Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

Sessenta anos de emigração portuguesa na Alemanha

Cristina Torrão, 10.09.24

A 10 de Setembro de 1964, chegava à estação de Colónia, na Alemanha, o português Armando Rodrigues de Sá, de 38 anos, natural de Vale de Madeiros, distrito de Viseu. Como muitos outros, que partiam à procura de melhores condições de vida, era um homem simples e tímido. Não desejaria, decerto, tornar-se no centro das atenções, num país desconhecido. Mas os altifalantes da estação anunciaram o seu nome, uma multidão, que incluía autoridades, cercou-o, bombardeando-o com numa língua imperceptível, uma banda de música começou a tocar. Sem ainda bem saber o motivo para tal balbúrdia, passaram-lhe um ramo de flores para a mão e ofereceram-lhe uma motorizada Zündapp.

Armando Rodrigues de Sá 1.jpg

Welt

Quis o destino que Armando Rodrigues de Sá fosse o milionésimo Gastarbeiter (“trabalhador convidado”, um eufemismo para “imigrante”), na sequência do Gastarbeiterprogramm, criado pelo Governo da República Federal da Alemanha, nos anos 1950, a fim de colmatar a escassez de mão-de-obra na reconstrução do país. A Itália foi, em 1955, a primeira nação com quem os alemães estabeleceram um acordo de recrutamento bilateral. Seguiram-se a Grécia e a Espanha (1960), a Turquia (1961), Marrocos (1963), Portugal (1964), Tunísia (1965) e a antiga Jugoslávia (1968).

A fim de se assinalarem os 60 anos da comunidade portuguesa neste país, o Grupo de Reflexão e Intervenção – Diáspora Portuguesa na Alemanha organizou uma exposição itinerante, inaugurada durante a festa portuguesa de Heinsberg a 7 de Abril passado. Os vinte cartazes que compõem a exposição abordam tópicos históricos como os conteúdos do acordo bilateral entre os dois países, a chegada do milionésimo trabalhador convidado Armando Rodrigues de Sá, as péssimas condições de vida e de trabalho dos primeiros emigrantes portugueses, o surgimento das primeiras associações portuguesas na RFA, o trabalho social da Caritas, das missões portuguesas e dos sindicatos alemães (informações obtidas no jornal Portugal Post, edição de Abril passado).

Também um livro foi agora publicado, com a chancela da Oxalá Editora (editora portuguesa na Alemanha), liderada por Mário dos Santos, que, em 1993, criou igualmente o Portugal Post, o único jornal português neste país. Há uns anos, o jornal mudou de mãos, sendo o seu director actual Tiago Pinto Pais.

Nas palavras da editora, “este livro é uma homenagem aos portugueses que fizeram da Alemanha o seu país de adopção, ou seja, a sua terra de trabalho, de vida, de construção de família e do seu presente e do seu futuro. São 23 histórias de portugueses de várias gerações que partilham a experiência pela qual passaram desde a sua chegada a este país”.

Capa. e contratif.jpeg

Foi-me concedido o privilégio de fazer parte deste livro. A editora deu-nos algumas orientações, por exemplo, indicar as razões de saída de Portugal, qual foi a nossa primeira impressão da Alemanha, o que mais estranhámos, o que mais apreciámos, se alguma vez pensámos em regressar por não sermos capazes de continuar aqui, que relação temos hoje com Portugal, se pensamos permanecer aqui para sempre…

Certas coisas custaram-me mais a passar para o papel do que esperava, coisas em que evitamos pensar:

“As minhas raízes estão em Portugal, foi lá que nasci e cresci, o português é a minha língua materna. Por outro lado, já vivi na Alemanha mais tempo do que no meu país (…) Como nós emigrantes sabemos, chega-se a uma altura em que o nosso país, e quantas vezes a própria família, nos considera estrangeiros (…) Ficamos sem saber onde pertencemos (…) Sendo jovens, temos tendência para ver [a emigração] como uma aventura aliciante, sem fazer ideia de que, a partir do dia em que passamos a fronteira, nada mais tornará a ser como dantes”.

Não deixa de ser simbólico que o imigrante “um milhão” na Alemanha tenha sido português. No grupo de 1.106 trabalhadores estrangeiros que seguiam naquele comboio, apenas 173 eram portugueses. Os restantes 933 eram espanhóis. Mas foi Armando Rodrigues de Sá o escolhido, à sorte, na lista dos passageiros. Destino. Ou fado, pois claro.

Armando Rodrigues de Sá 2.jpg

picture-alliance / dpa/dpaweb - Berliner Zeitung

Inaceitável

Pedro Correia, 18.03.24

Marcelo Rebelo de Sousa, que tanto adora falar às comunidades portuguesas no estrangeiro, marimbou-se para o voto dos nossos emigrantes - este ano superior a qualquer outro em legislativas. Prova? Decidiu receber todos os partidos em Belém sem estes votos dos círculos eleitorais da Europa e de outras partes do mundo estarem contados, queimando etapas. E desprezando assim os compatriotas que vivem lá fora, incluindo três colegas nossos, também autores do DELITO: é como se as opções eleitorais deles não contassem.

Obviamente inaceitável, este comportamento do Presidente. 

Portugueses em Cuxhaven

Cristina Torrão, 26.05.22

Por vezes, há coincidências interessantes. Tinha eu acabado de publicar (aqui e aqui) fotografias de Cuxhaven, quando o Jornal Católico da Diocese de Hildesheim (do qual sou assinante) publicou uma reportagem sobre os portugueses daquela cidade costeira, na sua edição nº 19, do passado dia 15 de Maio.

Portugueses em Cuxhaven - nº 19 15-05-2022 (1).jp

Em Cuxhaven, vivem cidadãos de 112 nações diferentes e a comunidade mais numerosa é, precisamente, a portuguesa, com cerca de 1300 pessoas. Estamos no Norte da Alemanha, de maioria Protestante, de maneira que os portugueses representam uma parte importante da paróquia católica de Santa Maria.

Portugueses em Cuxhaven - nº 19 15-05-2022 (2).jp

Duas portuguesas mereceram destaque, nesta reportagem. Maria Santos é, há vários anos, a coordenadora da comunidade portuguesa da paróquia. No dia da visita do jornal, Maria Santos não tinha mãos a medir, pois as crianças da primeira comunhão treinavam para o grande dia e, a 14 de Maio, como todos os anos, far-se-ia a procissão de Nossa Senhora de Fátima.

Portugueses em Cuxhaven - nº 19 15-05-2022 (3).jp

A outra senhora destacada é Áuria da Cunha, em Cuxhaven desde 1969. Tinha 22 anos, quando lá chegou, a fim de trabalhar na indústria pesqueira, como muitas outros portugueses e portuguesas. A missa na língua de Camões realiza-se todos os sábados, às 16h 15m. Áuria da Cunha chega sempre à igreja meia hora mais cedo, a fim de ter tempo de rezar primeiro o terço, na companhia de algumas outras pessoas.

Na verdade, trata-se de uma missa só em parte portuguesa, já que, à falta de um padre da nossa terra, é rezada em alemão, enquanto a comunidade responde em português. Dois padres alternam-se na celebração: um alemão e um polaco. Este último, de nome Dabrowski, começou a aprender português há cerca de dois anos e reza já parte da cerimónia na nossa língua. «Vejo grande alegria e agradecimento nos olhos da comunidade, quando o faço», assegura o clérigo polaco.

As Associações portuguesas, que nasceram como cogumelos neste país nos anos 1960 e 70, há muito que agonizam, por falta de interesse das novas gerações. Já as paróquias católicas continuam a ser um grande amparo para os portugueses emigrados. Porque, como diz Maria Santos, «sem Igreja, nada funciona» (ohne Kirche geht es nicht).

Um último apontamento sobre os votos dos emigrantes

Cristina Torrão, 29.03.22

Apesar de o processo estar (para já) concluído e o novo governo prestes a tomar posse, resolvi deixar aqui excertos de um artigo de opinião assinado por Gonçalo Galvão Gomes, intitulado "A confiança perdida", no PT-Post nº 332 (jornal português na Alemanha), depois de ser conhecida a resolução do Tribunal Constitucional de repetir as eleições:

Em 2015, durante a contagem dos votos da emigração, recebo uma mensagem da pessoa que nomeei como responsável de uma das mesas de contagem. - Há envelopes a chegar sem cartão de identificação, achas que os devíamos anular?

Foi a primeira vez que tive contacto com a realidade da contagem dos votos e lembro-me que fiquei abismado com a ideia de que cabia ao responsável da mesa decidir se um voto devia ou não contar, quando claramente não cumpria os regulamentos para ser considerado válido. - Cumpre o que está na lei eleitoral e anula tudo o que estiver inválido - foi a minha resposta.

A minha mesa anulou centenas de votos naquela noite, muitas não o fizeram e outros milhares de votos foram contados de forma irregular.

(...)

Nesse ano, no meu primeiro como emigrante, e na minha primeira vez enquanto candidato pelo círculo Europa, embora estivesse graduado em saber como as instituições portuguesas funcionam, nunca pensei que numa eleição legislativa, num a(c)to daquela natureza, existisse tamanha arbitrariedade na avaliação dos votos.

Desde aí nada mudou e a eleição de 2019 teve o mesmo desfecho com votos a serem contados (ou não), conforme o apetite do responsável da mesa.

Em relação aos deputados eleitos pela emigração:

Estes podem, devem e até já deviam ter pedido uma mudança nos regulamentos. Não o fizeram, não quiseram saber e têm corrompido os a(c)tos eleitorais com arranjinhos de bastidores. É absolutamente vergonhoso ver pessoas como o senhor deputado Paulo Pisco do Partido Socialista, que já o é há duas décadas, aparecer agora no papel de vítima, como se não tivesse responsabilidade no acontecimento. Pior do que não assumir a sua responsabilidade, é culpar os outros e escrever artigos como o que escreveu no Público, a responsabilizar o PSD pela anulação da votação.

Na verdade, o deputado Paulo Pisco torna à carga nesta mesma edição do PT-Post, num artigo intitulado "Recuperar a confiança das comunidades e votar":

Por que razão o PSD se comprometeu e depois rompeu o entendimento entre todos os partidos para aceitar como válidos os votos sem o cartão do cidadão, numa reunião que foi realizada ao abrigo da lei no dia 18 de Janeiro? [Isto foi escrito depois de o Tribunal Constitucional declarar ilegais reuniões e acordos desse tipo].

E por que recusa o PSD pedir desculpa aos eleitores que agora terão de voltar a pronunciar-se, tal como, humildemente, fez o líder do PS e Primeiro-Ministro António Costa?

(...)

Nada do que aconteceu deveria ter acontecido. Essa é a verdade. Esta é uma crise completamente gratuita, que poderia muito bem ter sido evitada, não fosse o PSD ter medo do voto das comunidades e soubesse respeitar a vontade livre de participação dos eleitores e o seu direito de voto.

Logo no parágrafo seguinte, Paulo Pisco dá, sem o menor pudor, o dito por não dito, ao admitir que o problema está na legislação:

A lei terá de sofrer as necessárias alterações e para tal será necessário um consenso alargado na Assembleia da República, de forma a facilitar o direito de voto dos nossos compatriotas.

(...)

É esse agora o nosso compromisso, de dar prioridade à alteração da lei eleitoral da Assembleia da República, para que uma situação como a que ocorreu nunca mais volte a acontecer.

Pelos vistos, este tipo de discurso manhoso dá os seus frutos. O PS acabou por ser favorecido nesta repetição.

Curiosidade: Neste artigo, Paulo Pisco refere uma guerra às portas da Europa, na Ucrânia. E eu a pensar que a Ucrânia e parte da Rússia eram solo europeu!

O voto emigrado

jpt, 22.03.22

20220322_090137.jpg

Hoje de manhã, nós-povo a prepararmo-nos para contar o voto dos emigrados, esses que para alguns são menos importantes do que os dos patrícios residentes.

E assim, por nosso intermédio, se resolve a trapalhada causada pelos nossos legisladores: isto de cinco meses de governo de gestão, ainda por cima em época de tamanha agitação económica, política e militar 

A procissão ainda só vai no adro

Cristina Torrão, 16.02.22

Aguarda-se com expectativa se a repetição das eleições para os emigrantes será por correspondência ou presencial. Parece que a presencial não é permitida nas Legislativas. E causaria um recorde em abstenções, porque, na Alemanha, por exemplo, há quem tenha de fazer centenas de quilómetros para votar presencialmente.

Mas eu duvido que haja tempo para enviar a papelada pelo correio (que terá de ser enviada de volta) a todos os votantes, até dia 27 de Fevereiro.


O Voto dos Emigrados

jpt, 10.02.22

eleicoes_legislativas_III.jpg

A Cristina Torrão já botou a sua profunda indignação com o acontecido com os votos dos emigrantes. E com ela vou solidário. Não irei repetir os seus argumentos mas julgo necessário recordar um facto: no círculo da Europa, de um total de 195.701 votos recebidos, 157.205 foram considerados nulos, o que equivale a 80,32%. 47 anos depois das primeiras eleições deste regime acontece isto! E, pior, sem que haja um sobressalto cívico, um repúdio generalizado face às elites políticas que conduziram a isto. 

Os emigrantes foram cantados na gesta antifascista e muito lamentados no gemebundismo socialista dos anos 2010s, pois ditos como se ostracizados por Passos Coelho. E são anualmente incensados no folclore do Dia das Comunidades Portuguesas - abrilhantado neste consulado com a novidade das comemorações itinerantes do 10 de Junho. Mas  neste regime o seu voto sempre foi malquisto. Por isso a sua escassa representação parlamentar. Por isso a escandalosa proibição constitucional - desenhada por ilustres constitucionalistas que desde há décadas continuam a opinar, como se democratas exemplares - do seu voto nas presidenciais, malevolência que durou duas décadas. E por isso se mantêm tantas dificuldades logísticas para o seu exercício do voto. 

Mas agora não se trata só de isso. Mas sim do devastado estado do Estado. No Inverno de 2021 durante algum tempo Portugal foi o pior país do mundo, em termos absolutos, quanto ao impacto do Covid-19. Nesse período foram organizadas umas eleições presidenciais. Tendo sido aventada a hipótese do seu breve adiamento, para que se esperasse o alijar os efeitos da invernia no impacto da pandemia, foi-nos comunicado que ministério da tutela e assembleia da república tinham deixado passar os prazos legais para se poder propor tal medida. Nestas recentes eleições legislativas, com o país fustigado pela disseminação da variante Ômicron, debateu-se a questão da votação dos infectados e dos colocados em isolamento profiláctico. Foi notório o atrapalhamento das autoridades, mais uma vez acima de tudo devido a uma incúria legislativa.

Agora surgem estas notícias sobre o voto dos emigrantes. Mais de 80% de votos inutilizados no círculo da Europa (não tenho dados sobre o "fora da Europa"). Devido a uma trapalhada legal e correlativa desorganização processual. Tudo isto bem demonstra a irresponsável incompetência com que as eleições são enquadradas pela nossa actual "elite" política.

E sobre essa perversa realidade é importante ouvir esta entrevista do cabeça de lista do PS no círculo "Europa", Paulo Pisco: diz que tinham conhecimento dos defeitos da lei, mas escuda-se no facto de ter havido uma antecipação das eleições para se desculpar pela incorrecta lei. "Até já se tinha constituído um grupo de trabalho", deixa cair. Ou seja, há uma lei eleitoral que é consabidamente prejudicial ao exercício do voto dos nossos compatriotas emigrados. E durante dois anos a Assembleia da República limita-se a constituir um "grupo de trabalho". E face à convocação de eleições antecipadas é apanhada com "as urnas na mão".

E convirá perceber que este homem, que tanto se lamenta por ter(em) sido surpreendido(s) pela antecipação eleitoral, acaba de ser eleito para a sua... 6ª legislatura, como deputado da emigração! Convirá também perceber que Augusto Santos Silva, que tem duas décadas de exercício ministerial, foi não só ministro dos Negócios Estrangeiros - com a tutela das formalmente sacrossantas "Comunidades Portuguesas" - nos últimos 6 anos, como também encabeçou a lista do seu partido no círculo "Fora da Europa". Mas, ao que parece, também nada sabia sobre esta situação, e nada fez para a resolver.

No final de tudo isto é interessante perceber o que os dois partidos estruturantes do regime, e que sempre dividem os meros 4 deputados da "emigração", fazem: o PSD agarra num patético, anacrónico e, provavelmente, ilegal procedimento eleitoral e provoca este rombo democrático que é a anulação de 80% dos votos expressos. Mas não teve tempo nem oportunidade para propor uma alteração legislativa ou uma organização dos procedimentos eleitorais. E o PS, também distraído destas coisas, não contestará esta anulação. Pois, como vergonhosamente diz este veterano deputado Pisco, "como os resultados não se alteram não vale a pena". Ou seja para este Pisco não vale a pena contabilizar, considerar, respeitar, 157 205 decisões dos seus compatriotas! Desde que o (já aquecido) lugarzito lhe esteja garantido. É esta a sua mentalidade. É este o tipo de "democrata" que o parlamento alberga.

Entretanto, acabou-se o dia. E nem Sua Excelência o ministro dos Negócios Estrangeiros em exercício, o deputado eleito pelo círculo "Fora da Europa", prof. Augusto Santos Silva, nem Sua Excelência o Presidente da República, o loquaz prof. Marcelo Rebelo de Sousa, se pronunciaram sobre esta vergonha. Da qual são profundamente responsáveis. Silva seguirá sibilino, no Rilvas ou em São Bento. E Sousa tirará auto-retratos enquanto perora inanidades sobre a heróica "identidade nacional". 

Ao menos Rio asneira(va) em alemão...

VERGONHA!

Cristina Torrão, 10.02.22

Desculpem, mas desta vez tive mesmo de escrever o título em maiúsculas. Estou muito revoltada.

A questão dos votos dos emigrantes é uma grande farsa, há vários anos. Começando pelo facto de cerca de 1,5 milhão de votantes elegerem apenas quatro deputados, passando pelos eleitores e pelas eleitoras que não recebem o boletim pelo correio e não haver voto presencial nas Legislativas e acabando na obrigação de voto presencial nas Presidenciais, que obriga, pelo menos, na Alemanha, pessoas a terem de fazer 400 km para irem votar.

Agora, isto:

Segundo o edital publicado hoje sobre o apuramento geral da eleição do círculo da Europa, de um total de 195.701 votos recebidos, 157.205 foram considerados nulos, o que equivale a 80,32%.

Em causa esteve a mistura de votos válidos com votos inválidos que “contaminou” todos. “Houve mesas em que todos os votos foram considerados como nulos. Porque era impossível, face ao comportamento das mesas, identificar quais os votos que estavam sob protesto”, explicou porta-voz do Comissão Nacional de Eleições, João Tiago Machado, à Antena 1.

“Depois de tanto trabalho que nós fizemos para motivar as pessoas. Isto é perder a cara. É perder o respeito”, desabafou Manuel Campos à Antena 1.

“Estamos num dia triste. Porque podíamos estar a festejar um aumento significativo do número de votantes na emigração. No entanto, com esta situação da anulação de tantos votos no círculo da Europa. Estamos face a uma situação inédita e bastante triste”, afirmou Pedro Rupio à Antena 1.

Em 2019, não pude votar, porque tirei novo Cartão de Cidadão em Agosto e, para ficar registada no recenseamento eleitoral, têm de passar, pelo menos, sessenta dias entre a emissão do novo cartão e as respectivas eleições. Desta vez, achei-me com sorte: recebi o boletim de voto, o que infelizmente não nos está garantido. Há cerca de um mês, publicava satisfeita esta foto no facebook, com o título "já posso votar":

Legislativas 2022.jpg

Agora, ninguém me garante que o meu voto válido contou (sim, enviei fotocópia do Cartão do Cidadão, apesar de achar tal uma estupidez). O mais certo é ter sido anulado.

Mas um escândalo destas proporções fica sem consequências! Afinal, trata-se apenas de emigrantes... que enviam cerca de 300 milhões de euros todos os meses para o seu país.

É revoltante. Desmotivante.

Contributo

Sérgio de Almeida Correia, 10.02.22

1666170.jpeg(foto LUSA/José Sena Goulão)

Para quem estiver interessado, fica aqui o link para o que escrevi sobre a "salgalhada" relativa aos votos dos emigrantes e foi hoje publicado na edição online do Público.

A paciência começa a ser pouca para tanto disparate, mas ainda vamos a tempo de melhorar, tanto mais que a legislatura está no início. Haja vontade e discernimento.

Calma e ponderação

Cristina Torrão, 04.01.22

Sei que vou de novo provocar a ira de comentadores habituais do Delito. Mas não me importo. O problema é deles, não é meu. Penso pela minha própria cabeça, tenho os meus princípios e as minhas convicções e não prescindo deles para agradar seja a quem for.

Depois do debate de ontem entre Rui Rio e André Ventura (que não vi, mas baseio-me no artigo aqui linkado), o secretário-geral adjunto do PS, José Luís Carneiro, acusou o líder do PSD de ceder ao populismo ao “negociar em direto e ao vivo” com o líder do partido Chega, André Ventura, admitindo até “ceder na proibição da prisão perpétua”.

Ora, lendo o artigo em questão, constatamos que isto é um verdadeiro exagero, roça mesmo a calúnia, já que o presidente do PSD rejeitou hoje qualquer coligação de Governo com o Chega, que considerou “um partido instável”. E, mesmo na questão da prisão perpétua, Rui Rio fez questão de separar os vários regimes de prisão perpétua que existem - citando o exemplo da Alemanha em que este tipo de pena é revisto ao fim de 15 anos sob forma de liberdade condicional - e afastando-se daqueles em que alguém pode ser preso por toda a vida.

Na minha opinião, Rui Rio esteve bem nestas declarações, mas deve ser ainda mais assertivo na sua rejeição a qualquer tipo de acordo com o Chega. Denominá-lo de partido instável é insuficiente! Ele tem de deixar claro que o Chega não é um partido aceitável, na nossa democracia, não dando azo a especulações como as feitas por José Luís Carneiro.

Também deve, por isso, resistir a qualquer tentativa de sedução por parte do líder cheguista, que diz estar disponível para “conversar” para afastar António Costa, embora insistindo numa presença no executivo. “Ninguém vota no Chega para ser muleta do PSD, para nós é preciso conversar para haver um Governo que afaste António Costa, o Chega está disponível para conversar no pós 30 de janeiro”. E não ligar a provocações do tipo: com o líder do Chega a acusar o presidente do PSD de querer ser “o vice-primeiro-ministro de António Costa”.

Demonizar António Costa é uma radicalização bem ao jeito do líder da extrema-direita. Não seria, porém, digno de um candidato a Primeiro-Ministro, seria mesmo um grande erro, que lhe custaria votos essenciais. Afastaria eleitores indecisos, alguns que até já terão votado PS e que pensarão: "Costa até nem foi tão mau quanto isso, o melhor mesmo é deixá-lo continuar, em vez de ir o Ventura para o poder". Mas há outro aspecto que convém não ignorar: demonizar Costa é dar-lhe uma auréola de mártir. E, havendo pessoas que adoram mártires, lá fica o homem apetecível a muitos outros eleitores indecisos.

Esperemos que Rui Rio não ceda aos olhos de carneiro mal morto de Ventura, nem se deixe provocar pelas suas acusações. Desejo-lhe muita calma e ponderação!

 

Adenda: sendo as eleições a 30 de Janeiro, penso que vai sendo altura de nós emigrantes recebermos os boletins para a votação postal. Espero que não se repitam os erros de outros anos, em que os boletins são enviados tarde demais, ou nem chegam a ser enviados. Depois, acusem-nos de não ligarmos às eleições portuguesas!

Da igualdade

Cristina Torrão, 18.01.21

«Quanto às presidenciais de Janeiro em Portugal: porque é que os 1,4 milhões de eleitores portugueses que vivem fora de Portugal não podem votar por correspondência nas presidenciais? Só na Alemanha há mais de cem mil portugueses que, para votar, são obrigados a fazê-lo presencialmente numa rede consular esparsa e mal equipada e a deslocar-se centenas de quilómetros para entregar o seu voto. Obviamente, a maioria abstém-se. Nas últimas presidenciais, de acordo com a Pordata, a abstenção dos eleitores portugueses no estrangeiro foi de 99%. Porque se recusa o governo a legislar para possibilitar o voto postal e porque se mantém tão discreto neste assunto o actual presidente da República?»

Miguel Szymanski, PT-Post (jornal português na Alemanha) nº 317, Novembro 2020

 

«Nesta eleição, teremos de nos deslocar presencialmente aos consulados e muita gente terá que fazer centenas de quilómetros para votar. Os consulados não são, na sua maioria, espaços de grande dimensão e, por isso, antevê-se um processo que, com as normas de distanciamento social, poderá demorar mais tempo do que o habitual. A juntar-se a isto, temos que ter em conta que Janeiro é o pico do Inverno em muitos países, onde as comunidades portuguesas estão mais concentradas e não menos importante, muitos desses países têm restrições de mobilidade por causa do Covid, que poderão condicionar severamente, ou até mesmo impedir, as deslocações aos consulados. A receita terá o resultado que toda a gente sabe: um recorde de abstenção por parte dos portugueses a viver fora de Portugal, onde esta já é tradicionalmente elevada».

Gonçalo Galvão Gomes, cabeça-de-lista do PAN ao círculo Europa nas eleições legislativas de 2015 e 2019, PT-Post nº 318, Dezembro 2020

 

O disparate de não podermos votar por correspondência aumenta de dimensão em tempos de pandemia. O consulado de Hamburgo, por exemplo, além de não ser espaçoso, fica num 4º andar. Em caso de grande afluência, como organizar a fila de espera?

E porque só aos cidadãos recenseados em território nacional é dada outras possibilidades como o voto antecipado? No fundo, isto é uma forma de discriminar e não deve estar de acordo com a Constituição. Moramos no estrangeiro, mas temos nacionalidade portuguesa, temos um Cartão de Cidadão como qualquer um de vós. Não temos os mesmos direitos?

Nacionalismos

Cristina Torrão, 11.10.20

Marine le Pen.jpg

 

Sendo Portugal um país de emigrantes, e sendo eu própria uma emigrante há vinte e oito anos, faz-me confusão que, no nosso país, haja quem apoie um partido que rejeita imigrantes. Ainda mais confusão me faz que haja portugueses, no estrangeiro, a apoiar nacionalistas como Marine le Pen.

Numa entrevista a Daniel Ribeiro (Expresso e Rádio Alfa) para a SIC/Expresso, Marine le Pen declarou ser contra o ensino da língua portuguesa aos filhos de imigrantes na educação nacional francesa. Além disso, provou considerar os portugueses como quaisquer outros imigrantes (incluindo os não-europeus e muçulmanos, coisa que os admiradores lusos da senhora costumam negar veementemente), ao frisar que é contra o ensino da língua portuguesa e de outras “línguas de origem” no sistema de educação nacional francês.

E o que diz o grande “patriota” André Ventura sobre isto? Não diz nada! Aliás, ele é um grande amigo de Marine le Pen. E, por acaso, até esteve com ela, em Paris, pouco antes de ela dar a entrevista mencionada.

Fico à espera que ele declare ser contra o ensino da língua francesa no sistema de educação português. Ele tem jeito para protestos desse tipo. É vê-lo a bradar, na nossa Assembleia, de voz grossa e braço no ar! Força!

Vilar Joli

José Meireles Graça, 05.08.20

Estamos na estação tola, mas não se nota muito porque a comunicação social tem vindo a ficar tola todo o ano, de modo que as diferenças são cada vez menos evidentes.

As notícias consistem na evolução da Covid, que nunca é positiva, nos desmandos de Trump, que num dia são ridículos e noutro perigosos, na última grosseria de Bolsonaro, em mais um caso de violência doméstica, e nuns quantos detidos porque beberam ou desobedeceram. Isto e pouco mais, salvo, a benefício das férias, alguns artigos enlatados, de refugo, sobre cuidados a ter com o sol, a alimentação, as viagens e os melhores remédios caseiros para fungos nos pés.

Onde foram, e o que fazer, os membros da Situação que felizmente nos rege, isso é que nunca se pode perder, férias ou não. E ficamos assim a saber que Costa está no Algarve, onde foi fotografado a comer uma bola de Berlim, presume-se que no intervalo de brincar nas pocinhas; e Marcelo foi para uma das praias da linha, onde um instantâneo o capturou num momento raro em que estava calado. Não ponho aqui as imagens daqueles passos íntimos para não dar má nota ao blogue.

Mas ficaram as segundas figuras, das quais há dúzias. E destas três exemplares foram a Vilar Formoso (o querido Vilar Joli dos emigrantes) prodigalizar conselhos aos nossos compatriotas que vêm de férias.

Isto é fantástico.

Todos os dias o mais alto magistrado da Nação se alivia de  opiniões, invariavelmente optimistas se o assunto for o futuro, de fingida severidade  se se tratar de pedir responsabilidades a alguma autoridade por alguma coisa, hiperbólicas se estiver a honrar um falecido, e irremediavelmente vulgares sempre porque aquele bestunto nunca albergou um pensamento original que não fosse uma rodilhice, uma ideia sobre política internacional que não fosse uma banalidade, e um raciocínio sobre soluções para os nossos problemas que não fosse tributário do mais consensual e chão que se pode encontrar na nossa opinião, quase sempre social-democrata ou socialista por tradição e interesse, ignorante por falta de leituras, e estúpida por fatalidade.

Todos os dias responsáveis da Saúde atordoam quem ainda os consegue ver com a desnorteada histeria covidiana. E a legislação sobre o que se pode e não pode fazer, mais as instruções avulsas de autoridades públicas menores, incluindo a abominável figura dos autarcas, que os próprios e os munícipes ingénuos imaginam depositários das maiores virtudes na gestão da coisa pública, ocupa já mais espaço que as Ordenações Filipinas. No processo vários direitos e liberdades constitucionais foram já pontapeados, as polícias dão aqui e ali sinais de abusos sortidos, e de modo geral o cidadão é incentivado a usar a sua liberdade para pensar e fazer a mesma coisa que o vizinho, que pensa e faz o que as autoridades estimam indispensável para continuarem a sentar o rabo à mesa do Orçamento, que é no que consiste o progresso da grei tal como o entendem.

Já hoje é tido como normal que entidades como a Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil enviem mensagens para o telemóvel de cidadãos indefesos com conselhos inanes sobre o risco de incêndios, embrulhados em ameaças sobre o último diktat administrativo; e sei por experiência que, exigindo a supressão do número, vêm com a cantilena de ele não figurar em nenhuma base de dados, respeitando portanto a legislação. E todos os dias, a pretexto dos incêndios, ou da chuva, ou do vento, ou do frio, ou do calor, têm a sua cor de alerta, por distritos, e a sua lista de recomendações, que um esquadrão anónimo de burocratas diligentemente nos enfia pelos olhos, ou os ouvidos, para justificar os lugares miseráveis que a sua inutilidade ocupa.

Pois bem: os emigrantes fugiram deste local infecto para irem para mais verdes pastagens. E regressam nas férias aos lúgubres lugares de onde partiram, para tomarem um banho do passado em que eram mais novos, e se certificarem do muito que progrediram, por vezes esfregando ruidosamente esse progresso na focinheira invejosa de familiares, amigos e desconhecidos.

São uma chatice dos meses de Verão, fazendo subir os preços, entupindo supermercados e romarias, e pontilhando as estradas com os seus automóveis recentes, que por vezes conduzem de forma amadorística. Ou pelo menos era assim. Que agora emigra cada vez mais caco e menos músculo, e está longe de certo que a ambição dos novos emigrantes seja regressar, sobretudo quando do país só ouvem dizer que não cresce, não há empregos, e os que há são mal pagos.

Chatice é como quem diz. Que na realidade toda a gente sabe que trazem dinheiro e, melhor ainda, mandam-no. Pessoalmente, tenho por eles uma estima toda abstracta, porque em concreto quero distância, mas tenho a desculpa de também a querer da generalidade das pessoas. Quem lhes rói na pele é que não tem desculpa nenhuma porque o país precisa deles, mas eles não precisam de Portugal, como demonstram onze meses por ano.

Daí que os representantes do Poder que os expulsou (que ao fim de quase 50 anos do regime uma parte da juventude tenha de emigrar é a prova, se fosse precisa, de que o país é mal governado) devessem ter a delicadeza, e a vergonha elementar, de não aparecer na fronteira para lhes dar conselhos “sobre cuidados a ter para evitar incêndios, acidentes rodoviários e contágio por covid-19”.

Não consta que nos países de onde vêm haja mais acidentes rodoviários, generalizada ignorância sobre a Covid, e gestão desastrada das florestas. E é até provável que os pobres diabos que abriram as janelas dos automóveis para “dialogar” com um dos governantes tenham ficado lisonjeados.

O que compõe um quadro doloroso: a Patrícia, a Berta e o João, os três ajudantes de ministro que foram à fronteira desempenhar este papel grotesco, bem poderiam, se tivessem a mais remota consciência da sua verdadeira importância e da responsabilidade do aparelho a que pertencem, fechar a matraca e apenas segurar um cartaz onde estivesse escrito: Perdoem-nos.

O voto dos emigrantes (2)

Cristina Torrão, 12.10.19

Enquanto não estão apurados os votos dos emigrantes para as legislativas, aqui vão mais algumas curiosidades sobre a forma como decorrem as eleições dos portugueses que vivem no estrangeiro, mais uma vez, baseada em artigos do jornal português na Alemanha PT-POST:

Contrariamente ao que eu disse neste meu postal, há voto por correspondência, embora apenas nas legislativas (nas europeias e nas presidenciais não). Ora, isto pode animar mais cidadãos a votarem, pois, pelo menos, no caso da Alemanha, não se vêem obrigados a andarem até 400 km para exercerem o seu dever cívico. Além disso, com o recenseamento automático (ao tirar, ou renovar, o Cartão do Cidadão) os números dos eleitores estão mais compostos, passaram de 300.000 recenseados para quase um milhão e meio. Até aqui, tudo bem, só boas notícias. E há mais uma: pela primeira vez, nas legislativas, havia a opção de voto presencial nos consulados, o que ajuda a poupar dinheiro e papelada.

Porém, e o nosso país não seria o mesmo sem o reverso da medalha, a opção pelo voto presencial tinha de ser comunicada até sessenta dias antes do acto eleitoral (ou seja, até 6 de Agosto). Por um lado, compreende-se. Preparar o voto por correspondência leva o seu tempo. E não fazia sentido gastar-se tempo e dinheiro com a documentação de um eleitor que deita os papeis fora, ao decidir ir votar no consulado. O problema é que esta opção não foi suficientemente divulgada. Eu, por exemplo, só o soube ao ler o jornal um ou dois dias antes das eleições.

Teria sido a falta de divulgação o motivo para que, na Europa, um universo de 402.527 eleitores, apenas vinte e quatro (24!) tivessem optado por votar nos consulados? Na Alemanha (em toda a Alemanha) foram apenas sete, no Luxemburgo três e no Reino Unido oito. Acaba por ser pior a emenda do que o soneto, pois obriga a mesas abertas nos consulados para recolher o voto de dois ou três eleitores. O caso mais caricato parece que foi o do consulado de Paris, uma situação que até põe em causa o sigilo do voto, pois apenas um eleitor optou pelo voto presencial.

Outro tema é o número fixo de deputados, não sujeito a correcções dependentes da evolução da população eleitora. Mesmo considerando o facto de que, ao contrário dos residentes em território nacional, não participamos directamente na vida política, além de que trabalhamos e pagamos os nossos impostos noutro país, penso que todos concordarão em que quatro deputados para milhão e meio de eleitores recenseados (cinco milhões de residentes) é muito pouco.

Outros problemas que se verificaram, segundo esta notícia: emigrantes que não chegaram a receber os boletins de voto, por envio do envelope para moradas erradas; atrasos nos correios que deverão inviabilizar a chegada no prazo estabelecido; erros no recenseamento; e má interpretação do porte pago pelos serviços postais de alguns países - como na Alemanha, onde eleitores portugueses receberam o envelope de volta, com o pretexto de faltar o selo! Pelos vistos, há funcionários dos correios que não sabem o significado de port payé. Mas quem é que aprende francês, hoje em dia?

O voto dos emigrantes

Cristina Torrão, 22.07.19

Mesas de Voto.jpg

Peço desculpa pelo atraso, pois as eleições europeias já lá vão. Mas não quis deixar de citar um artigo do PT Post (jornal português na Alemanha, antigo Portugal Post), na sua edição de Junho. E isto porque, em Portugal, se sabe muito pouco sobre os portugueses que vivem no estrangeiro, das suas preocupações e dos seus problemas.

Exercer o direito de voto é, por exemplo, um grande problema, pelo menos, para quem vive na Alemanha, desde que acabaram com o voto por correspondência. E, afinal, o assunto é actual, pois as próximas eleições estão à porta. Para quem se pergunta porque só cerca de 2 ou 3% dos portugueses na Alemanha votam, aqui vai um excerto do artigo:

«A organização das eleições para o Parlamento Europeu na rede consular na Alemanha mereceu forte consternação e contestação por parte dos conselheiros das comunidades da Secção Local do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP) na Alemanha, expressas em missiva aos governantes, deputados e diplomatas portugueses antes da realização do acto eleitoral».

«O objecto de descontentamento dos conselheiros foi o número limitado de mesas de voto destinadas a esta eleição (quatro, uma por secção consular na Alemanha) especialmente face ao que alegaram ser a facilidade de desdobramento de mesas face à existência do Consulado Honorário em Munique, do Escritório Consular em Hatterheim no Meno, de várias Antenas Consulares e ainda Permanências Consulares em diversas cidades».

Os conselheiros questionam inclusive «se há por parte das Instituições em Portugal interesse em que as Comunidades se afirmem na sua participação cívica e de cidadania (…) Manuel Campos, uma figura muito conceituada da emigração na Alemanha, e antigo sindicalista e diplomata pela Alemanha no Brasil (…) levantou ainda a questão se “existe um único cidadão em Portugal que esteja disposto a viajar 400 km para exercer o seu direito de voto”».

Quatro mesas de voto num país com quase 350 000 km² de área? Devem estar a brincar connosco.

Eu, por acaso, até tenho sorte: "só" preciso de andar 60 km (para cada lado) para ir votar…

(E/I)Migrantes

jpt, 01.07.19

Há alguns anos Pedro Abrunhosa apresentou esta canção, dedicada aos portugueses que emigravam. Serviu, e também através do próprio compositor, para criticar o governo de então, e em particular o PM Passos Coelho. Governando sob o espartilho dos compromissos internacionais foi-lhes, a governo e seu primeiro-ministro, apontada a responsabilidade directa pela emigração. Correndo, de forma constante, o dito que Passos Coelho  mesmo a ela apelava. Sublinho: foi afirmada, constantemente, a responsabilidade directa e primordial do governo português no processo de emigração dos nossos compatriotas.

O que não espantará quem tenha algum interesse sobre a história portuguesa recente: os fluxos migratórios dos décadas de 1950 e 1960, para a Europa e África, e também para a América do Norte, são imputados às responsabilidades do Estado Novo, e ao seu grande vulto, Salazar. Tanto pela sua política de povoamento colonial como pelo estado subdesenvolvido da socioeconomia nacional.

Olho para a fotografia que corre mundo, o pai salvadorenho afogado com a sua filha de dois anos no Rio Grande, durante a tentativa de entrar nos EUA. Comovo-me (como não?), e de forma redobrada, pois também pai de uma filha. Que pesadelo, a sublinhar o pesar com as questões sociológicas que um drama destes denota.

Mas, e mais uma vez, noto algo paradoxal: os mesmos que promoveram e seguiram a concepção abrunhosista da história portuguesa, que invectivaram Passos Coelho, são aqueles que esquecem por completo a origem dos desgraçados afogados. Como se estes oriundos de uma selva primeva, anómica, alheia à ordem cultural e à Política. E, em assim sendo, como se as responsabilidades políticas sobre isto residam, exclusivamente, no destino procurado e não na origem dos migrantes.

Exactamente ao contrário do que pensa(ra)m e agita(ra)m sobre Portugal. É uma interpretação dos factos que denota uma mundividência. Racista, incompetente. E aldrabona. E, acima de tudo, tão medíocre como o raio da cançoneta demagógica.

Atrair emigrantes sem mel

João André, 05.09.18

O governo veio recentemente a público com o plano de atrair emigrantes através de um corte de 50% no IRS (se o entendi bem). Não pretendo falar da bondade, benefícios ou eficácia da medida para o país. Prefiro referir-me antes do ponto de vista dos emigrantes, sem nunca pretender falar por mais niguém que por mim.

 

A realidade é que, antes de mais, não é muito provável que eu venha a beneficiar desta medida. Independentemente das vantagens que eu pudesse obter dela, há razões pessoais que me prendem a onde estou. Há no entanto uma questão prática que gostaria de abordar: qual o benefício, em dinheiro, da medida.

 

Vejamos os números em termos genéricos: O salário médio em 2016 era de 1.108 €. O salário médio para profissionais qualificados: 901 €. O salário médio para profissionais altamente qualificados, 1.407 €. O valor de IRS pago para cada grupo era, respectivamente, 147 €, 97 € e 232 € por mês (usando um simulador do Montepio que obtive da net). Mensalmente isso daria em poupanças de 74 €, 48 € e 116 €. Assumindo que ambos os membros de um casal voltariam, beneficiariam do regime, e receberiam o mesmo (improvável), as poupanças seriam a dobrar.

 

Olhando simplesmente para o meu caso, decidi comparar o custo de vida entre Maastricht. Pelo que se vê neste calculador, eu precisaria de perto de 2.850 € por mês (líquidos) para ter o mesmo nível de vida que 3.600 € ofereceriam em Maastricht (o valor não é particularmente alto para um casal). Mesmo para o valor médio de profissionais altamente qualificados, não chegaria lá nem em valores brutos. Uma poupança de 232 € por mês não beliscariam isto.

 

Isto é só um exemplo e o simulador vale o que vale. Poder-se-ia olhar antes para Amesterdão ou Düsseldorf ou Londres (tudo com base de 3.600 € por mês para um casal na cidade), locais onde seria mais provável ver os portugueses. O resultado acaba sempre semelhante: se levarmos os prováveis salários líquidos (brutos menos IRS reduzido menos contribuições sociais), o emigrante perdera qualidade de vida (do ponto de vista financeiro) ao regressar.

 

Haverá certamente outras vantagens, mas a verdade é que será difícil atrair muitos portugueses à custa desta medida. Isto sem entrar pelo lado dos hábitos do trabalho ou outras vantagens. Haverá quem regresse, mas arrisco dizer que já o considerariam antes. Dos outros, não espero regressos à custa disto.

Navegar é preciso

Pedro Correia, 16.06.16

 

Filho e neto de emigrantes, com familiares espalhados por quatro continentes, aos 25 anos eu próprio emigrei. Tinha emprego em Portugal, tinha aquilo a que hoje se chama uma "carreira" por cá. Mesmo assim, emigrei. Passei dez anos longe do País. Regressei com horizontes mais largos, novos conhecimentos, uma enriquecedora experiência profissional adquirida junto de gente com crenças, culturas e línguas diferentes. Foi uma etapa insubstituível da minha vida que jamais esquecerei. Depois, quando colegas mais jovens confrontados com desafios profissionais além-fronteiras me pediam opinião sobre a opção a tomar, sempre os incentivei a partir também. Alguns confiaram no que lhes disse, nenhum deles lamentou ter feito a mala e demandado outras paragens. A vocação universalista dos portugueses confirma-se nesta constante procura de novos horizontes: somos capazes de edificar o nosso lar em qualquer recanto do mundo.

Por tudo isto, venho acompanhando com perplexidade o debate em curso sobre o novo ciclo de emigração eventualmente aberto aos portugueses. Descendentes não dos que partiram mas dos que ficaram, muitos dos que agora se insurgem contra esta perspectiva eram os mesmos que há meia dúzia de anos recomendavam que Portugal devia receber de braços abertos imigrantes oriundos das mais diversas origens, sugerindo até que esse fluxo migratório permitiria salvaguardar a segurança social pública nacional. Alguns deles foram assistindo nos últimos anos sem um esgar de espanto à contínua partida de compatriotas para Angola, onde passaram a residir mais de 150 mil portugueses. São os mesmos que só agora lamentam o facto de haver jovens prontos a trabalhar a milhares de quilómetros do habitual local de residência de pais e avós. Não entendo a contradição: por que motivo havemos de saudar a imigração e chorar a emigração?

Faz-me impressão esta visão paroquialista do mundo contemporâneo que pretende ver cada povo arrumado no seu reduto. António Costa, por exemplo, anda a ser muito criticado por ter apontado França como possível destino de professores portugueses. Como sucedeu a Passos Coelho antes dele. Esquecem tais críticos que vários países são o que são também porque noutras épocas, já recuadas, houve outros portugueses que lá chegaram - quando ainda nem países eram. Basta pensar no Brasil.

Nada mais óbvio: os países lusófonos e os nossos parceiros comunitários, tal como nós inseridos no Espaço Schengen, são um destino natural para qualquer cidadão deste vasto espaço cultural e afectivo alicerçado no idioma que nos é comum ou na cidadania europeia que nos irmana a 27 Estados. Porque haveria isso de ser motivo de controvérsia pública?

Situar as questões no seu contexto é um dos requisitos básicos para um debate político civilizado e construtivo. O resto é ruído.

Será isto o que nos espera?

Sérgio de Almeida Correia, 06.02.14

Em quaisquer circunstâncias, a indiferença foi sempre um estado de espírito ou uma atitude que me assustou. Somos feitos de matéria, temos vontade, aparentemente pensamos e somos seres capazes de tomarmos decisões, o que nos distinguiria de outras espécies que ocupam o mesmo espaço neste planeta onde habitamos. As imagens do vídeo que aqui trago, divulgado pelo La Reppublica, não devem ser vistas como um mero caso de violência urbana numa cidade que tem fama, injustamente para muitos dos seus cidadãos, de ser um dos locais de acolhimento dos camorristas. O roubo por esticão vulgarizou-se por todo o lado, a falta de segurança não é um exclusivo de Nápoles, a violência faz parte do quotidiano de muitos países, Portugal não foge à regra. Os relatos diários de alguma imprensa confirmam-no. Fosse por isso e não vos traria aqui estas imagens. O que me leva a convocar-vos para as verem é o facto de perante uma cena como a que foi filmada e presenciada por algumas dezenas de pessoas, a única que saiu em defesa da vítima foi, imagine-se, um jovem emigrante. No caso tratou-se de um pedinte de origem africana, aquilo a que muitos entre nós chamam um "sem abrigo". De todos os que ali estavam naquele momento talvez fosse aquele que tinha mais a temer pelas consequências, pela origem, pelo estigma da cor da pele. Porém, foi ele o único que se levantou, que ofereceu resistência, que se indignou, que cumpriu um dever de cidadania sem que esta lhe seja conferida. Para tantos que hoje gritam contra a emigração, contra a presença de estrangeiros, que culpam os outros pela crise, pela falta de empregos, pelos salários baixos, e que insistem em fechar as fronteiras enquanto olham de soslaio e com desdém para os que fogem a um destino de miséria e tentam encontrar na Europa o que lhes foi negado na terra de onde provavelmente nunca teriam querido sair, estas imagens devem obrigar a uma reflexão. Sei que esta não mudará quase nada no nosso dia-a-dia, mas talvez possa ajudar-nos a olhar para alguns que connosco se cruzam com outros olhos. O outro somos nós. A vítima também.    

Senhor emigrante, ajude o Zé Manel.

Luís M. Jorge, 20.12.11

José Manuel Fernandes também admite a emigração dos professores. Será porque a ideia assegura algum futuro, alguma esperança aos desempregados portugueses? Não: apenas porque lhe parece um excelente negócio para o país.  Hoje exibiu no blog este gráfico só para recordar... (notem as reticências, a alegria incontida) ...o que já pesaram as remessas dos emigrantes na nossa economia:

 

 

De facto trata-se de um quadro espectacular... Em 1979, as remessas alcançaram quase 10% do PIB...  Os olhinhos sonhadores do ex-director do Público brilham de ânimo enquanto medita na repetição eventual dessa extraordinária performance...

Com mais dez por cento do PIB metidos no seu banco... o senhor doutor Ricardo Salgado não teria pejo em obedecer aos exigentes critérios das instituições financeiras internacionais... O próprio senhor engenheiro Belmiro, deus o proteja, talvez poupasse um jornal de referência aos... ajustamentos necessários resultantes da conjuntura... Ele mesmo, o Zé Manel, poderia voltar a... a experimentar jipes e veículos todo-o-terreno nos suplementos da especialidade...

Com 10% do PIB acabava-se a crise, graças ao sacrifício meritório e desinteressado dos professores... Seria a glória... O progresso... A realização fulminante da utopia liberal...

 

Portanto, é assim.

 

O José Manuel está convencido de que um jovem com habilitações superiores tresmalhado em Portugal, desempregado em Portugal, escorraçado de Portugal, que finalmente refaz a vida fora de Portugal irá depositar, como os campónios de antigamente, o seu dinheiro num banco sediado em Portugal. Não lhe destruamos esta doce ilusão.