais folhas e nas tais trombetas como mostra de “cozinha casual”. E eis que por nova colagem do inglês um adjectivo que no nosso idioma sempre significou imprevisto ou acidental se cola ao significado de importação, que é “informal” ou “descontraído”.

Alguns exemplos, entre tantos outros, do tal analfabetismo militante. Que impera por aí e teima em impor-nos as suas regras. Se não falarmos ou escrevemos como eles querem, ainda nos chamam ignorantes.

Isto nem é morrer da cura, é qualquer coisa ainda mais estúpida

João Campos, 04.01.12

A confirmar-se isto, pode já ser dado o prémio de proposta de lei (ou de alteração de lei) mais estúpida do ano. E ainda a procissão vai no adro. Concedo que a pirataria possa ser um problema (pessoalmente acho que a questão está hiperbolizada), mas o problema não será resolvido se se despejar sobre ele terabytes de disparates:

 

A proposta de lei apresentada hoje pelo PS no parlamento prevê aplicar uma taxa de 20,48 euros a discos rígidos externos de 1TB. Um telemóvel com 64GB pode custar mais 32 euros e um disco multimédia pode quase duplicar de preço. (Exame Informática)

 

Curiosamente, esta notícia da Exame Informática tem uns comentários muito interessantes. Como este:

 

Mesmo que estivesse de acordo com os valores propostos por estes políticos de algibeira, há um problema que aposto que eles não pensaram. 
A proposta prevê, nos HD, que se pague 0,02€/GB. Se ultrapassar 1TB, então serão 0,025€/GB. Num disco actual de um TB, como diz na notícia, teríamos uma taxa aproximada de 20€. 
O problema será daqui a 10 anos. À boa moda portuguesa, e porque neste caso até dá jeito, a lei não será alterada nos próximos 10 anos. É fácil de perceber que a capacidade dos discos será, nessa altura, de uns 500TB (ou mais, sabe-se lá). Com estas valores, a taxa a pagar será de 10000€. Nessa altura, ou antes espero, virá um deputado adiantado mental dizer que as taxas são muito elevadas. (por "jfacosta")

 

Ou este:

 

Esta Gabriela Canavilhas devia emigrar ou pedir desculpa pelo que diz...ela que fique pelo piano. 
Aliás, acho que deviamos cobrar uma taxa por cada tecla que ela toca no pianinho dela, isto porque PODE SER USADA para tocar músicas com direitos de autor. (por anónimo)

 

Mas a sério, não há nada mais urgente para legislar?

A chamada para a linha 112 : mais um caso típico de "sai da frente Guedes"

Rui Rocha, 04.08.11

 

A questão é esta, bom povo eleitor. A deputada do 112, Joana Barata Lopes, tem 26 anos e, antes de ser eleita, frequentava uma licenciatura em direito e exercia como Assistente Notarial. Saber se uma chamada para a linha de emergência médica constitui ou não crime é uma questão que deve ser discutida em Juízo. Se lá chegar. Mas, está ao alcance de qualquer pessoa com um mínimo de juízo concluir que utilizar os dados de um telefonema como argumento numa discussão sobre a qualidade do serviço revela uma certa imbecilidade. Quem o faz desconhece por completo os princípios básicos de auditoria de qualquer sistema, as mais elementares regras estatísticas e, eventualmente, algum artigo do Código Penal. E prescinde, imagino que involuntariamente, do mais elementar bom senso. Confirma-se que colocar uns cartazes em campanha eleitoral, dizer umas palavras de ordem e envergar umas t-shirts aparvalhadas em comícios não é preparação adequada para o cargo de deputado da nação. Embora possa ser suficiente para se chegar a Primeiro-Ministro ou a candidato ao cargo pelo principal partido da oposição. É claro que é igualmente condenável o aproveitamento político por parte de quem tem os gravadores da Sábado na mão. E que o episódio não deve ser utilizado como manobra de diversão face à indispensável auditoria de um serviço de importância crítica. Todavia, o que fica no final disto tudo é,  mais do que uma situação de emergência, um estado de indigência. Que não se resolve  com uma chamada para o 112, mas impõe uma reflexão profunda sobre os métodos de eleição.