Regressando de férias volto ao tema que deixei aberto no último post: a questão filosófica da busca por sinais de vida noutros planetas. Esta é uma questão filosófica em geral, física e biológica na sua especificidade mas também metafísica num território mais intermédio (sim, sei que a Metafísica é uma das disciplinas da Filosofia, mesmo que eu não seja nenhum especialista - longe, muito longe, disso).
Questão filosófica geral
Quando falamos na busca por vida noutros planetas e, mais concretamente, por vida inteligente (qualquer que seja a definição de "vida" ou "inteligente"), temos que pensar no impacto. O único planeta que conhecemos capaz de ter vida é a Terra. É, tanto quanto sabemos, o único planeta que tem vida. De um ponto de vista empírico, a vida é possível na Universo - podemos dizer que é uma certeza - e só existe num único local. Por isso mesmo, todas as nossas buscas por vida são turvadas pela nossa perspectiva e pela nossa experiência. Nisto não estamos uma situação muito diferente da dos geólogos antes das missões Voyager ou dos biólogos antes da descoberta e exploração das fontes hidrotermais submarinas.
No primeiro caso, pensávamos que o único corpo no nosso Sistema Solar que poderia ter vulcanismo era a Terra e que era necessário que um corpo tivesse um tamanho e massa mínimos para tal vulcanismo existir (devido à necessidade de gerar calor suficiente no interior do planeta). As imagens de Io (um dos satélites de Júpiter) durante as missões Voyager demonstraram que não era assim. Io não só é geologicamente activo, como é o corpo geologicamente mais activo em todo o Sistema Solar. A sua interacção gravitacional com Júpiter faz com que o seu interior seja sujeito a forças de marés (como os oceanos na Terra sob acção da Lua) e mantém esse mesmo interior não só activo como causa a formação frequente de vulcões que são os maiores e mais activos do Sistema Solar. Uma imagem de Io tirada hoje poderá estar desactualizada na próxima semana ou mês, tal é o efeito destas forças. Isto era algo que talvez alguns geólogos pudessem imaginar, mas que não fazia parte do conhecimento científico antes de ser descoberto.
No segundo caso temos as fontes hidrotermais. Estas são formações de teor vulcânico que se formam a grandes profundidades em zonas de grande actividade vulcânica. Uma dessas zonas é no fundo do oceano em torno dos Açores, por exemplo, bem como ao longo de toda dorsal mesoatlântica (zona mais ou menos no meio do Oceano Atlântico formada pelo afastamento das placas continentais onde assentam a América e Europa e África, em termos muito genéricos). Nestes casos, lava não se chega a formar mas o que é expelido através da crosta é água (que pode ser do próprio oceano ou da região magmática) e que devido às condições assume características supercríticas, ou seja, comporta-se tanto como gás como líquido. Este fluido supercrítico traz consigo muitos gases mas também muitos minerais, os quais formam estruturas parecidas com pequenas chaminés. É uma zona estranha, onde a temperatura dentro das fontes hidrotermais (o interior da chaminé) pode ser ultrapassar os 450 °C mas baixar para os 2 °C habituais a estas profundidades a um metro das mesmas. Nestas zonas a profundidade é tal que a luz do sol não chega ao fundo. Por isso mesmo se pensava que não poderia existir vida, dado que toda a vida conhecida anteriormente dependia da fotosíntese. Neste caso, porém, descobriu-se um ecossistema extremamente rico com base em quimiosíntese, ou seja, em organismos (habitualmente bactérias) que digerem alguns dos componentes expelidos (por exemplo H2S, que é tóxico para a maioria dos organismos) e daí extraem energia. Mais uma vez, talvez existisse quem imaginasse esta possibilidade, mas a ciência não a conhecia.
Por isso, quando pesquisamos vida noutros planetas temos que deicidir no que nos devemos focar. Há quem defenda que a vida não necessita realmente de água, que água só é necessária à vida no nosso planeta porque era esse o líquido dominante. Se existir outro tipo de líquidos noutros planetas (possivelmente mercúrio ou metano, a temperaturas e pressões diferentes) é possível que outro tipo de vida tenha evoluído. Só que não só não o sabemos como também não sabemos aquilo que teríamos de procurar. Portanto procuramos uma vida que seja, nem que seja apenas aproximadamente, semelhante aos tipos de vida que conhecemos na Terra: com base em água líquida e tendo certo tipo de processos químicos na sua génese. Isso não significa no entanto que não possamos descobrir vida exótica. Já o fizemos muitas vezes no nosso planeta, por isso nada nos impede de o voltar a fazer noutro.
Agora, assumindo que descobrimos tal vida, que implicações terá isso na nossa perspectiva? Neste momento, assumindo que estamos sós no Universo, podemos flutuar entre dois extremos: efusividade por sermos o pináculo da evolução do Universo ou depressão por não termos mais nenhuns companheiros. Podemos ser arrogantes ou humildes. Podemos pensar em quanto somos especiais ou lamentar o mesmo facto. Dependerá de cada um. Mas a descoberta de vida fora do nosso planeta questionaria tudo isto, especialmente porque destruiria de imediato a ideia de sermos especiais por termos vida. Uma das razões para a procura de vida (ou resquícios da mesma) no nosso Sistema Solar (por exemplo em Marte) é porque a descoberta da mesma demonstraria que a Vida tem que ser bastante comum se poderia surgir em dois locais distintos no mesmo sistema. Se existe na Terra e em Marte (ou Ganimede ou Europa), também terá que existir por todo o Universo. Como veríamos isso? Muitas religiões poderiam contestar tal facto, outras apontá-lo como prova da importância e poder da(s) sua(s) divindade(s). Algumas talvez colapsassem (infelizmente suponho que isso não aconteceria com a cientologia). A nível pessoal que pensaríamos? Teríamos medo? Poderia esta descoberta aproximar-nos uns dos outros? Afastar-nos? Não sei, mas é uma questão interessante a considerar.
Já a descoberta de uma civilização extraterrestre, especialmente se bastante diferente da nossa (imaginemos que alada, sem olhos, com 5 bocas, comunicando e percebendo o mundo através de sons, cinzentas ou multicolores e com uma "pele" rochosa) poderia causar choques. Aí a questão de como reagiríamos talvez seja melhor entregue a escritores de ficção científica, porque os cientistas não têm verdadeiros pontos de referência para tal comparação.
Questão científica em particular
Aqui estamos em pé mais firme, mesmo que não completamente seguro, porque como indiquei acima, temos uma ideia clara do que estamos à procura. Um planeta que orbite uma estrela, exista na zona de habitabilidade da mesma para poder conter água no estado líquido, e que possa ter vida reconhecível por nós de forma a podermos encontrar os sinais químicos da mesma na sua atmosfera. É aqui que entra o Webb, com a sua possibilidade de analisar a atmosfera de outros planetas (como referido antes). Alguns dos sinais que se poderão procurar serão indicações de metano, por exemplo. Isto porque o metano é um gás que se deteriora rapidamente na atmosfera e que, se não for reposto, acaba por desaparecer. Também porque não conhecemos nenhum método para a produção sustentável de metano à superfície de um planeta que não passe por acção biológica. Assim sendo, o metano seria um dos principais sinais da presença de vida.
Outro sinal seria, obviamente, descobrir oxigénio. Não que seja fundamental mas, como já indicámos, a vida que conhecemos ou precisa de oxigénio ou expele oxigénio como produto de outras actividades (como as plantas). A presença de oxigénio molecular sugeriria então também vida. Se a oxigénio e metano associarmos água em estado líquido (depreendida pela presença de vapor de água na atmosfera e pela localização do planeta em relação à sua estrela), poderíamos então marcar o planeta como potencialmente contendo vida.
Seria isto suficiente? Clato que não. Como não canso de o dizer, há muito que não sabemos e a presença destes compostos (e outros que não referi) poderia ser justificada por outros processos que são improváveis ou desconhecidos. Com milhares de milhões (milhões de milhões?) de planetas só na nossa galáxia, acabaremos por descobrir planetas com processos estranhos. Aquilo que se faria no caso de encontrarmos planetas com maior probabilidade de albergarem vida seria marcá-los para subsequentes estudos. Talvez se encontre uma civilização que tenha deixado marcas noutras partes do seu Sistema Solar. Ou talvez tenhamos simplesmente que esperar por novas tecnologias para ter novos telescópios que nos permitam ver em maior detalhe aquilo que se passe nesses planetas. Ou seja, o Webb talvez nos dê todas as indicações de vida, mas confirmações teriam que esperar.
Aquilo que não iremos ver são sinais de uma civilização no mesmo estágio de desenvolvimento que nós. Quaisquer estações espaciais ou noutros planetas ou outras estruturas no planeta ou fora dele serão demasiado pequenas para serem identificadas. Uma civilização muito mais avançada talvez tenha criado superestruturas no Sistema Solar que sejam identificáveis, mas é improvável que mesmo estas sejam visíveis.
Questão metafísica de ligação
Aqui entra a questão do Paradoxo de Fermi, que foi formulado por Enrico Fermi em conversa casual con Edward Teller e outros. Na discussão sobre extraterrestres e OVNIs, Fermi perguntou então onde andariam tais seres e civilizações. Numa formulação mais genérica, talvez se pudesse colocar como «Se o Universo está cheio de vida, onde está toda a gente?». Isto também foi reflectido pela equação de Drake, a qual foi formulada para estimar o número de civilizações que poderemos contactar na nossa galáxia.
A equação de Drake utiliza: R∗: o ritmo de formação de novas estrelas na nossa galáxia; fp: a fracção dessas estrelas que terão planetas; ne: o número de tais planetas que poderão ter condições para ter vida; fl: a fracção destes planetas que poderá ter visto vida a desenvolver-se; fi: a fracção destes planetas que poderá ter visto a vida inteligente a desenvolver-se (i.e. a formar civilizações); fc: a fracção destas civilizações que desenvolvam tecnologia para enviar para o espaço sinais detectáveis; L: o período de tempo em que tais civilizações têm enviado tais sinais.
Há a possibilidade de dar valores relativamente certos para alguns destes parâmetros. Sabemos hoje em média o ritmo de formação de novas estrelas e sabemos também que uma enorme percentagem delas têm planetas. O Webb poderá ajudar a responder a questão sobre quantos deles terão condições para albergar vida mas depois disso só temos um ponto para estimar: o da Terra. Dependendo dos valores usados, podemos chegar a valores inferiores a 1 (efectivamente zero civilizações na galáxia) ou a milhares de civilizações.
Um dos problemas que tem sido avançado no período desde que Drake formulou a sua equação é a questão da tecnologia. Será que seríamos capazes de detectar os sinais? Basta ver que se uma civilização tivesse enviado sinais semelhantes aos nossos em 1980 mas que chegassem em 1920, nós não os detectaríamos. E se tal civilização continuasse a evoluir como a nossa, em 1980 (quando tínhamos já radiotelescópios para detectar tais emissões) talvez não as enviasse muito, porque poderia usar internet por fibra óptica, microondas ou outros sinais que não sobrevivam a longas viagens pelo espaço e sejam destinados a transmissões "à vista" (por exemplo usando satélites). Assim sendo, poderá haver uma civilização a 200 anos-luz de nós que nós nunca conheceremos porque não existimos em condições tecnológicas paralelas (excluindo distâncias) para contactarmos.
E se expandirmos isto para escalas de tempo mais longas, como identificaremos os sinais de uma civilização 100 anos à nossa frente? Ou 1.000 anos? Ou 50.000 anos? Há 50.000 mil anos nós estaríamos apenas a desenvolver a linguagem. Como imaginar a tecnologia de uma civilização 50.000 anos à nossa frente? Ou um milhão de anos? Isto é inimaginável. Tudo isto sem contar com o facto de tais civilizações possivelmente usarem comunicações que nós nem sequer imaginamos, mesmo que o nível de desenvolvimento seja semelhante. Uma civilização sem olhos poderia ter criado todo um sistema de comunicação baseado em som. Imaginemos um planeta cheio de linhas para enviar ondas sonoras, como dois copos de plástico ligados por um fio. Nunca receberíamos os seus sinais.
E para finalizar há a questão das distâncias. Os sinais, mesmo que enviados de uma forma inteligível e na altura certa poderão deteriorar-se no caminho. A força do sinal diminui. Nuvens de poeira bloqueiam o sinal. Poderá haver partes da informação que sejam perdidas e que sirvam para identificar tal sinal como se fossem um farol e, na sua ausência, não notaríamos o mesmo.
Concluindo, não acredito que detectemos alguma vez sinais de vida inteligente noutros planetas. Se o fizermos, será viajando mais perto e isso irá certamente demorar muitos séculos. Talvez milénios ou mesmo milhões de anos. Se alguma vez lá chegarmos. E quem sabe se a evolução não nos leva noutra direcção que nos faz perder o interesse? Seja como for, não sabemos se seria boa ideia. Mesmo ignorando a possibilidade de intenções hostis de tais civilizações (descobrem o novo miúdo na galáxia e pulverizam-no), como veríamos seres tão mais avançados? Seriam essencialmente deuses para nós. Teríamos capacidade para sobreviver, de uma fomra intelectual e social, a tal encontro? Não sei.
Para terminar: a busca por vida extraterrestre, seja ela de que tipo for, enfrenta várias dificuldades, não só científicas e, no dia em que seja descoberta, irá levar a um grande processo de reflexão sobre nós mesmos e o nosso papel no Universo. Até lá, penso que a sua principal função é a de servir para fazer avançar a nossa civilização, tanto cientificamente, à medida que desenvolvemos os intrumentos e métodos para a sua busca, como filosoficamente, enquanto reflectimos sobre a importância da busca e as consequências das descobertas da mesma (ou falta delas).
E, mais uma vez, tudo isto me deslumbra.