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Delito de Opinião

Discordâncias perigosas

João Pedro Pimenta, 16.05.24

Do que conheço, não tenho qualquer boa impressão de Robert Fico, uma espécie de Orbán de esquerda e putinófilo confesso. Espero obviamente que sobreviva ao atentado à bala, coisa que tudo indica que vá acontecer, porque isto de disparar sobre governantes não é lá grande método de os tirar do poder (e crime é crime, seja lá contra quem for). Para mais, o atirador confessa que disparou contra Fico por "discordar dele", um argumento muito abalável e digno desta época de discussões desbocadas e intolerantes nas redes sociais. Parece que é membro de grupos literários, o que altera de forma perigosa a máxima de José Mário Branco "a cantiga (neste caso a literatura) é uma arma"

Mas, e já sabendo que Fico fica mesmo entre nós, há uma certa ironia nisto tudo: é que um seu anterior governo caiu em 2018 precisamente por ligações perigosas ao assassínio de um jornalista de investigação e da sua noiva e as coisas nunca ficaram completamente claras, uma coisa chocante mesmo em democracias algo imaturas e a tender para o iliberal. Obviamente que o jornalista discordava do governo. Discordar tem vindo a ser uma coisa perigosa na Eslováquia dos nossos dias.

Do murro no estômago ao ataque cardíaco

Luís Menezes Leitão, 12.10.11

 

Numa demonstração eloquente de que a situação de Portugal só tem piorado nos últimos tempos, o Primeiro-Ministro refinou a metáfora usada para descrever os efeitos dos sucessivos golpes que vão atingindo o nosso país. Já tinha criticado aqui a sua qualificação de "murro no estômago" atribuída ao corte de rating de Portugal pela Moody's por achar que um chefe de governo não pode reagir assim a uma decisão de notação de uma qualquer agência de rating. Agora parece que o nosso Primeiro-Ministro resolveu dizer à sua homóloga eslovaca, a Primeira-Ministra Iveta Radicova, que o facto de o parlamento eslovaco não ter viabilizado o reforço do fundo de resgate europeu lhe estava a provocar um "ataque cardíaco". Demonstrando uma enorme solidariedade e discrição, a referida Iveta Radicova não hesitou em espalhar a notícia do "ataque cardíaco" que chegou rapidamente ao Financial Times. Em consequência, para a Europa já não somos apenas um pais atingido no estômago, uma vez que o nosso mal já se espalhou para o coração.

 

Uma coisa é, porém, evidente nesta nova União Europeia, que de União já não tem nada: cada país apenas defende os seus próprios interesses. É por isso que para o parlamento eslovaco será absolutamente irrelevante que o Primeiro-Ministro português fique ou não a sofrer do coração em resultado da sua decisão. O parlamento eslovaco cuida dos interesses dos cidadãos eslovacos e não quer saber do resto dos europeus. Talvez por isso fosse altura de o parlamento português se preocupar com os interesses dos nossos cidadãos em vez de tudo fazer para contentar os credores internacionais. Porque no resto da Europa ninguém se vai preocupar com a situação dos portugueses, como ninguém se preocupa hoje com a situação dos gregos.