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Delito de Opinião

Quero, posso e mando

Sérgio de Almeida Correia, 04.09.24

(créditos: Macau Daily Times)

Aparentemente, após tudo o que aconteceu na Escola Portuguesa de Macau (EPM), e de que aqui se deu conta em 1 de Junho, 1 de Julho e 8 de Agosto, o despacho de 7 de Agosto do Ministro da Educação, Ciência e Tecnologia não oferecia quaisquer dúvidas, e estariam criadas as condições para se voltar à normalidade e se começar o ano lectivo na referida instituição de ensino com toda a normalidade.

Pelo que li esta manhã, num matutino local, não será bem assim.

O jornalista João Santos Filipe veio esclarecer-nos que apesar de no referido despacho do ministro se escrever que eram renovadas, por mais um ano, as licenças especiais dos professores e de uma psicóloga "para que se possam manter na EPM com serviço docente/tarefas distribuídas no próximo ano le[c]tivo", esta última parte não terá sido compreendida pelo director da EPM, naturalmente, nos mesmo termos em que o jornalista, os destinatários e o comum dos leitores entendeu.

Vai daí, em vez de manter todos os dispensados mencionados no despacho do ministro Fernando Alexandre ao serviço da EPM, com serviço docente e tarefas distribuídas no corrente ano lectivo nessa mesma escola onde leccionavam, o director Acácio de Brito resolveu, por sua alta recriação, transferir alguns dos docentes para outros estabelecimentos de ensino de Macau.

Ou seja, o ministro mandou-os ficar na EPM a leccionar; o director decidiu retirá-los das funções que sempre desempenharam, desrespeitar os termos do despacho e transferir alguns para onde muito bem entendeu.

Os relatos que me chegaram da Escola Portuguesa de Timor abonavam pouco a favor de Acácio de Brito, em razão do seu estilo de gestão. O que está a acontecer em Macau cimenta essa imagem.

A decisão que tomou de transferir os professores, por não os poder mandar de volta para Portugal, como era sua vontade, no que foi publicamente apoiado pelo presidente da Fundação Escola Portuguesa de Macau (FEPM), constituirá, no mínimo, um desafio e uma provocação à autoridade do ministro Fernando Alexandre.

Quanto ao vice-presidente do Conselho de Administração da FEPM, Miguel Senna Fernandes, disse ter sido apanhado de surpresa: “Acho estranho que isso aconteça depois de um despacho daquela natureza. A Dr.ª Alexandra continua a fazer parte do corpo docente da Escola Portuguesa de Macau, mas a confirmar-se o destacamento para outra escola, parece-me contrariar, um bocado, o espírito deste despacho.”

Contrariando ou não, a pergunta que se coloca, face a este cenário, é muito simples: Quem manda na EPM? O ministro da Educação, Ciência e Tecnologia, o director da EPM, ou um outro gabiru qualquer que anda a fugir das páginas dos jornais?

Quanto ao presidente da FEPM, cada vez mais isolado e de coabitação difícil com o vice-presidente, depois das tonitruantes declarações que fez ao canal de televisão da paróquia e do humilhante despacho do ministro, que não contestou publicamente, fechou-se em copas e prepara-se agora para ver o ex-presidente do Tribunal de Última Instância ser entronizado, com o apoio do seu filho, apesar das dúvidas, como Chefe do Executivo. 

Recorde-se que, durante anos a fio, Sam Hou Fai foi criticado pelo ex-presidente da Associação dos Advogados de Macau, que não se cansou de pedir o seu afastamento da liderança daquele órgão judicial. Sem sucesso, até há dias.

Na verdade, dir-se-ia que Neto Valente tantas vezes pediu o seu afastamento que aquele lhe fez, finalmente, a vontade. Para tal contou, certamente, com a bênção dos poderes locais e de Pequim.

O candidato Sam Hou Fai terá, pois, oportunidade, sendo no final o escolhido pela Comissão Eleitoral, de levar à prática a sua concepção da separação de poderes, que é a vigente no interior da China e subscrita pelos ideólogos do Partido Comunista, quanto à aplicação do princípio “um país, dois sistemas” e às funções dos órgãos executivo, legislativo e judicial na RAEM.

Até lá, continuará o impasse na EPM, pois já se viu que para estes actores o problema não se resolveu com o despacho do ministro.

A pessegada das dispensas e contratações de docentes promovida pela "dupla maravilha", se o ministro Fernando Alexandre o permitir, e para desconsolo de muitos pais, alunos e demais pessoal ao serviço da EPM, parece estar para durar, só não se sabendo quem sairá pior deste braço-de-ferro.

Certo é, por agora, que saem todos mal. A começar por Portugal.

Defenestrados

Sérgio de Almeida Correia, 08.08.24

p12659_1_20240724230143e029t2012.jpg(créditos: RTP)

O despacho do ministro da Educação, Ciência e Inovação, Professor Fernando Alexandre, que foi ontem conhecido em Lisboa, sobre os acontecimentos recentes que envolveram a Escola Portuguesa de Macau (EPM), e de que neste espaço dei conta em 01/06/2024 e 01/07/2024, constitui uma afirmação de autoridade por parte do Estado português e uma lufada de ar fresco para a instituição, traduzindo um sinal de reposição do Estado de direito e da mais do que merecida atenção à aberrante situação criada na EPM, por imposição do presidente da Fundação Escola Portuguesa de Macau (FEPM) e do director às suas ordens, à revelia das leis e de tudo o que mandaria um mínimo de justiça e de bom senso. 

Ao sublinhar a função do Governo português como “garante fundamental do futuro da instituição [EPM] e do seu projecto educativo e cultural”, destacando a missão cometida à FEPM, “como pessoa colectiva de direito privado e de utilidade pública” e à EPM, enquanto “escola de matriz pedagógica e cultural portuguesa, criada com a finalidade de garantir a permanência e difusão da língua e da cultura portuguesa”, o ministro Fernando Alexandre assumiu as suas responsabilidades políticas, bem como as legais e estatutariamente consagradas, defendendo o papel da instituição e a dignidade do Estado português, que não pode estar ao serviço de partidos, de gangues, de obscuros projectos unipessoais de poder ou de afirmação social, ou a mando de outros senhores que não o interesse público, a legalidade e a República.

Ao mesmo tempo, o despacho restitui a dignidade às instituições nas quais Portugal está envolvido em Macau, por força dos seus compromissos internacionais e da natureza de serviço de interesse público daquele estabelecimento educativo, colocando-se num patamar de justiça e respeito dentro de regras transparentes e de civilidade, como é próprio dos estados democráticos e de pessoas de bem.

E quanto a este aspecto, o senhor ministro da Educação prestou um serviço a Portugal e aos portugueses que me apraz publicamente registar, concluído que foi o inquérito que mandou instaurar, após ter nomeado um inspector da IGEC, que se deslocou a Macau entre 12 e 25 de Julho pp., ouvindo os intervenientes e analisando os factos em toda a sua crueza, extraindo as respectivas conclusões e decidindo em conformidade. E fê-lo sem se poupar nas palavras.

Fez muito bem. E deverá ser seguido por outros ministros em relação a todas as matérias que digam respeito a Macau e à China. Sem tibiezas.

Em especial porque numa terra que se habituou às meias-tintas e aos desmandos dos últimos anos de administração por parte da tropa colonial e serventuária que por aqui andou a fazer fretes aos poderosos locais enquanto ia enriquecendo, já era tempo de haver uma afirmação de integridade ética, moral e cívica do Estado português, que não colocando em causa a FEPM, no seu papel “silencioso e discreto”, nem a EPM, cujos bons resultados em “testes internacionais inteiramente normalizados”, desde há mais de uma década, “atestam os elevados padrões de qualidade da sua oferta educativa”, confirmados pelas acções inspectivas realizadas ao longo dos anos, colocasse os pontos nos “iis”. Como se impunha e tardava.

Fernando Alexandre mostrou ter presente toda a inexplicável sucessão de desmandos, ocorridos desde que foram nomeados pelo anterior titular da pasta da Educação, o actual presidente da EPM e os novos vogais, referindo que o novo ciclo da EPM deveria ter coincidido “com uma fase de consolidação da missão da Escola e de desenvolvimento ou mesmo expansão da sua área de intervenção”, mas que, ao invés, assim que os novos chegaram “os problemas surgiram e com grande impacto na comunidade escolar e expressão, inclusivamente, nos serviços de Educação locais, revelando uma incapacidade dos actuais responsáveis para os resolver e debelar, tranquilizando pais, educadores, professores, pessoal não docente e comunidade escolar no seu conjunto”.

Elencando todo o rol de confusões gerado pelo actual Director da EPM, Acácio de Brito, que motivou “forte perturbação no funcionamento da Escola”, com educadores a ameaçarem transferir os seus educandos para outras escolas, a que se juntou a “substituição intempestiva e não suficientemente explicada de quatro docentes”, assim como o “recrutamento de outros docentes, sem explicar os critérios utilizados para o recrutamento e selecção, que se deve reger por princípios de imparcialidade, isenção e transparência”, o ministro Fernando Alexandre mostrou que a EPM não é uma coutada alentejana para um qualquer “macho ibérico” ir à caça de perdizes e avestruzes, actuando de “motu próprio, sem consultar ou informar o conselho de administração da entidade titular”.

E a acção daquele elemento foi tão perniciosa que constituiu factor de controvérsia e divisão “no seio do conselho de administração da FEPM”, cuja conduta mereceu “o aval de apenas dois elementos” do referido órgão, composto por cinco, sendo que aqueles foram exactamente dois dos três administradores nomeados pelo Estado português, um deles o respectivo presidente. A actuação do Conselho de Administração da FEPM, segundo o ministro, "deveria ter enquadrado a actuação e o exercício de competências por parte do director da Escola”, o que também não aconteceu.  

No final, criticando a decisão potencialmente desestabilizadora que havia sido tomada quanto à regular leccionação do Português Língua Não Materna, concluiu pela “falta de funcionamento colegial e solidário do CA da FEPM”, pela omissão de envolvimento do CA da FEPM nos processos de tomada de decisão, “pautada, em contraponto, pela ado[p]ção de posições do Presidente do CA da FEPM, a título meramente individual, sem vincular o órgão colegial”, a ausência de “critérios obje[c]tivos, imparciais e transparentes na cessação ou não renovação dos contratos com professores e nos novos recrutamentos de professores, sem que o Director da EPM, no respeito pelo princípio da hierarquia e da transparência e cumprimento de um dever elementar de articulação, solicitasse, previamente, ao órgão colegial (...) a emissão de critérios definidores ou de orientações”, gerando dúvidas e incertezas, determinou-se a continuidade dos professores “dispensados” por mais um ano, mantendo-se como docentes “com serviço docente/tarefas distribuídas no próximo ano le[c]tivo”, procedendo-se à “conclusão dos processos de contratação de novos professores” indispensáveis, assegurando-se a sua entrada em funções a tempo do início do próximo ano escolar.

Concomitantemente, Fernando Alexandre instruiu os representantes do Estado português a convocarem uma reunião extraordinária do Conselho de Administração da EPM, pedindo àqueles que aí apresentem um conjunto de propostas destinadas à reposição do funcionamento da Escola em condições de legalidade e transparência, impondo ao director da EPM que passe “a exteriorizar a sua vontade exclusivamente por escrito, com indicação da maioria obtida na respe[c]tiva votação” e que “em todas as matérias relativas ao funcionamento da EPM que não estejam sujeitas à apreciação e deliberação do CA da FEPM, ado[p]te critérios obje[c]tivos, imparciais e transparentes”, promovendo um diálogo construtivo e permanente com a comunidade educativa.

Aqui chegados, a única coisa que se pode dizer é que Fernando Alexandre não podia ser mais claro e rigoroso. O director da EPM e o presidente da FEPM acabam de levar uma paulada monumental. Até a mim me doeu. E não sei se alguma vez se endireitarão.

Ainda assim, Fernando Alexandre salvou-lhes a face ao não os demitir.

Poderão agora fazê-lo, se assim o entenderem, mantendo-se em funções até que cheguem outros, mas desta nunca mais se vão esquecer. Um, sem qualquer necessidade, rico e poderoso, à beira dos oitenta anos. O outro, funcionário superior a meio da carreira. A bordoada que levaram, e que ainda atinge um terceiro elemento, entra directamente para os anais da presença portuguesa em Macau.

A partir de agora fica claro que a EPM não é uma espécie de Associação dos Advogados de Macau, ou de clube privado, à mercê do seu presidente e dos amigos; nem uma escola dirigida por um grão-mestre sombra ou por um acólito alucinado. E que a EPM se rege por critérios próprios da sua área de intervenção e de um Estado de direito, como sejam critérios de legalidade, de justiça e de transparência.

Para quem ainda não tivesse percebido como as coisas mudaram, que era imperioso voltar atrás na decisão, sob pena de ruir todo o edifício educativo e a confiança nas instituições, fica aqui a resposta de Lisboa, bem como a garantia de que práticas nepotistas não vão ser acolhidas na EPM na porta principal e com a cobertura do presidente da FEPM. Preto no branco. Agora é digerirem este sapo de proporções bíblicas.

Nada será como dantes. Fernando Alexandre, aqui, conseguiu lavrar um despacho exemplar, escrevendo claro numa folha com linhas muito tortas e num local com pouca luz e demasiado exposto às sombras, à humidade e a imprevisíveis intempéries. Tiro-lhe o chapéu pela oportunidade e rapidez de acção antes que chegue o próximo tufão.

E agora, continuando a monitorizar o que se irá passando, é tempo de dar este assunto por encerrado. Voltar ao trabalho e esperar que a paz regresse à EPM e à comunidade escolar; que os alunos possam obter os melhores resultados, saindo educados para a vida como pessoas bem formadas, competentes e responsáveis. E não com a ideia, cultivada subliminarmente durante anos numa terra de jogo, de que todos poderiam um dia vir a ser bandidos ricos, bilingues ou trilingues, e respeitados.

Isso não existe. Numa sociedade decente, num Estado de direito, numa sociedade civilizada, o crime nunca compensa. Numa bandalheira e com uma sociedade corrupta e cafrealizada sim.

Quanto aos órfãos, o melhor mesmo é mudarem de vida. Os que estiverem em idade de reforma é meterem os papéis. Para um dia não fazerem a figura destes. Os outros, os que não queiram levar o resto da vida de joelhos, é colocarem a mão na consciência, ganharem alguma vergonha na fronha e muito juízo.

Se ainda forem a tempo, o remorso genuíno e quiserem servir a comunidade.

Ou, que também estão sempre a tempo, cultivarem convicções sérias e socialmente úteis. Não as ditadas pelo oportunismo circunstancialista com o generoso aval dos avençados subservientes da imprensa, sempre disponíveis para irem a correr buscar o microfone, a câmara de filmar e os amendoins quando os sobas de que dependem querem botar discurso para os indígenas e fazer "passar a mensagem".

Dos ímpios não será o Olimpo. Nem o Reino dos Céus.

Já os justos, os íntegros, esses, terão sempre lugar em qualquer lado. E serão bem recebidos pelos seus pares. Somos todos filhos de um Deus maior.

Trapalhadas colossais

Sérgio de Almeida Correia, 01.06.24

(créditos: Macau Daily Times)

A cidade foi sacudida nos últimos dias por um conjunto de notícias, inicialmente rumores, relacionadas com a Escola Portuguesa de Macau (EPM). Más notícias na forma e no conteúdo.

Após anos de passividade, inércia e de uma gestão temerosa e sem rasgos, e pese embora alguns “casos” relacionados com a vida da instituição, aparentemente havia tudo, e estavam reunidas as condições, para se conduzir uma transição suave para a “Nova Era”.  

Seria legítimo esperar uma renovação atenta a nomeação de um novo responsável pelo Fundação da Escola Portuguesa de Macau (FEPM) e a chegada de um novo director com experiência e currículo adequados à função. Mas, como diz o povo, o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. 

Neste caso, as águas rebentaram demasiado cedo. E o parto arrasta-se destrambelhado com o novo rebento a levar palmadas na praça pública de parteiros e ajudantes sem se perceber, face à berraria do petiz, porque as dão.

A valente trapalhada que na semana finda deu à costa em todo o seu esplendor, com a "dispensa" de uma dezena de professores e uma técnica, começou com a inusitada escolha do presidente da FEPM, logo a seguir a ter sido “enfiado” no Conselho Consultivo da área consular de Macau.

Afastado, ao fim de mais de duas décadas, da rocha onde estava alapado desde 1995 na Associação dos Advogados, com um curto interregno de dois anos no início deste século, perdendo a posição de administrador-delegado de uma concessionária de jogo, com parceiros de negócio e clientes caídos em desgraça, logo alguém pensou ser necessário dar-lhe ocupação na pré-reforma que encetou à beira dos quase oitenta anos.

Obrigado a mais este serviço público, tratou de recrutar o novo director. Ao que transpirou, recomendado por um burocrata da 5 de Outubro que deixou sombra num dos piores governos de Portugal. Era o tal que enquanto ministro dizia não haver dinheiro para compensar os professores e, logo a seguir, indo apoiar o fedayin Pedro Nuno Santos na sua corrida ao estampanço, admitiu que a reivindicação, que sempre considerou ser “justa”, embora nada tivesse feito para lhe dar corpo, poderia ser satisfeita logo que a viu incluída na moção daquele à liderança do PS. Com a condição, óbvia, de que seria preciso o candidato socialista vencer as eleições legislativas de 10 de Março para se assistir a uma nova  multiplicação dos pães. 

Tirando esse facto, mais a dispensa em praça pública do anterior director, esquecendo-se que ao fazê-lo não se humilhava o dispensado, mas sim a própria EPM e quem o manteve em funções durante uma década, pensava-se que tudo iria acalmar com a preparação do próximo ano lectivo.

As primeiras declarações do novo director, com uma postura discreta, seguida algum tempo depois de uma entrevista bem conduzida à TDM, pese embora a ingenuidade de uma ou outra tirada e a assunção do discurso que lhe passaram adaptado à cartilha patriótica, fizeram-me pensar que melhor ou pior, com ou sem avental, estaria encontrado o rumo para se introduzirem as mudanças que tardavam.

Percepção cimentada quando me chegaram relatos comparando a postura do anterior director, que se fechava em copas no gabinete e não falava com ninguém, com a do actual, que circulava, cumprimentava os alunos, trocava impressões com as pessoas e ia tomando o pulso à escola.

Os episódios da semana finda mostram o quanto me enganei.

É evidente que as “opções de gestão” da nova direcção são perfeitamente legítimas. E toda a gente, alunos, pais, opinião pública em geral, sabia que, há muitos anos (esqueça-se o início trapalhão da EPM no mandato do último governador), as vistas curtas e os umbigos hipotecaram a existência de uma escola para o século XXI, com espaço, equipamentos modernos, potencial de crescimento, longe dos casinos, da poluição e confusão do centro da urbe. A EPM precisava de mudar. Para melhor, claro, e sem ser aos trambolhões.

Ao longo dos anos fui algumas vezes à EPM. Uma vez a convite dos Rotários, para falar aos alunos sobre a minha profissão. Uma outra a convite do Gilberto Lopes e da TDM para o defunto Contraponto. De todas as vezes disse o que entendia dever ser uma escola portuguesa na China. Não vejo hoje razão para pensar de maneira diferente: o que se está a passar deu-me razão e não posso assistir calado a esta desprestigiante tourada. 

Depois de uma afirmação de portugalidade, que com os anos, a dependência económica e a subserviência se tornou cada vez mais tímida, havendo pelo meio uma estória pouco edificante com uma bandeira que foi despejada e realojada no canto de um gabinete, certo é que a EPM cumpriu a sua função com os professores que tinha, formou gente capaz, interessada, socialmente útil e que se afirmou fora de portas com excelentes resultados académicos e profissionais. Mérito que se deve tanto aos alunos como aos professores que os acompanharam e aos seus pais. Pelo menos aos que se interessam e participam no dia-a-dia dos filhos e que serão quase todos.

Porém, quando se tomam “decisões de gestão” pouco transparentes em relação a professores, mais do que estimados, queridos e respeitados pelos seus alunos, passados e actuais, e que cumpriram no passado, no presente, e queriam cumprir no futuro com a nova direcção, colocam-se muitas questões.

Três dos que saem são doutorados, dizem-me, com vasta experiência de ensino local, conhecimento da sua realidade e do meio social onde se inserem os seus alunos – que é diferente da de qualquer outro local do mundo onde há escolas portuguesas –, e cujo trabalho se revelou crucial para o sucesso da EPM, dando inúmeras provas de competência profissional, com qualificações e qualidades humanas, e entrega perfeitamente altruísta ao seu múnus. Aparecerem agora, a pouco tempo de merecidas reformas, enfiados num saco de dispensas sem critérios conhecidos – “opções gestionárias” não é nada sem que se perceba em que consistem e qual a razão que está subjacente às escolhas feitas – levanta sobrolhos e dúvidas que sem transparência e esclarecimento razoável só servem para preocupar pais, alunos, a comunidade em geral, e uma vez mais deixar mal a EPM e a minúscula comunidade portuguesa.

Depois das novelas da Casa de Portugal, dos atrasos nos subsídios, do queixume das rendas, da falta de apoios e das decisões inexplicáveis sobre festas populares, só nos faltava mesmo a EPM ser palco de lutas de perus e motivo de vergonha e achincalhamento para Portugal em Macau.

Todos perceberam que a alteração do modelo de gestão passou pela introdução de uma verdadeira liderança bicéfala, agora repartida entre o presidente da FEPM e o director. Este, com todos os seus méritos, caiu aqui de pára-quedas e foi rapidamente capturado por um pequeno grupo de marretas e avençados, pretensos conhecedores da terra e das suas especificidades, que, não obstante estar há muitos anos a perder protagonismo e poder, continua convencido que é o detentor das chaves dos segredos do Santo Graal.

O presidente da FEPM já sentiu necessidade de prestar declarações à TDM e perguntar o que pode a direcção do estabelecimento de ensino fazer se não puder seleccionar os docentes. E também referiu que não é com abaixo-assinados e barulho que se vai resolver o problema da escola. Adiantou ainda que deu esclarecimentos ao Ministério da Educação, cujo chefe de gabinete agradeceu, que a anterior direcção teria perdido a confiança da Direcção de Serviços de Educação e de Desenvolvimento e Juventude (DSEDJ), e que não há nenhum professor que venha por “alvedrio” do director.

A direcção da EPM pode, e deve, entre outras funções escolher professores competentes e que dêem garantias de bom desempenho em razão das suas qualidades profissionais e humanas. Deverá, contudo, fazê-lo com critério e transparência. Se tivesse havido não teríamos hoje o sururu que temos e ele não teria necessidade de sair em defesa do director da EPM.

Concordo que não seja com abaixo-assinados que se vão resolver os problemas da EPM. O presidente da FEPM aqui tem razão. Mas se há abaixo-assinados de antigos e actuais alunos e dos encarregados de educação em defesa de professores dispensados (não é por parte dos sindicatos que cá não existem, ou de outros professores, que se o fizerem vão para o olho da rua), é porque alguma coisa aconteceu.

Por outro lado, dar resposta e agradecer a recepção dos esclarecimentos prestados, como fez o chefe de gabinete do ministro da Educação, é uma regra de cortesia e boa educação. Como ele disse “até ver, está tudo bem”. Só que a resposta não significa adesão às justificações contidas nas respostas. O presidente da FEPM não está a falar para uma manada de serventuários e boçais numa qualquer assembleia geral.

A referência à perda de confiança da DSEDJ na anterior direcção é grave. A anterior direcção esteve lá durante uma década. Em termos escolares com bons resultados (dizem-no os rankings), pelo que o Governo de Macau terá de esclarecer este ponto. E também, se for verdade, por que razão não se agiu antes. Para bem de todos e para que a população possa confiar nos dirigentes da DSEDJ, certa que de futuro não se permitirá a manutenção em funções de quem não merece confiança, nem dá garantias de serviço público perante “um sem-número de situações que importa corrigir”. Quais? Que andaram a FEPM, o Ministério da Educação e a DSEDJ a fazer durante anos? A fechar os olhos? Estava tudo mal e agora vai ficar tudo bem? Que diz o Dr. Manuel Machado?

E quanto ao facto de nenhum professor, “destes que vêm”, e cito, vir por “alvedrio do director que diz: “eu vou mandar vir este porque é meu amigo"; não, não é isso”, fico muito satisfeito por saber que nenhum daqueles, ao contrário do que me afiançaram, chega por amiguismo, compadrio, concubinato ou outro tipo de relações. Trazer a amiga ou o namorado seria um caso de nepotismo. Vir por necessidade com a garantia de que “não tem competências inferiores” (mas têm mais, são melhores, dão garantias de continuidade?) é coisa bem diferente.

Seria bom esclarecer, em todo o caso, se as dispensas dos professores que saem não se devem a motivos disciplinares, quais são as razões que lhes estão subjacentes? Fastio? Birra? Inimizade com alguém da direcção ou da FEPM? Incompetência? Há relatórios sobre o seu trabalho? Foram-lhes dados a conhecer? Dizem-me que houve professores que andaram a assistir às aulas de outros. Muito bem. A que conclusões chegaram? Informaram os visados sobre os resultados dessas “avaliações”? Quantos foram objecto desse escrutínio? Se não se fez a todos, se for o caso, qual foi o critério?

Neste momento, com a falta de informação séria e credível sobre esta bagunça, o que sabemos é que foram “dispensados”, eufemismo de despedidos, cerca de uma dezena de professores, e mais uma psicóloga que há anos ali trabalhava, numa espécie de “dispensa colectiva” sem justa causa.

O director da EPM ficou agastado. Digo-o pelo tom usado com as questões que a imprensa lhe colocou. Só que tendo sido publicados anúncios a recrutar novos professores para os mesmos lugares, e acabando-se a contratar gente desconhecedora da realidade local, mal paga para o que lhes vai ser exigido, sujeitos a títulos blue card para aqui trabalharem, numa situação idêntica à de qualquer assalariado que chegue do Nepal ou do Paquistão, o que os colocará, pese embora as funções desempenhadas e a secular amizade luso-chinesa, numa posição humilhante, subserviente e dependente, permanentemente com uma espada de Dâmocles sobre as suas cabeças, limitar-se-ão a cumprir ordens sem fazerem perguntas sob pena de não lhes ser renovado o blue card no final do ano lectivo, integrando um rebanho de serviçais, à semelhança desses desgraçados das empresas de segurança que trabalham doze horas por dia sem direito a lamento.

Os factos e os esclarecimentos prestados, ou a falta destes, depois de termos sido informados de que alguns passaram, tal como o actual director da EPM, por Timor-Leste, o que não foi referido logo de início, sem subterfúgios, quando se falou em "experiência internacional", fazem-me temer que na escolha dos substitutos haja também critérios de combate ao isolamento. Essa será uma outra opção de gestão, tal como serem pessoas de confiança para o projecto educativo que se quer cimentar, embora isso não seja impeditivo de ser logo dito e assumido por quem escolhe. Aqui, pelo menos, não se correrá o risco de vir um magistrado jubilado para compor o parco pecúlio da sua reforma, tornando-o assalariado da EPM à socapa do Conselho Superior de Magistratura.

Apesar de tudo, espero que depois desta “entrada a pés juntos”, perfeitamente desastrada, em que o status quo se transformou num “status caos”, numa espécie de deslegitimação pelo procedimento, ao contrário do que Luhmann ensinara, tudo se possa compor e seja possível retomar a tranquilidade, colocando um ponto final na vergonha de andarem inspectores da DSEDJ a averiguar o que se está a passar na Escola Portuguesa, como se em causa estivesse uma rixa entre taberneiros.

Na EPM também não há o risco de acontecer o que sucedeu a outras instituições, transformadas em clube de amigos de direcções que se dedicam à distribuição de benesses e que não cumprem a sua função profissional, social e/ou cívica devido ao estado letárgico para que foram atiradas.

De igual modo, ninguém espera que a principal função da EPM passe a ser a organização de jornadas de convívio, excursões turísticas e visitas às exposições sobre a segurança nacional, até porque tem a concorrência de mais escolas e há uma que aí vem que pretende entrar no seu mercado.

Porém, não sejamos crentes ao ponto de acreditar que se correr mal logo se verá. Ninguém acredita que o presidente da associação de pais, dada a sua posição em relação ao presidente da FEPM, alguma vez venha dizer que não correu bem. E se nessa altura tiver a coragem de o fazer já será tarde. Porque o mal já estará feito. E nesse dia o presidente da FEPM dirá que nada teve a ver com o assunto porque as opções foram da Direcção da Escola.

O Dr. Acácio de Brito, que não tem culpa nenhuma da maldade que lhe fizeram, e é pessoa bem-educada, que se abasteça de uma boa dose de lavanda, alfazema e canela. Ele e o Dr. Alexandre Leitão, Cônsul-Geral de Portugal para Macau e Hong Kong. E que se rodeiem de algumas corujas. Discretas.

Chegaram a um local cujo clima chuvoso, quente e húmido, é propício ao aparecimento de lacraus. E de bufos, tipo cristãos-novos, ultimamente mais do tipo patriotas-novos, que deambulam e amesendam pelas imediações da EPM. Muitos. Alguns disfarçados de jornalistas, advogados, professores sem doutoramento (académico; possuem outros) e beatos. Quando menos se espera estamos rodeados deles. Sem aqueles apetrechos vai ser difícil mantê-los à distância enquanto por aqui andarem. E fazerem com tranquilidade o trabalho que a comunidade espera deles.