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Delito de Opinião

Sob escuta

Paulo Sousa, 15.01.21

É fácil que no meio do turbilhão de notícias em que vivemos, grandes acontecimentos sejam confundidos com tricas, daquelas que são boas apenas para nos entorpecer e enfadar.

Por isso, até para a historiografia futura, importa registar acontecimentos que passam quase incólumes nestes dias conturbados, neste nosso regime nascido em 1974.

Soubemos há dias que o Ministério Público mandou vigiar jornalistas e acedeu às respectivas contas bancárias. A embrulhada é de tal ordem que o comum mortal, prefere poupar-se ao esforço de entender os detalhes de mais um atropelo às instituições do Estado de Direito, encolhe os ombros e muda de canal.

Já aqui escrevi sobre a relação entre o nosso atraso económico e a qualidade das nossas instituições. Este é mais um exemplo de como o nosso regime está doente.

Mais incrível ainda é o silêncio a que a própria classe jornalística relegou este caso, em que é colocada em causa. A devoção da imprensa para com a situação, e uma infelizmente racional análise custo/benefício explicará a falta de eco que este assunto merecia.

Entretanto, e a apesar de ainda não ter tido conhecimento de nenhuma grandolada à conta deste grave atropelo à Liberdade de Imprensa, a Federação Europeia de Jornalistas já notificou Portugal junto do Conselho da Europa, salientando que se trata de um caso “especialmente grave” por Portugal presidir à UE.

Aproveito para me sentar enquanto aguardo por mais reacções.

Que denunciantes queremos?

Sérgio de Almeida Correia, 29.01.20

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Ultimamente são muitos os que têm saído em defesa do hacker Rui Pinto. De Ana Gomes a Miguel Sousa Tavares, de Pacheco Pereira a Manuel Carvalho, já sem falar nos seus advogados, em Portugal e no estrangeiro, que aliás mais não cumprem do que o seu papel, são muitas as vozes que querem elevar o estatuto do fulano a um herói, um quase semideus, à espera de ser condecorado pelo Presidente da República e venerado pelos portugueses.

Se há coisa em que os portugueses perdem com facilidade o sentido do equilíbrio, das proporções e do bom senso é quando vêem a turba aos gritos e aos empurrões, altura em que tendem a alinhar com ela, esquecendo o básico.

Gostaria, no entanto, antes de avançar de fazer a minha declaração de interesses, e já agora de simpatias e antipatias, para que as pessoas possam analisar o assunto com a atenção que entendam dar-lhe.

E quanto a este ponto, em poucas linhas direi que desde que me conheço que combato no meu dia-a-dia, pessoal e profissional, a corrupção, o compadrio, o clientelismo, o tráfico de influências, e que desde sempre procurei denunciá-los, existindo algumas largas centenas de textos em que o fiz, independentemente dos riscos e do custo que isso iria ter. E algumas vezes teve. Disso não me queixo. Cumpri. Quero, apenas, acrescentar que não conheço o hacker Pinto de lado nenhum e que tenho estima, simpatia pessoal e até admiração e amizade por alguns dos que agora saíram em sua defesa.

Posto isto, quero deixar bem claro que, em primeiro lugar, a Constituição da República define Portugal como um Estado de direito democrático, subordinado à Constituição e que se funda na legalidade democrática, que o sigilo da correspondência, dos meios de comunicação privada e das telecomunicações é um direito fundamental, e que as autoridades públicas só podem interferir nesses meios se para tal estiverem autorizadas em matéria criminal, sendo “nulas todas as provas obtidas mediante (...) abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.

Sublinho que estes são, até à data, os princípios que nos regem, os que vinculam o Estado, os órgãos de soberania, os seus titulares, e que foram por todos nós reconhecidos, democraticamente, com ou sem o apoio de cada um de nós enquanto indivíduos, como aqueles em que nos revemos e fundamos a nossa comunidade.

A compatibilização do que aqui temos — não sendo pertinente neste momento estar a aprofundar o mais que consta da legislação vigente, até porque este debate deve ser aberto, acessível e compreensível por todos em termos absolutamente inequívocos, e não restrito a juristas, meia dúzia de entendidos e políticos em geral — com a imperiosa, e desde sempre inadiável necessidade de combate à corrupção e crimes conexos e associados, é o que nos deve mobilizar, mas tal deverá acontecer em termos racionais, deixando de lado a emotividade, a hipocrisia e o populismo em que normalmente os nossos predestinados cavalgam.

Querer transformar quem, primeiro, entrou ilicitamente em redes de comunicações privadas, espiolhou, copiou e guardou o que muito bem entendeu para uso futuro; depois distribuiu como quis parte dessa informação, a coberto do anonimato, a qual entretanto serviu para denunciar e julgar em praça pública quem não se pôde defender; e a seguir aproveitou para tentar, está por apurar se directa ou indirectamente, obter dividendos financeiros dos actos ilegais que cometeu, não me parece que seja suficiente para lhe lavar a alma e transformar um vilão num impoluto campeão do combate à corrupção.

Não está em causa, importa frisá-lo, a gravidade dos factos apurados ou a importância dos documentos divulgados, nem as consequências da sua divulgação pública por parte de quem criteriosamente os investigou para apurar da sua veracidade e actualidade. Há muito que se suspeitava do que foi divulgado, há muito que muita gente desconfiava de tudo o que se veio a revelar através dos documentos, e não poucos foram os que alertaram o Estado português e seus responsáveis, de Cavaco Silva a Passos Coelho, de Durão Barroso a Paulo Portas, de José Sócrates a António Costa, da necessidade de não nos colocarmos de cócoras de cada vez que falávamos com a família dos Santos, respectiva prol e criadagem empresarial, política, militar ou civil, de cá ou de lá.

Também há muitos anos que muita gente assumiu a denúncia e o combate às sociedades offshore como prioritário, e há muito que esses instrumentos deviam ter sido banidos e sujeitos a pesadas sanções. Em Portugal não só não foram banidos como depois disso ainda se alinhou numa política de criação de vistos gold que se nalguns casos correspondeu a verdadeiro investimento, noutros só serviu para ajudar a lavar,  branquear, pagar comissões a quem nada fez e enganar compradores que pagaram preços exorbitantes por imóveis que valeriam um terço do que foi pago.

A propósito das offshore recordo-me, inclusivamente, de ter estado num debate, em Braga, num congresso do PS aí realizado, em que também participaram Ana Gomes, Filipe Brandão Rodrigues, Luís de Sousa, autarcas e muitos outros, em que foram feitas denúncias vigorosas contra as offshore e a inacção do próprio PS sobre essa matéria, tendo havido inclusivamente alguém que lá estava na assistência que desenvolveu explicações sobre o funcionamento em concreto de alguns esquemas em jurisdições offshore, perante o espanto de Ana Gomes, que uma vez mais se interrogou, sem que até hoje tenha havido qualquer mudança ou vaga de fundo para se acabar com essas entidades que servem para dar guarida à bandidagem nacional e internacional que usa colarinhos de todas as cores, formas e feitios, comendo à mesa de reis, presidentes e chefes de governo para parecerem sérios.  

Pelo meio, ao longo de décadas, tivemos em Portugal dezenas de processos em que em causa estava a realização de escuta telefónicas não autorizadas por ordem judicial. Do que me recordo, não houve um único em que, por exemplo, Miguel Sousa Tavares considerasse, e com razão, que se devesse dar crédito a essas escutas atenta a forma invasiva, arbitrária e ilegal como foram obtidas; fosse nos célebres casos em que o Presidente do FCP andou envolvido, nos da Casa Pia ou do ex-primeiro-ministro Sócrates.

Curiosamente, o que hoje se vê é que toda essa gente que se manifestou contra a utilização das escutas, de Pinto da Costa ou de Sócrates, algumas até mandadas destruir por um antigo presidente do STJ, sem que outros conhecessem o respectivo conteúdo e apenas porque embora recolhidas legalmente excederiam o objectivo da recolha, venha agora manifestar-se em defesa do hacker Rui Pinto, como se este não fosse efectivamente um criminoso.

É evidente que não deixa de o ser, sendo certo que isso não coloca em causa a importância do que, num segundo momento, e, em minha opinião, apenas para se safar e criar um ambiente favorável à sua pessoa junto da opinião pública e da comunicação social, divulgou junto de um consórcio de jornalistas independentes aparentemente, digo eu, sem exigir contrapartidas.

Idêntico procedimento não foi seguido com os documentos obtidos do Sport Lisboa e Benfica, que foram directamente parar ao Futebol Clube do Porto, certamente que aos olhos do hacker Pinto a entidade mais isenta, imparcial e idónea para proceder à sua divulgação aos bochechos, alimentando as noites televisivas de alguns canais e enchendo as páginas da imprensa que vive da escandaleira, da devassa e da intromissão na vida dos outros.

Pergunto, por isso mesmo, se a forma como o hacker Pinto acedeu aos conteúdos que divulgou é menos intrusiva do que as escutas telefónicas abusivas, e se estas devem ser consideradas mais ou menos abusivas em função do juízo que se venha a fazer da importância do conteúdo divulgado?

É por isso de grande hipocrisia querer desvalorizar a ilicitude dos actos de intromissão em redes e computadores privados, quaisquer que eles sejam, face às regras vigentes.

Convém não confundir a atitude de Rui Pinto, o hacker, com a de gente como Snowden ou Frederic Whitehurst, ou seja, com verdadeiros whistleblowers, lista da qual Pinto não faz parte, embora para si se esforce em agora reclamar tal estatuto.

Considero ser necessária a criação de um estatuto, que já devia existir, destinado à protecção dos verdadeiros denunciantes. Isto é, daqueles que o fazem no cumprimento de deveres de cidadania, e não dos que só se lembram da cidadania quando são apanhados a fazer exactamente aquilo que um cidadão sério, consciente e responsável não faria. Sim, porque ninguém vai entrar em redes privadas e em computadores de terceiros, devidamente seleccionados, seja de Estados, empresas ou particulares, incluindo magistrados e advogados, apenas porque está a navegar pela Internet, a ver a paisagem.

A questão coloca-se a meu ver de forma pertinente não em relação aos que procuram aceder, e acedem, à informação de forma absolutamente ilícita, entrando abusivamente em redes, devassando e muitas vezes destruindo informação, apropriando-se da que lhes convém, mas no que diz respeito a todos os que, designadamente em razão do seu desempenho profissional, acedem legitimamente à informação e sobre os quais é discutível se têm ou não um dever de denúncia, por um lado, ou de bufaria, melhor dizendo, e se o tendo, quando confrontados com a sua obrigação de confidencialidade e preservação do sigilo, o devem exercer e fazer prevalecer sobre as outras obrigações que sobre si recaiam.

A solução não é simples e coloca muitas vezes problemas que estão muito para além da mera denúncia, envolvendo juízos éticos e morais que não são fáceis. Acontece que, em regra, quanto a este tipo de profissionais importa saber até que ponto é que aquelas são compatíveis com as necessidades de combate ao crime e à corrupção. E quando estas devem prevalecer sobre aquelas. E em que momento.

Abreviando, direi tão só que estou de acordo com a criação do estatuto de denunciante, de maneira a que esta condição confira protecção efectiva a quem se coloca em risco para cumprir deveres de cidadania, levando-se em consideração que na outorga desse estatuto  deverá ser feita uma separação clara entre aqueles que abusiva e totalmente à margem da lei circulam, devassam e pirateiam redes de comunicações, muitas vezes apenas com o propósito de destruírem, de se divertirem ou de chantagearem, daqueles outros que licitamente ou por mero fortuito têm acesso à informação e por a considerarem de interesse público a entender divulgar e remeter às autoridades competentes.

Uma coisa é certa: não poderá haver dois pesos e duas medidas. E o que vier a ser decidido não deverá ter carácter retroactivo, independentemente de poder haver um regime mais leniente para aqueles casos em que quer a informação não fosse acessível por outra forma, quer à acção criminosa se tenham sucedido actos inequívocos de arrependimento — o que não parece ser o caso de quem se recusa a divulgar as passwords de acesso aos discos rígidos contendo informação que foi obtida ilegalmente sem obtenção de contrapartidas — que levassem à divulgação dos conteúdos imprescindíveis para a investigação dos factos pelas autoridades e à punição dos criminosos.

Quero, ainda, acrescentar que considero absolutamente humilhante e procedimento indigno do nosso sistema judicial que se passeiem e divulguem imagens de arguidos, como no caso do hacker Rui Pinto, algemados e exibidos nas televisões e jornais como troféus de caça. Se as polícias o fazem, os magistrados deviam ser os primeiros a impedi-lo, pois que por aí não nos distinguimos em nada das imagens que os canais de televisão chineses apresentam em relação aos que do outro lado do mundo aguardam que se faça justiça. 

Combata-se a corrupção, sim, de forma clara e transparente, mas sem hipocrisias, partidarites e clubites, e acima de tudo respeitando o Estado de direito.

Como ainda ontem escrevia no Público a procuradora Maria José Fernandes, “porque não rever princípios no âmbito da doutrina constitucional e na jurisprudência, sem o objectivo de abastardar valores do Estado de direito, que tanto custaram a consagrar, mas sim para introduzir modulações de equilíbrio nas novas realidades da vida social? Uma possibilidade, a consagração de exce[p]ções baseadas na proporcionalidade, adequação, hierarquia de valores, por forma a que a realização da Justiça acompanhe as profundas modificações valorativas da sociedade de hoje, resultantes da evolução tecnológica, económica e ambiental.”.  

Mudem-se as regras do jogo, não se mudem os princípios de acordo com as circunstâncias e as conveniências do momento.

Faça-se isso sem populismo e sem a habitual demagogia retórica destinada a manipular a turba ignorante, visando a punição de alguns criminosos caídos em desgraça para se satisfazer o desejo de vingança das massas e do voyeurismo televisivo, enquanto ao mesmo tempo se heroicizam outros para se desvalorizar a gravidade dos crimes por estes cometidos, e assim se lhes permitir que, saindo impunes, continuem a praticar outros.

Porque é isto o que está verdadeiramente em discussão. Saber se queremos bandidos-denunciantes ou cidadãos-denunciantes.

Protejam-se os cidadãos que denunciam, não os bandidos que disso procuram tirar partido. Pelo menos até que se chegue à conclusão de que os fins justificam os meios, coisa contra a qual houve quem se indignasse quando se tratou das escutas telefónicas de outros processos que acabaram em nada.

Escutas.

Luís Menezes Leitão, 07.02.15

Depois de ficar a saber que é possível em Portugal na transcrição de escutas confundir-se a cidade de Kiel, na Alemanha, com "aquilo" ou que o canal de Kiel pode passar a Canalis, só me lembrei deste fabuloso texto de Woody Allen sobre uma escuta realizada a um telefonema entre dois chefes de gang em Nova Iorque:

«anthony: Está lá? Rico?

rico: Está lá?

anthony: Rico?

rico: Estou.

anthony: Rico?

rico: Estou a ouvir mal.

anthony: És tu, Rico? Não estou a ouvir.

rico: O quê?

anthony: Estás a ouvir-me?

rico: Está lá?

anthony: Rico?

rico: A ligação está má.

anthony: Estás a ouvir?

rico: Está lá?

anthony: Rico?

rico: Está lá?

anthony: Telefonista, a ligação está má.

telefonista: Desligue e torne a ligar.

rico: Está lá?

Por causa desta evidência, Anthony (o Peixe) Rotunno e Rico Panzini foram condenados e estão a prestar serviço, por quinze anos, em Sing Sing por posse ilegal de erva».

 

Agora num registo mais sério, lembrei-me também de ter participado num Congresso de Direito Comparado em Washington onde um professor americano fez a comparação entre os métodos de investigação criminal europeus e americanos. Segundo ele referiu, os europeus tinham uma fé absoluta nas escutas enquanto os americanos preferiam recorrer a agentes infiltrados. E, no entender dele, a perspectiva americana é mais correcta uma vez que as escutas são facilmente descontextualizadas e muitas vezes nem se percebe do que é que os interlocutores estão a falar. Quando em Portugal a próprio Ministra da Justiça assume que fala para o telefone como que para um gravador, talvez seja altura de se começar a ponderar um menor recurso às escutas como método de investigação criminal.

César anda com algumas mulheres muito dadas ao papel

Sérgio de Almeida Correia, 17.04.14

"O presidente do Banco Espírito Santo (BESI), José Maria Ricciardi, foi escutado não duas, mas seis vezes, a falar com o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, informações que constam do processo Monte Branco, uma investigação policial relacionada com alegados crimes de tráfico de influências, corrupção e informação privilegiada nas privatizações da REN e da EDP."

 

Na posição dele, e mesmo que tivesse o número de telefone do "facilitador", nunca lhe teria ligado. E se por qualquer razão estivesse no lugar do destinatário até poderia ter falado com o remetente uma primeira vez, por educação e cortesia, sem saber qual seria o assunto, mas depois do desabafo ter-lhe-ia seguramente desligado o telefone. Por causa das confusões. Mas de quem depois de acusar Sócrates repescou Relvas para a vida política, também não se esperaria que fosse melhor que o antecessor. Ilusões só as teve quem quis, pois que no meu caso nunca me pareceu boa solução trocar uma má opção por uma péssima.

De qualquer modo, como não sou apologista da divulgação de escutas a metro, não farei como alguns que antes pugnaram pela divulgação das escutas (ilegais e não autorizadas, convém não esquecer) do antecessor e de toda aquela cambada que andou aos robalos. Embora me pareça que se eu fosse primeiro-ministro seria o primeiro a solicitar, numa situação destas, a sua divulgação integral. Por via das dúvidas.

Gente séria não deve ter nada a temer do que faz atrás da porta, porque a vida pública não deve ser o local onde se vai branquear ou esconder o que não convém. Além de que gente séria é sempre gente séria. Em quaisquer circunstâncias da vida. Nos bons e nos maus momentos.

Telefonema Alemanha-EUA

João André, 24.10.13

- Boa tarde, serviço de escutas da NSA, em que lhe posso ser útil?

- Estou sim, daqui fala a Angie, és tu Barack?

- Peço desculpa Sra. Merkel, mas temos aqui uma pequena confusão nas linhas. Eu vou passá-la para o telemóvel do senhor presidente.

- Mas eu liguei-lhe directamente para o telemóvel, queria perguntar se me têm o telemóvel sob escuta.

- Senhora Merkel, por favor, nunca faríamos isso. Ter acabado nos nossos serviços foi... hmmm.... um engano. Uma consequência do shutdown, nada mais... É isso... Vou passar a chamada.

- ...

- Sim? Daqui fala Barack.

- Barack? Aqui é a Angie. Que coisa é esta? Afinal temos os dois os telemóveis sob escuta da NSA?

- Sim, nem queiras saber. Da última vez que quis encomendar uma pizza não me deixaram. Disseram-me que na pizzaria trabalha um tipo chamado Mohammed e que não podia encomendar ali.

- Mas isso não pode ser. Vou fazer queixa nas Nações unidas!

- Estás a gozar não? Se lhes ligas levas com uma musiquinha do Barry White e uma voz da NSA a dizer que a tua chamada está a ser autenticada e que quando puder te passam ao Ban.

- Há alguma forma de falarmos sem sermos ouvidos?

- Creio que há uma hipótese, mas não sei se temos um fio longo o suficiente...

Eu não devia ler notícias logo de manhã,

Ana Margarida Craveiro, 19.01.12

porque isto me deixa muito irritada, e não é suposto eu enervar-me. Portanto: a Optimus faz um inquérito interno logo que sabe do caso, identifica a toupeira, despede a toupeira, e pelos vistos é castigada com a maior multa de sempre. O SIED mete toupeiras, viola direitos constitucionais, e ficou tudo na mesma. País mais estúpido, caramba.

O que realmente me interessa

João Carvalho, 16.02.10

Estou-me nas tintas para os segredos de alcova. Nada me atrai do que seja da vida privada de qualquer um. Nem quero duvidar das decisões judiciais sobre a ausência de matéria criminal deste ou daquele. Mas interessa-me muito tudo o que diga respeito à gestão da coisa pública feita atrás da porta. Mesmo que isso se esconda numa falsa privacidade interceptada. Interessa-me como interessa aos que recorrem às escutas institucionalizadas. Interessa-me para que eu possa fazer o meu próprio juízo. De carácter também.

Interessa-me que se faça justiça. Interessa-me que as escutas institucionalizadas sirvam para fazê-la. Interessa-me saber em que medida elas permitem culpar alguém. Interessa-me ajuizar por e para mim próprio. Por isso é que pode interessar-me o mesmo nos casos inversos. O meu juízo sobre o carácter de alguém que gere a coisa pública atrás da porta não é jurídico nem incriminatório. Apenas me interessa para participar com mais consciência na vida colectiva e no exercício individual da cidadania como parte do todo.

Isto interessa pelo menos a um: a mim.

Boca na botija

Adolfo Mesquita Nunes, 30.09.09

Sentindo-se vigiado, eventualmente pelo Governo, Cavaco Silva foi apanhado com a boca na botija a tentar resolver o assunto através da pequena intriga jornalística. A sua declaração de ontem mais não foi do que a desesperada tentativa de fazer sobressair as suas desconfianças e de camuflar a desastrada e pouco digna forma como procurou fazer-lhes face. Vitimizar-se, no fundo. E dizer-se cercado pelo Governo.

 

Sendo impossível escapar à querela institucional com o Governo, a vitimização de Cavaco Silva poderia, apesar de tudo, servir-lhe para arregimentar numa qualquer indignada vaga de fundo o eleitorado de direita que nele votou e que ainda não digeriu bem a reeleição de Sócrates. Acontece que Cavaco Silva foi precisamente um dos artífices da vitória de José Sócrates e o PSD é, neste momento, o último partido com vontade de manifestar comiseração pelo cerco feito pelo Governo ao Presidente.

 

A declaração de Cavaco Silva teve, por isso, um efeito contrário ao pretendido. Alargou a vitória de José Sócrates e reduziu em muito a margem de manobra de uma oposição que poderia e deveria continuar a insistir no espírito controleiro do governo socialista, levando de caminho a credibilidade de um jornal que cometeu o erro de acreditar que a Presidência jamais poderia estar a meter-se na pequena intriga. O que não deixa de ser irónico, uma vez que, tanto quanto posso adivinhar, o Presidente considera mesmo que o Governo andou a vigiar a Presidência.

 

A Cavaco Silva resta aproveitar a lição e, desta vez com tino e rigor, colocar a circular um bom e insuspeito motivo para não voltar a candidatar-se à Presidência.

Fontes de desgraça

Paulo Gorjão, 22.09.09

Maria João Avillez, ontem, em conversa com Mário Crespo na SIC Notícias chamou a atenção para o facto de o Público ter duas fontes. O que, aliás, na sua entrevista com Ana Lourenço, o próprio José Manuel Fernandes já tinha revelado. Dito de outra maneira, a fonte de Agosto de 2009 não é Fernando Lima, i.e. a fonte de Abril de 2008.

Este dupla confirmação tem relevância na medida em que confirma que a Presidência da República acreditava mesmo que poderia estar sob vigilância e/ou sob escuta.

A partir daqui há diferenças cruciais entre as duas fontes. Lima tomou a iniciativa de estabelecer o contacto. Tinha um guião e uma agenda. A "encomenda", porém, não podia ser atribuída à Presidência da República.

O Público investigou e não publicou a história. Dito de outra maneira, a encomenda foi enviada ao Público, mas não foi entregue, i.e. não foi publicada. Até Agosto de 2009, um ano e meio depois. O que mudou? Várias coisas, entre elas o facto de a Presidência da República poder ser citada, na sequência da autorização dada pela segunda fonte. É nesta altura que o Público decide dar luz verde à história, neste caso claramente sem "encomenda".

 

P.S. -- Questão interessante, não sendo Lima, quem tem espaço na Presidência para falar com a comunicação social e autorizar a citação? Esta segunda fonte tinha conhecimento da operação de Lima? E Lima terá tido conhecimento das declarações desta fonte?

 

Adensa-se a trama

Paulo Gorjão, 20.09.09

Depois da notícia de ontem no Correio da Manhã segundo a qual a Presidência da República teria solicitado, depreende-se que à DIMIL/CISMIL, uma busca de equipamentos de escuta, hoje o EMGFA desmente categoricamente qualquer envolvimento da DIMIL/CISMIL em qualquer operação desse tipo.

Se mal se estava, pior se ficou. Se a DIMIL/CISMIL não esteve envolvida, não sei que outra estrutura militar possa ter participado nesta operação. Tentativa de desinformação?

A bola está, no mínimo, no lado do Correio da Manhã, que tem a obrigação de confrontar as suas fontes com o desmentido e esclarecer os seus leitores.

P.S. -- Mário Soares, entretanto, deve pensar que está tudo a correr demasiado bem a José Sócrates. Logo, decidiu dar uma ajuda a Manuela Ferreira Leite...