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Delito de Opinião

Era uma vez...

Paulo Sousa, 08.09.23

Era uma vez um país que, deprimido, vivia obcecado com a grandeza de outrora. Mais do que ambicionar a voltar a desenhar o futuro, consumia-se numa masturbação eterna com o passado. Para entreter e mobilizar os seus nacionais, criou uma narrativa, um império por desígnio superior e direitos inalienáveis. Os territórios e os povos teriam de se vergar à vontade de quem conseguia drenar a vontade dos outros. A religião, também com medo do futuro, validou o desígnio e a todos abençoou. O resto do mundo não concordou e remeteu esse país à solidão que apenas os desalinhados conhecem.

Pelo caminho ficou um imenso rasto de destruição, uma geração de mortos e estropiados e muitas mais de memórias que, erradamente, irão tentar provar que, afinal, os sangues não são todos iguais.

De que país estou a falar?

Alguém do PCP me pode ajudar nesta escolha?

No final do ano, lembremos os ciclos que se repetem

Paulo Sousa, 31.12.20

A generosa injecção de fundos público nos decrépitos órgãos de comunicação social já começa a ter frutos.

Eis a capa de ontem do DN, dia em que este histórico jornal voltou a ter versão impressa:

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E eis também a reacção do nosso Exmo PM:

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Em época de final de ano, é interessante verificar como a vida é feita de ciclos que se repetem.

Neste documentário da RTP sobre a Reforma Agrária, ao minuto 25, podemos ouvir duas quadras laudatórias dedicadas em 1973 ao Presidente do Conselho Dr. Marcelo Caetano, aquando à sua visita a uma herdade modelo, e que bem podiam estar no editorial da edição do dia 30 de Dezembro do 2020 do DN. Aqui vai:

Somos humildes trabalhadores
Dizemos isto sinceramente
Hoje vivemos mais à vontade
Graças ao nosso Presidente

Presidente como este
No mundo não há igual
Melhorou a vida a todos
Salvando assim Portugal (o jornal)

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Aproveito para desejar um Feliz Ano Novo aos co-autores do Delito de Opinião, assim como a todos os leitores que diariamente nos presenteiam com a sua atenção e disponibilidade.

Muito obrigado.

A agenda do meu avô Zé

Paulo Sousa, 07.12.20

O meu avô Zé, o pai do meu pai, deixou-nos quando eu tinha cinco ou seis anos. Tinha passado apenas um mês desde o falecimento do avô Albino, o pai da minha mãe. Tudo aconteceu numa curta vertigem que juntou as duas perdas num luto só.

Cada um à sua maneira acabaram por se tornar para mim as referências difusas e distantes de um tempo antigo e de um mundo de que apenas tive conhecimento pessoal por aquilo que me recordo deles.

Lembro-me do meu avô Zé ser muito reservado. Ninguém duvidava do extremo amor e dedicação à minha avó e a cada um dos seus filhos, mas também ninguém se lembrava de que alguma vez tivesse dito uma palavra que o demonstrasse.

No dia em que morreu fiquei surpreendido pelo choro desesperado da minha avó deitada em posição quase fetal na sua cama. Nunca lhes tinha observado afecto que justificasse aquele pranto. Apenas conhecia as rotinas automáticas de uma relação reservada e descobri nesse dia, e nessa hora, que afinal, além do recato respeitoso perante nós, que éramos o primeiro ciclo à sua volta, as décadas de luta partilhada assentavam afinal num amor que me fora ocultado.

Após voltas e mais reviravoltas, entremeadas com diversas paragens com várias décadas de duração, chegou-me há dias às mãos uma agenda do meu avô Zé. Nela estão registadas datas de sementeiras, jornas a pagar por trabalhos feitos, assim como receitas e despesas diversas. O que seriam à época apenas registos banais, embora metódicos, acabaram por me levar numa viagem de memórias que não tinha.

A sobrevivência da família e o governo da casa eram uma ciência baseada na frugalidade. Havendo a quem, até as borras de vinho podiam ser vendidas.

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Na história universal o dia 3 de Agosto de 1943 ficou marcado pelo início da Operação Rumyantsev em que o Exército Vermelho tentou recuperar a cidade de Karkiv na Ucrânia. Nesse dia o meu avô começou a época de praia. Às 5 da manhã meteu os filhos todos, ainda a dormir, debaixo de uma manta no carro puxado por uma junta de bois, e seguiu a pé com os bichos pela arreata. Pelos meus tios soube que numa dessas viagens seguiu com eles uma galinha adormecida empoleirada no eixo fixo do carro de bois, que depois de adormecer no curral só acordou uns solavancos mais tarde, já na descida para o Valado.

Nesse ano de 1943 terão alugado uma casa na Rua Magalhães Lima número 16 e o contacto parece ter sido a Dª Mecia Bem. Provavelmente alguma peixeira que terão conhecido pela venda de porta a porta. A ida à praia era como que uma obrigação motivada por fins terapêuticos. Ele e a minha avó eram primos direitos e, por recomendação médica, uns dias junto ao mar eram uma forma de minimizar as consequências da bronquite que, a diferentes níveis, afligia todos os filhos. Chegaram ao alto da Pedreneira, na última descida até ao mar, pelo meio dia.

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O primeiro de Dezembro de 1943 ficou marcado pela Declaração do Cairo na qual Roosevelt, Churchill e Chiang Kai-Chek exigiram a rendição incondicional do Japão. Nesse dia o meu avô semeou favas no terreno que conhecemos por Valdeus.

No dia 6 de Dezembro os primeiros judeus italianos foram enviados de Milão e Verona por comboio rumo a Auschwitz. Nesse mesmo dia o meu avô semeou aveia nos Olivais. Fez ontem 77 anos.

Cada uma das datas ali anotadas corresponde a um acontecimento digno de registo na vida rural do meu avô, e é interessante compará-las com o que estava a acontecer ao mesmo tempo pelo mundo fora. A guerra mantida à distância pela nossa geografia e pela habilidade diplomática de Salazar era algo muito remoto e a aparente banalidade destes apontamentos é um testemunho do universo paralelo e remoto do mundo rural português dessa época.

Desafio "Museu Salazar"

Cristina Torrão, 25.08.19

Vivendo no estrangeiro, estou um pouco de fora do teor desta polémica, embora já tenha lido algumas alusões pela net. Como sou uma apaixonada pela História (porque acho que só nos conhecemos, se conhecermos a nossa História) e como Salazar e o Estado Novo fazem parte da História de Portugal, decidi dar a minha opinião, principalmente, depois de ler o Editorial do “Público”, por Manuel Carvalho.

Tal como Manuel Carvalho, acho que um "Museu Salazar" não pode ser nunca uma homenagem branqueadora e normalizadora do ditador. Por outro lado, nas democracias não pode haver temas tabus, personagens apagados das fotografias ou lugares de esquecimento, porque isto também serve para branquear a História, apagando, ou fazendo por esquecer, aquilo que nos incomoda. Aliás, Portugal tem muita necessidade de trabalhar certos momentos da sua História de forma rigorosa e o mais objectiva possível.

Um "Museu Salazar" nunca deve ter como propósito homenagear um “grande homem” (como parece afirmar o autarca socialista de Santa Comba Dão), mas deve possuir o objectivo de educar e informar. Isso, sim, seria um centro interpretativo do Estado Novo. Aliás, o nome da instituição devia ser este, por exemplo, ou Museu do Estado Novo, em vez de "Museu Salazar".

Um museu, ou centro, deste tipo, além de fazer um retrato da vida de Salazar, devia, obrigatoriamente, incluir:

- Uma secção sobre a Censura à Imprensa, praticada durante todo o Estado Novo, com imagens de notícias censuradas e informações sobre que tipo de artigos o eram (porque não eram apenas os políticos, também se censuravam notícias de suicídios, por exemplo, ou de crimes familiares).

- Uma secção dedicada ao Tarrafal (com imagens e artigos, talvez vídeos, se os houver) e à perseguição dos comunistas e sindicalistas.

- Uma secção dedicada à PIDE e às prisões de Caxias e Peniche, também com imagens, documentos, descrição das torturas, testemunhos, etc.

- Uma secção dedicada ao assassinato de Humberto Delgado (e a outros crimes que se tenham cometido em relação a opositores do regime).

- Uma secção dedicada à guerra colonial, com fotografias (que não faltam) e, proponho também, vídeos que mostrem, por exemplo, os embarques das tropas, ou as mensagens de Natal que os combatentes enviavam, todos os anos, pela televisão.

Estas são as minhas sugestões. Os historiadores especialistas desta época teriam mais e deviam ser contactados. Para que se fizesse, em Santa Comba Dão, um verdadeiro Museu ou Centro Interpretativo do Estado Novo, que nos oferecesse uma visão aberta da História. De visita obrigatória para estudantes!

Será que o autarca socialista de Santa Comba Dão tem arcaboiço para tal?