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Delito de Opinião

Mais um confisco

Paulo Sousa, 16.11.22

Há uns dias foi noticiado que uma alteração legislativa relativa à validade das cartas de condução levou a que este ano já tenham sido apanhadas 5113 pessoas sem o respectivo título de condução válido.

O caso aplica-se principalmente a quem tem uma carta emitida antes de 2013. Vejamos este caso ficcional, mas que já se repetiu 5113 vezes este ano.

O Jorge tem actualmente 51 anos. Obteve a sua licença de condução aos 18 anos (em 1989, portanto) e desde então tem o seu documento original, um daqueles cor-de-laranja dobráveis em três partes. Nesse documento está impresso que o mesmo é válido até à véspera do seu 65º aniversário, até 2036, portanto.

O Jorge sabe que nessa data terá de o renovar e que para isso irá precisar dum certificado médico que atestará a sua capacidade física para poder conduzir. Faz sentido. Algumas pessoas aos 65 anos, devido a complicações de saúde ou outras, podem já não reunir condições para conduzir em segurança.

O que o Jorge não sabe, é que, apesar do que está escrito na sua carta de condução (que é válida até 2036) ele é um infractor e está sujeito a uma multa de 120 a 600 euros. Além do Jorge, em 2021 mais 44566 condutores celebraram o seu 50º aniversário sem que tratassem da sua renovação.

O Jorge, que tem o defeito de procurar uma lógica nas coisas, pergunta ao legislador:

- Então, eu tenho carta de ligeiros, vou ter de apresentar algum atestado médico, é isso?

- Não. – Responde o legislador, franzindo condescendentemente as sobrancelhas. – Isso seria uma carga de trabalhos e nós queremos é desburocratizar a vida ao cidadão.

- Então o que é preciso fazer?

- Simples. – E a sorrir, acrescenta – Basta ir ao site do IMT, validar … blá, blá, blá … confirmar os dados pessoais e … pagar 27€.

- Então tudo isto serve apenas para o estado arrecadar mais 27€ e assim para garantir entretenimento ao pessoal do IMT, é isso?

- … Como?

- Então e quem não conseguir ultrapassar as barreiras informáticas para tratar disso?

- Os info-excluídos podem ir a um solicitador ou a uma escola de condução, que eles tratam do processo. Cobram cerca de 50€.

- Ora então, no ano de 2021, contanto apenas com os 44566 condutores que fizeram 50 anos e não revalidaram a sua carta, o estado contava arrecadar mais de 1 milhão e 200 mil euros, é isso?

- O que, veja, é uma tremenda perda de receita.

- Mas se os multar a todos poderá conseguir arrecadar entre 5 e 25 milhões de euros.

- Sim, mas só conseguimos multar 5113 infelizes. Rendeu pouco mais de 600 mil euros. Uma ninharia.

Juntos seguimos e conseguimos *

Paulo Sousa, 05.01.22

“A partir das últimas décadas do século XX, este Pinhal tem sido largamente negligenciado. Para se ter uma ideia deste desinteresse, basta referir, por exemplo, que, no domínio dos recursos humanos, em 1980 havia 144 trabalhadores rurais, que, segundo os técnicos da altura, “não chegam para resolver cabalmente os problemas da instalação e tratamento dos povoamentos”, 29 guardas florestais, 4 mestres e 9 técnicos (engenheiros silvicultores). Hoje há 30 trabalhadores rurais (sobretudo mulheres), não há guardas a dependerem desta Direcção Geral (a Polícia Florestal que surgiu em sua substituição actua sobretudo na fiscalização da caça e pesca nos concelhos de Leiria, Marinha Grande, Pombal, Batalha e Porto de Mós) e há apenas 2 técnicos para uma zona que compreende Marinha Grande, Pombal, Figueira da Foz e Serra dos Candeeiros.

As tarefas dos trabalhadores rurais passam sobretudo por medir pinheiros fiscalizar cortes, pintar casas e pontes. Nas matas do Pedrogão e do Urso, que juntas perfazem 8.000 ha, trabalham apenas duas mulheres. O número é claramente insuficiente, segundo o responsável pela administração deste Pinhal, acrescentado ainda que este “está ao abandono”. Efectivamente o orçamento de 2003 para limpeza e conservação da Mata foi zero. Por outro lado, ela rende anualmente ao estado cerca de milhão e meio de euros.”

 

Vidas de Carvão, As carvoeiras do Pinhal do Rei
de Paula Lemos
Imagens & Letras - 2007

 

O grande incêndio de 2017 destruiu 86% da área da mata conhecida por Pinhal do Rei. O texto acima, quase premonitório, foi publicado dez anos antes deste evento trágico. Já aqui postei sobre a demora na sua replantação e de como é difícil passar por ali, lembrando toda aquela imensidão de verde, que nos idos anos 40 inspirou o poeta Afonso Lopes Vieira.

 

Catedral verde e sussurrante, aonde
a luz se ameiga e esconde
e aonde, ecoando a cantar
se alonga e se prolonga a voz do mar,
ditoso o Lavrador que a seu contento
por suas mãos semeou este jardim

 

Quem não conhece a zona, quem ali não tenha construído memórias e desconheça a sua dimensão, não imagina o sofrimento de quem visita a mata.

Na sua largura máxima a mata tem 8.400 mt e 18.700 mt no seu maior comprimento, num total que ultrapassa os 11.000 ha divididos em 342 talhões. São necessários longos minutos de carro para atravessar a zona. É uma imensidão de área que nunca mais voltarei a ver como a conheci.

Não chegasse a incúria que nos levou a esta tragédia, António Costa, apostado em desrespeitar o “ditoso Lavrador” de Afonso Lopes Vieira, uns meses após a tragédia visitou a área e mostrou-nos que o que ficava ali bem eram sobreiros. Os nossos antepassados eram uns palermas e ele é que sabe.

Em Abril passado, e perante a decisão do Governo de adiar mais uma vez a sua replantação, o PS da Marinha Grande manifestou “a sua mais profunda desilusão e descontentamento" o que é demonstrativo da falta de sensibilidade com que se governa o país a partir de Lisboa.

Muito mais do que em qualquer metáfora literária, plantar uma árvore é realmente oferecer algo às próximas gerações, e nisso, estes adiamentos consecutivos dizem muito da forma como este governo lida com o futuro.

Entretanto, as acácias vão progredindo e os sobreiros plantados pelo senhor das meias verdes, sucumbiram.

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Foto minha tirada a 3 de Janeiro de 2020

* Slogan do PS para as eleições legislativas de 30 de Janeiro 

O mistério da morte na auto-estrada (2)

Pedro Correia, 01.07.21

Permanece o mistério, 13 dias depois: a que velocidade seguia a viatura ministerial que a 18 de Junho, ao quilómetro 77 da A6, matou um cidadão português chamado Nuno Santos,que ali fazia trabalhos de limpeza e manutenção?

Enquanto o titular do Ministério da Administração Interna se refugia no silêncio, ontem circularam novas notícias acerca do tema. O automóvel oficial, marca BMW, «seguia a uma velocidade louca», segundo relato de uma testemunha ali presente.

A mesma testemunha garante que o ministro nem se dignou sair do carro.

Falta apurar se foi feito o teste do álcool ao condutor.

Na ausência de outras versões, para já, esta merece crédito.

Questiono-me sobre tudo isto.

 

Entretanto, fico perplexo com a disparidade do tratamento mediático desta tragédia comparada com outras, registadas por exemplo nos EUA: se o atropelado tivesse sido um qualquer cidadão norte-americano já estávamos há vários dias a ser bombardeados com imagens, com protestos, com manifestações.

Já sabíamos o nome da vítima de cor.

 

Aqui, nada. Nem protestos, nem imagens, nem manifestações, quase nem sequer o nome do falecido.

Como se fosse tabu ou pecado.

Como se a vítima não merecesse uma evocação póstuma.

Como se fosse conveniente varrer tudo isto para debaixo de qualquer tapete.

 

ADENDA: Treze dias depois, o ministro continua a dever explicações aos portugueses. Ontem o Presidente da República lançou-lhe esse repto. Mas ele recusou. Em directo, com o País a assistir.

O mistério da morte na auto-estrada

Pedro Correia, 30.06.21

Já decorreram doze dias. A 18 de Junho, a viatura oficial que transportava o ministro da Administração Interna, ao quilómetro 77 do trajecto Estremoz-Lisboa, atropelou mortalmente um trabalhador que efectuava obras de limpeza em bermas e valetas da A6 - uma das auto-estradas menos acidentadas, com maior visibilidade e menos movimentadas do País.

Até hoje, não se ouviu uma palavra do ministro. Um comunicado do Ministério deu a entender que a culpa do ocorrido foi do infeliz trabalhador, chamado Nuno Santos, que terá atravessado imprevistamente a faixa de rodagem - acusado, portanto, de pouco menos que negligência no desastre que lhe causou a morte. Foi igualmente referido que não existia qualquer sinalização de alerta aos condutores para a existência de trabalhos no local.

Acontece que o homem - com 43 anos e pai de duas filhas - tinha larga experiência nestes trabalhos para uma empresa subcontratada da Brisa, concessionária da auto-estrada. Acontece que a Brisa já desmentiu o Ministério, assegurando que a obra estava devidamente sinalizada. Acontece que o Governo não teve a decência de enviar um representante ao funeral de Nuno Santos. Acontece que a viúva alega não ter meios de subsistência e a imputação com chancela oficial de que o marido terá sido negligente poderá reduzir ou até anular o montante do seguro

Acontece, enfim, que continuamos sem saber a que velocidade seguia a viatura ministerial. Doze dias depois.

O Estado que desconfia dos cidadãos

Pedro Correia, 07.05.21

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Passam as décadas, passam os governos, mas algo nunca muda: a problemática relação entre o português que cumpre as obrigações de cidadania e o Estado que tantas vezes nos ignora. Proporcionando serviços de péssima qualidade, transportes públicos caóticos, protecção civil que deixa arder metade do património florestal do País, uma educação pública que não chega a todos, saúde sem meios físicos nem humanos capazes de corresponder às crescentes necessidades de uma população envelhecida, justiça insuficiente e caracterizada por uma lentidão exasperante. Ao contrário do que sucede nos países nórdicos, por exemplo, os portugueses dificilmente encontram retorno dos impostos que pagam em melhorias efectivas da qualidade de vida.

O zelo que o Estado - através do Governo - dispensa aos seus funcionários não tem paralelo na forma como se relaciona com o cidadão comum, encarado essencialmente como contribuinte. E, nesta óptica, considerado culpado até prova em contrário, numa inaceitável inversão do princípio constitucional da presunção da inocência, como há dois anos se verificou em operações stop realizadas pela Autoridade Tributária em parceria com a GNR para apanharem supostos infractores fiscais na via pública. Esquecendo-se o próprio Estado da sua condição de grande devedor: só as dívidas aos fornecedores e credores do Serviço Nacional de Saúde totalizavam 2,9 mil milhões de euros em 2017, segundo uma auditoria do Tribunal de Contas divulgada em 2019.

Em Portugal, ao contrário do que sucede nouros países, a regra não é o Estado confiar nos cidadãos. A regra é o Estado desconfiar dos cidadãos. Como se existisse para servir-se de nós e não para nos servir, como é nosso direito e seu dever.

Uma imagem do Estado a que isto chegou

Paulo Sousa, 16.12.20

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A conferência de imprensa da DGS de ontem foi liderada pelo Dr. Rui Portugal. Sabemos que a Drª Graça Freitas está infectada com o Covid19, tendo sido por isso substituída por um dos seus Subdirectores-Gerais.

A sua intervenção foi transmitida pela televisão e seguiu directamente para as redes sociais onde foi gozada até à exaustão.

Independentemente do teor das piadas, o que retive foi que este senhor, juntamente com a Drª Graça Freitas, serão dedicados servidores públicos, e não duvido que estejam a empregar o melhor das suas capacidade no combate a esta pandemia. No entanto não pude deixar de me questionar se estas serão as pessoas mais habilitadas para transmitir aos portugueses, com a clareza que se impõe, a informação que importa. Serão estes os técnicos de saúde pública mais capacitados para liderar a DGS, ou apenas os melhores que o Estado consegue atrair e manter nos seus quadros?

Como se podem atrair e manter motivados quadros qualificados? Sabemos que no actual enquadramento legal isso não é possível. E não estamos a falar necessariamente de mais dinheiro mas sim de uma re-organização focada numa correcta gestão de recursos humanos.

Anos e anos de reformas adiadas, motivadas por taticismo político e por ideologia, colocaram o interesse público no fim das prioridades. Quando nos rimos do Dr. Rui Portugal, da mesma forma que nos ríamos da Drª Graça Freitas, estamos no fundo a rir de nós próprios e da nossa incapacidade de nos levarmos a sério.

O direito ao nome do assassinado

Pedro Correia, 16.12.20

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Qualquer indivíduo alvo de violência policial num país como os EUA - e nem precisa de ser espancado e deixado esvair-se até à morte, em arrepiante sessão de tortura - é logo tratado nos media portugueses como alguém com nome e apelido, como se fosse figura do nosso convívio. Há até manifestações públicas, convocadas por redes sociais, enchendo ruas e praças em período de "confinamento", como no início de Junho sucedeu com o norte-americano George Floyd em várias cidades do País. O combate ao racismo sobrepôs-se ao combate ao coronavírus.

Dois meses antes desse crime cometido em Minneapolis, um ucraniano tinha sido violentamente agredido, torturado e enfim assassinado à pancada em Lisboa por presumíveis "servidores públicos", pagos com o dinheiro de todos nós, num departamento oficial supostamente regido por normas de legalidade, transparência, urbanidade e cidadania. No fundo, a tal "ética republicana" com que alguns enchem a boca.

Ao contrário do que ocorreu no continente americano, este crime - que terá contado com cumplicidades várias, numa teia muito mais abrangente do que a do reduto inicial de esbirros homicidas - não comoveu ninguém. Nenhuma manifestação foi convocada, apesar dos óbvios contornos xenófobos do assassínio, nenhuma organização trombeteou em exaltada defesa dos direitos humanos selvaticamente violentados por funcionários públicos. As notícias foram esparsas, acolhidas entre bocejos. Como se toda a indignação doméstica se esgotasse nos protestos por crimes policiais cometidos além-fronteiras.

 

Pior: a vítima não teve sequer direito ao nome. Casado, pai de dois filhos, trabalhador que procurava encontrar em Portugal o sustento que lhe era negado no país de origem, Ihor Homeniuk acabou alvo de novo crime, desta vez de carácter político, social e mediático: o crime da omissão.

Tratado como anónimo, nas semanas e nos meses que se seguiram ao seu brutal homicídio, pelos militantes da indignação selectiva.

Tratado com impiedosa indiferença pelos poderes públicos - designadamente pelo Governo, que só há cinco dias se lembrou de dirigir uma carta de condolências à viúva e de a indemnizar pela trasladação do cadáver há muito efectuada, e pelo Presidente da República, por uma vez recolhido ao silêncio precisamente numa situação em teria sido imperioso escutar uma palavra sua. Aqui Marcelo Rebelo de Sousa foi o último a falar, quando devia ter sido um dos primeiros.

 

Ihor Homeniuk não tem verbete na Wikipédia, não viu o rosto reproduzido em T-shirts, não leva ninguém a proclamar que "todas as vidas contam" - seja qual for a cor dos cabelos do agredido e violentado, seja qual for a pigmentação da sua pele. E raros são os que escrevem ou pronunciam o seu nome, ao contrário do que aqui fizeram o José Teixeira a 2 de Junho, expressando uma indignação que na altura tornaria redundantes outros textos de teor semelhante, ou o José Meireles Graça a 1 de Outubro, muito antes de os justiceiros de turno acordarem para o facto nas pantalhas cá da terra.

Ontem mesmo, na comissão parlamentar convocada para debater este crime na presença do ainda titular da pasta da Administração Interna, o nome de Ihor Homeniuk raras vezes foi pronunciado: vários deputados, quando muito, acederam em designá-lo por «cidadão ucraniano». E ficaram-se por aí.

 

Já me insurgi no DELITO contra a glória póstuma dos assassinos, que transforma qualquer celerado numa espécie de pop star em televisões e jornais. Já clamei contra os mecanismos comunicacionais, que em horas de barbárie surgem mais preocupados em desvendar o "rosto humano" dos homicidas do que em evocar as vítimas dos seus actos. Hoje venho reivindicar o mais elementar e singelo mandamento humano: o direito a sermos tratados pelo nosso nome, sem sermos reduzidos a uma etnia, uma profissão, uma nacionalidade, um emblema, uma afinidade tribal.

O  homem assassinado a 12 de Março nas instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no Aeroporto Humberto Delgado (cruel ironia, tão repugnante crime ter ocorrido num local assim baptizado) chamava-se Ihor Homeniuk.

É pelo nome que esta malograda vítima do Estado português deve ser conhecida - e não de qualquer outra maneira.

A incúria do Estado

Paulo Sousa, 18.10.20

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Esta semana assinalou-se o terceiro aniversário do incêndio que destruiu 86% da área da Mata Nacional de Leiria.

Logo de seguida e por recomendação do fucus groupAntónio Costa fez-se fotografar e filmar na plantação de sobreiros num dos talhões afectados. Ao mudar de espécie, de pinheiro para sobreiro, terá pretendido corrigir um erro com mais de 500 anos. El Rei Dom Dinis enganou-se ao escolher pinheiros e finalmente alguém ajuizado iria corrigir o erro. Logo depois a natureza, essa ingrata, fez com que os sobreiros não sobrevivessem naqueles areais e, talvez pela afronta, o governo decidiu entregar-lhe então a gestão daqueles 9.480 hectares.

Depois disso, e pelo facebook, soube de várias iniciativas de grupos de cidadãos identificados como amigos do Pinhal de Rei, que foram travados na sua vontade de replantar um talhão que fosse, pois esse processo teria de obedecer a um plano do ICNF.

Neste terceiro aniversário um grupo de cidadãos assinou uma carta pedindo explicações ao governo sobre o plano de recuperação desta área que equivale a 54% do concelho da Marinha Grande.

É tal a desolação que evito por ali passar. Hoje, pela segunda vez desde o incêndio, regressei a este espaço de que guardo recordações maravilhosas. Olhando em volta, tudo isso parece mais distante do que nunca. É uma dor de alma.

Para quem o quiser entender como tal, esta é mais uma prova da incúria do Estado, da sua incapacidade em resolver os assuntos que advoga como seus.

Este vídeo é por isso dedicado aos que acham que aquilo que precisamos é de mais Estado.

Como era bom que fosse verdade

Paulo Sousa, 04.08.20

Depois de mais de quatro mil milhões de euros injectados na CGD desde 2011, com a justificação que era necessário existir um banco público para que o Estado podesse assegurar o financiamento de projectos que entendesse como sendo estratégicos, o lançamento do Banco Português de Fomento, exactamente com o mesmo propósito, abrirá certamente a porta à privatização da CGD.

O Estado vs a Vida, segundo Torga

Paulo Sousa, 11.04.20

Lembrei-me de um dos Novos Contos da Montanha de Miguel Torga, que fui reler.

Fala da vida em Fronteira, uma terra que apenas dava à sua gente a água da fonte. Tudo o resto vinha de Fuentes, em Espanha.

Ali a vida era vivida de noite a tentar escapar aos guardas, que, de espingarda em riste, guardavam o ribeiro como podiam. Os contrabandistas, por seu lado, com carga às costas, passavam o ribeiro como conseguiam.

“E se por acaso se juntam na venda do Inácio uns e outros – guardas e contrabandistas –, fala-se honradamente de melhor maneira de ganhar o pão: se por conta do Estado a vigiar o ribeiro, se por conta da Vida a passar o ribeiro.”

O conto não é extenso, fala dos aldeões, dos guardas do Estado, de disparos a matar e também de amor.

Mas foi esta dualidade que me prendeu a atenção. Trabalhar por conta do Estado, neste caso a matar, ou por conta da Vida, a tentar escapar.

Esta pequena história é uma metáfora da relação entre o Estado, que quer controlar a população, e os aldeões, que apenas desejam sobreviver.

O guarda Robalo, atraído para tais funções pela garantia de ordenado certo e a reforma por inteiro, sem disso dar conta vive dentro de uma bolha. E isso aumenta-lhe o empenho. Afirma que dispararia até contra a sua própria mãe, que fosse.

Com o correr da acção a bolha onde vive irá rebentar, mas esta visão maniqueísta de que servir o Estado é atacar os prevaricadores faz por ignorar que do outro lado desenrola-se a Vida, e Vida, escrita por Torga, com V maiúsculo.

Do alto da sua ofuscada visão do mundo, o guarda Robalo, ignora que existe Vida para além do que a sua curta vivência lhe permite enxergar. E essa curta vivência e visão serve ao Estado que o alimenta e veste. Sem disso dar conta, ele é apenas um instrumento, bem instruído, que tem a Vida por adversária. No fim de contas, o Robalo é apenas um intermediário entre os seus donos que lhe tolheram a vontade e a sua bala que em brasa é disparada contra a Vida.

Este confronto é uma parábola cheia de metáforas escrita por um rebelde que viveu, e escreveu, incomodado com a capacidade dos que conseguem reduzir a realidade a um binómio de bons e maus, e de caminho asseguram o conforto próprio. Se sempre existiram desigualdades, para quê mudar isso, especialmente se se está do lado vantajoso?

Ignoram que a Vida já existia antes do Estado e que este lhe é apenas um acrescento, e não o contrário.

No regime actualmente em vigor em Portugal, a liberdade está refém do Estado. A liberdade de Abril não é a efectiva liberdade dos cidadãos, mas apenas a liberdade que o Estado entende dar aos cidadãos. O Estado, e os que por ele falam, decide a amplitude das escolhas possíveis. Os que por ele falam sabem que há opções, que mesmo que funcionem noutras paragens, cá seria uma irresponsabilidade escolhê-las, especialmente porque isso colocaria os cidadãos fora da sua esfera.

Várias décadas depois dos contos de Torga, as fardas e as balas são diferentes, mas o confronto ente o Estado e a Vida mantêm-se e nunca terminará. Cabe a cada um de nós escolher o lado onde se deve viver a Vida.

Em louvor da sociedade

Pedro Correia, 21.03.20

Tenho ouvido, por estes dias, loas imensas ao Estado. O mesmo Estado, convém salientar, de que faz parte a directora-geral da Saúde, que a 15 de Janeiro declarava com todas as letras: «Não há uma grande probabilidade de um vírus deste chegar a Portugal.»

O mesmo Estado, convém não esquecer, de que faz parte uma ministra da Agricultura entretanto desaparecida em combate e que a 5 de Fevereiro - quando já havia 490 mortos e mais de 24.500 infectados na China - se ufanava perante a hipótese de o coronavírus poder vir a ter «consequências bastante positivas» para as exportações portuguesas.

 

Julgo ser tempo de elogiar não o Estado mas a sociedade. A que não precisou dos ditames estatais - incluindo a inédita declaração do estado de emergência a nível nacional, com a suspensão de direitos fundamentais - para se organizar e reagir à doença galopante.

Às empresas, aos clubes, aos ginásios, às colectividades, às igrejas (incluindo a supressão de missas e outras celebrações de culto).

Aos responsáveis da rede escolar privada que foram encerrando antes de um patético Conselho Nacional de Saúde, que ninguém conhecia, ter vindo a público, já no dia 11 de Março, recomendar que os estabelecimentos de ensino e os museu permanecessem abertos - precisamente na véspera de a Organização Mundial de Saúde proclamar o coronavírus como pandemia e de o Governo ordenar o encerramento de todas as escolas, mostrando a inutilidade daquele órgão de consulta criado sabe-se lá para quê.

 

Apetece-me, portanto, elogiar a sociedade. Onde se integram agricultores, assistentes de bordo, auxiliares de saúde, bancários, bioquímicos, bombeiros, caixas de supermercado, camionistas, carteiros, cientistas, comerciantes, controladores aéreos, cozinheiras, cuidadoras, distribuidores, educadoras de infância, empregadas de limpeza, enfermeiras, estivadores, farmacêuticas, ferroviários, informáticos, jornalistas, maquinistas, médicos, merceeiros, motoristas, operadores de máquinas, operários, padeiros, pastores, pescadores, pilotos, professores, psicólogos, revendedores, seguranças, taxistas, técnicos de informática, veterinárias, vigilantes, voluntários.

Gente que trabalha por vezes sem rede, sem horário, sem "direitos adquiridos", sem pedir nada em troca, sem a perspectiva de poder ter emprego no mês seguinte.

Gente como vós, gente como qualquer de nós. 

Obesidade mórbida

Paulo Sousa, 26.02.20

Olhando para o site da Direcção Geral do Orçamento e comparando a relação de grandeza entre o total da despesa pública e o PIB no ano de 2019, podemos afirmar que a riqueza produzida no país deixou de ser consumida pelo estado apenas no dia 23 de agosto pelas 12 horas e 14 minutos.

Neste rectângulo à beira mar plantado nunca o contribuinte luso foi chamado a contribuir com tanto para os cofres do estado. Podemos por isso afirmar com toda a propriedade que vivemos tempos históricos.

Esta data é simbólica mas serve para provar o excessivo peso do estado na vida dos seus cidadãos. Infelizmente não inclui todo o esforço que temos de despender para cumprir com todas as burocracias que nos são impostas.

A título de exemplo basta imaginar quantas horas terão sido gastas nestes últimos dias a conferir e validar facturas no portal das finanças? Cada contribuinte ou agregado terá consumido no mÍnimo duas ou três horas a fazê-lo, e a partir daí basta fazer as contas.

Fosse o estado um daqueles clérigos glutões tão bem descritos por Eça e estaria à beira de uma apoplexia.

A beleza das coisas simples

Paulo Sousa, 04.02.20

O nosso colega jpt já aqui postou sobre o maravilhoso salto em frente que Lisboa está a dar.

A beleza das coisas simples, que circula nas veias da máquina do estado, merece hoje e aqui um destaque especial. Veja-se como são belas as regras de acesso à Zona de Emissões Reduzidas Avenida.

"Os residentes poderão receber visitas?

Sim, mesmo que o próprio residente não tenha automóvel e desde que esteja registados no sistema. Mas atenção que o carro tem se ser posterior a 2000. Cada residente pode receber até um máximo de dez visitantes por mês. Terão de avisar previamente, indicando a matrícula do respectivo veículo, o que poderá acontecer através de uma app criada para o efeito ou por telefone. Para estacionar, é que só poderão fazê-lo num dos parques da zona. Por outro lado, os cuidadores de residentes também podem entrar (tem de ser requerida uma autorização prévia), mas só poderão estacionar nos parques de estacionamento."

Qualquer sílaba, ou mesmo vírgula, a mais criaria um desequilíbrio na métrica desta quase poesia.

Não fosse a app, que dá um ar modernaço e não emite carbono, podia ser uma tradução de um edital na RDA.

Reflexão do dia

Pedro Correia, 23.10.19

«O tão badalado Estádio Municipal de Braga, orçado em 65 milhões de euros, já vai em 175 milhões de custo efectivo - a que ainda há a acrescentar mais umas dezenas, por via de dívidas em cobrança judicial, mais os respectivos custos e juros de mora. Ninguém será, obviamente, responsabilizado: isto é Portugal, é o Estado a gerir e o dinheiro é integralmente dos contribuintes.»

Miguel Sousa Tavares, n' A Bola

O dia da metadona

Paulo Sousa, 24.09.19

A entrada do estado na esfera individual no nosso país é uma tendência ainda em crescimento mas que um dia terá de ser travada.

A invasão começou sem esse propósito e era então justificada pela vontade de limitar as assimetrias sociais que existiam em proporções diferentes entre as regiões do país. O aumento dos impostos foi vestido com um fatinho domingueiro de forma a acrescentar ao estado a responsabilidade de tratar dos pobres e desvalidos. Quem é que de boa consciência humanista poderia questionar tal propósito?

A esquerda, à falta de operários, adoptou os pobres e fez-se dona da assistência social, e passou a classificar as ajudas organizadas pela Igreja como caridadezinha, como se quem recebesse ajuda se preocupasse de onde ela vem.

Até um certo ponto tudo funcionou dentro do benevolente espírito inicial, mas ano após ano as garantias dadas a todos e a cada um foram sendo alargadas. Era preciso ser-se criativo e fazia sentido alargar a caridade pública ao ritmo da frequência das eleições. Pouco a pouco chegou-se a pontos em que os encargos (e regulamentos) a quem cria riqueza e a quem cumpre horários, e dessa maneira alimenta financeiramente o sistema, eram tais que deixou de compensar correr riscos e a ser a pontual, e passou a ser mais racional mudar da coluna dos que contribuem para a dos que recebem. Alguns passaram a ser exclusivamente contribuintes e outros exclusivamente beneficiários.

Ao longo dos anos os exclusivamente beneficiários tem aumentado significativamente. No nosso país mais de 50% da população aufere de transferências directas do estado.

À minha volta isso demorou a ser notório, ou então fui eu que demorei a reparar. Sabia que no interior do país, num mundo social e economicamente deprimido, era o estado que ia mantendo a permanência de pessoas. Sabía que no interior havia menos empresas e negócios e por isso o peso do estado era superior ao das zonas mais dinâmicas. Câmaras e Juntas eram ali os principais empregadores. Aqui no centro do país e perto da costa, graças às cerâmicas, fábricas de moldes e outras industrias, tudo era diferente.

Ano após ano a relação de dependência ao estado foi-se aprofundando. Os políticos para sobreviver precisam de se mostrar agradáveis e os cidadãos reagem positivamente a estímulos positivos. Esta simbiose manteve-se mesmo quando o ponto de equilíbrio foi ultrapassado, e no caso português já foi ultrapassado tantas quantas vezes falimos nos últimos 40 anos.

Tudo isto já era para mim um facto, mas no passado dia 10 voltei a aperceber-me da dimensão da coisa. E é nesse dia que são pagas as pensões e, por isso, é também nesse dia que a economia local acelera com a nova injeção de liquidez. No dia 10 os balcões bancários estão apinhados de gente desde a abertura até ao final do expediente. O quadro de pessoal não pode tolerar folgas e, mesmo assim, as filas chegam à porta. Neste dia, por mim batizado pelo dia da metadona, não se pode ir ao banco por outro motivo que não seja ir levantar a reforma. De inverno chegam a tremer de frio, tal como tremem os drogados na fila da metadona.

Numa segunda linha de efeito é o comércio local que acelera para fornecer os bens essenciais a um ritmo que só voltará a fornecer no mês seguinte. Talvez em Lisboa e nos grandes meios urbanos seja menos notório mas não será muito diferente.

Isto é real, silencioso e é uma forma de pobreza. Nos telejornais despejam-se baldadas de alegria pelo crescimento PIB mas o país continua refém de um estado omnipresente que tudo quer controlar e taxar, para poder engordar e as sobras distribuir. Quem recebe, tal como antigamente, sabe que não pode morder a mão de quem o alimenta e, sem dar conta, continua a trocar dignidade por côdeas. Ao fim e ao cabo os vizinhos, primos e enteados também recebem e isso alivia o eventual ónus da desconsideração social. Soube há dias que ter um filho com astigmatismo visual dá direito a subsídio. Mas recebê-lo não dá estigma social aos seus pais. Se o filho da vizinha recebe, porque é que eu não tenho direito?

Será possível interromper este ciclo?

As mudanças que resultaram do dinheiro descarregado na economia após adesão à UE não alteraram a relação do cidadão com o estado. Antes não se podia afrontar porque fazia doer, e agora porque dá de comer. A subserviência mantém-se.

A liberdade é uma música que põem a tocar no 25 de Abril, mas se antes não existia, agora está refém dos donos do regime.

A liberdade de escolha não está interiorizada no modo de agir dos portugueses. Tal como a sobrecarga que se colocava nos selos quando se mudava de regime, e ainda não se tinha tido tempo de fazer uma nova emissão, a liberdade ainda se esgota num carimbo da Constituição.

Quando é a maioria que decide, mais de 50% dos eleitores escolherá sempre de forma a que as transferências directas de que aufere não sejam interrompidas. O benefício imediato é um apelo lógico de quem quer maximizar o seu bem-estar. Arriscar as formulas que criaram riqueza noutras paragens é demasiado diferente, e os portugueses arrojados partiram de caravela há muito e nunca mais regressaram.

De que forma se poderá interromper esta trajectória? Será mesmo este o nosso fado?

Nas próximas eleições só não votarei Iniciativa Liberal porque o nosso sistema eleitoral foi feito para complicar a vida às ideias diferentes. Espero sinceramente que consigam eleger pelo menos um deputado num dos círculos eleitorais mais populosos onde há mais opções eleitorais. O nosso sistema eleitoral precisa de ser revisto. Portalegre, por exemplo, elege dois deputados. Que opções têm os seus eleitores? A nossa democracia é diferente por isso em Portalegre, em Leiria e em Lisboa. Não duvido que se aos actuais círculos eleitorais fosse acrescentado um circulo nacional a abstenção diminuiria.

Independentemente dos resultados que venha a conseguir, a Iniciativa Liberal tem o mérito de apresentar um alternativa ideológica ao marasmo do socialismo que nos governa desde 1974. Sem o dinheiro da UE seríamos hoje uma Venezuela sem petróleo.

No dia em que deixar de haver dinheiro, favores, cargos e prebendas para distribuir regime cairá. Será possível reforma-lo antes disso?

Aulas de condução

José Meireles Graça, 16.08.19

Recordo-me da primeira vez que guiei um carro: teria uns 16 anos, o meu Pai estava no hospital, pilhei as chaves do Morris 850 e fui dar uma volta, em estado de grande excitação. Fora uns sacões, por causa do controle maçarico da embraiagem, nada de mais.

Quando tirei a carta de condução, em 1970, tive uma ou duas lições, e viva o velho: já guiava há mais de um ano, sem carta, e o Volkswagen carocha não levantava particulares problemas de condução. Quanto ao Código da Estrada, igual – aquilo era meia dúzia de tretas acessível a qualquer labrosca com as primeiras letras.

A escola de condução exigia, no interesse dela, um mínimo de lições (5 ou 10, já não lembro) pagas adiantadamente, e o instrutor agradeceu a oferta dos respectivos talões, para ganhar o seu modesto estipêndio, sem a maçada de “ensinar” um tipo que guiava melhor que a quantidade de aselhas que levava a exame.

Quando, passado pouco tempo, tirei carta de motos (já tinha a minha saudosa Honda 400, e conduzia, há muito), não me dei muito bem: o raio da mota do exame, uma Jawa decrépita, tinha as velocidades ao contrário, mas passei à primeira.

O mundo desse tempo era imensamente mais livre do que o de hoje. Entendamo-nos: livre para quem não se lembrasse de emitir opiniões sobre a condição política do país, ou o comportamento das autoridades, ou de escrever o que lhe desse na bolha. O que quer dizer que de liberdade de expressão da opinião, nada; mas de cada um guardar o que fosse seu, ir por onde pudesse e lhe apetecesse, ter os vícios que tivesse, comer o que lhe agradasse, e de forma geral viver sem tropeçar no Estado a todas as esquinas da vida, todos os dias – tudo.

As multas e os interditos eram comedidos – era improvável que, mesmo apanhado, o caso fosse sério. E, reposto o carro na garagem, sem uma arranhadura, regressei orgulhoso ao meu café, impante de satisfação, para contar a proeza aos outros gandulos.

Hoje, o país vive soterrado sob um espesso manto de legislação, e a vida e os rendimentos do cidadão são minuciosamente regulados por inúmeras agências estatais, com frequência sob a designação ominosa de “Autoridade de Não sei Quê”, que aplicam uma floresta de regulamentos ininteligíveis e, às vezes, contraditórios. Não admira: até o mérito e a competência da AR, o órgão legislativo por excelência, e dos partidos que o compõem, é medido pela quantidade de diplomas que expele, actividade em que comunistas e bloquistas têm o deplorável hábito de brilhar; e não há secretário de Estado, ou presidente de câmara, que não queira deixar a sua marca no mundo com um estendal de intromissões no que lhes não devia dizer respeito.

O Estado exige que quem anda na estrada ofereça garantias de não constituir um perigo para os outros (também exige, abusivamente, que não seja um perigo para si mesmo, mas não é aqui o ponto) e por isso faz um exame de competências, e regulamenta-o como entende.

Faz bem. Mas infelizmente, o frenesim controleiro não se basta com isto: “Os sistemas de monitorização foram certificados de acordo com o legalmente estabelecido, estando sujeitos a fiscalização”, diz o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, por causa de condutores que, segundo o Instituto e a prodigiosa cambada de parasitas burocráticos que parem estas coisas, fingem que andam a aprender mas não andam.

Se não andam a aprender deviam chumbar no exame; e se não chumbam ou o exame é mal feito ou não precisavam das aulas para nada, donde obrigá-los a frequentá-las é apenas um expediente para lhes extorquir dinheiro.

E isso ainda será o menos. Porque os sistemas, a monitorização, as certificações, a fiscalização, são outras tantas maneiras de propiciar adjudicações a amigos e empregar inúteis.

Querem diminuir a corrupção e fomentar o crescimento económico multiplicando as regras e acrescentando serviços?

Deixem-me rir: Boa parte dos serviços públicos não acrescenta nada – são estorvos; e para os pagar retiram-se recursos à economia, cujo crescimento só pode vir do investimento para criar bens e serviços que voluntariamente alguém queira consumir e comprar. Sem decretos-lei, portarias e coimas.

A defesa indefesa

Pedro Correia, 02.07.17

Eis o inventário completo do material de guerra roubado em Tancos, publicado hoje no jornal digital El Español.

Perante esta clamorosa falha de segurança que cobre o Estado português de ridículo e já está a ser reportada além-fronteiras, o ministro da Defesa reconhece, com chocante resignação: "Esse material estará agora a tentar entrar no mercado ilícito de tráfico de armas que podem depois servir para os mais diferentes fins."

Ou seja: as armas roubadas em Tancos estarão já nas mãos de traficantes e de terroristas. Enquanto o responsável pela pasta da Defesa, mais indefesa que nunca, se limita a dizer que assume "responsabilidades políticas" sem retirar as consequências que se impõem destas palavras. Está bem acompanhado, pela sua colega da Administração Interna: ambos agarrados ao lugar como se a autoridade do Estado não tivesse sido gravemente atingida em Tancos e Pedrógão, perante a complacente e benévola bênção do primeiro-ministro.