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Delito de Opinião

Leituras

Pedro Correia, 27.09.24

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«Os descendentes dos antigos europeus não têm de pedir desculpa pela escravatura aos descendentes de povos que já a praticavam antes de terem contactado com esses europeus. Todos os povos, num ou noutro momento da História, praticaram a escravatura, escravizando gente de outros povos. O que é específico não é a escravatura, é a sua abolição

João Pedro Marques, A Culpa do Homem Branco, p. 133

Ed. Guerra & Paz, 2024

Frei Bartolomeu de Las Casas, e não só

Paulo Sousa, 26.10.22

Graças a uma aula on-line de Miguel Morgado, tomei há pouco tempo conhecimento de uma figura histórica da qual tinha ouvido vagamente o seu nome, mas que, pelo seu percurso e pela sua influência no pensamento europeu e ocidental, rapidamente me surpreendeu. Refiro-me a Frei Bartolomeu de Las Casas, um frade dominicano espanhol que viveu entre os anos 1484 e 1566.

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Segundo consta Bartolomeu, com nove anos, terá assistido à chegada de Colombo na sua primeira viagem às Índias Ocidentais. O seu pai, Pedro de Las Casas, acompanhou Colombo na sua segunda viagem. Em 1502 é o jovem Bartolomeu que atravessa o Atlântico para se fixar na ilha Hispaniola, actual território da República Dominicana e do Haiti.

O contacto com o Novo Mundo foi um acontecimento maior na história da humanidade e Bartolomeu tem consciência disso. Mais tarde descreve essa época histórica como “um tempo novo como nenhum outro”.

Juridicamente, a exploração do Novo Mundo tinha como base a Bula Inter cætera, que foi promulgada um ano após o regresso de Colombo, e que estabelece que os novos territórios pertencem aos reinos de Espanha e Portugal (antecipando o que virá a ficar mais tarde conhecido por Tratado de Tordesilhas) referindo, no entanto, que essa posse depende e resulta da evangelização dos povos e da propagação da fé cristã.

Desde a sua chegada ao Novo Mundo que Las Casas se incomoda com a crueldade com que os índios, ameríndios ou indígenas, consoante as diferentes designações, são tratados. O debate que se estabelece entre os colonos e alguns clérigos, remete para as doutrinas aristotélicas, que distinguem a escravatura convencional da escravatura natural. Segundo este filósofo da antiguidade, a escravatura convencional resulta dos direitos de conquista ou da aquisição, enquanto que a segunda sustenta-se numa superioridade natural do esclavagista em relação ao escravizado. Estes dois conceitos desencadearam vários debates ao longo da história da Igreja. Santo Agostinho elabora sobre esse tema dizendo que a escravatura, enquanto criação humana, continha traços do pecado original, afirmando por isso que não era natural. Daí resulta, ainda durante a Idade Média, a proibição de um cristão poder escravizar outro cristão.

Em 1507 Bartolomeu de Las Casas é ordenado padre da ordem dominicana e os seus sermões passam a ser manifestações da sua preocupação com os direitos dos índios. Após um outro clérigo dominicano, António de Montesinos, afirmar que os “espanhóis esclavagistas estão a perder a alma”, Las Casas sobe a parada e diz que é também a salvação da alma do imperador que está em causa, dirigindo-se ao então Infante Carlos, futuro imperador Carlos V, tentando assim sensibilizá-lo para a sua causa.

Todas estas “inovações” são suficientes para que os clérigos que defendem os indígenas passem a ser perseguidos pelos colonos, mas também a conseguirem a atenção do imperador.

Entretanto, em 1537 o Papa Paulo III promulga a bula Sublimus Deus, segundo a qual estabelece que os índios são providos de alma racional. Esse passo confirma que os europeus se devem relacionar com eles como se europeus se tratassem.

Em 1540 Las Casas é nomeado bispo de Chiapas, o que significa que apesar dos incómodos causados, vai ganhando importância na hierarquia eclesiástica e em 1542 o Imperador promulga as Leyes Nuevas que proíbem a escravatura e os maus-tratos aos índios americanos.

A distância e o tempo necessário para que uma nova lei, especialmente impopular entre os colonos, percorresse a distância entre Madrid e os confins do império é enorme. Pouco tempo depois, à escala da época, o Vice-rei do Peru, Vasco Nuñez Vela, é aprisionado, julgado e executado pelos colonos em 1546.

É com todos estes episódios como pano de fundo que Carlos V, em 1550, convoca o Conselho das Índias para o que irá ser conhecido como o Debate de Valladolid, que decorreu no Colégio de São Gregório. Até que o Conselho se pronuncie, o Imperador ordena suspender toda a exploração e conquista no Novo Mundo.

Neste confronto, as duas visões opostas são representadas por Frei Bartolomeu de Las Casas, defendendo os direitos dos índios, e por Juan Ginés Sepúlveda, um jurista aristotélico, que representa os interesses dos colonos.

Sepúlveda é o primeiro a pronunciar-se e afirma que a escravatura dos ameríndios se justifica por direito natural, uma vez que estes são desprovidos de alma. Refere que os sacrifícios humanos e outras práticas de canibalismo são a prova disso mesmo, acrescentando que estes não mostram qualquer interesse pela conversão, chegando a ser violentos para com os evangelizadores. E assim, perante o ilustre Conselho das Índias, Sepúlveda expôs os seus argumentos em menos de uma hora.

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Chegando a vez de Bartolomeu de Las Casas se pronunciar, este começa a ler um tratado que tinha preparado para o efeito, e que não era mais do que o somatório dos pensamentos desenvolvidos durante toda a vida a defender os que, sendo diferentes, eram simplesmente semelhantes[1]. A leitura deste tratado demora vários dias. Por conhecer há muito os argumentos de Sepúlveda, disserta sobre cada um deles.

Las Casas argumenta que se os indígenas são desprovidos de alma, então não poderão ser convertidos e isso esgota a validade da Bula Inter Cætera e esvazia a base intemporal da descoberta e exploração do Novo Mundo. Afirma ainda que a conversão deve ser um acto de amor, pelo pregador que ama o pagão enquanto criatura de Deus, e que este também acabará por se sentir amado por Deus. Só depois de convertido, o indígena dará cumprimento à bula papal, aumentando assim os direitos intemporais do Papa e, por decorrência da bula, também os direitos temporais do Imperador.

Acrescenta dizendo que ao defender os direitos naturais de liberdade dos índios, defende também as almas dos colonos e até do imperador. E, pelo contrário, os argumentos de Sepúlveda representam ali o trabalho do demónio.

Passados os dias necessários para que todo o tratado fosse lido, os ilustres membros do Conselho das Índias recolhem para debate e meditação e, após quase um ano, acabam por reconhecer a validade dos argumentos de Las Casas, sem que, no entanto, tivessem forma de fazer que os colonos dessem seguimento às conclusões dali saídas.

Bartolomeu da Las Casas, os dominicanos em geral, assim como outras ordens religiosas, insistem em recusar os sacramentos a quem escravizar os índios, defendendo igualmente os direitos e o respeito pelos escravos africanos.

A distância a Madrid e a incapacidade do imperador que daí resultava, levou a que todos os tratados e argumentos elaborados por Bartolomeu da Las Casas não tivessem efeitos imediatos sobre as práticas que este condenava, mas lançou um sólido debate e a má consciência do mundo cristão relativamente à escravatura.

É frequente associarmos o Padre António Vieira a este mesmo movimento, mas os seus famosos sermões foram proferidos mais de um século e meio depois, o que sublinha bem a importância de Frei Bartolomeu de Las Casas.

O interesse que este clérigo dominicano espanhol me gerou, resulta da confirmação do que já sabia, e que era que a escravatura, enquanto prática inaceitável e repugnante, além de existir desde a antiguidade, foi substancialmente questionada dentro dos impérios europeus cristãos e que a sua posterior abolição resultou exactamente do debate criado por estes pensadores da própria sociedade esclavagista.

Independentemente do que cada europeu, possa achar ou sentir sobre religião cristã e católica, só por ignorância ou má vontade, ou ambas, poderá negar que aquilo em que nos tornamos resulta do que fomos ao longo de uma história milenar.

O que podemos definir como Ocidente, é exactamente resultado, deste percurso, encharcado de pecados, de dúvidas, de tentativas e erros, de más decisões, palmilhado por gente boa, que por vezes fez coisas horríveis e por gente horrível, que por vezes fez coisas boas.

Existiu uma ciência na antiguidade longínqua, mas só os mais alienados podem fazer por ignorar que o método científico, conforme o conhecemos, só poderia ter surgido na procura, maravilhada, das regras divinas escondidas nos fenómenos físicos e químicos. Se existe uma matemática escondida na posição dos planetas e das estrelas, como é que o cosmos pode existir sem uma inteligência prévia?

São, ou não, as obras clássicas basilares da nossa civilização? O Messias de Händel, o Requiem de Mozart, a Paixão Segundo São Mateus de Bach, a Pietá de Michelangelo e a Deposição de Cristo de Raffaello. Como é que nos podemos desligar dessa herança espiritual, cultural e artística?

Está ou não o cristianismo no âmago da nossa sociedade que, entretanto, se tornou anti-confessional? E as marcas da pressão dos dedos do Rapto de Proserpina de Bernini? Em que outra região do globo seria possível esculpir tal detalhe?

E o Jazz, o Blues, o Samba e o Rock? Alguma vez teriam existido sem que tivesse havido a escravatura? E como é que foi possível criar algo tão maravilhoso em cima de tanto sofrimento?

O mundo nunca esteve resolvido. Sempre avançou como quem estica uma perna só para não cair. E isso é o que se faz para caminhar. Sempre andamos à procura de um equilíbrio que nos fez avançar, convictos de que o mais difícil é mesmo ficar imóveis. Por isso avançamos.

Olhar para trás é importante e até crítico. Conhecendo a história, aprendemos como evitar mais trambolhões e a não nos deixarmos iludir pelos revolucionários, que por um impulso de autoritarismo ou apenas por uns momentos de glória, não hesitarão em lançar o caos.

 

[1] Ouvir este argumento nos dias de hoje, em que tanto radicalismo assenta exclusivamente na impossibilidade de aceitar os que pensam de maneira diferente, é especialmente interessante.

É da China? Não, obrigado

Pedro Correia, 15.09.22

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Entro na farmácia vizinha, onde costumo abastecer-me de produtos triviais, e peço uma caixa com 50 máscaras cirúrgicas: as que tinha de reserva chegaram ao fim.

Mas faço um pedido expresso: quero máscaras feitas em Portugal, recuso comprar produtos importados da China. 

A simpática farmacêutica vai ao interior do estabelecimento e traz-me duas caixas com aspecto diferente, mas nenhuma delas corresponde ao meu pedido: «Diz aqui que foram fabricadas em Xangai.»

Agradeço, mas recuso. E saio de mãos a abanar.

Sucede cena semelhante noutra farmácia cá do bairro. 

Só à terceira me abasteço enfim do que pretendo. Um conjunto de máscaras cirúrgicas feitas em Portugal.

Deste modo, enquanto consumidor, apoio a indústria portuguesa e contribuo para a manutenção de postos de trabalho no meu país.

 

Gostaria de ver mais compatriotas igualmente exigentes nestas questões, nada irrelevantes. Como fizemos na década de 90, quando recusávamos comprar produtos made in Indonésia. Em defesa activa da causa de Timor.

Neste caso com uma agravante a que não podemos fechar os olhos: grande parte dos produtos que a China comunista coloca nas rotas mundiais do comércio decorre da exploração de trabalho escravo, sem direitos laborais, sociais ou ambientais de qualquer espécie. 

 

Em 2020, o Instituto de Estratégia Política da Austrália, prestigiado grupo de reflexão, publicou um longo relatório em que denunciava a existência de escravidão do povo uigure, servindo as cadeias de produção de 83 multinacionais do Ocidente através dos seus fornecedores e subcontratados chineses. Marcas como a Adidas, a Lacoste, a Nike e a Zara beneficiam deste sistema iníquo. 

Como o eurodeputado francês Raphaël Glucksmann denunciou no seu livro-manifesto Carta à Geração que Vai Mudar Tudo, «esta globalização liga-nos a um crime contra a humanidade praticado noutro lado do mundo enquanto fazemos as nossas compras, aqui em nossa casa».

Campos de internamento, violações sistemáticas, campanhas em massa de esterilização, remoção forçada de órgãos, apagamento sistemático da sua língua e da sua cultura: toda esta repugnante repressão tem devastado o povo uigure, que comete o pecado de ter traços étnicos, idioma e religião diferentes da esmagadora maioria da população chinesa.

 

Não somos consumidores passivos: somos cidadãos esclarecidos e mobilizados contra as injustiças. Temos a obrigação moral e cívica de banir dos nossos mercados todos os produtos que sejam fruto da escravidão

Há que começar por algum lado. Pelas máscaras, por exemplo. Não podemos ficar indiferentes a isto.

Eu não fico.

Viagem à Guiné - 8

Paulo Sousa, 16.07.21

8 – O almoço no Cacheu, as crianças da Guiné e a despedida

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A fortaleza do Cacheu
Foto Paulo Sousa

Na véspera do regresso fizemos ainda uma visita ao Cacheu. Esta pequena cidade foi, por mais que uma vez, a capital da Guiné Portuguesa. A sua pequena fortaleza ainda lá está, recheada com estátuas de figuras históricas, nem todas em boas condições de conservação. Modesta e humilde seriam os adjectivos a que poderíamos recorrer para descrever esta construção, mas apesar disso não deixa de estar cheia de significado. O primor do seu estado de conservação rima com o fraco apego que temos à nossa história, assim como com a indiferença que os guineenses lhe dedicam.

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A fortaleza do Cacheu
Foto Paulo Sousa

No Cacheu almoçamos sob o telheiro do restaurante que ali está, virado para a praia. Alguém foi apanhar umas galinhas e depois foi só esperar que as cozinhassem. O molho de chabéu está para a culinária guineense como o azeite está para a nossa, e graças a ele tudo fica com aquela cor alanjadada.
Durante a espera, que ainda foi alguma, contemplamos aquela praia onde Diogo Gomes terá aportado a primeira embarcação portuguesa no sec. XV. Quanta história, e quantas estórias, terão passado por aquele porto?

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Restaurante junto ao largo do Cacheu
Foto Paulo Sousa

Em 2016, já depois desta nossa viagem, foi inaugurado ali ao lado o Memorial da Escravatura e do Tráfico Negreiro do Cacheu. Quando falamos da escravatura dos povos africanos pelas potências coloniais, não falamos de toda a escravatura ocorrida na história da humanidade. Segundo a ONU, esta prática ainda persiste em diversos pontos do globo, nomeadamente em África. No livro do nobelizado V.S. Naipaul, A curva do rio, é referido como ponto de discórdia histórica entre as diferentes etnias da região onde se desenrola a acção, o facto de algumas delas se ter dedicado à captura de gente das tribos vizinhas, para venda, primeiro aos árabes e mais tarde aos europeus. Nada disto pode reduz ou minimiza o sofrimento por tamanha crueldade, mas este tema tem sido tratado de forma demasiado direccionada, e de forma a fazer por ignorar que a abolição da escravatura resultou das questões éticas e de consciência levantadas dentro das sociedades esclavagistas. É um assunto complexo e doloroso, e que dispensa abordagens maniqueístas, e não serei eu que o irá aqui debater e muito menos resolver.

Frente ao porto do Cacheu, no centro do largo, encontra-se o que já terá sido um monumento evocativo da presença portuguesa. Alguém o terá usado para acerto de contas com essa mesma presença, e só com dificuldade se conseguem ver o que sobrou das quinas lusas. Dentro do grupo houve quem lamentasse tal vandalismo, embora eu ache que o tratamento dado àquele monumento tem também um significado histórico. Quando defendemos ser necessário aceitar a história, no que ela terá de grandioso tal como no que tem de miserável, temos de aceitar que todos os envolvidos se possam manifestar.

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Monumento no centro do largo do porto do Cacheu
Foto Paulo Sousa

A história da presença portuguesa na Guiné não se esgotou no período colonial, nem a sua independência se traduziu na sua auto-suficiência e muito menos no seu isolamento. A história recente da Guiné-Bissau tem acumulado episódios que colocam este país, membro da CPLP, no fim das listas dos diversos indicadores de desenvolvimento humano. A vida das pessoas está ali sujeita a muitas mais ameaças do que aquilo a que estamos habituados. Apesar disso, o povo é de uma amabilidade incrível. As crianças, que correm aos magotes atrás dos carros, são segundo os nossos padrões pobres e dificilmente poderão ambicionar uma vida mais próspera do que aquela em que estão a crescer, mas são pródigos em sorrisos e simpatia. Dar uma bola de futebol, não tem nada a ver com dar um peixe e muito menos com ensinar a pescar, mas dar uma bola de futebol a quem não tem nenhuma, é dar-lhe alegria. Além dos materiais escolares, dos livros e dos carros, transportamos também umas dezenas de bolas de futebol e que graças a elas, não duvido, deixamos atrás de nós um rasto de miúdos ainda mais alegres e sorridentes. No regresso do Cacheu tivemos até oportunidade de fazer uma peladinha, onde além de uma boa transpiradela e de um joelho esfolado, deixamos mais umas quantas bolas.

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Peladinha à beira da estrada
Foto Paulo Sousa

Visitamos ainda as missões que a Fundação nos indicou como necessitadas dos nossos carros. A cada uma, entregamos simbolicamente as chaves dos veículos que só chegariam mais tarde, depois do desenrolar da embrulhada administrativa a que tínhamos sido sujeitos. Em cada uma delas estivemos na conversa e em todas elas encontramos pessoas que se as descrevêssemos como generosas estaríamos a ser curtos na classificação. É tocante conhecer assim alguém que dedica totalmente a sua vida em função dos outros, capaz de abdicar de uma rotina confortável na Europa e que decide consumir os seus anos de vida tentando minimizar a miséria dos outros. Recordarei as palavras com que agradeceram a nossa ajuda, e nos explicaram como os veículos lhes seriam úteis, mas havendo ali generosidade, era toda da parte delas.

E assim termino esta sequência de postais sobre uma viagem à Guiné-Bissau. As saudades já as tínhamos antes do nosso regresso. Não converti para texto todas as minhas memórias, mas apenas aquelas que consegui e que achei que poderiam ser interessantes à leitura. Não é possível descrever o vento que se sente na cara enquanto olhamos para a imensidão do deserto ou para o mar de Gil Eanes, nem o sabor da comida na praça Djamena El Fna em Marraquexe, nem mesmo a voz do muezine que nos acorda de madrugada para a oração ou sequer os sons, e a intensidade do calor, da natureza guineense. E nas fotos das crianças e sorrir, nunca se ouvem os seus risos nem o seu alegre respirar.

Viajar desta forma, observando um horizonte após outro, sentindo as mudanças do terreno e da paisagem, pode até ser fisicamente desconfortável, mas a intensidade e a vivência que permite, não tem comparação.

Quando nos dispomos a sair de casa, somos levados a observar a partir de fora o lugar que ocupamos. A conclusão a que chegamos difere do ponto de observação, mas a partir da Guiné, e de muitos outros sítios onde a vida é mais difícil que por cá, o que vemos ajuda-nos a relativizar os nossos problemas.

Início da viagem

Malvada história de maldita gente

jpt, 14.03.21

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Amiga envia-me ligação para programa radiofónico: o vice-presidente da Associação de Professores de Português e um antigo secretário de Estado da Cultura, antigo director de jornal e reconhecido romancista dialogam sobre o "racismo no "Os Maias" de Eça de Queirós", contestando as recentes acusações de uma doutoranda estrangeira pertencente à universidade norte-americana classificada em 217º lugar no rol universitário daquele país. Esta gente tem a cabeça onde? 

Amigo-FB envia-me ligação para um artigo de investigadora anglo-portuguesa, denunciando o silêncio português sobre a história nacional e a manutenção daquilo que considera ser a visão imperialista emanada do fascismo - implicitando a inexistência de historiografia posterior e da sua difusão pública e pedagógica durante os últimos 30-40 anos, e denunciando mesmo que há um centro comercial "Vasco da Gama" - e clamando sobre a necessidade de dar visibilidade ao comércio de escravos. O texto é publicado num canal público do Catar. Esta gente não tem pingo de vergonha. 

(Em cima, retrato de D. Afonso Henriques - figura a ser "desconstruída" e "intervencionada" - em quadro de Eduardo Malta - pintor a ser vituperado -, feito para a Exposição de 1940 - acontecimento a ser denunciado)