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Delito de Opinião

Pensamento da semana

Pedro Correia, 13.04.25

 

A chamada esquerda esqueceu as suas pretensões de sempre, centradas na igualdade, para defender múltiplas identidades tribais, cada vez mais diversas e microscópicas. Com isso distanciou-se dos cidadãos concretos, mergulhando numa crise de tal envergadura que pode tornar-se irrecuperável.

 

Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana

A simetria

Pedro Correia, 18.03.25

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Há umas décadas, para a esquerda mais extremista, nenhum partido dito socialista, trabalhista ou social-democrata era suficientemente de esquerda.

Para esta corja de fanáticos hiper-revolucionários, os partidos "burgueses" do centro-esquerda «faziam o jogo da direita» e eram «aliados do fascismo».

 

Os tempos mudaram.

 

Hoje, para a direita mais extremista, nenhum partido dito liberal, democrata-cristão ou conservador moderado é suficientemente de direita.

Para esta corja de fanáticos hiper-nacionalistas, os partidos "globalistas" do centro-direita «fazem o jogo da esquerda» e são «aliados do comunismo».

 

Simetria perfeita: duas faces da mesma moeda contaminada pelo mais extremo absurdo.

PS, o Partide Socialiste

Paulo Sousa, 17.01.25

A geringonça dominada por Costa nunca deixou de ser um namoro com o demónio, embora com um centrista a dominar a relação. O PS que lhe sobrou é um partido convicto das causas da extrema-esquerda, continua a pensar que a esvaziou, mas o país já entendeu que, embora a sigla se mantenha, o actual PS se transformou no Partide Socialiste, um partido inclusivo e convicto das causas modernas. Para o Partide Socialiste de Pedro Nuno Santos e de Alexandra Leitão, os oprimidos de outrora foram substituídos pelas ultra-minorias sexuais e pelos estrangeiros. Não lhes importa o que os estrangeiros pensam sobre as ultra-minorias sexuais, não lhes importa a forma como os estrangeiros tratam as mulheres, nem lhes importa como as mulheres são tratadas pelas ultra-minorias sexuais. A cola que junta toda esta dinâmica é a luta contra o que está estabelecido. O tradicional património da extrema-esquerda é o actual credo do PS. Veremos o que o eleitorado pensa disso.

O suicídio da esquerda

Paulo Sousa, 13.11.24

"(…) a Esquerda está a desaparecer em parte porque escolheu o suicídio.

Este suicídio tem duas faces. Em primeiro lugar, a esquerda tornou-se elitista e snobe, esquecendo a classe social e a pobreza. A esquerda cool deste século só olha para a pobreza se o pobre for negro ou castanho. Se for branco, o pobre é desprezado. Aliás, a esquerda e os media rasgam as vestes quando Trump é preconceituoso contra uma etnia, mas não rasgam essas mesmíssimas vestes quando a elite democrata é preconceituosa conta uma classe social, o working man rural ou urbano.

Em segundo lugar, a esquerda não é coerente na defesa dos valores dos direitos humanos e dos direitos individuais, a começar nos direitos das mulheres e da comunidade LGBT. Estes assuntos (machismo, feminismo, homofobia) só são discutidos pela esquerda dentro do redil do homem branco. Fica implícito de que só o homem branco pode ser homofóbico e machista. Mesmo perante manifestações gigantescas de machismo dos homens negros, muçulmanos ou hispânicos, a esquerda cala-se porque tem medo de ser rotulada de “racista”. Não se trata de racismo, mas de coerência feminista. Debaixo do manto do “antirracismo”, permite-se que os homens negros e muçulmanos defendam a masculinidade tóxica enquanto direito cultural."

Henrique Raposo, Expresso

Reflexão do dia

Pedro Correia, 16.03.24

«A espantosa ideia do BE e do Livre de tentar unir a esquerda numa frente comum anti-AD e IL é uma espécie de associação de lesados da velha democracia. Para quê? Se não é para governar, a ideia é absurda, sobretudo para o PS, caso ainda esteja interessado em fazê-lo na próxima década.

Qualquer alma no PS deveria perceber isto. À sua esquerda ninguém quer que o PS alguma vez supere os 30%. Querem criar um bloco onde as ideias mais puras impeçam qualquer ponte com o PSD. Em rigor, os náufragos da esquerda querem juntar-se para tentar acelerar o abraço do PSD e do Chega. Boa sorte com a brilhante "estratégia" de ver quem vai primeiro ao fundo.»

 

Ricardo Costa, no Expresso de ontem

Syriza Goldman Sachs radical-chique

Pedro Correia, 26.09.23

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Stefanos Kasselakis: a "verdadeira esquerda" na Grécia já não é o que era

 

O Syriza grego, que há meia dúzia de anos era apontado como o farol capaz de iluminar toda a esquerda radical na Europa, acaba de eleger como líder um ex-alto quadro dirigente da banca internacional: Stefanos Kasselakis, de 35 anos, viveu até há dois meses nos Estados Unidos, onde figurava na folha de pagamentos da famigerada Goldman Sachs - essa mesmo, a que tem sustentado Durão Barroso desde 2017.

Na altura, o Esquerda.Net publicou inflamados artigos noticiando a ligação do antigo primeiro-ministro português ao banco de investimentos. Andam distraídos, os camaradas do jornal digital do Bloco: ainda não vi por lá qualquer referência ao novo timoneiro da "verdadeira esquerda" grega, que eles tanto incensavam e louvavam quando era liderada por Alexis Tsipras. Agora que a Grécia tem «o parlamento mais à direita das últimas décadas», é tema pelo qual se desinteressam.

Tão radical o Syriza era, tão quase-liberal ficou agora com este empresário americanizado do sector financeiro no posto de comando. «É como se a Netflix tivesse entrado, se apoderasse do partido e o convertesse numa série», desabafou ao Guardian o escritor grego Dimitris Psarras, sem conter o espanto. Uma longa viagem, do marxismo-leninismo à Goldman Sachs.

A esquerda radical anda cada vez mais chique. Parece ter sido há longas décadas que o Syriza fazia inundar de júbilo gente subitamente apaixonada pelos vermelhos helénicos como Catarina Martins, Marisa MatiasIsabel Moreira, Ana GomesAndré Freire, Boaventura de Sousa Santos, a escritora Hélia Correia, o pintor Leonel Moura e até a inefável Manuela Ferreira Leite

Que dirão elas e eles agora?

A esquerdalhada

jpt, 29.05.23

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Num postal recente usei o termo "esquerdalhada" (que me é habitual). E logo três amigos me enviaram mensagens, pois com ele incomodados. Nos comentários recebidos (no meu mural de Facebook) também surgiu algum desconforto - e mesmo imprecações. Naquela plataforma a ligação ao texto foi partilhada por outros - o que lhes agradeço - em cujos murais também notei algumas reacções desagradadas, até furiosas. Isto mostra a vigência de um sentimento pelo qual sobre os locutores de “esquerda” não se deve verbalizar menosprezo ou desrespeito pelas suas atrapalhadas ou aldrabadas opiniões.

Reacções ao invés das esperadas face à rapaziada da direita. Sobre esta há dois termos que vão surgindo: o mais raro “direitinhas” - em tempos consagrado em banda desenhada publicada no “Diário”, o jornal do PCP dirigido por Miguel Urbano Rodrigues -, mas que não vinga muito dado o tom pouco ferino que aquele sufixo sempre dá. E o mais habitual - e quase automático - “fascistas” (ou “faxos”), uma evidente desvalorização ética e intelectual.

 

 

Dois deputados que deixaram saudades

Pedro Correia, 26.04.23

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O 25 de Abril fez-se para fundar uma democracia representativa em Portugal, sufragada pelo voto universal e livre dos cidadãos. Mas raras vezes, ano após ano, vejo homenagear esse órgão concreto da democracia - com o qual tantos sonharam durante gerações - que é a Assembleia da República, símbolo supremo do nosso regime constitucional.

Espero que este lapso seja corrigido e que em 25 de Abril de 2024, quando a Revolução dos Cravos comemorar meio século, possam ser homenageados 50 deputados, de diferentes partidos. Deputados que nunca foram ministros nem secretários de Estado nem presidentes de câmara nem presidentes de governos regionais: apenas deputados. Seria uma excelente forma de assinalar a instituição máxima da democracia portuguesa.

 

Fui repórter parlamentar do Diário de Notícias durante cinco anos e, nessa qualidade, tive o privilégio de conhecer competentíssimos deputados em todas as bancadas. A pretexto do 25 de Abril, quero distinguir dois desses parlamentares que conheci pessoalmente: Maria José Nogueira Pinto e João Amaral. Ela claramente de direita, ele inequivocamente de esquerda.

Em legislaturas marcadas por fortes combates políticos, nenhum dos dois alguma vez cessou de tomar partido, envolvendo-se convictamente no confronto de ideias que é função cimeira do órgão parlamentar: sabia-se ao que vinham, por que vinham, que causas subscreviam e que bandeiras ideológicas sustentavam. Mas também sempre vi neles capacidade para analisar os argumentos contrários, com elegância e lealdade institucional, sem nunca deixarem as clivagens partidárias contaminarem as saudáveis relações de amizade que souberam travar com adversários políticos.

Porque a democracia também é isto: saber escutar os outros, saber conviver com quem não pensa como nós.

 

Lembro-me deles com frequência. Como me lembro das sábias palavras que Giorgio Napolitano proferiu em 2013, ao tomar posse no segundo mandato como Presidente italiano. «O facto de se estar a difundir uma espécie de horror a todas as hipóteses de compromisso, aliança, mediações e convergência de forças políticas é um sinal de regressão», declarou neste notável discurso Napolitano, que aos 97 anos ainda é um dos políticos mais respeitados da turbulenta e caótica Itália.

Palavras que deviam suscitar meditação entre nós. Palavras que a conservadora Maria José Nogueira Pinto e o comunista João Amaral decerto entenderiam - desde logo porque sempre souberam pôr os interesses do País acima de tacticismos políticos.

Quis o destino, tantas vezes cruel, que já não se encontrem fisicamente entre nós. Mas o exemplo de ambos perdura, como símbolo de convicções fortes que - precisamente por isso - são capazes de servir de cimento para edificar pontes. E talvez nunca tenhamos precisado tanto dessas pontes como agora.

O caviar da "verdadeira esquerda"

Pedro Correia, 05.04.23

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Este maravilhoso governo, enfim consciente de haver um milhão de "famílias carenciadas" e mais de três milhões de "portugueses vulneráveis", deu o dito por não dito anunciando o IVA zero para um cabaz de produtos alimentares. Após meses a jurar que jamais tomaria tal medida - pelas vozes autorizadas do ministro das Finanças, do ministro da Economia e do próprio primeiro-ministro. Exemplos de marxismo, tendência Groucho: se os meus princípios não agradam, arranjo outros.

António Costa, agindo como se não houvesse na sua equipa governativa alguém que ainda se intitula ministra da Agricultura e da Alimentação, decidiu ser ele próprio a comunicar a boa nova aos compatriotas: 44 produtos alimentares isentos de IVA durante pelo menos seis meses. 

Na Assembleia da República, esta lista - que entrará em vigor, já em forma de lei, no próximo dia 18 - foi aumentada.

Passa a incluir, por proposta do PAN, «bebidas e iogurtes de base vegetal, sem leite e lacticínios, produzidos à base de frutos secos, cereais, ou preparados à base de cereais, frutas, legumes ou produtos hortícolas».

Também se alarga, por proposta do PSD, ao «leite de vaca em natureza, esterilizado, pasteurizado, ultrapasteurizado e fermentado».

Fora desta isenção ficam outras reivindicações do partido animalista: soja, lentilhas, tofu e seitã. Tal como a «alimentação dos animais de companhia», incluindo canários e peixinhos de aquário.

Mas o mais criticável, sem dúvida, é a exclusão do caviar - alimento vital de muitos radicais-chiques. Esta injustiça deve ser reparada sem demora. Como ensinou um dos vultos mais eminentes da "verdadeira esquerda", Boaventura Estaline da Silva, «nem só de pão vive o homem - o caviar também faz falta».

33 Anos Após Tiananmen

jpt, 04.06.22

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("Goo Goo Gai Pan", 12º episódio, 16º ano de "Simpsons" - censurado na China.)

Há 33 anos o massacre em Pequim... No dia seguinte ao início da mortandade este episódio:

É sabido o "cancelamento" deste episódio. Não só a ditadura chinesa o apaga da história - chegando a censurar o episódio dos "Simpsons" que a ele alude. Mas também a ele pouco ou nada se alude no imensa produção cultural internacional "empenhada", anti-capitalista, alter-globalista. De facto, no seio da "esquerda" "cosmopolita" este "Homem do Tanque" não ascendeu a ícone, não foi aposto à fileira desde o "No pasáran!" e por aí afora, não desce a Avenida em Abril, nenhum dos que se tatuam com o guerreiro Guevara lhe associam este incógnito no outro peito ou braço, barriga da perna que seja, não há t-shirts nem grafitis emporcalhando paredes, não abundam trinados da "música popular brasileira" em sua memória ou qualquer poemaço exaltado, até transposto a faduncho. Todos os anos alguns "reaccionários", gente da "direita" malvada, o lembram por este Junho, e nisso colhem, quanto muito, uns "decoloniais" comentários, quais "o cabrão do chinoca tinha tomates, lá isso é verdade". E lá seguem os "democratas" no seu rosário de "boas causas", ufanos... 
 
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Nisso, bem especioso veio o PCP, que em 2011 achou necessário avisar os militantes que isso de Tiananmen "foi uma farsa" - os detalhes pouco importam pois, como bem é sabido pelo povo camarada, com a verdade me enganas. Seguindo o tal partido sempre ciente de que urge lembrar as massas de estar a vil imprensa ocidental (pior ainda a que se diz de "esquerda") em permanente campanha de difamação das democracias socialistas... Nesse inabalável rumo mostrando bem que o PCP não muda. Nós é que, às vezes e por mera preguiçosa distracção, nos surpreendemos.

Candidatas às frases mais ridículas do ano

Pedro Correia, 06.05.22

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«Da guerra. Trata-se de uma tragédia, sobretudo para os ucranianos, e para a esquerda também não é boa.»

«Quem sente em si anticomunismo deve verificar se não encontra também fascismo.»

«Devo criticar uma pessoa racializada em frente a alguém que sei ser racista? Diria que não.»

«Ninguém de esquerda pode sentir prazer em assistir ao linchamento de um partido como o PCP.»

«O PCP, contrariamente ao que seria previsível, pode sair daqui com vigor.»

«O que querem os anticomunistas? Acabar com o PCP. O que vão conseguir? Talvez dar-lhe um novo alento.»

 

Carmo Afonso, colunista da última página do Público de hoje

A importância de falar claro

Pedro Correia, 06.01.22

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«A esquerda atingiu um patamar tal de auto-suficiência que já só trata dos seus temas privativos. Por exemplo, o salário mínimo. O salário mínimo é uma preocupação da esquerda, uma questão nacional importante num país onde infelizmente demasiados dos nossos concidadãos auferem ao fim do mês o salário mínimo. Mas nunca há um momento em que digam: "Porque é que o salário mínimo é este?"

Esta é a questão essencial da vida portuguesa. Estão no atira-culpas sem perguntarem por que o salário mínimo não atingiu valores que a economia portuguesa não pode pagar. Nunca há uma oportunidade para se discutir esta questão. Porque é que temos uma economia que não permite pagar um salário mínimo decente? Porque é que temos uma economia que põe um terço dos trabalhadores a receberem o salário mínimo?

Este tema nunca atravessa o debate. Parece um leilão de bondades. Como se não existisse uma coisa chamada realidade. E como se não existisse uma realidade chamada economia portuguesa. Isto é absolutamente espantoso.

Já no debate [de António Costa] com Rui Tavares era a mesma coisa: "Porque é que não somos a Suécia?" Mas é preciso explicar porque é que não somos a Suécia? Primeiro, porque o modelo dos comunistas, sejam eles do PCP, do Bloco de Esquerda ou do Livre, nunca foi a Suécia social-democrata. Nunca foi. Em segundo lugar porque em Portugal, infelizmente, temos entre metade e um terço da Suécia. Mas nestes debates da esquerda o tema da economia portuguesa, no seu modesto desempenho comparativo, nunca consegue encontrar caminho.»

 

Sérgio Sousa Pinto, deputado do PS, na CNNP (terça-feira)

Esquerda, direita

Pedro Correia, 16.11.21

Um partido espanhol recém-surgido, denominado España Vaciada (EV), já figura nas sondagens. Promete ser o representante dos esquecidos e negligenciados nas províncias mais pobres e despovoadas do país vizinho. Começando a alarmar os estados-maiores das principais forças políticas. Segundo uma recente pesquisa de opinião, poderá roubar seis deputados ao PP e cinco ao PSOE, conseguindo 15 representantes no parlamento.

Isto confirma que a política está em permanente mudança nos dias que vão correndo. Partidos como o EV - prefigurados no Teruel Existe, que já elegeu um deputado nas anteriores legislativas afirmando-se representante da Espanha profunda - não são de esquerda nem de direita. 

Aliás o que significam hoje a esquerda e a direita na política? Onde se situam Rui Rio, hipotético chefe da "direita", que vota a favor da legalização da eutanásia na Assembleia da República, e Jerónimo de Sousa, suposto representante da "esquerda", que vota contra a mesma iniciativa legislativa? Lamento decepcionar os cultores de etiquetas, mas esses conceitos geométricos ficaram lá para trás.

A propósito de Paulo Rangel

jpt, 06.09.21

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Desde há cerca de um ano que aprendi a ter algum apreço pelo eurodeputado Paulo Rangel. Pois considero que no Parlamento Europeu teve posições muito ponderadas relativamente à situação do Cabo Delgado (e sobre isso aqui botei). Terão sido algo tardias. Mas o que é certo que os outros agentes políticos meus compatriotas (e não só) não foram mais céleres. Nem tão eficientes.

Enfim, por outras razões desde há algum tempo Rangel foi alvo de ataques soezes. Na imprensa instituída e nesta imprensa popular que são as "redes sociais". Senti-me solidário com o político, não só pela crença na necessidade de manter a distinção entre o "público" e o "privado". Mas também por um empatia enfatizada, dado que partilho algumas das características biográficas de Rangel que então foram propaladas. E aviltadas. E digo-o sem qualquer "drunk pride", mas apenas assumindo que também já me aconteceu perder a capacidade de traçar azimutes.

Rangel veio agora confirmar algumas dessas suas características. Imediatamente lhe soam em cima os urros de trabalhadores intelectuais - leio um feixe de sociólogos, historiadores, antropólogos, políticos, etc. - e letrados (pois dispõem bem as letras, mesmo no gutural twiterismo) que o acusam de hipocrisia. E assim consideram um homem "como ele" hipócrita pois, dizem-no, tem "ambições". Algo que qualquer bom católico do Antigo Regime (não do "anterior" mas do "Antigo", sublinho) considerará um pecado... pois violando a ordem natural das coisas, a ordenação divina. E nisso dizem-no também "incoerente", dado não partilhar as opiniões políticas que esses intelectuais/letrados têm. As quais consideram obrigatórias para determinadas "espécies".

De facto, essas pessoas - alguns conhecidos académicos, políticos, no activo ou retirados, jornalistas - reagem a la Fernando Rosas, quando veio gozar o político do CDS que "assumiu" (esse termo semanticamente tétrico) alguns traços da sua personalidade. Todos eles, repito, apoucam, repudiam, até insultam, a "incoerência", a "hipocrisia" de Rangel.

Enfim, pouco haverá para dizer. Apenas que é preciso ser mesmo muito ordinário para um tipo se dizer de esquerda e apoiar um bandalho que denuncia os activistas pró-palestianos à Embaixada de Israel. E depois vir - como se nada fosse - clamar contra a hipocrisia e a incoerência alheia. Sobre este tipo de gente quando eu era jovem usava-se um expressão: "dão o cu e cinco tostões". Para proteger o partido que lhes dá acesso aos tais "cinco tostões". E não têm pingo de vergonha.

O lado da liberdade

Paulo Sousa, 22.05.21

Radicais Livres é um dos podcasts que oiço regularmente. Depois da partida de Rúben de Carvalho, podemos ouvir Pedro Tadeu no braço esquerdo do debate em oposição a Jaime Nogueira Pinto.

Ao ouvi-los aprende-se imenso, e é especialmente interessante o modo intelectualmente honesto como os dois falam com espessura sobre os mais variados acontecimentos históricos e da actualidade, em que, e entremeando com algumas gargalhadas, esgrimem as suas visões diferentes do mundo.

Num dos episódios mais recentes, e quando falavam sobre o policiamento da linguagem em curso, Pedro Tadeu reconheceu que a esquerda poderá a estar a cair na armadilha de ser ela a que impede as pessoas e de ser ela a que limita as liberdades. Acrescenta que na sua juventude, era a direita que proibia e limitava, e assume que é de esquerda por oposição a isso mesmo.

Este reconhecimento será mais uma prova dos movimentos pendulares da história, e não desligo isto do detalhe do nosso, sempre histriónico, Presidente da Assembleia da República ter empurrado o deputado único da IL para a direita do hemiciclo. Na mesma linha podemos também lembrar o slogan da surpreendente vencedora das eleições regionais madrilenas, Isabel Díaz Ayuso – Libertad.

Este é o tempo que nos é dado a viver. A esquerda é hoje limitadora, restringe, impõe, proíbe, quer policiar as palavras e, entretanto, os pensamentos. E eu sei de que lado não quero estar.

 

PS: Pedro, esta senhora merece o destaque de um postal num destes viernes

O caminho incerto das ideologias (à boleia com os das direitas portuguesas)

João Pedro Pimenta, 11.02.21

Com as presidenciais lá veio a eterna discussão da "reconfiguração da direita", esse assunto cornucópia da política portuguesa. Primeiro com os resultados de André Ventura (e do Tiago Mayan) nas presidenciais. Depois, quando o nosso Adolfo Mesquita Nunes (quando é que ele volta à escrita aqui no Delito?) desafiou Francisco Rodrigues dos Santos para um congresso, vendo o CDS mirrar e perder peso. Uns levantaram-se em seu apoio, a começar pelo grupo parlamentar, outros cerraram fileiras em volta de "Chicão", invocando uma "tentativa de golpe" e outros deixaram os órgãos partidários aos quais pertenciam sem contudo se juntar às hostes rebeldes. O presidente da formação manteve-se, embora enfraquecido. Não é propriamente um facto inédito: se há partido português com historial de lutas fratricidas é exactamente o CDS. Freitas sempre teve de enfrentar dissensões e afastou-se com a ascensão de Monteiro, que protagonizou mais tarde uma luta feroz com o seu antigo amigo Paulo Portas. Os apoiantes deste nunca se conformaram com a chefia de Ribeiro e Castro e não descansaram enquanto não repuseram na liderança o seu inspirador. Cristas teve de enfrentar críticas duríssimas e agora Rodrigues dos Santos sofreu um levantamento de rancho. Aquele partido leva as lutas tão a sério que até já teve estalo a valer nos seus congressos - pelo menos num Avelino Ferreira Torres andou à pancada com outro confrade. E neste caso não seria mal maior se não tivesse a Iniciativa Liberal e o Chega a limitar-lhe o espaço, problema que antes não havia.

A ajudar  à dita "reconfiguração" Pedro Santana Lopes saiu do seu Aliança, que tinha criado há pouco mais de dois anos, e anda por aí à procura uma câmara municipal disponível que lhe sirva de poiso.

Faits divers à parte, e deixando um pouco de lado a interminável discussão da direita portuguesa (à qual vou voltar em breve), a situação do CDS não deixa de ser intrigante. O partido sempre se gabou de ter três componentes: a democrata-cristã, a liberal e a conservadora. A liberal pode estar a mudar-se para a mais enérgica e definida IL; a conservadora dará a sua preferência ao Chega, muito embora este seja um emaranhado de coisas que pouco tem a ver com o conservadorismo clássico, o que daria razão aos que desconfiavam que o CDS albergava alguns reaccionários sem outro pouso e que muito do seu eleitorado estava à direita dos dirigentes. Mas e o democrata-cristão? Aquele que não se revê na face libertária da IL nem nos vitupérios de Ventura ou aproximações a LePen? A julgar pelas sondagens é minoritário, embora até conheça vários que estariam numa situação de orfandade caso o partido desaparecesse. O assunto é também objecto de análise de um artigo recente de André Lamas Leite

 

Não é para menos: a democracia-cristã, cujo berço será a Itália nos inícios do séc. XX e o Partido Popular de Sturzo e De Gasperi (é em sua homenagem que o PPE e restantes partidos populares se chamam assim), está em acelerado declínio, mesmo que parcial e nominalmente ainda pareça dominar em alguns países, como a Alemanha e a Áustria. Mas definitivamente parece estar longe da força e da influência de outros tempos, talvez por vivermos em sociedades que se têm vindo a tornar mais seculares, e o CDS é a prova nacional disso. 

Mas não é caso único. O comunismo, que, para voltar a um exemplo anterior, durante décadas dividiu eleições em Itália com a mesma democracia-cristã, teve uma queda abrupta desde os anos oitenta e ninguém minimamente lúcido aposta nos amanhãs que cantam como força dominante. Mesmo nos países de regime comunista, como a China e o Vietname, já é algo bem diferente do maoísmo original (muito embora permaneça o controlo ditatorial da sociedade), e Cuba é de uma decadência inimitável. Da social-democracia também há anos que se ouve falar do seu esmorecimento, e tirando alguns países onde o poder a mantém, como Espanha e Portugal, tem caído a olhos vistos, como em França, Grécia e Alemanha. O conservadorismo encontra-se numa cruzamento de dúvidas, entre versões descafeinadas e apelos reaccionários. O liberalismo, embora tenha alguns seguidores entusiastas, não parece ser capaz de formar governos, talvez vítima do seu próprio sucesso, já que as suas principais premissas foram cumpridas na maior parte dos regimes democráticos. A extrema-direita teve de abandonar, ao menos à superfície, quaisquer inspirações fascistas, sob pena de ficar absolutamente marginalizada. E as querelas entre monárquicos e republicanos não têm nem um naco da relevância de outrora.

Parece que as ideologias que nos habituámos a seguir no séc. XX já viram dias mais pujantes. Os partidos portugueses também as seguem, e por ora ainda resistem, embora se vejam sinais de erosão no CDS, como se disse, e no PCP. Dir-se-ia que o que realmente está em ascensão são os partidos ecologistas e "verdes" (e mais modestamente os animalistas), o nacional-populismo, ou seja, direitas radicais ou extremas convertidas à democracia (outra influência italiana?) e em certa medida o liberalismo. Serão estas as futuras ideologias predominantes? Veremos confrontos entre estes blocos políticos, reduzindo os restantes -ismos a discussões bizantinas ou a memórias históricas? Terão a companhia de novos movimentos - os federalistas, por exemplo? Ou juntar-se-ão a outras atrás descritas que irão novamente reerguer-se e ocupar o seu velho papel de hegemonia?

 

Presidenciais (17)

Pedro Correia, 25.01.21

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AS ESQUERDAS GOLEADAS

Três candidaturas presidenciais assumidamente "de esquerda", assim se proclamando perante o eleitorado com os chavões próprios de quem vê o mundo a preto e branco diabolizando a outra metade do hemisfério.

Estas três candidaturas, somadas, só recolheram 21% dos votos ontem expressos nas urnas. Menos do que Sampaio da Nóvoa isolado há cinco anos. O equivalente ao que Manuel Alegre obteve em 2006, também sozinho.

Quase quatro quintos dos portugueses que compareceram nas mesas de voto deixaram evidente a sua preferência por outras opções, situadas em território da não-esquerda. O das direitas, para usar o rudimentar léxico político importado da geometria. A direita social, a direita liberal, a direita autocrática. 

À luz desta lógica de arrumação política, as esquerdas personificadas em Ana Gomes, João Ferreira e Marisa Matias acabam de sofrer uma goleada histórica nesta eleição presidencial de que sai um claro vencedor: Marcelo Rebelo de Sousa, reforçando o seu triunfo de 2016 com mais cem mil votos e quase mais nove pontos percentuais do que alcançou há cinco anos.

Sendo também o primeiro Presidente, na história da democracia portuguesa, a vencer em todos os concelhos do País.

 

Nada fica igual: este escrutínio ocorrido no auge da gravíssima crise pandémica que só ontem causou mais 275 vítimas mortais produzirá efeitos sísmicos na política portuguesa. Forçando reconfigurações em vários tabuleiros, como se verá a curto prazo.

A primeira consequência é a morte do CDS, apesar da patética tentativa do seu ainda presidente de colar-se ao grande vencedor da noite. Merece exéquias dignas. Paz à sua alma. 

Mas muito mais vai mudar. Com legitimidade revalidada, Marcelo não perdeu tempo. No discurso de vitória, na Reitoria da Universidade de Lisboa, acaba de dizer com total transparência que um dos seus objectivos, no segundo mandato a iniciar em Março, será contribuir para uma «alternativa forte» ao actual Governo «para que a sensação de vazio não convide a desesperos e a aventuras».

Recado que segue direito para Rui Rio. O ainda presidente do PSD nunca poderá dizer que não foi avisado.