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Delito de Opinião

Sessenta anos de emigração portuguesa na Alemanha

Cristina Torrão, 10.09.24

A 10 de Setembro de 1964, chegava à estação de Colónia, na Alemanha, o português Armando Rodrigues de Sá, de 38 anos, natural de Vale de Madeiros, distrito de Viseu. Como muitos outros, que partiam à procura de melhores condições de vida, era um homem simples e tímido. Não desejaria, decerto, tornar-se no centro das atenções, num país desconhecido. Mas os altifalantes da estação anunciaram o seu nome, uma multidão, que incluía autoridades, cercou-o, bombardeando-o com numa língua imperceptível, uma banda de música começou a tocar. Sem ainda bem saber o motivo para tal balbúrdia, passaram-lhe um ramo de flores para a mão e ofereceram-lhe uma motorizada Zündapp.

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Welt

Quis o destino que Armando Rodrigues de Sá fosse o milionésimo Gastarbeiter (“trabalhador convidado”, um eufemismo para “imigrante”), na sequência do Gastarbeiterprogramm, criado pelo Governo da República Federal da Alemanha, nos anos 1950, a fim de colmatar a escassez de mão-de-obra na reconstrução do país. A Itália foi, em 1955, a primeira nação com quem os alemães estabeleceram um acordo de recrutamento bilateral. Seguiram-se a Grécia e a Espanha (1960), a Turquia (1961), Marrocos (1963), Portugal (1964), Tunísia (1965) e a antiga Jugoslávia (1968).

A fim de se assinalarem os 60 anos da comunidade portuguesa neste país, o Grupo de Reflexão e Intervenção – Diáspora Portuguesa na Alemanha organizou uma exposição itinerante, inaugurada durante a festa portuguesa de Heinsberg a 7 de Abril passado. Os vinte cartazes que compõem a exposição abordam tópicos históricos como os conteúdos do acordo bilateral entre os dois países, a chegada do milionésimo trabalhador convidado Armando Rodrigues de Sá, as péssimas condições de vida e de trabalho dos primeiros emigrantes portugueses, o surgimento das primeiras associações portuguesas na RFA, o trabalho social da Caritas, das missões portuguesas e dos sindicatos alemães (informações obtidas no jornal Portugal Post, edição de Abril passado).

Também um livro foi agora publicado, com a chancela da Oxalá Editora (editora portuguesa na Alemanha), liderada por Mário dos Santos, que, em 1993, criou igualmente o Portugal Post, o único jornal português neste país. Há uns anos, o jornal mudou de mãos, sendo o seu director actual Tiago Pinto Pais.

Nas palavras da editora, “este livro é uma homenagem aos portugueses que fizeram da Alemanha o seu país de adopção, ou seja, a sua terra de trabalho, de vida, de construção de família e do seu presente e do seu futuro. São 23 histórias de portugueses de várias gerações que partilham a experiência pela qual passaram desde a sua chegada a este país”.

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Foi-me concedido o privilégio de fazer parte deste livro. A editora deu-nos algumas orientações, por exemplo, indicar as razões de saída de Portugal, qual foi a nossa primeira impressão da Alemanha, o que mais estranhámos, o que mais apreciámos, se alguma vez pensámos em regressar por não sermos capazes de continuar aqui, que relação temos hoje com Portugal, se pensamos permanecer aqui para sempre…

Certas coisas custaram-me mais a passar para o papel do que esperava, coisas em que evitamos pensar:

“As minhas raízes estão em Portugal, foi lá que nasci e cresci, o português é a minha língua materna. Por outro lado, já vivi na Alemanha mais tempo do que no meu país (…) Como nós emigrantes sabemos, chega-se a uma altura em que o nosso país, e quantas vezes a própria família, nos considera estrangeiros (…) Ficamos sem saber onde pertencemos (…) Sendo jovens, temos tendência para ver [a emigração] como uma aventura aliciante, sem fazer ideia de que, a partir do dia em que passamos a fronteira, nada mais tornará a ser como dantes”.

Não deixa de ser simbólico que o imigrante “um milhão” na Alemanha tenha sido português. No grupo de 1.106 trabalhadores estrangeiros que seguiam naquele comboio, apenas 173 eram portugueses. Os restantes 933 eram espanhóis. Mas foi Armando Rodrigues de Sá o escolhido, à sorte, na lista dos passageiros. Destino. Ou fado, pois claro.

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picture-alliance / dpa/dpaweb - Berliner Zeitung

Recordando o voto dos emigrantes

Cristina Torrão, 18.09.22

Recordo este assunto, que tão depressa cai no esquecimento (e com certeza provocará nova trapalhada nas próximas eleições), citando palavras de Pedro Rupio, Presidente do Conselho Regional das Comunidades Portuguesas na Europa (CRCPE), a partir de uma entrevista dada ao PT-Post, jornal português na Alemanha, publicada na edição de Agosto (nº 338).

Sobre a questão da representatividade da emigração no Parlamento:

Sentimos que é ainda um assunto que deverá ser amadurecido, porque sentimos que existe ainda muita reticência. Há partidos que estão mais abertos à ideia e outros que consideram por exemplo que será necessário haver um aumento da participação eleitoral para que possamos alcançar esse objectivo.

Mas o CCP (Conselho das Comunidades Portuguesas) fez questão de explicar que com 250 mil votantes, já conseguimos ultrapassar o número de votantes em Leiria, que elege 10 deputados naquele círculo eleitoral, e também que há muitas pessoas que não conseguiram votar, que quiseram votar e não conseguiram, ou porque não receberam o boletim de voto, ou porque não conseguiram recensear-se.

Há pessoas que estão a viver no estrangeiro, mas têm morada portuguesa no cartão de cidadão, há pessoas que no momento de renovar esse documento no consulado (e isto é grave), ficaram riscadas das listas eleitorais. Portanto, é preciso primeiro melhorar estes pontos para se observar uma maior participação eleitoral, sem esquecer que aquele tipo de incidentes que vivemos com a repetição das eleições, não favorece de todo a participação eleitoral das comunidades portuguesas. Está-se a querer responsabilizar as comunidades portuguesas da falta de participação, mas até agora tudo nos indica que quando nos dão condições para votar, nós votamos. Com o recenseamento automático houve um aumento do número de votantes.

Há que corrigir, para já, questões como a actualização das listas eleitorais, que não correspondem à realidade. E repare que para as eleições presidenciais, vai ser impossível sairmos dos 98% de abstenção, se mantivermos o voto presencial como única alternativa.

Sobre o modelo aplicado em França, nas eleições legislativas:

Um modelo com quatro opções de voto: presencial, electrónico descentralizado, via postal e através de procuração (...) e a participação eleitoral aumentou 35% em relação às últimas legislativas, mais uma vez, uma prova de que quando há condições para se votar, as pessoas votam mais.

 

Nota: modifiquei a grafia da entrevista publicada segundo o AO/90.

A culpa é de Passos Coelho

jpt, 12.03.21

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Estes são dados do Observatório da Emigração. Aproveito para recordar um postal - "O Milagre das Rosas" - de 2010, no qual ecoei um artigo do Libération (o qual deixou de estar disponível). Portugal fora na década então finda o 3º país mundial com menor crescimento económico e tinha 350 mil emigrantes naquele quinquénio. E para não deixar resumir isto da estrutural emigração portuguesa a dichotes advindos das querelas partidárias, recomendo este artigo de 2019, "Portuguese emigration today", do sociólogo Rui Pena Pires. O qual será insuspeito de simpatias pela "direita".

Há muito a reflectir e mais ainda a fazer para obstar a este constante (e histórico) drenar. Mas há algo mais imediato que poderia ser feito, para melhorar essa necessária actuação. Há um mês aqui deixei nota sobre a execrável afirmação televisiva de Ana Drago, no afã de salvaguardar o actual governo: a disseminação do Covid-19 após o Natal deveu-se às visitas dos emigrantes em Inglaterra, fluxo acontecido durante o governo de Passos Coelho. Os números, consabidos, mostram bem a indecência da formulação. Drago nem sequer é (por enquanto) militante do PS, a vil patacoada não foi uma fidelidade conjugal mas apenas um episódio de prostituição política. 

A questão é a da expressão pública televisiva e sua influência. Já nem falo desta pantomina de haver políticos no activo a fazerem de comentadores, em contextos que lhes encenam poses algo "neutrais", como se autónomos dos seus partidos - o caso mais risível é o da secretária-geral adjunta Mendes, ali ombreando com os aparentes "senadores flanantes" Pacheco Pereira e Lobo Xavier. Ou este Medina, que nos cabe como presidente de Lisboa, também "comentador" a tempo parcial, como se não estivesse a "full-time" em campanha. Mas a questão é para além disso, que pelo menos esses os espectadores reconhecem de imediato como "a voz do partido". A questão é a da pertinência das televisões se encherem destes Drago, simulando "olhares distanciados", analíticos e mesmo críticos. E que nada mais são do que "vozes de dono", cartilheiros.

E este caso, constante, da utilização da emigração portuguesa como invectiva a um governo - que geriu, mal ou bem, uma situação herdada - é um exemplo típico do aldrabismo de gente que é paga para nos "fazer a cabeça". Para baixar a emigração será melhor começar por melhorar a locução. Expugar-nos de cartilheiros, venham de onde vierem. E depois fazer o resto...

Um postal cansado: El Salvador, Passos Coelho e o resto

jpt, 05.07.19

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Há dias aqui escrevi um breve postal a propósito das reacções portuguesas às mortes por afogamento  de dois salvadorenhos que tentavam cruzar a fronteira norte-americana, reacções essas que invectivam o governo americano. E comparei-os com as reacções que o mesmo tipo de locutores tiveram aquando da discussão sobre os fluxos migratórios portugueses durante o anterior governo - os quais, já agora, não só eram anteriores como lhe sucederam.

Logo alguns comentários surgiram, com aquela rispidez que aqui no DO se mantém constante, querendo ensinar-me que as migrações oriundas da América Central não têm as mesmas causas e conteúdos das que emanam do nosso Portugal ("o que é que um tipo responde a este tipo de comentários?", resmungo-me. "Nem respondas ...", respondo-me). Outros (de facto, os mesmos) reavivam - como se fosse isso o relevante no meu postal - que o anterior primeiro-ministro mandou os portugueses emigrar, em particular os professores. E assim, entre a reprodução de chavões construídos por políticos e ecoados pelos jornalistas avençados, e a mania presumida de dar lições com a mão na anca, as auto-certezas se vão mantendo e reafirmando. O mero achismo.

Enfim, a única coisa que procurei dizer é que não é inteligente apontar apenas causas norte-americanas às derivas dos fluxos migratórios oriundos da América Central. Que estes terão causas endógenas. E que é estranho que ninguém as refira quando tanto discurso, e tão exaltado, há sobre o assunto. Que, neste caso, ninguém na imprensa, blogs ou redes sociais, surgisse a falar de El Salvador. Eu pesquisei, o assunto da situação político-económica da América Central e de El Salvador é bem secundário no mundo google mas encontra-se algo. Mas a esmagadora maioria fica presa à fúria anti-yankee (ou anti-partido republicano) e nem liga a isso. É uma mundividência. Ignorante. E racista, no sentido de desvalorizar dinâmicas sociais em contextos não "ocidentais", com o pântano nocional que este termo carrega.

E ontem li no New York Times as declarações do novo presidente de El Salvador, sobre o drama daquela família migrante. Certo que é um discurso de quem acaba de chegar ao poder. Mas é significante. Será que os comentadores do DO, em particular os (quase)sempre ariscos, porão as mãos nas ancas diante destas declarações?

Há mais um assunto que quero abordar neste postal cansado. Eu nunca votei no PSD liderado por Passos Coelho. Em 2011 bloguei que votaria CDS, apesar de não ser demo-cristão (se é o que o CDS ainda o era), "porque não tem aparelho autárquico", voraz como todos estes o são. E nas eleições seguintes bloguei que votaria PAN (do que me arrependo agora) exclusivamente porque Passos Coelho acabara de discursar na terra natal de Dias Loureiro apontando-o aos jovens como um exemplo. Entenda-se, num país homogéneo como o nosso (e para os da mão-na-anca, dizer um país homogéneo não é dizê-lo sob uma unicidade sociocultural) as dinâmicas anti-democráticas vêm da degenerescência do sistema político, da sua cleptocratização. Como tal, apoiar Dias Loureiros ou Silva Pereiras não é apenas uma imoralidade ou uma parvoíce clubística, é cumprir (ou deixar cumprir) uma agenda anti-democrática. Por mais meneios que se tenha. Coloco estre intróito para contextualizar o que se segue: não sou um eleitor PSD ou um "seguidor" de Passos Coelho.

Eu fui professor (português) em África (Moçambique) durante quinze anos. Antes disso tive como trabalho a obrigação de acompanhar (não coordenar, mas acompanhar) as actividades dos professores portugueses no país - alguns ainda na figura de "cooperantes"- bem como das escolas locais, que existiam em várias cidades, com paralelismo pedagógico com o sistema português, algumas das quais tinham professores portugueses. Depois, uma década depois, a minha filha estudou durante cinco anos na Escola Portuguesa de Maputo, então já uma escola oficial (instalação a qual acompanhara profissionalmente). Conheci vários professores portugueses dessa e doutras escolas, e com alguns constituí amizades. E ao longo dos anos conheci inúmeros professores moçambicanos, universitários meus colegas, secundários e primários. E trabalhei com professores secundários e primários, tanto como informantes em trabalhos avulsos, como na condição de intérpretes. Após a crise portuguesa de finais da década passada recebi uma assustadora quantidade de pedidos de ajuda e/ou informação sobre como emigrar para Moçambique. Muitos deles de professores. Na sua maioria de gente que não conhecia (muitos contactos vinham através do google, imensos através do célebre "amigo de amigo ..."). Sobre isso escrevi algumas vezes, até em registo sorridente.

Assim sendo, e apenas por isso, e ainda que com a cinquentenária consciência das minhas limitações intelectuais e da monumentalidade da minha ignorância global, em 2011, quando Passos Coelho falou de emigração de professores, eu sabia - por razões biográficas e interesse profissional - muito mais, incomparavelmente mais, sobre professores portugueses em África do que a esmagadora maioria dos meus conterrâneos. E, por maioria de razão, do que os comentadores actuais do Delito de Opinião.

Sei que alguns membros do governo de então aconselharam, assim como se que en passant, os compatriotas a emigrarem (ao longo da vida quantas vezes me perguntei, sobre gente no poder ou no topo da administração pública, "onde irão buscar estes bandalhos?". Nunca terei encontrado ninguém mais diminuído intelectualmente do que Vitalino Canas - expliquei aqui - mas há outros que se aproximam ...). Mas ao saber que Passos Coelho falara sobre a hipotética emigração de professores para África fui ler, com enorme interesse e com o tal meu conhecimento privilegiado. E o que era imediata e nitidamente claro é que o homem respondera muito competentemente - até de modo surpreendente para um primeiro-ministro, que tem inúmeros assuntos para apreender. Ele não mandou emigrar nem sequer aconselhou. Explicitou, acertadamente, a situação. Escrevi então sobre isto (até com citação da famosa entrevista), o postal "Passos Coelho e a emigração dos professores.". Caramba, alguém que conhece a realidade em questão que mais poderia pedir de um PM? Bem pelo contrário, só se poderia esperar menor conhecimento e reflexão. Alguns dias depois botei o postal "O Emigrão", sobre o significado do desatino generalizado em torno daquela entrevista. Um desatino demagógico mas, acima de tudo, ignorante.

Porque volto, e de modo tão detalhado, a esta velha questão, despicienda hoje? Porque há decerto imensa coisa que se pode criticar a Passos Coelho sem termos que cair na inanidade de papaguear o que políticos e colunistas avençados então botaram, fazendo as pessoas crer naquilo que não é verdade. E a operação intelectual é exactamente a mesma no que se refere aos migrantes, seja para a Europa, seja para os EUA, seja para a África do Sul (desta temática não se fala, por outras razões), ou para outros pólos de atracção. Não precisamos de ser trumpianos, de crer que muros impedem migrações, de abominar emigrantes (nunca percebi como há portugueses que abominam emigrantes, mas isso é outro assunto). Não precisamos de negar as assimetrias no mundo, os efeitos da velha doutrina Monroe e da sua perenidade. Mas também  não precisamos de papaguear as inanidades, mais ou menos moralistas, que os "teclados arrebitados", tantas vezes mercenários, rabiscam. Sobre os EUA, sobre Passos Coelho. Ou sobre outras coisas, por exemplo a excelência de Silva Pereira, para falar na espuma dos dias.

E isto tudo passa, evidentemente, pela atitude nas caixas de comentários bloguísticos. Apenas como detalhe. Mas também. E são estas que me provocam esta longa jeremíada, até memorialista.

(E/I)Migrantes

jpt, 01.07.19

Há alguns anos Pedro Abrunhosa apresentou esta canção, dedicada aos portugueses que emigravam. Serviu, e também através do próprio compositor, para criticar o governo de então, e em particular o PM Passos Coelho. Governando sob o espartilho dos compromissos internacionais foi-lhes, a governo e seu primeiro-ministro, apontada a responsabilidade directa pela emigração. Correndo, de forma constante, o dito que Passos Coelho  mesmo a ela apelava. Sublinho: foi afirmada, constantemente, a responsabilidade directa e primordial do governo português no processo de emigração dos nossos compatriotas.

O que não espantará quem tenha algum interesse sobre a história portuguesa recente: os fluxos migratórios dos décadas de 1950 e 1960, para a Europa e África, e também para a América do Norte, são imputados às responsabilidades do Estado Novo, e ao seu grande vulto, Salazar. Tanto pela sua política de povoamento colonial como pelo estado subdesenvolvido da socioeconomia nacional.

Olho para a fotografia que corre mundo, o pai salvadorenho afogado com a sua filha de dois anos no Rio Grande, durante a tentativa de entrar nos EUA. Comovo-me (como não?), e de forma redobrada, pois também pai de uma filha. Que pesadelo, a sublinhar o pesar com as questões sociológicas que um drama destes denota.

Mas, e mais uma vez, noto algo paradoxal: os mesmos que promoveram e seguiram a concepção abrunhosista da história portuguesa, que invectivaram Passos Coelho, são aqueles que esquecem por completo a origem dos desgraçados afogados. Como se estes oriundos de uma selva primeva, anómica, alheia à ordem cultural e à Política. E, em assim sendo, como se as responsabilidades políticas sobre isto residam, exclusivamente, no destino procurado e não na origem dos migrantes.

Exactamente ao contrário do que pensa(ra)m e agita(ra)m sobre Portugal. É uma interpretação dos factos que denota uma mundividência. Racista, incompetente. E aldrabona. E, acima de tudo, tão medíocre como o raio da cançoneta demagógica.

Mourinho

jpt, 08.11.18

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(Postal para o És a Nossa Fé

 

Juventus-Manchester United, no palco global da “Champions” o jogo entre as equipas dos dois portugueses mais conhecidos do mundo, pelos seus extraordinários méritos. Também por isso eles alvos de tanta raiva nacional, mostra desse traço cultural constante, a inveja dos patrícios com sucesso “lá fora”, tão paradoxal e desprezível num país que foi colonial (e abominou os seus colonos) e é de emigração (e menospreza os seus emigrantes). A abjecta reacção generalizada, isenta daquilo chamado “dúvida”, às acusações de uma acompanhante de luxo a Cristiano Ronaldo, é um caso extremo disso. Mas é algo continuado, há uns anos (2012, 2013?), num treino da selecção antes de um jogo particular em Guimarães o público gritava “Messi, Messi” para espanto do CR7. Pois porquê aquilo? Tal como a constante maledicência sobre Mourinho – há quantos anos, 10?, se lêem inúmeros comentários e opiniões na imprensa sobre o estar ele “ultrapassado”? – disso é prova.

Ontem o confronto (também) entre eles. Algo que connosco fala, sportinguistas, sobre o nosso clube. O CR7 orgulho máximo da nossa formação, encabeçando o trio maravilha de três décadas gloriosas, Futre-Figo-Cristiano. Talvez o melhor jogador do mundo, e cada vez mais isso se evidencia (Messi como o génio trabalhado, Ronaldo como o trabalho genial). E Mourinho, o técnico em actividade com mais vitórias relevantes, em tempos recusado pelo Sporting (um dos três erros históricos do clube, junto aos com Eusébio e Futre). Negado, julgo recordar (ou sonho a memória?), quando o actual director do futebol do Sporting, então capitão, se armou em Sérgio Ramos e torpedeou em público essa vinda, associando-se aos sábios espectadores, esses sempre armados de vigorosos lenços brancos, que clamaram inadmissível que um treinador transitasse do Benfica para o Sporting. Pois desde há décadas que os fungões espirram …

Enfim, vem isto a propósito do final do jogo de ontem. Mourinho, que em Manchester e Turim foi azucrinado pelos adeptos italianos, jogou bem e triunfou. A Juventus é melhor, ganhara soberbamente fora e em casa tinha o jogo na mão. CR7 fez um jogo magnífico, um golo espantoso e deu outros a marcar, desperdiçados por pés Quadrados. Mas Mourinho pensou bem, substituiu melhor, e teve a sorte (essa grande jogadora) por ele. E fez a reviravolta, mesmo no fim. Jogo épico.

Mas o que é mesmo magnífico é a sua reacção. Provocatória, deselegante, desnecessária, digam o que disserem. Mas é uma delícia. Porque é futebol. Mas ainda mais do que isso, porque é completamente portuguesa. Não exactamente o gesto da mão na orelha, algo mais comum. Mas é aquele trejeito da boca, “hâânnn?”, “dígam lá agóra!!”. Algo, ricto e óbvio som, tão nosso, tão português de rua, bairro, popular, tão “tuga”, tão treinador da bola, como se fosse ali aqueles técnicos dos tempos de antes, os do Aliados do Lordelo ou do Montijo a ganharem à Sanjoanense ou ao Amora, assim a fazer o mundo pequeno e igual quanto às mesuras que se lhe (não) deve, e nisso também tão eu, tão nós, os que não temos nem vergonha de ser portugueses nem abominamos os nossos que ganham alhures. Vejo-o ali na tv e rio-me, gargalho, “ah g’anda Mourinho, meu patrício”, meu e nosso orgulho amanhã. Saídos à rua, entre nós e com os outros, “hâânnn?”, “dígam lá agóra!!”. Nós povo, rindo, que hoje no fim do dia tragaremos o “petit verre”, escorropicharemos o bagaço branco, e irei eu até à rua, à porta da “petite restauration”, a tasca daqui, a fumar o cigarro e, se necessário, no choque com o frio, assoar-me-ei aos dedos, sacudindo o ranho para o chão, e se calhar ainda terei que cuspir, na azia do álcool. E, entre nós, riremos, com desprezo mas também mágoa, desses invejosos lá na terra. E ainda mais, com gargalhada mesmo, com alguma amarga piada sobre essa paneleirage, tão amaricada, sensíveis coitadinhos, a agitarem os lencinhos brancos, arrebitados em meneios no “olhem para mim”, que é para isso que lhes servem os trapos.

G’anda Zé Mourinho, g’anda patrício. E viva também o CR7, o melhor do mundo.

Navegar é preciso

Pedro Correia, 16.06.16

 

Filho e neto de emigrantes, com familiares espalhados por quatro continentes, aos 25 anos eu próprio emigrei. Tinha emprego em Portugal, tinha aquilo a que hoje se chama uma "carreira" por cá. Mesmo assim, emigrei. Passei dez anos longe do País. Regressei com horizontes mais largos, novos conhecimentos, uma enriquecedora experiência profissional adquirida junto de gente com crenças, culturas e línguas diferentes. Foi uma etapa insubstituível da minha vida que jamais esquecerei. Depois, quando colegas mais jovens confrontados com desafios profissionais além-fronteiras me pediam opinião sobre a opção a tomar, sempre os incentivei a partir também. Alguns confiaram no que lhes disse, nenhum deles lamentou ter feito a mala e demandado outras paragens. A vocação universalista dos portugueses confirma-se nesta constante procura de novos horizontes: somos capazes de edificar o nosso lar em qualquer recanto do mundo.

Por tudo isto, venho acompanhando com perplexidade o debate em curso sobre o novo ciclo de emigração eventualmente aberto aos portugueses. Descendentes não dos que partiram mas dos que ficaram, muitos dos que agora se insurgem contra esta perspectiva eram os mesmos que há meia dúzia de anos recomendavam que Portugal devia receber de braços abertos imigrantes oriundos das mais diversas origens, sugerindo até que esse fluxo migratório permitiria salvaguardar a segurança social pública nacional. Alguns deles foram assistindo nos últimos anos sem um esgar de espanto à contínua partida de compatriotas para Angola, onde passaram a residir mais de 150 mil portugueses. São os mesmos que só agora lamentam o facto de haver jovens prontos a trabalhar a milhares de quilómetros do habitual local de residência de pais e avós. Não entendo a contradição: por que motivo havemos de saudar a imigração e chorar a emigração?

Faz-me impressão esta visão paroquialista do mundo contemporâneo que pretende ver cada povo arrumado no seu reduto. António Costa, por exemplo, anda a ser muito criticado por ter apontado França como possível destino de professores portugueses. Como sucedeu a Passos Coelho antes dele. Esquecem tais críticos que vários países são o que são também porque noutras épocas, já recuadas, houve outros portugueses que lá chegaram - quando ainda nem países eram. Basta pensar no Brasil.

Nada mais óbvio: os países lusófonos e os nossos parceiros comunitários, tal como nós inseridos no Espaço Schengen, são um destino natural para qualquer cidadão deste vasto espaço cultural e afectivo alicerçado no idioma que nos é comum ou na cidadania europeia que nos irmana a 27 Estados. Porque haveria isso de ser motivo de controvérsia pública?

Situar as questões no seu contexto é um dos requisitos básicos para um debate político civilizado e construtivo. O resto é ruído.

Migration Remix (DJ Costa)

João André, 15.06.16

Quando o governo anterior aconselhou os portugueses a emgrar, insurgi-me. Não é por este governo ser de esquerda ou ter apoio da esquerda que mudo de agulha. Um governo tem como primeira prioridade ajudar os portugueses a viver em Portugal, idealmente criando condições para ter emprego digno no país (que não é o mesmo que "dar" emprego). Quando um governo apela aos cidadãos (mesmo que uma pequena parte deles) que mudem de país está a dar uma imagem de desistência, que não vale a pena tentarem manter-se no país, que nada ali haverá para eles.

 

Escrevi algo nestas linhas no passado. Repito-o agora. Os apelos devem sempre ser à imigração e nunca â emigração. Gostaria de pensar que Costa queria apenas indicar que este governo apoia o contacto com a população emigrante, mas não sou assim tão ingénuo. Este tipo de declarações é sempre inaceitável num governante, seja lá qual for a sua cor política.

 

Os meus pais diriam: muda o disco e toca o mesmo. Hoje em dia falamos de remixes.

Não confundir germano com género humano

Rui Rocha, 15.06.16

Pessoas mal intencionadas continuam a tentar confundir os portugueses. Vejamos. Quando Passos Coelho aconselhou os professores a trabalharem no estrangeiro estava em Portugal. Quando Costa aconselhou os professores de português a trabalharem em França estava em Paris. No primeiro caso temos, portanto, um apelo à emigração. E, no segundo, um apelo à imigração. Só por má-fé se pode defender que é igual aquilo que, em substância, é completamente diferente.

Longe demais

Teresa Ribeiro, 07.07.15

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As pessoas deixam rasto. Os animais sabem-no bem. Os animais e as mães. As boxers que ficaram esquecidas na roupa suja, a caneca ainda com um resto de leite, a cama desfeita, o rasto morno da ausência sente-se no ar.

O som dos passos e da voz, que é a brisa do corpo, o doce marulhar que assinala a presença de gente que se ama, quando desaparecem alteram o sentido das coisas. O quarto desarrumado, antes cheio e vibrante passa a ter apenas destroços, farrapos de objectos sem utilidade, ao passo que as não-coisas ganham importância: o lugar onde esteve a mala, o lugar onde se sentou, o sítio que...

As memórias, essas horrorosas que servem para tapar os buracos da existência, vão saindo do armário ordenadas, à medida que o tempo avança depois de uma despedida. Aos poucos ocupam os seus lugares, substituindo o real pelo imaginário e um filho passa a ser o que é durante quase todos os dias do ano: o retrato de um filho, ou a imagem via skype de um filho. Algo assim. Inodoro, intangível, pixelizado. De palpável fica aquela dor enquistada e a inveja das famílias que crescem juntas, que podem dar-se ao luxo de crescerem juntas.

A emigração francesa

Helena Sacadura Cabral, 06.02.14
O último LE POINT aborda de forma bastante extensa o problema da saída de cérebros franceses em busca do sucesso. É um número precioso na explicação de um fenómeno que se terá agravado com a globalização, que a crise tornou mais crucial e que está longe de ser apenas nacional ou consequência exclusiva de medidas governamentais.
O retrato robot do francês expatriado, traçado com base no "Inquérito sobre a expatriação dos franceses", não deixa de ser curioso. Assim:
1. É, sobretudo, homem e jovem (54%), com idades compreendidas entre os 26 e os 40 anos.
2. É muito mais "diplomado" do que o francês comum e o seu nível salarial líquido declarado, quando trabalha, é em 52% dos casos, superior a 30.000 euros.
3. 33% são quadros de empresas, 15% quadros da função pública, 6% chefes de empresa com mais de 10 assalariados, 3% técnicos e 1% artesãos.
4. 49% vive na Europa,13% na América do Norte, 9% no Próximo e Médio Oriente, 8% na Ásia, 7% na África francófona e 6% na África do Norte.
5. Os franceses são a primeira comunidade na Bélgica, a segunda no Luxemburgo, a terceira na Suíça, a quarta em Israel, a sexta no Reino Unido.
Creio que, retirando algumas especificidades, o nosso robot poderá, na essência, não ser muito diverso deste. A grande diferença é que a maioria destes expatriados poderia arranjar trabalho em França. Se saem é porque têm ambições, desejam voar mais alto e mais depressa ou não estão disponíveis para pagar o alto nível de impostos no seu país. Trata-se, portanto, de uma opção pessoal. Não de uma imposição.
"...Partir não é em si uma infâmia, uma renúncia ou um descréditoPode-se amar um país e deixa-lo...desde que seja para se retornar melhor." 
O drama é quando nem sequer se volta.

O falso problema da fuga de cérebros

Teresa Ribeiro, 06.01.14

"O actual surto de saída de portugueses alivia a taxa de desemprego, promove a situação dos que partem e beneficia os países de destino com excelentes colaboradores" (...) "A sua saída manifesta que, devido à crise, agora não são cá necessários" - é assim, sem papas na língua que o inimitável João César das Neves despacha a questão da fuga de cérebros do país.

Extrapolando para os problemas demográficos que se levantam com a saída de tanta gente que irá constituir família para outro lado e inspirada no extraordinário pragmatismo deste homem que se não fosse economista daria um excelente guru da psicologia positiva, penso que uma solução plausível seria aumentar a idade da reforma para os 80 anos. Dessa forma pouparíamos em pensões e subsídios de maternidade cobrindo ao mesmo tempo o défice da população activa.  

Que tal? O que precisamos é de ser pró-activos e aprender com os bons a ver o copo sempre meio cheio.

Os novos emigrantes

Teresa Ribeiro, 04.01.14

O que distingue os novos dos velhos emigrantes é o corte afectivo. A renúncia dos jovens, que agora partem, ao país que os viu nascer mas não lhes permitiu fazer planos, atingir objectivos, progredir na vida é uma novidade na nossa história de emigração. Esta nova geração não se vai rever nas canções de emigrantes que gemem de saudades pelo país solar que ficou para trás, nem vai fazer poupanças com o intuito de um dia voltar. Os seus filhos serão filhos de países bem sucedidos e aprenderão a falar as línguas que contam.

A globalização ajudá-los-á a descartar os sentimentos de pertença que sempre atrapalham na hora da despedida, mas será o sentimento de rejeição o principal responsável por todo este desprendimento. Ao contrário dos mais velhos não é com humildade que saem, mas com despeito. Na verdade não partem, dão as costas. Dão as costas ao país que lhas virou.

Seria interessante rever os números daqui a um ano

João André, 30.12.13

O Público tem aqui um interessante trabalho sobre os fluxos migratórios de e para Portugal. Vale a pena ler para colocar num contexto histórico alguma desta emigração. Tem no entanto alguns pontos mais fracos, especialmente relativamente à conjuntura total dos países de destino no passado e ao problema com a contabilização das emigrações actuais.

 

Em relação à conjuntura passada, convém lembrar que muita da emigração até à década de 60 para França, Alemanha ou Bélgica existiu no contexto de iniciativas desses países para atrair trabalhadores que compensassem o declínio populacional do pós-guerra e que apoiassem os esforços de reconstrução suportados pelo plano Marshall. Foi nesse contexto que esses países se encheram também de imigrantes italianos, gregos, jugoslavos ou espanhóis (estes algo menos).

 

Os números actuais da emigração portuguesa têm, na minha opinião (baseada em puro "achismo" e reflexão), uma falha: com a presente possibilidade de se estabelecerem e trabalharem noutros países sem processos complicados, os portugueses acabam por muitas vezes não actualizarem os seus registos locais. Em 10 anos que levo fora do país só me registei no consulado na Holanda porque precisei de um documento em cima da hora. O meu passaporte e cartão do cidadão ainda são portugueses. Como eu está a maioria dos portugueses que conheço, que se registam nos países de acolhimento mas não informam o país de origem. Isto provavelmente poderá subestimar os números da emigração.

 

Duas notas para a notícia: a primeira para o infográfico que a acompanha. Não faço ideia da origem dos preços que apresentam, mas tenho sérias dúvidas que a gasolina em 1973 e 1993 custasse o equivalente a 200 e 260 escudos, respectivamente. Ou que uma noite num hotel em quarto duplo andasse pelos 130 e 260 contos em 1973 e 1993, respectivamente. Ou até que custe em média 200 euros actualmente (ainda no ano passado paguei 80 por uma noite dessas no Marquês de Pombal). Estes números têm óbvias asneiras.

 

Outra nota para as declarações de Pedro Lomba sobre as "vantagens" que Portugal tem para oferecer a «imigrantes de elevado potencial». A saber: «Clima, segurança, protecção social, serviços de saúde [e] infra-estrutura». Quanto ao clima, tudo certo. Quanto à protecção social, mesmo ignorando que está a ser destruída pelo governo de Pedro Lomba, é sempre inferior à de muitos outros países. Os serviços de saúde, se estão bem, não deveriam ser mudados por este governo. Mesmo ignorando isso, mais uma vez são inferiores aos dos países de onde viriam esses imigrantes. Já quanto à infra-estrutura, só por piada alguém escolheria Portugal quando tem outros países europeus. A única solução seria atrair os imigrantes de países abaixo de pobres ou de ditaduras, mas com o CDS no Governo, que horror! nem pensar!!

 

A verdade é que Portugal é de facto um país de emigração e vai continuar a sê-lo. Vejo Portugal a sofrer uma verdadeira catástrofe demográfica a médio prazo e sem sequer ter a visão de criar laços com aqueles que partem. Isto terá consequências verdadeiramente desastrosas dentro de uns 20 anos. Claro que por essa altura, os bandalhos que estão no governo, nunca nada fizeram na vida (começando pelo PM) e exortam os portugueses a «sair da sua zona de conforto» já terão tratado do seu. Tenho ainda esperanças: nos filmes, os jagunços costumam pagar pelos crimes. Seria bom que 2014 fosse um ano nesse sentido.

Là-bas, je ne sais où

Pedro Correia, 04.11.13

Sócrates rumo ao Parlamento Europeu? Poiares Maduro a caminho da Comissão Europeia? Confirma-se a tendência geral para o aumento da emigração portuguesa. Resta-nos sempre Álvaro de Campos: "Nunca voltarei porque nunca se volta. / O lugar a que se volta é sempre outro, / A gare a que se volta é outra / Já não está a mesma gente, nem a mesma luz, nem a mesma filosofia."

Ser convidado nunca é tão bom como estar em casa

João André, 14.08.13

Este post, especialmente a parte em baixo, que se refere à experiência de sair do país e da adaptação a outras realidades, deveria ser lido por qualquer pessoa que pensa em emigrar. Estando há já quase 10 anos continuamente fora do país (aos quais adiciono um ano e picos que já tinha feito no passado), sei o que custa sair do nosso rectângulo. Há vantagens na emigração (não houvesse e ninguém emigraria), mas há coisas que se perdem irremediavelmente.

 

Interlúdio para a frase fundamental do post citado e que vale todo o meu texto (o meu título é também adaptado de uma frase do post):

«Julgava que, sendo de um país da União Europeia, ir viver para outro país da Europa seria como ir para uma cidade que fica só um bocadinho mais longe e onde se fala uma língua diferente. Não é.»

 

A pergunta sobre aquilo de que mais sinto falta tem evoluído com os anos. Começou por ser a família e os amigos (nunca desaparece), passou pela língua (a cabeça virava automaticamente sempre que ouvia português na rua) e pelo sol (ainda e sempre), a certa altura é mesmo a comida (mesmo que má) e passa sempre pelo estilo de vida (sinto por vezes falta do caos). Actualmente aquilo que me falta é o sentimento de pertença. Não me sinto como pertencendo a lado nenhum. Mal conheço a cidade onde nasci e cresci, a cidade das minhas felizes recordações universitárias parece ter desaparecido e a seguir não cheguei a ficar em lado nenhum tempo suficiente para criar raízes. Acrescentando a isso não ter uma companheira portuguesa e acabo por ser um estranho em todo o lado.

 

Quando me contavam o corajoso que eu era por sair - há dez anos - pensava que isso dizia mais sobre a falta de coragem dos amigos e conhecidos que da coragem que eu tinha. Hoje percebo que era eu que me equivocava, que não tinha consciência daquilo que ia fazer, das dificuldades emocionais por que ia passar. Penso mesmo que, quando se opta por mudar de país, é bom que não se tenha a certeza daquilo a que se vai. Saber demasiado poderá aumentar a indecisão e complicar a vida mais que uma simples recusa em partir. A partida deve ser em busca de uma vida de facto melhor ou de uma aventura.

 

Não vou aqui elencar as dificuldades nem as soluções. Cada pessoa é diferente e aquilo que custa a uns pode ser mais fácil para outros. Apenas aponto um conselho a quem queira sair: percebam que não sabem ao que vão. Informem-se sobre o destino, se possível através de amigos e conhecidos, mas tenham consciência que vão sair surpreendidos e que tudo será mais difícil, com o tempo, do que aquilo que se esperaria.

Coincidências

João André, 02.07.13

Há duas semanas, a Economist publicou um trabalho especial sobre a Alemanha. Num dos artigos falava da falta de mão de obra, especialmente qualificada, que grassa no país. Também referido foi o facto de as empresas alemãs, com mais do que uma mãozinha do(s) governo(s), estarem a importar cada vez mais essa mão de obra dos países do sul da Europa. Que coincidência isto suceder em pleno período de crise (especialmente) do sul da Europa.

 

Como não tenho jeito para a subtileza, adiciono aquilo que me foi confidenciado por uma pessoa amiga que trabalha no Parlamento Europeu há já bastante tempo: um dos objectivos para a austeridade brutal era mesmo o de levar os jovens qualificados a abandonar o seu país e a seguirem para os países que estão na mesma situação da Alemanha. É que os imigrantes da Turquia, Marrocos, África, Ásia ou semelhantes são excessivamente diferentes culturalmente, têm religiões diferentes e não vêm sempre muito qualificados. É mais simples importar os outros que já são europeus.

 

Teoria da conspiração? Talvez. Vindo de quem veio, dou mais credibilidade à ideia do que noutras situações. Tem buracos, como é óbvio, mas quanto mais penso nisso, mais me parece ter lógica. Aliás, pensando bem, estou para ver se o próximo quadro qualificado a aterrar na Alemanha não será um antigo ministro das finanças para inaugurar o seu novo gabinete na  Willy-Brandt-Platz em Frankfurt am Main.

As comemorações do 10 de Junho em Maputo

jpt, 11.06.13

 

A última vez que compareci às comemorações oficiais do 10 de Junho em Maputo foi há 10 anos, e sei bem quando foi pois ainda vivia na F. Engels, ali vizinho da residência do embaixador. Cheguei bem tarde, vindo um trabalho entre Boane e Moamba, mas ainda lá fui como sempre o fazia nesta data. Quando cumprimentei o funcionário público que então ocupava as funções de representante, ele ficou a olhar insistentemente para a minha ausente gravata. Eu não lhe disse o impropério que ali mereceu - na época era cooperante, tive que aguentar - mas nunca mais lá voltei. Já agora, os últimos três embaixadores portugueses foram muito fraquinhos, e um tipo, ainda para mais tendo conhecido as verdadeiras excelências que os antecederam, perde a paciência para o mero aparelhismo, mesmo que doirado com o brilho do simbólico. E muito prejudicado com os tiques sociológicos de uma corporação profissional que a torna tendencialmente (muito) renitente à aprendizagem, auto-encerrada, numa "endogamia" intelectual medíocre e incompreendedora. É certo que ao longo dos anos conheci uma mão cheia de bons, até excelentes, diplomatas. Serão esses os que estão socialmente descansados e sociologicamente informados, nisso entendendo que uma república é uma mole de cidadãos e não uma hierarquia de estatutos ontológicos. Mas esses não são, infelizmente, a regra, e isso apouca as competências gerais. Enfim, diz-se que o homem que agora chegou a Maputo é de outro calibre, e ainda bem pois o momento histórico merece e exige. A ver vamos. Se suplanta o que se vem passando e a equipa que tem. 

 

Este ano fui à recepção comemorativa. O novo embaixador fez um bom discurso, para além do protocolar. Sublinhou que os portugueses residentes, 23 000 (?, sempre julguei que um pouco mais), constituem um contingente relativamente diminuto se comparado com os emigrantes portugueses em tantos outros países. Certo que o impacto migratório não é apenas estatístico, mas  é avisado recordar isso para obstar à ideia da "vaga" de portugueses num país com 23 milhões de habitantes. E deixou dois pontos importantes a reter, quais recados para nós outros, portugueses: a) estamos cá a trabalhar, a ganhar a vida, com o apoio local. No respeito das leis - necessário sublinhar, num contexto em que muito patrício julga que vem gingar diante dos regulamentos. É uma trabalheira, e conspurca a imagem de quantos por cá não o fazem; b) a comunidade portuguesa deixa a política moçambicana para os moçambicanos. Conveniente de lembrar num momento antecessor de um ciclo eleitoral, para acalmar alguns hipotéticos excitados.

 

A festividade em si própria foi interessante. Para mim, a permitir-me rever conhecidos, já raro convívio dado o meu ensimesmamento e o nosso envelhecimento. E continuo a espantar-me com isto de ver os patrícios, quando em algo oficial, a vestirem-se todos com fatos azuis. Qua aquele velho "azul Carris", o dos uniformes dos motoristas e revisores de autocarros. Acham que vão finos, assim. Não vão. Mas enfim, é o que conseguem. E se se esforçam é de louvar. Mas não deixa de ser um uniforme. E isso não é lá muito bom, que a cidadania não se uniformiza. Tornando o cada um como cada qual num cada todo como cada quais. E isso não é bom, principalmente hoje, a precisar de mais cores.

 

Para o ano há mais. E até lá há muito para percorrer. Muito mesmo.