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Delito de Opinião

Estradas

Ana CB, 31.03.22

 

É unânime que a invenção da roda foi um dos acontecimentos mais importantes para a evolução da humanidade, sobretudo quando mentes brilhantes se lembraram de aplicar o conceito na criação de meios para o transporte de cargas pesadas. Mas pouca importância é dada ao facto de que essa invenção acabou por arrastar com ela uma outra: a da estrada.

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As estradas são um paradoxo: entidades estáticas, a sua função principal (quiçá única) é facilitar a movimentação – das pessoas e das “coisas”. Imóveis, levam-nos a quase todo o lado. Podemos percorrê-las a pé ou numa variedade de meios de transporte diferentes, mas impelem-nos sempre a avançar. Ninguém fica simplesmente parado no meio de uma estrada. Se queremos parar, saímos dela. Podemos ficar na berma, a olhar para quem passa, ou sentar-nos a descansar, ou fazer qualquer outra coisa, mas sempre à margem. Uma estrada pede progressão, não imobilidade.

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A estrada pavimentada mais antiga que sobreviveu parcialmente até aos nossos dias ligava um cais nas margens do Lago Moeris à pedreira de Widan el-Faras, de onde era extraída a pedra basáltica para as câmaras mortuárias das Pirâmides de Gizé. Com cerca de dois metros de largura e composta por lajes de arenito e rocha calcária à mistura com madeira petrificada, calcula-se que date de pelo menos 2500 a.C., mais século menos século. Mas sabe-se, por exemplo, que na Mesopotâmia já se pavimentavam ruas desde 4000 a.C.

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Gizé

 

No entanto, é aos Romanos que o nosso imaginário associa a construção em massa de estradas. A calçada romana tinha quatro estratos diferentes de materiais e era feita para durar e facilitar a expansão do império, reduzindo o tempo de deslocação das colunas militares e melhorando a comunicação entre as grandes cidades que se iam criando por todo o território ocupado. Desde cerca do ano 300 a.C. e até ao declínio do império, dizem os livros que foram construídos por todo o território cerca de 80 mil quilómetros de estradas pavimentadas. Muitas delas foram continuadamente usadas e reestruturadas até aos dias de hoje; de outras, há troços que subsistem na sua forma praticamente original. Indiferentes aos recuos e avanços civilizacionais ao longo dos séculos e aos desfasamentos técnicos entre as várias regiões e culturas do nosso mundo, as estradas persistiram e foram ganhando cada vez mais importância e presença no planeta Terra, e hoje já não saberíamos viver sem elas.

Ponte romana de Vila Formosa (Alentejo)

 

As estradas são como as pessoas (ou não fossem elas uma invenção nossa!). Umas adaptam-se a cada sobressalto no relevo do terreno: curva para a esquerda aqui, cotovelo para a direita ali, contornam milimetricamente precipícios, lançam-se às alturas das montanhas, esgueiram-se por desfiladeiros que mais parecem buracos de agulha. Outras são impetuosas e cortam a direito por onde passam, rasgam túneis, esventram colinas, abatem árvores, compactam dunas. Outras ainda comportam-se com moderação, ora limando uma ruga orográfica, ora fazendo a ponte sobre um vale apertado ou sobre um rio que não convém incomodar.

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Para lá da sua utilidade facilitadora de movimentos militares e comerciais, as estradas tornaram-se também um “objecto de culto” para quem viaja em lazer. A literatura está cheia de obras épicas (ou nem tanto!) que contam histórias de viagens sobre rodas em estradas intermináveis e têm tanto de jornada de descoberta exterior como interior. O famosíssimo “Pela Estrada Fora”, de Jack Kerouac, trouxe para a ribalta a não menos famosa (e entretanto parcialmente alterada) Route 66 americana, que tinha sido criada em 1926. Os “Diários de Motocicleta” de Che Guevara descrevem uma viagem de 12 mil quilómetros da Argentina ao Peru. O “Na Patagónia”, independentemente da polémica gerada à volta do facto de Bruce Chatwin ter (segundo parece) inventado algumas das suas personagens, permanece uma belíssima narrativa de aventuras nos confins da geografia sul-americana, desde Rio Negro até Ushuaia. O mais recente “Clanlands”, dos outlanders Sam Heughan e Graham McTavish, passeia-nos pelas Terras Altas escocesas e pela sua cultura, entre histórias e diálogos cheios de humor. E o também relativamente recente “Na Planície das Serpentes”, desse “monstro” da escrita de viagens que se chama Paul Theroux, é um relato sem filtros sobre um México multifacetado, dilacerado entre a realidade dura da violência e a sua fantástica e antiquíssima cultura.

 

As minhas primeiras memórias de viagens são, precisamente, as de viajar de carro com os meus pais e a minha irmã. Naquela altura, mesmo em distâncias que hoje consideramos curtas, viajar em Portugal implicava sempre várias horas para chegar ao destino e uma preparação complicada, que envolvia farnel, almofadas para dormir no banco de trás, e sacos com material para todas as eventualidades – mesmo que fôssemos apenas às Caldas da Rainha para comprar fruta e visitar a família e regressássemos no mesmo dia. Desde então, perdi a conta às viagens que fiz por estrada, e viajar de carro permanece uma das minhas formas favoritas de conhecer mundo.

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Independentemente de nos levarem a lugares mais ou menos desejáveis, há estradas que por si só valem uma deslocação propositada para viver a experiência de as percorrer. Porque têm características únicas, porque são belas, porque nos transmitem uma sensação de encantamento, ou porque estão carregadas de História e de significado. Em Portugal, a mais famosa é certamente a N222, não só pelo seu célebre troço entre Peso da Régua e Pinhão – que lhe valeu o título de “World Best Driving Road” atribuído segundo o estudo de uma famosa empresa de aluguer de carros – mas por unir o país na quase totalidade da sua largura, entre Vila Nova de Gaia e Almendra, e acompanhar o Douro em partes do seu itinerário.

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A N222 em Foz Côa

 

Mas há várias outras estradas que me levam a querer voltar a elas uma e outra vez, e me deixam com saudades assim que as abandono. Na N304, percorrer as curvas e contracurvas do troço entre Mondim de Basto e a Campeã é ver no pára-brisas um filme sobre a grandiosidade do Parque Natural do Alvão. No Maciço da Gralheira, ziguezagueando no gume da montanha pela Estrada do Portal do Inferno, sinto-me uma funambulista em equilíbrio no arame. A M518 dá-me acesso à frescura da Fraga da Pena e depois à Mata da Margaraça, que é “só” uma das matas portuguesas mais antigas e notáveis, onde o ambiente é quase irreal. No Alentejo das estradas sem fim, na N246-1 perto de São Salvador da Aramenha há uma recta de um quilómetro em que freixos com 200 anos formam um túnel que parece dar acesso a uma outra dimensão.

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Portal  do Inferno

 

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Mata da Margaraça

10 N246-1 Alameda dos Freixos.JPGN246-1 Alameda dos Freixos

 

Além-fronteiras, entre uma longa lista de estradas que ainda sonho percorrer, há algumas que guardo na memória em lugar especial. Na Costa Rica, um autocarro levou-me (durante quase duas horas para cobrir apenas 90 km) de La Pita a Libéria, sobre um pequeno fragmento desse colosso de muitos milhares de quilómetros que é a Estrada Pan-Americana. Na Roménia, naquele que foi provavelmente o dia de condução mais cansativo de toda a minha vida até agora, desafiei-me a percorrer a icónica Transfăgărășan, cujo ponto mais alto fica acima dos dois mil metros: 151 km através das montanhas, dos quais 90 são de curvas e contracurvas constantes. Um desafio, sim, mas também uma satisfação, porque esta é realmente uma das estradas mais espectaculares do mundo, a todos os níveis. Mais perto, em terras dos nossos vizinhos, a parte cantábrica da N-621 inclui o desfiladeiro de La Hermida, 21 km acompanhando o rio Deva entre paredes de rocha que parecem tocar o céu, e mais para sul cruza a imensidão azul da barragem de Riaño. Na Camarga francesa, entre Aigues-Mortes e Le-Grau-du-Roi a estrada é apenas uma fita de asfalto, completamente recta e plana, rodeada de pântanos e salinas a perder de vista. Quando estive na Croácia, aconselharam-me a esquecer a auto-estrada no trajecto de Split para Dubrovnik e optar pela número 8, que segue o recorte da costa adriática e é de uma beleza fora de série – e eu segui o conselho. Ao lado, no Montenegro, não me arrependi de ignorar o ferry e continuar pela estrada que contorna a Baía de Kotor: o que se perde em tempo, ganha-se em paisagem que enche a alma. E em Itália, a SR2 entre Torrenieri e Bagno Vignoni, na região do Val d'Orcia, superou em muito tudo o que já tinha visto das paisagens toscanas em fotografia ou filme.

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A Pan-Americana na Costa Rica

A Transfăgărășan na Roménia

 

A N-621 na Cantábria

 

Camarga, sul de França

 

A Baía de Kotor, no Montenegro

 

Val d'Orcia, na Toscana

 

Para quem gosta de viajar, as estradas são dádivas dos deuses. Mais do que uma viagem de comboio ou de barco, e certamente muito mais do que uma viagem de avião, viajar por estrada dá-nos toda uma outra liberdade de movimentos e de tempo, e um contacto muito mais próximo com os lugares por onde passamos, com os seus pormenores, as suas características particulares e as suas pessoas. Permitem-nos o acesso a um mundo feito de tantas gentes e culturas diferentes, tantas obras de arte naturais ou construídas, e tantas idiossincrasias, que vai muito para lá do que julgamos ser possível existir – este mundo cheio de maravilhas, e também de desgraças, que é o nosso.

 

Com seis meses de atraso

Pedro Correia, 06.12.21

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Na semana passada ficámos a saber que Sara Carreira, morta num desastre rodoviário a 5 de Dezembro de 2020, seguia num veículo em transgressão: ia a 128 km/h na A1. Ficámos também a saber que a viatura oficial que atropelou mortalmente o trabalhador Nuno Santos a 18 de Junho de 2021 seguia igualmente em velocidade excessiva: circulava a 163 km/h na A6.

No primeiro caso, ocorrido numa tarde chuvosa e de visibilidade reduzida, ia ao volante o jovem actor Ivo Lucas, namorado da infeliz cantora. No segundo caso, ocorrido num final de manhã soalheira, quem guiava era o motorista às ordens do ministro da Administração Interna. Eduardo Cabrita foi forçado a demitir-se na sexta-feira por mensagem telefónica recebida do chefe do Governo. Com António Costa talvez já esquecido de que em Maio o considerava «excelente»

 

Ao tomar conhecimento da acusação deduzida pelo Ministério Público ao seu condutor por homicídio negligente, o governante agora afastado tentou lançar culpas para cima da vítima («têm de ser esclarecidas as condições de atravessamento de via não sinalizada») e descartou-se de qualquer responsabilidade alegando que apenas seguia a bordo enquanto «passageiro».

Como se o BMW do ministro fosse um táxi ou ele tivesse apanhado boleia ali à beira da auto-estrada.

Como se os condutores das viaturas atribuídas aos membros do Governo andassem em roda-livre, circulando à velocidade a que muito bem entendem.

Como se o ministro da Administração Interna - condição agravante neste trágico acontecimento - não tutelasse a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, à qual compete «a aplicação do direito contraordenacional rodoviário» nos termos da lei.

Como se Portugal não fosse um país com um número inaceitável de óbitos no asfalto: 5072 vítimas mortais em desastres rodoviários entre 2011 e 2020.

Como se as estradas não continuassem a ser túmulos para pessoas tão diversas como Sara Carreira e Nuno Santos - desaparecidas cedo de mais pelo motivo de sempre: a irresponsabilidade ao volante. No segundo caso, registou-se também uma chocante irresponsabilidade política: o ministro acabou exonerado com quase seis meses de atraso. Quando devia ter tomado a iniciativa de renunciar ao cargo naquele dia fatídico em que Nuno Santos saiu de casa para nunca mais voltar.

As declarações de Ferro Rodrigues.

Luís Menezes Leitão, 07.03.13

 

Estas declarações de Ferro Rodrigues de que as PPP foram "resposta às necessidades do país" demonstram bem a forma irresponsável como os políticos conseguiram afundar o país. Segundo ele, no Governo de António Guterres, “estavam apenas 1000 quilómetros de auto-estrada em serviço. Faltavam construir 2000 quilómetros de auto-estrada”. Traduzido por miúdos: mais de 1% do território do país, que tem 92.000 km2, já correspondia a auto-estradas e os nossos governantes achavam necessário subir essa taxa para mais de 3%, triplicando as auto-estradas já existentes. Aí temos o grande desígnio nacional: transformar o país num jardim de auto-estradas à beira-mar plantado.


Ferro Rodrigues diz estar "tranquilo" com o papel que teve neste processo. As parcerias em causa estavam incluídas no Plano Rodoviário Nacional, que “tinha sido aprovado na Assembleia da República, por unanimidade”, sustentando ainda que “o ambiente económico, financeiro e mesmo político então era diferente”. O problema é que, mesmo tendo sido aprovadas por unanimidade e aclamação, as PPP foram a maior irresponsabilidade alguma vez praticada em Portugal, que ainda hoje estamos a pagar. Mas, para Ferro Rodrigues, estávamos numa fase em que não era preciso ser sonhador para perceber que o investimento, através de PPP, era correcto e bom para o país. Era preciso ter uma capacidade de previsão, que ninguém teve, para antecipar o pesadelo que tínhamos pela frente”, declarou. E os que erraram desta forma as suas previsões de que um investimento "correcto e bom" era afinal um "pesadelo" não deveriam prestar contas do descalabro em que fizeram cair o país? Não é isso o que sucede em qualquer empresa privada?


Ali Babá só enfrentou 40

Rui Rocha, 31.05.12

A auditoria ao modelo de gestão, financiamento e regulação do sector rodoviário, hoje publicada, apresenta conclusões que apontam, de forma inequívoca, para a existência de um comportamento deliberado do Governo liderado por José Sócrates (e em que era Secretário de Estado Paulo Campos) de sonegação de informação ao Tribunal de Contas e de violação de elementares interesses do Estado. Mais, e em concreto, tal Governo terá promovido a celebração, no âmbito das PPP, de contratos paralelos que importaram o agravamento das condições financeiras a suportar pelo Estado em 705 milhões de euros. A confirmar-se tal situação, todos devem assumir as suas responsabilidades. Desde logo, a Procuradoria-Geral da República, a quem se pede que, por uma vez, cumpra com diligência e competência as suas obrigações, promovendo a investigação que se impõe para determinar a viabilidade da responsabilização, em primeira linha, dos membros desse Governo envolvidos neste esquema predatório do erário público. Mas, também, das concessionárias e entidades bancárias envolvidas na assinatura dos contratos paralelos, cujas consequências e intuitos não podiam desconhecer. Por outro lado, o PS tem a estrita obrigação de tomar uma posição clara sobre este assunto, uma vez que é o partido que suportou politicamente esse Governo e  tem como militantes e deputados da sua bancada parlamentar os autores de tais actos. A gravidade da matéria não permite que António José Seguro a ignore ou a desvalorize, sob pena de comprometer irremediavelmente qualquer réstia de credibilidade. Por último, o actual Governo deve ser consequente com os factos apurados, recusando-se a efectuar qualquer pagamento previsto nos ditos contratos paralelos e promovendo a desvinculação jurídica do Estado português de quaisquer obrigações ali previstas. Se isto não for assim, teremos de concluir que Ali Babá teve muita sorte pois só teve de enfrentar 40 enquanto os portugueses se debatem, a cada dia, com muitos mais.

As estradas, as estradas.

Luís M. Jorge, 30.12.11

Ana, entendamo-nos. Para alguém que — como eu — nem sequer tem carta de condução, o que se passa nas estradas portuguesas é um genocídio. Pior que isso, é uma orgia de parolos montados em altas cilindradas, psicopatas do tuning e espectadores da TVI.  

 

Só que não é isso que estou a discutir. O que estou a discutir é se um responsável de uma força policial pode invocar a falta de cooperação dos mortos para sacudir a água do capote quando o confrontam com os resultados de uma acção que é e deve ser avaliada por nós. Na minha opinião, não pode. E já devia estar no olho da rua. 

 

Repito, aliás, o que escrevi no post anterior: muitas das vítimas não são os maus condutores. Muitas das vítimas são apenas isso: vítimas, que tiveram o azar de levar com um bêbado em cima. Sugerir que a culpa é delas talvez não seja a melhor maneira de respeitarmos os mortos ou de resolvermos os problemas da sinistralidade. 

 

Mas permitir que um incompetente qualquer de uma instituição pública encarregada de manter a ordem se safe com esta aisance de nos explicar onde falhou é um convite para que nunca mais alguém seja responsável pelo que quer que seja neste país. 

 

O Estado tenta? Pelos vistos tenta pouco.

Em conversa directa

Ana Margarida Craveiro, 30.12.11

Luís, o Estado faz dezenas (centenas?) de operações de sensibilização. Construiu estradas novas, mais seguras, para minimizar os efeitos que não resultam das acções individuais. Gasta dinheiro dos contribuintes em campanhas de prevenção, para que esses mesmos contribuintes aprendam a ser responsáveis. Em cada fim-de-semana, desloca centenas ou milhares de agentes para as estradas, a patrulhar, a fazer a tal "caça à multa", para que os inocentes como tu e eu não sofram as consequências das acções dos outros. Se podia fazer mais? Não sei. Se cada condutor podia fazer mais? Com toda a certeza. É só isso. E não me parece assim tão descabido. Nas primeiras aulas de condução que tive, o instrutor disse-me que tinha uma bomba nas mãos. Uma bomba que me matava a mim, e aos outros. Infelizmente, raramente vejo essa consciência à minha volta.

Da responsabilidade individual

Ana Margarida Craveiro, 30.12.11
      

 

Tenho visto por aí algum brado a propósito das declarações deste senhor GNR. Que é insensível, que não respeita os mortos e suas famílias, etc., etc., e dá-me vontade de perguntar: mas a sério que vivemos no mesmo país? A sério que vivemos todos num mesmo país onde gente com bem mais de um copito em excesso pega no volante, onde o limite de velocidade é uma coisa para totós, onde os piscas a assinalar ultrapassagem são uma coisa que se usava no dia do exame de condução?

Em Portugal, andar na estrada é um desafio constante à vontade de querer ver nascer o dia seguinte. Mas ninguém o diria, a avaliar pela certeza de que há um Senna em cada um de nós. Os sacanas dos polícias é que andam à caça da multa, uns palhaços. Depois a curva estava no sítio errado, começou a chover, os pneus ou os travões falharam. Inevitavelmente, depois de fins-de-semana de festa, temos as listas de mortos e feridos graves, a mostrar que entrar num carro é causa de morte. Mas a fantástica lógica destes Schumachers de trazer por casa consegue sempre distorcer qualquer noção de responsabilidade individual. E os trágicos números não são mudados por esta distorção.

Pórticos

José António Abreu, 26.12.11

Noite do dia 25, A25. É a primeira vez que a percorro quase na totalidade desde a introdução das portagens. O identificador da Via Verde, sendo dos mais recentes, apita a cada passagem por um pórtico. Onze vezes entre a Guarda e Albergaria. Não venho com sono mas penso que, apesar de ser um tudo-nada irritante, o ruído ajuda a manter os condutores acordados. Depois, numa revelação súbita que quase me faz acelerar a fundo, percebo que o principal motivo para a existência do apito não é a segurança rodoviária, antes um exagerado sentido de decoro. Sim, decoro. Precupação com a manutenção da decência. Reparem: umas dezenas de metros antes de cada pórtico um tipo vê a placa com os preços. Dedica-se então a somar de cabeça este novo valor ao dos pórticos anteriores e, precisamente quando está a começar a emitir uma série de interjeições ou a mandar uma data de gente bem conhecida para um sítio que é uma parte da anatomia masculina, piiiiiiiiiiiiiiiiiii.

(E)SCUT(O)

J.M. Coutinho Ribeiro, 22.03.10

Até percebo que quem não pagava portagens resista a pagá-las. Mas há coisas que eu não percebo muito bem. Se para ir do Porto a Braga, ou do Porto a Marco de Canaveses ou Amarante pago portagem, por que raio não hei-de pagar portagem para ir do Porto à Póvoa de Varzim ou a Viana do Castelo? Deve haver alguma razão que me escapa. Por isso, se alguém quiser explicar-me, eu fico grato. Não me venham é com o argumento das estradas alternativas para um ou outro lado. Porque, aí, não vejo, também, qualquer diferença.