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Delito de Opinião

A esquerdalhada

jpt, 29.05.23

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Num postal recente usei o termo "esquerdalhada" (que me é habitual). E logo três amigos me enviaram mensagens, pois com ele incomodados. Nos comentários recebidos (no meu mural de Facebook) também surgiu algum desconforto - e mesmo imprecações. Naquela plataforma a ligação ao texto foi partilhada por outros - o que lhes agradeço - em cujos murais também notei algumas reacções desagradadas, até furiosas. Isto mostra a vigência de um sentimento pelo qual sobre os locutores de “esquerda” não se deve verbalizar menosprezo ou desrespeito pelas suas atrapalhadas ou aldrabadas opiniões.

Reacções ao invés das esperadas face à rapaziada da direita. Sobre esta há dois termos que vão surgindo: o mais raro “direitinhas” - em tempos consagrado em banda desenhada publicada no “Diário”, o jornal do PCP dirigido por Miguel Urbano Rodrigues -, mas que não vinga muito dado o tom pouco ferino que aquele sufixo sempre dá. E o mais habitual - e quase automático - “fascistas” (ou “faxos”), uma evidente desvalorização ética e intelectual.

 

 

Aguardo as devidas manifestação de apoio

Paulo Sousa, 09.12.22

Pedro Castillo surgiu há uns meses nos media internacionais como sendo o candidato peruano da esquerda. Este professor primário, com uma carreira de sindicalista, representava à época "um travão ao espectro da direita corrupta e autoritária". Este excerto faz parte do Comunicado divulgado pelo Secretariado do Bloco de Esquerda, aquando da sua eleição.

O PCP saudou também a sua eleição, elaborando certamente sobre a ameaça à democracia que a direita autoritária constituía, mas para saber mais só mesmo assinando o Avante, sendo necessário para isso pagar, e em moeda forte.

Este excerto de uma entrevista dada pelo então candidato, não deixa de ser revelador do seu elevado nível.

Entretanto soubemos que Bolsonaro, perdão, Pedro Castillo tentou levar a sua luta a outro nível, anunciando a dissolução do Congresso, o que mais não era que um golpe de estado. Depois disso, já foi preso e as investigações de corrupção e tráfico de influências que recaem sobre ele, continuarão a decorrer.

Certamente que o BE e o PCP virão a público comentar este contratempo na luta contra o autoritarismo e a corrupção na América do Sul. Até lá fico sentado, e até vou buscar uma manta para agasalhar as pernas, que o preço do gás está pela hora da morte.

A propósito de Paulo Rangel

jpt, 06.09.21

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Desde há cerca de um ano que aprendi a ter algum apreço pelo eurodeputado Paulo Rangel. Pois considero que no Parlamento Europeu teve posições muito ponderadas relativamente à situação do Cabo Delgado (e sobre isso aqui botei). Terão sido algo tardias. Mas o que é certo que os outros agentes políticos meus compatriotas (e não só) não foram mais céleres. Nem tão eficientes.

Enfim, por outras razões desde há algum tempo Rangel foi alvo de ataques soezes. Na imprensa instituída e nesta imprensa popular que são as "redes sociais". Senti-me solidário com o político, não só pela crença na necessidade de manter a distinção entre o "público" e o "privado". Mas também por um empatia enfatizada, dado que partilho algumas das características biográficas de Rangel que então foram propaladas. E aviltadas. E digo-o sem qualquer "drunk pride", mas apenas assumindo que também já me aconteceu perder a capacidade de traçar azimutes.

Rangel veio agora confirmar algumas dessas suas características. Imediatamente lhe soam em cima os urros de trabalhadores intelectuais - leio um feixe de sociólogos, historiadores, antropólogos, políticos, etc. - e letrados (pois dispõem bem as letras, mesmo no gutural twiterismo) que o acusam de hipocrisia. E assim consideram um homem "como ele" hipócrita pois, dizem-no, tem "ambições". Algo que qualquer bom católico do Antigo Regime (não do "anterior" mas do "Antigo", sublinho) considerará um pecado... pois violando a ordem natural das coisas, a ordenação divina. E nisso dizem-no também "incoerente", dado não partilhar as opiniões políticas que esses intelectuais/letrados têm. As quais consideram obrigatórias para determinadas "espécies".

De facto, essas pessoas - alguns conhecidos académicos, políticos, no activo ou retirados, jornalistas - reagem a la Fernando Rosas, quando veio gozar o político do CDS que "assumiu" (esse termo semanticamente tétrico) alguns traços da sua personalidade. Todos eles, repito, apoucam, repudiam, até insultam, a "incoerência", a "hipocrisia" de Rangel.

Enfim, pouco haverá para dizer. Apenas que é preciso ser mesmo muito ordinário para um tipo se dizer de esquerda e apoiar um bandalho que denuncia os activistas pró-palestianos à Embaixada de Israel. E depois vir - como se nada fosse - clamar contra a hipocrisia e a incoerência alheia. Sobre este tipo de gente quando eu era jovem usava-se um expressão: "dão o cu e cinco tostões". Para proteger o partido que lhes dá acesso aos tais "cinco tostões". E não têm pingo de vergonha.

Se alguém no Arrastão me puder esclarecer, eu ficar-lhe-ei eternamente agradecido

José António Abreu, 02.05.12

O texto do Arrastão a que o José Gomes André fez referência deixou-me preocupado, a pensar no post que publiquei à hora de almoço (sobre como adquiri vinte e três livros numa única semana de Feira do Livro). Poderia o meu comportamento configurar um caso de consumismo excessivo em época de baixa de preços? Creio que só pode, não é? Coro de vergonha, acreditem. Mas resta-me uma esperança: que, de alguma forma, as pessoas que compram demasiados livros com desconto escapem à classificação de «zombies estúpidos»; que «zombies estúpidos» sejam apenas as que aproveitam promoções para comprar comida e fraldas para os filhos.

A Esquerda-caviar

José Gomes André, 02.05.12

"[...]a horda de zombies consumistas que esvaziaram prateleiras e lutaram por um pedaço do sonho proporcionado pelo magnânimo Alexandre Soares dos Santos, um dos pais da pátria. Estão todos bem uns para os outros: [...]; também os zombies estão de parabéns: os milhares (milhões?) de clientes que hoje gastaram dinheiro em mercadorias a granel - é para isso que estes estímulos ao consumo desenfreado servem - não chegarão a perceber que parte daquilo que compraram não era absolutamente necessário e por isso viverão felizes na ignorância dos estúpidos. [...] E o "povo", essa entidade que, quando quer, sabe comportar-se como uma horda de zombies, esteve literalmente a borrifar-se para a crise e para os direitos dos trabalhadores." [Sérgio Lavos, no Arrastão - óbvio].

 

A esquerda-caviar no seu melhor: o "povo", por quem tanto se preocupa, é afinal uma horda de zombies estúpidos, que vive na ignorância e é manipulada pelo grande capital. Precisa de quem os ilumine, como dizia Rousseau, o pobre do "povo". Gosto quando estala o verniz desta elite gourmet, tão alarmada com os "direitos do povo" quanto alimentada pelo seu sentimento de superioridade moral e intelectual.