Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

A chuvada eleitoral

jpt, 27.01.21

chuv.jpg

A chuvada eleitoral de domingo, com o sucesso do Prof. Ventura, demonstrou a pertinência da velha máxima "o que é preciso é que se fale, mesmo que seja ... bem". Recordo o que já resmunguei: catapultado como "voz televisiva do Benfica" e, depois, "enfant terrible" de Loures, Ventura chegou aos 60 mil votos e foi resvés eleito deputado em 19. Breves minutos depois da sua eleição a então também nóvel deputação do Livre celebrou o seu sucesso eleitoral alcandorando-o a adversário fundamental, dando-lhe eco, sublinhando-o reforçando-o, como mera forma de se reclamar paladina do "antifascismo". Forma de encapuçar a estreiteza da agenda política própria e, acima de tudo, de ocupar espaço à "esquerda", onde o palanque legitimador do "antifascismo" vem sendo - e com legitimidade histórica, diga-se - ocupado pelo PCP e pelo PS. E de nisso também se apartar do BE, ao qual acabara de subtrair basto eleitorado e, também por esse novo estatuto "antifascista" reclamado, imensa atenção mediática. Pois a imprensa lisboeta, muito "gauchiste", assumiu com frenesim este novo conflito entre unideputações, novidade bem mais apetecível do que os já monótonos acintes entre os "big five".

Depois foi o que foi: Ventura soube afrontar os ideais dominantes da imprensa sem com isso a afastar; enquanto a disparatada Moreira a afastou de vez, não só pelo seu patético conflito com o "pós-stasiano" Tavares mas, acima de tudo, pelo dislate de chamar a polícia para se proteger das perguntas da imprensa, arrogância - dela e do seu assessor dos saiotes - nunca vista na democracia portuguesa. Resultado: a imprensa democrática não lhe liga, condenando-a a um silêncio revelador da sua essência, mero apêndice de um PS tacticista. Enquanto persegue, enlevada, um Ventura que seguiu rampante, capitalizando as antipatias recebidas.

O disparatismo dos "bem-pensantes" urbanos mostra-se ainda mais no rescaldo das eleições presidenciais. Leio inúmeras declarações de nojo pelos compatriotas que se (a)venturaram - na senda das declarações do grande maître à penser Malato. Vão tal e qual, estes ululantes perdigoteiros, o prof. Ventura quando fala de ciganos. Como a parvoíce - que terá evidente substrato publicitário - da organização do festival Amplifest 2021 que anuncia  não querer como espectadores quaisquer votantes do Chega. Ou, pior ainda, a recepção jubilosa de alguns textos mais desequilibrados que surgem nas redes sociais, invectivando os recém-eleitores do Chega.

Para além da indecência e da parvoíce de muitas destas reacções, o seu fundo, consciente ou inconsciente, é traçar uma "cerca sanitária" vs. Chega, para a qual será necessário traçar uma população a encerrar, o "Eleitor Chega", e demonizá-la. De facto, "queimá-la" (simbolicamente, espera-se) e ostracizá-la (moralmente). Daí o afã em traçar-lhe, o mais lesto possível, um perfil unívoco: os tipos da "direita", aliás PSD/CDS; os alentejanos do PCP, como muitos referem - ainda que, de facto, o PCP não domine o Alentejo há já bastante tempo, mas tendo ali um peso eleitoral maior do que alhures.

O que me parece óbvio é que Ventura colhe votos em vários sectores - talvez não tanto no eleitorado PS, mais sociologicamente repousado. Antes do Natal jantei com amigo emigrado, cinquentinha viajado e culto, classe média, e que se situa naquilo a que os democratas chamam "centro-direita" e a esquerda revolucionária amiúde apelida(va) de "fascista". Ou seja, é um fluído apoiante do CDS. Dizia-nos ele, algo estupefacto naquela visita anual à "Pátria Amada", que "na minha família só eu e o meu pai é que não apoiamos o Chega", e avançava, até desencantado, que lhe era agora óbvio que todos esses seus parentes "não têm vínculo com a democracia", "são saudosistas do Salazar" ainda que sempre tivessem sido eleitores de CDS e PSD, até consoante os momentos.

Este é um detalhe, individual, que pode ilustrar os bons resultados de Ventura em alguns locais urbanos, como as zonas mais favorecidas da "Linha" - que é a que aludo aqui. Ao mesmo tempo, e porque estou em Palmela, mostro os resultados de um universo que não é alentejano rural e que mostra como num eleitorado que vota basto à esquerda, Ventura surge com bons resultados. Significará o que deveria ser evidente: que as pessoas votam consoante o tipo de eleições e consoante as mensagens que querem enviar ao poder - flutuando muito mais do que os ideologizados jornalistas, empenhados intelectuais públicos ou mesmo os meros drs. locutores nas redes sociais (como este jpt).

Ou seja, houve meio milhão de pessoas que decidiram ir votar num tipo que apareceu há pouco mais de um ano e que foi insuflado pela imprensa lisboeta e pelos movimentos demagógicos de extrema-esquerda. É uma amálgama de nossos vizinhos, que o fizeram por uma série diversa de razões. E decerto que o terão feito também devido à grande máxima da política: "o que parece é!". E tudo isto parece que está mal. Pode até nem estar tão mal como parece. Mas parece estar bastante mal. E feder. E o melhor seria reflectir sobre o "estado da arte" e sobre as formas de "exposição" dessa "arte". E não, nunca, isto de andar a demonizar os nossos vizinhos, co-fregueses. 

Depois das presidenciais

João Pedro Pimenta, 26.01.21

Notas pessoais:

Marcelo ganhou. Esmagou. Não tem o melhor resultado de sempre em presidenciais mas é o primeiro a vencer em todos os concelhos. Tudo isto praticamente sem campanha. O seu mandato sai reforçado. Na noite eleitoral revelou enfim o seu programa, coisa que não tinha feito nas semanas anteriores, e teve o único verdadeiro discurso presidencial. Resta saber se vai actuar como noutras coabitações com um partido diferente no segundo mandato - em competição hostil com o governo, como vimos sobretudo com Soares e Cavaco.

Ana Gomes consegue o segundo lugar mas não a segunda volta. Difícil colocá-la entre vencedores ou perdedores. Em teoria é vencedora, porque alcança o segundo lugar apenas com os apoios oficiais de PAN e Livre, e é talvez responsável por impedir que Ventura fique em segundo. Mas teve uma campanha pouco substantiva, nunca conseguiu ter um assunto-âncora, triando talvez a justiça, e sem aspirações dentro do PS ou a lugares de relevo, não se sabe o que ganhará realmente depois disto.

André Ventura tem um resultado agridoce (mais doce do que acre, é verdade). Obtém um resultado excelente em números, cilindra a esquerda nalguns dos seus feudos, particularmente no Alentejo, fica em segundo em quase todo o interior, queda-se a pouca distância de Ana Gomes. E no entanto esta diferença para a diplomata tem peso, já que esse era o objectivo primordial declarado, a ponto de o obrigar a demitir-se. Claro que na prática o dano será nulo, porque voltará à liderança já a seguir por aclamação. Mas ao ouvir aquele discurso alucinado, a colocar a Iniciativa Liberal na extrema-esquerda e a afirmar-se como "enviado de Deus", fica-se na dúvida se está demasiado deslumbrado ou se é conversa para galvanizar a assistência. Convém lembrar que os votos das presidenciais não são deles nem duradouros, como aprendeu Manuel Alegre ("o meu milhão de votos") e Basílio Horta, que em circunstâncias parecidas teve 14% dos votos, para meses depois o CDS alcançar pouco mais de 4%. E que o desafio das autárquicas, completamente diferentes de eleições nacionais, penaliza agudamente os novos ou pequenos partidos. O Bloco que o diga.

Apostei que João Ferreira teria um resultado superior ao de Marisa. Acertei por pouco. Teve também mais do que Edgar Silva, há cinco anos, o que não é consolo nenhum. O resultado de Ferreira é menos que medíocre, incipiente (e inferior a Ventura) no Alentejo, coloca em causa o futuro do seu partido junto de populações que lhe eram tradicionalmente fieis e mais até, coloca em risco a sua ascensão a futuro secretário geral do PCP, quando era o mais bem colocado para isso. A rever: teve a campanha com maior orçamento de todas, o que demonstra que, principalmente em tempos de pandemia, não vale a pena andar com grandes gastos.

Marisa Matias é a outra grande derrotada da noite. Não só tem um resultado substancialmente inferior às candidaturas que encabeçou, há cinco anos e nas últimas europeias, como perde aquele particular  combatezinho com o PCP para ver quem tem mais votos. É possível que tenha perdido um pouco para Ana Gomes, mas pareceu sempre estar a cumprir um papel que lhe tinham pedido. Perdeu o efeito novidade e também o de ser mais simpática que Catarina Martins e as manas Mortágua. Talvez não influencie assim tanto o futuro do Bloco, que já caiu e já se reinventou, mas a avaliar pelo discurso da "coordenadora", causou alguma preocupação entre a esquerda radical.

Tiago Mayan. Sou suspeito, mas acho quase impossível não o considerar um dos vencedores da noite. Partiu para a corrida como um elemento apoiado pela Iniciativa Liberal desconhecido do grande público, entrou nas entrevistas tímido e a calcular as palavras, mas aos poucos ganhou confiança, não teve receio de afrontar quem quer que fosse (até houve quem o considerasse demasiado ríspido), explanou as suas ideias e a sua ideologia e ganhou muito com isso. Não sendo uma votação fabulosa, é superior ao que as sondagens lhe davam (as primeiras atribuíam-lhe 1%), sem dispôr de grandes gastos nem figuras de primeira água a apoiá-lo. Ganhou o seu próprio espaço e o seu partido, mais estruturado e menos fulanizado que o Chega e com mais aura de novidade que o Bloco, ganhará certamente com isso. 

Vitorino de Rans - fica em último mas consegue novamente um resultado honroso, não muito abaixo do de 2016, salvo que agora não ganhou em Rans. É sem dúvida uma personagem que consegue atrair a atenção, a simpatia - e alguns votos. Resta saber se vai fazer alguma coisa com esta popularidade. É bom lembrar que tem o seu próprio partido, o RIR, que tem estabelecido ligações a outras pequenas formações. Desconfio que as suas candidaturas não vão ficar por aqui.

Abstenção: muito grande, mas não extrema. Um obrigado a todos os delegados às mesas e a todos os que trabalharam no processo eleitoral.

 

As verdadeiras causas do sucesso eleitoral do prof. André Ventura

jpt, 25.01.21

palmela.jpg

(Presidenciais 2021, resultados concelho de Palmela)

Meio milhão de votos! No "inominável"?, no " coiso", como lhe chamam os "verdadeiros democratas" fervilhantes nas redes sociais? Serão assim meio milhão d'"inomináveis", de "coisos"?
 
Ontem na SIC 2 próceres "comentavam", "fazendo a cabeça" da turba burguesa telespectadora: o advogado Júdice (a que propósito tem ele aquele tão grande palanque?) e o Prof. Louçã (que mente sobre propostas da IL e não se retracta; que diz gostar a Alemanha disto do Covid porque ganha com a crise; com estes ditos, a que propósito é que esta aldrabismo básico tem tamanho palanque ...?). Nisso conclui então Louçã, mui assertivo, que os votos em Ventura lhe chegavam directamente do PSD e CDS, a direita... (agora já "democrática", candidata Gomes dixit, mesmo que " liberal" ainda lhe venha igual a Pinochet).
 
Então lembro-me de Palmela: não é um ermo alentejano calcorreado por hordas nómadas da "etnia cigana" (agora diz-se assim). Mas Vale do Tejo, urbano. De onde, das cercanias do seu "castelo altaneiro", se vê Lisboa. Câmara do PCP (+9000 em 2017), secundado por PS (+6000), onde PSD/CDS unidos valeram ... +2000. Comparai com os votos de ontem. Quereis o Alentejo das tais míticas hordas, o "profundo"? Deixo como exemplo o belo Alandroal.
 

alandroal.jpg

(Presidenciais 2021, resultados concelho de Alandroal)

Grandes transferências de eleitores nunca são iguais. Mas há tendências (e a França é um bom modelo, ajuda a pensar), basta ler. Ou então não se leia, ouça-se a ladainha reconfortante a la Louçã.
 
Eu tenho uma explicação para os resultados eleitorais de ontem, em particular para a ascensão do prof. Ventura: foi um "downburst". Bastará chamar um director da PJ para identificar a Árvore assassina. E tudo ficará bem. Sem "coiso" "inominável".

O Grande Eleitor de Celorico de Basto

jpt, 25.01.21

celorico.jpg

No mural de Facebook de uma prezada co-bloguista encontrei, nesta madrugada, uma pérola que aqui transcrevo: 

Há 4 ou 5 dias disse António Costa: "Devem ser muito raras as excepções das pessoas que estão, violando a lei, recenseadas fora do seu local de residência, mas admito que haja pessoas que tenham mudado de casa recentemente e, portanto, ainda não estejam devidamente actualizadas". 

Hoje [ontem], em todos os noticiários: Marcelo Rebelo de Sousa chega "a casa" depois de ter votado em Celorico de Basto."

E assim vamos. Esta ilegalidade por parte de um Presidente da República seria totalmente inaceitável em qualquer momento. No meio de um confinamento, em situação sanitária tão gravosa, torna-se mesmo um insulto vil. Ao regime e ao povo. Mas todos olham para o lado, como quem não quer a coisa ... O único tino está em Rans, não há qualquer dúvida.

As causas do sucesso eleitoral de André Ventura

jpt, 25.01.21

naom_5d4b19c72717a.jpg

Muito aprendo hoje, na leitura matinal dos sub-textos na imprensa e dos textos nas rede Facebook. Apreendo assim que "Pensar Bem" sobre política, ser "educado" ("ilustrado"), culto, democrata, reflexivo significa isto: se os compatriotas votam no brejnevista Cunhal, no berlingueriano Carvalhas, no honeckerista Sousa, se se agregam sindicalmente sob um deslumbrado ceausesquiano Judas ou um quase-titista Silva, são massas desalienadas em luta pelos seus direitos. Se tantos desses mesmos compatriotas de repente votam num Rolão Preto modo boçal? Passam a ser uns broncos. Básicos. Até deslavados.
 
Quando for grande quero ser assim Culto. Democrata. E "Ilustrado". E desse modo Feliz comigo-mesmo, claro.

Presidenciais 2021

João Pedro Pimenta, 24.01.21

A CNE que diga o que quiser. Desde que a Net espalhou a palavra o dia de reflexão perdeu a sua utilidade.

Como deixei claro no post anterior, estas eleições não podiam calhar em pior altura. No pico do Inverno e nos dias mais negros de uma pandemia fatigante e galopante, numa eleição presidencial em que o incumbente concorre a um segundo mandato (e praticamente nem teve campanha eleitoral nem ao menos um programa presidencial), a abstenção prevê-se elevadíssima. Ao menos que não haja filas extensas. Marcelo, em condições normais, estaria reeleito. Sendo tudo menos normais, e mesmo que seja de todo improvável que não fique em primeiro, uma segunda volta não é de descartar, o que tornaria mais interessante a luta pelo segundo lugar, que está em aberto.

Ana Gomes quer consolidar o seu lugar de "justiceira" actual do regime, com a sua oposição implícita a António Costa e mais ainda a Marcelo. Não sei o que tem exactamente a ganhar nesta altura da sua vida, mas a resposta pode ser algo entre o sentido do dever e o chamamento do protagonismo.

Já André Ventura não quer de forma alguma ir para Belém, mas tenta aqui a prova das sondagens e a consolidação do seu movimento para tentar no futuro influenciar uma maioria de direita. Fá-lo com uma campanha de declarações estrondosas, como a dos "portugueses de bem", de vitimizações constantes e de tentativas de se fazer notar, facilitada com os manifestantes que protestam à sua passagem.

À esquerda, as habituais candidaturas do PCP (quase nunca falha) e Bloco. Condições diferentes em relação a 2015: Marisa não traz nada de novo, parece conformada, e nem o seu ar "genuíno" e mais simpático do que Catarina Martins e as manas Mortágua a sustenta. Ainda é nova, e talvez precise de novos desafios. Por outro lado, João Ferreira, já não exactamente um desconhecido, tenta segurar e medir o eleitorado PCP numa candidatura que tresanda a futuro secretário geral do PCP. Note-se o percurso exactamente igual ao de Carlos Carvalhas, que também foi candidato à câmara de Lisboa (ficou em segundo), cabeça de lista às europeias e candidato à presidência da república, antes da tarefa digna dos sete trabalhos de Hércules de substituir Cunhal na chefia do "Partido". No geral, teve uma campanha competente, apesar de ter sido o candidato que mais gastou (para quê?). Ficarei surpreendido se Ferreira não ficar à frente de Marisa, até porque o eleitorado desta que não seja tão fiel ao Bloco tenderá a votar em Ana Gomes.

E por falar em Carvalhas, a grande novidade da campanha chama-se Tiago Mayan Gonçalves. Ao contrário da generalidade das pessoas, não era para mim o candidato mais desconhecido, antes pelo contrário. Conheço o Tiago Mayan há mais de vinte anos, já lhe chamei presidente numa associação estudantil internacional à qual pertencemos e aliás estive com ele em situações que já partilhei neste blogue (como esta, no âmbito de um congresso dessa associação). A alusão a Carvalhas reporta à parecença física com o antigo SG do PCP, e a uma situação, há já vários anos, em que alguém apontando para um cartaz comunista com a fotografia do seu líder, exclamou: "olha, o Tiago no cartaz", para desespero do agora candidato liberal. A verdade é que sem notoriedade anterior e sem ser uma figura pública (confessou a Miguel Sousa Tavares que aquela era a primeira vez que era entrevistado para a televisão), revelando algum nervosismo inicial e a inexperiência natural, conseguiu passar a sua mensagem de candidato liberal, dirigindo-se sem punhos de renda a Marcelo, traçando um fosso com Ventura e fazendo contrastar as suas ideias com as da esquerda. Para primeira experiência política em nome próprio, sem ser a fazer campanha por outros, leva nota positiva.

Por fim Vitorino Silva, como agora é chamado pelo nome próprio o "Tino de Rans". Sem ofensa, acho que podia ser o modelo do Zé Povinho para os nossos dias, em versão mais educada, e palpito que ele até nem desdenharia. A sua candidatura parece não fazer lá grande sentido, até por ser repetida, e terá previsivelmente menos votos do que há cinco anos. Mas é possível que arrebanhe alguns eleitores fartos da partidocracia e convencidos por um candidato com aura genuína, que não sendo um génio está longe de ser parvo e que é o "que se dane" possível para quem se dá ao trabalho de ir votar não se reconhecendo no candidato incumbente e nos candidatos partidários.

Posso desde já dizer, sem surpresa, que o meu voto, não me reconhecendo em todas as suas ideias, vai para Tiago Mayan. Não fosse ele e não saberia em quem votar: no presidente actual que nem programa tem, na candidata justicialista que tudo põe em causa, nos candidatos da esquerda mais dogmática, que o fazem pelos seus partidos, na candidato da direita populista que apregoa a ideia aberrante de que não seria presidente "de todos os portugueses", no candidato "do povo" de que poucas ideias concretas se conhecem...?

Três desejos mais, votem em quem votarem: que a abstenção não seja tão grande como alguns prevêem; que não piore o estado caótico da pandemia; e que não haja segunda volta.

Declaração de voto

jpt, 23.01.21

2021_pr_especime_boletim_voto_page-0001.jpg

Mesas de voto

Tendo madrugado fui votar logo na alvorada eleitoral. Apesar das décadas passadas tão longe faço-o ainda no local de sempre, a escola nas traseiras da casa onde cresci e na qual sigo hoje envelhecendo, em tempos chamada “Damião de Góis” e agora abarcada por uma qualquer sigla C+S, amputação onomástica que presumo devida à tomada de consciência estatal da malévola colonialidade eurocêntrica daquele intelectual, nunca denunciante do escravismo e do racismo seus coevos.

Fui assim um dos primeiros eleitores presentes, percorrendo os pequenos corredores frios e vazios daquele edifício acabrunhado, que já este século veio substituir os imundos pavilhões pré-construídos que ali decorreram décadas sob estatuto de “provisórios”. Enfim, direito cívico e momento de nostalgia correram-me lestos e aprestei-me a regressar a casa. Mas ia eu nesse propósito e ali mesmo fui captado por uma vizinha. Do meu prédio, das mais novas da geração dos meus pais, os povoadores dos Olivais, aportados no final da década de 1960s. Esta ainda septuagenária, e activa, agora figurando na organização do dia eleitoral. Enérgica e atenta, pois cooptando-me, convocando-me a integrar as mesas de voto, às quais muitos dos membros agendados haviam faltado.

Tentei escapar mas era-me difícil, embatucado com o que senti como um tal de dever de cidadania - e logo comigo que passo a vida a resmungar sobre política. E tendo já trabalhado em várias eleições no estrangeiro, como assim negar-me a fazê-lo na minha “Pátria Amada”, e mesmo à porta de casa? Ainda assim, com alguma falta de pudor, ainda tartamudeei, em desespero de causa, “ainda nem comi, nem bebi café, estou meio azamboado”, nisso procurando razão suficiente para me escapulir. Hábil estratega, a vizinha não vacilou, “vai lá tomar o pequeno-almoço e volta rápido”. E assim fiz, cerviz dobrada, acorri ao meu “Arcadas”, a pastelaria de sempre, à bica dupla, a resmungar ao Sô João “veja lá o que me aconteceu, vou passar o dia ali encerrado” e ele sorridente, “vá e depois venha com boas notícias”. E eu, desalentando-nos, “não virei, decerto que os gajos vão ganhar isto”. E “para mal dos nossos pecados”, acrescentei, ateu. No que anuiu ele… Risonho, telefonei ainda à minha mana a narrar-lhe a armadilha em que caíra, e ela sossegou-me em definitivo: “o pai ficaria muito contente, até muito tarde sempre foi para as mesas…”, e é verdade – como delegado do Partido, claro, que nesses tempos ainda tal havia. E se o pai ia como posso eu negar-me?

Assim lá segui até à escola. À entrada identifiquei-me a uma jovem da Junta da Freguesia, cujos óculos e atitude davam ares de encarregada - deixando o meu rol de contactos, como se garantindo-me honesto - e dirigiram-me a uma mesa de voto. Ali me apresentaram como membro avulso, voluntário, e me empossaram como segundo secretário, condição na qual passei o dia a conferir cadernos de votantes ordenados alfabeticamente e, mais tarde, a contar o que haviam eles feito. Para isso integrei uma equipa de simpáticos olivalenses, eficientes e entusiastas daquilo, todos veteranos da poda eleitoral: três deles haviam feito todas as eleições desde os anos 1980, e a mais nova – filha da presidente da mesa, por coincidência - fazia-as desde há uma década. Surpreendi-me, questionei como era isso possível, qual o sistema que os integra desse modo? Que basta as pessoas inscreverem-se para este efeito na Junta de Freguesia, afiançaram-me.

Acabou por ser um dia interessante, muito também pela eficiência, tarimbada, daqueles parceiros, tanto na votação como na contagem. Cabiam naquela mesa 1000 eleitores, entre Luíses e Marias P’s, consistindo, dada a área coberta, e ainda que naquele bairro tão compósito, num nicho da pequena-burguesia – o em torno do Centro Comercial dos Olivais, para quem conheça a zona. População muito envelhecida, eleitores até nonagenários, imensos octogenários, feixes de septuagenários, escassíssimos jovens, raríssimos mesmo (e quase todos “Marco”s, já agora…), e a aparecerem em grande número, muitos até compenetrados no acto. Fui vendo o desfilar do eleitorado geronte, com carinho mas também remoendo “como pensar numa reviravolta disto tudo com estes votantes?”. Voto muito conservador, presumi primeiro e depois contei-o… Comprovando-me pois ali brilhou, resplandecente, o dr. Costa e seguiu-se, menos trôpego do que alhures, o dr. Rio.

Mas também me diverti, na quantidade de caras conhecidas que ali aportavam: amigos de agora (“estás aqui Zezé?”, “até logo” para a imperial de rescaldo), amigos de antes, da saudosa juventude de bairro, colegas do secundário – e algumas delas ainda em muito bom estado, clamava o sátiro utópico em mim aboletado -, vizinhos de rua e bairro, pais e mães (muito mais mães, claro, que os homens já as enviuvaram) de amigos, e nisso uma catadupa de lembranças para a minha mãe Marília, então já abstencionista. Surpreendidos seguiam os meus parceiros de mesa, com a rapidez com que eu identificava tantos nomes nos cadernos, pois quantas vezes me bastava ver assomar o eleitor e sabia-lhe o nome… “dá muito jeito ter alguém da área”, sorriam simpáticos. Senti-me assim, como nunca, um verdadeiro freguês, um vizinho ancorado. Agradável, para um ainda – e talvez para sempre – torna-viagem.

Nisto foi chegando a hora do almoço e começámos uma escala, a vez de cada um se ausentar para ir comiscar qualquer coisa. Disse então eu, para a jovem colega ali a meu lado, “seria simpático que a Junta nos trouxesse um lanche … e evitavam-se estas saídas”. E ela, perspicaz, percebeu-me desatento ignorante: “mas olhe que nos pagam!”. Surpreendeu-me, não fazia ideia de que era aquilo trabalho remunerado, suponha-o extremoso voluntariado cívico, coisa, decerto, de ter vivido tantos anos fora. “Pagam-nos?! E quanto?”, “cinquenta e tal euros”, não estava ela certa da quantia, pois fora anunciado um pequeno aumento. E juntou-lhe, mas já em registo “aqui entre nós”: “mas só pagaram as eleições passadas – as europeias, que haviam sido sete meses antes – anteontem. Por isso é que muita gente não veio hoje para as mesas”. Sorri diante daquilo, claro, o costume, apenas mais uma mostra do atrapalhado desrespeito do Estado para com todos nós… E percebi bem melhor este afã dos veteranos eleitorais, decerto que o prazer da participação – notório, afianço -, porventura também espelhando-se como importância própria, por parca que seja, entre vizinhança e parentela. Mas tudo isso bem sublinhado pela jorna, meia centena de euros que será coisa pouca para muitos doutores, mas nada de deitar fora, nada mesmo, para nós-remediados, e isso se nos conseguimos assim manter.

Enfim, tudo correu bem naquele dia. Neste último Dezembro, 14 meses depois, numa manhã cedo fui ao Centro de Saúde dos Olivais, para saber de umas coisas nas entranhas, a ver se me ajudam com tais ardores e pressas. Regressei a casa em passo de peão e nesse calcorrear lembrei-me dos tais 50 euros, os quais nunca recebera e que muito me ajudariam agora a pagar a conta da electricidade – a qual, para o Governo, por não ser um bem essencial não deve ser paga a preço de custo. E assim fiz um pequeno desvio pelas ruas da Encarnação indo até à Junta de Freguesia. Atenderam-me à porta, pandemia oblige. Expliquei à simpática funcionária que ali estava em demanda da minha jorna eleitoral. Surpreendeu-se, pois “já pagámos isso há bastante tempo”. Ainda insisti, em modo de quem quer aparentar de que não precisa do dinheiro para a boca, e narrei as vias acontecidas. “Ah, como o senhor se voluntariou então não recebe, deve ser isso…”. E pronto, agradeci, na pose blasé que desencantei, feito Cidadão Teixeira, e lá segui à minha vida. Como quem nem queria a coisa …

*****

Há onze meses que seguimos ajoujados sob este Covid-19, e há muito que se espera e teme uma nova vaga infecciosa. A qual chegou. Estamos no topo mundial dos fustigados, no pico da pior crise que o país conhece desde há décadas. E o poder político convoca-nos a sair à rua e a visitar ambientes basto-respirados para votar. Durante todos estes meses ninguém no Estado, eleito ou funcionário, pensou em organizar o adiamento das eleições – se necessário ou recomendável. Inépcia, inacção, incompetência. Irrazão.

Em tempos disseram os nossos antepassados “navegar é preciso, viver não é preciso …”. Mas esses eram traficantes, pescadores, descobridores, piratas, soldadagem, todos feitos ou fazendo-se marinheiros de mar alto. Enquanto esta gente de agora é mera equipagem de cabotagem. E mostra-o agora como nunca o fizera…

E quando o nº 2 do Estado, Eduardo Ferro Rodrigues, veterano político, clama que “votar é forma de resistir ao vírus”, apenas ecoa um agora desajustado imaginário, a invocação de actos de corajosa cidadania democrática contra opressões. Para ele, patético, o voto de amanhã, no meio desta crise sanitária, entre contágio desregulado, hospitais apinhados e médicos exauridos, é qual o berro da La Pasionaria, as barricadas da Comuna de Paris, a cadeia do Forte de Peniche, o comício da Fonte Luminosa ou outro qualquer ícone das reclamações democráticas. Não percebe, por seus graves limites intelectuais, a diferença entre votar em condições adversas, durante conflitos ou rescaldos de catástrofes naturais episódicas - como cheias ou terramotos –, mostrando vontade moral, de cidadania, de afirmar a democracia contra adversários e adversidades. E votar agora quando “resistir ao vírus”, estancar a corrente de contágio – de facto, a cidadania democrática - é reduzir ao mínimo o risco de infecções.

Utilizar agora este argumento, este imaginário, é perverso. E boçal. Mas é pior ainda, denotativo da mundivisão de clique política, desencastrada da sociedade, dos seus compatriotas, de Ferro Rodrigues e seus correligionários e colegas políticos, desde a “esquerda revolucionária” até à “direita social”, dos “nacionalistas” aos “cosmopolitas/internacionalistas”.

Pois para suprir a sua incompetente inacção, a sua pobre e trôpega cabotagem, para levar a cabo estas adiáveis eleições, estes possidentes induzem e apelam a milhares destes pequenos fregueses, enrascados remediados, ali também em busca da parca jorna eleitoral – não só mas também, pois escassos serão os doutores bem-postos nas mesas de voto – a acorrerem para acolher centenas de votos depositados nas invernosas salas fechadas. Com hipotéticos sacrifícios sanitários. E, acima de tudo, com angústias morais.

São estes políticos de “esquerda”, do “centro” e da “direita”. E enchem a boca com as suas preocupações com o “povo”.

Amanhã, domingo, não sairei deste Nenhures, não irei de camioneta à capital, à tal C+S que foi “Damião de Góis”, não votarei. Por mim e para sossego daqueles que comigo coabitam. Pois mesmo que reduzido seja o risco não é razoável corrê-lo. Deixo sim o meu voto de saúde para todos aqueles que acorrerem para trabalhar nas mesas eleitorais. E o meu desejo que, desta vez, as suas jornas não sejam pagas apenas daqui a uns meses. E, já agora, que paguem também aos voluntários, que vierem a acorrer já em in extremis.

 

Berlusconi

jpt, 18.01.21

berl.jpg

Em 1994 durante meses trabalhei na missão de observação eleitoral das primeiras eleições democráticas na África do Sul, nas quais Mandela ascendeu a presidente. Foi um período magnífico! Se conflitos e temores subsistiam tudo isso coexistia com o enorme alívio no final daquela maldita ditadura racista e uma alegria esfuziante no dia-a-dia, traduzindo uma vaga de esperança em melhores futuros. A qual, naqueles últimos anos, se vinha espalhando num vasto alhures. Ao sul da África a Namíbia tornara-se independente, a paz aportara a Moçambique, o delírio sanguinário mugabiano havia amainado, em Bicesse prometera-se uma paz em Angola. Esse alindar da coisa mundial viera desde quinze anos antes com o sucessivo descalabro dos fascismos da América latina, encetado com o triplo "Sandinista" dos The Clash já pós-punk, o qual nós, portugueses, mais acompanháramos na comoção do "Directas, Já!" brasileiro. Depois, entre Glasnot e Perestroika, findara o perverso comunismo europeu, que tantas mentes e almas corrompera por cá (e ainda corrompe, malevolência zombie …) e o receio - pavor mesmo - da guerra nuclear desvanecera-se. Mesmo o malvado comunismo colonialista chinês aparentara abanar no massacre estudantil de Tiananmen – esse, há que dizê-lo, ainda hoje nunca evocado por tantos, debruçados no demoníaco abismo do seu pensamento abissal. O hediondo maoísmo cambojano estava em estertor florestal - e sobre esse país mártir muita coisa tétrica então ouvi, nas horas dos inúmeros uísques, de colegas ali observadores das Nações Unidas, vários deles macerados após por lá terem trabalhado durante anos. Tudo isso, e o findar mundo afora de tantos outros "conflitos de baixa intensidade" - como a insensível literatura europeia os chamava -, catapultados pela luta entre os ditos “Leste” e “Ocidente”, trazia um grande optimismo. Democratizador. Nisso também fruidor.

Certo que aquele ali tão festivo Abril eleitoral foi também o da hecatombe ruandesa, surpreendente e total supra-sumo da maldade racista. Mas estávamos tão embrenhados naquela missão - e do resto alheados, naqueles tempos pré-internet e mesmo ainda dos velhos rádios Motorola -  que só já em meados de Maio, regressado a Portugal, tomei consciência daquilo, não só contra-senso mas também, assim o parecia, contra o sentido da história de então, por titubeante ou mesmo imaginário que este viesse. Entretanto, se na Europa ardiam os Balcãs, e de que sanguinária forma - como me narrava o meu parceiro de missão, um francês com quem partilhava casa, mesa, carro e bares, que lá trabalhara durante dois anos na Cruz Vermelha - o optimismo geral presumia essas dores apenas como se parto de algo melhor. No fundo, então, e como disse Álvaro Guerra nas suas belíssimas "Crónicas Jugoslavas" (1996), "O certo é que eram raríssimos os que se atreviam a encarar as ameaças do futuro".

Nesse ambiente o único trajecto algo divergente, ainda que nele pouco tivesse atentado, veio-me de um colega italiano, Andrea, um tipo da minha idade, economista algo viajado, vindo com a bonomia daquele que avança para rotundo e calvo, por estereótipo que seja... O que dele mais recordo foi o final de tarde do domingo 1 de Maio, regressando eu a East London, vindo de Bisho, após uma longa sessão de acompanhamento da contagem de votos. E logo que saí do carro, até perro de exausto, ainda porta aberta, ele lesto a surgir-me, saído do átrio do hotel onde sediávamos os nossos escritórios, para me estreitar em abraço de condolências, o italiano "tiffosi" comovidíssimo informando este português da morte de Ayrton Senna.

Mas dele algo mais lembro. Da sua alguma excentricidade durante aqueles meses de verdadeira festa política, tamanho era o nosso entusiasmo. Pois esses dias de frenesim jubiloso, para mim decorridos entre Ciskei e Transkei – que nesse tempo ainda sobreviviam os inventados “bantustões” independentes -, casavam com noites longas quase-nada dormidas, em aceleradas conversas entre nós e também com amigos sul-africanos – que nos haviam recebido como se sorvendo com sofreguidão os ventos do mundo -, regadas a caixas de Castle e de uísque barato, fervilhando de análises sobre a política sul-africana. Especulando futuros de curto prazo, cerzindo-os à catadupa de acontecimentos locais, daquele ali que se veio a tornar Eastern Cape. E, mais ainda, aos da azáfama nacional, naquela sucessão de arruaças sanguinolentas entre ANC e Inkhata, a deriva angustiada do Partido Nacional libertando-se do seu “nacionalismo cristão” mas ainda sob ele ajoujado, o já então vislumbre do Partido Democrático, o exacerbado racismo do histórico PAC sempre fiel ao lema “one settler, one bullet”, as expectativas sobre o verdadeiro impacto eleitoral do partido de Viljoen, o general consagrado como o “Rommel africânder”, o peso do extremismo de Winnie Mandela, a violência dos fascistas de Terreblanche, a aparente bipolarização entre o radical sindicalista Ramaphosa e o seráfico liberal Mbeki – que bem depois se veio a perceber não tão estruturante assim. E tudo isso sobre o gigantesco encanto do Madiba.

Mas o Andrea tudo isto cruzava, bebericando mas também meneando a cabeça de proto-calvo, resmungando a sua angústia com as desventuras da sua Itália - mais longínqua ainda por ali tão desfasada do que vivíamos - naquele período de erupção de Berlusconi e dos seus confrades secessionistas e ditos neo-fascistas, eleitos exactamente naquele Março. Pois foi durante aquela, afinal curta, missão que o Forza Italia surgira, e num ápice se tornara governo. Era o sufragar da tele-democracia, epíteto naquele caso literalmente literal, pois o homem era mesmo dono de tv, o estipular do reino do “partido pessoal” – como Bobbio lhe veio a chamar. Nisso crismando a pujante ladainha do poder dito sem ideologia, do líder junto ao seu povo, como se dele emanado, pois avesso a partidos, e destes livre, e ao Estado, a este punindo purificando-o. Líder assim corpo humano feito soberania, e nisso também enfrentando o exterior, esse “demónio multilateral” que tantos “nacionalistas” de vários matizes querem esconjurar.

Enfim, coisas do populismo stricto sensu – naquele caso avivado na crença futeboleira de fazer a Itália vingar como fizera no A.C. Milan, e na sua riqueza pessoal, advinda de ele homem capaz e sábio pois propenso ao êxito - que viemos a conhecer melhor depois, com gente como os longínquos – “orientalismo” oblige – Shinawatra e Buttho, mais o mariola filipino de agora, ou os mais próximos Fujimori e Chávez, cada um deles como cada qual mas, de facto, trinca do mesmo saco. Ou ainda, claro está, o Trump mais recente, de facto apenas mais um do ramalhete, por mais sonante que os EUA sejam.

Ali em East London o Andrea fora surpreendido com tudo aquilo lá na sua Itália. E por isso, de quando em vez, queria disso falar, desabafar que fosse. Pouco espaço, se algum, lhe davam, lhe dávamos, que todos esbracejávamos naquela apneia do “now is the time …”, em regime de monopólio de atenção. Talvez tenha sido eu a conceder um pouco mais de tempo, porventura solidariedade latina. Ou não. Ou não, mesmo … Pois vinha eu de onde continuava a década de Cavaco, já num fedor compósito, adocicado pelos miasmas vindos de Macau, a “árvore” que os de Soares abanavam, cobiçosos. E por isso mais – apenas um pouco mais, é certo – atentei nos resmungos do Andrea. E lá concluíamos, convictos de estarmos certos nisso, que o ninho de Berlusconi e dos seus comparsas pós-proto-neo fascistas era bem claro, aquele desabar havido do sistema partidário italiano. Na morte do PCI, daquele Berlinguer tão abjurado pelos nossos comunistas,  muito por causa daquele “compromisso histórico” - findado com o cadáver de Moro no porta-bagagens de um carro -, que tão antevisto fora por Guareschi através do afinal simpático Peppone, o siamês do Don Camilo. Mas, e acima de tudo, devido ao descalabro da Democracia-Cristã e do seu Andreotti e dos socialistas italianos, com seu Craxi exilado. Fora essa ruína, institucional e moral, a pura devassidão política que deixara uma terra de ninguém, a charneca onde Fini e Berlusconi medravam. Esse era o nosso diagnóstico, algo acelerado … Depois, saltitando entre JB, Cutty ou Famous, a tríade dominante, logo seguíamos – e aí ele também, pois desabafado – a sonhar o magnífico futuro do maravilhoso país que era a África do Sul.

Nem sei como foi, qual a causa disso, mas passaram 27 anos! Vou assim já um pós-novo ou mesmo proto-velho. Nisso alimentando-me muito das memórias para compreender este Outono. E quando olho para o meu país o que penso, o que sinto, é que o abraço tunisino de Soares a Craxi ainda está. Ainda é. E o resto vem por si …

Declaração de voto

José Meireles Graça, 13.01.21

Não tenho um candidato. Disse, na altura própria, o que o ex-meu partido deveria fazer e aquele, com grande desdém, fez outra coisa, indo atrelar-se ao carro do vencedor antecipado, como se os respingos da vitória lhe caíssem necessariamente no regaço.

Fez mal. E que se danem as boas cabeças da estratégia e da táctica, no ex-meu partido e fora dele: o tempo das tácticas é quando o Poder está perto. Quando está longe, o melhor caminho é o da autenticidade, o que quer dizer, para um partido com passado e história, o apresentar-se ao eleitorado com um candidato que perdesse com dignidade e, de caminho, explicasse por que razão é que o CDS não é nem a IL nem, muito menos, o Chega!

Votar nulo, para mim, não é uma opção: seria preciso que não houvesse maneira de votar contra a esquerda. Mas há – Ventura e Mayan.

Em Ventura não posso votar. O principal problema do país não são os ciganos, nem a imaginária excessiva brandura do Código Penal, nem a suposta falta de poderes das polícias (pelo contrário: a ideia de que, para fazer cumprir a lei, são necessários atropelos a direitos individuais é uma chantagem típica de direitistas raivosos e acéfalos – para esse peditório não dou). O problema sério é a economia, e dentro desta o conjunto de razões pelas quais o país não cresce. E, sobre isso, Ventura debita truísmos pouco convincentes.

De modo que a conclusão deixo, em jeito de prémio para os leitores corajosos por terem chegado aqui, aos que também forem argutos.

Declaração de voto

José Meireles Graça, 12.01.21

(Continuação de ontem)

E então, o que diz Rui Ramos, uma das melhores cabeças no espaço público, que recomenda surpreendentemente o voto neste homem-plasticina? Diz isto: “Não consigo descortinar nenhuma vantagem em enfraquecer a Presidência da República nos próximos cinco anos; pelo contrário, vejo várias desvantagens”.

Eu consigo: A força do Presidente é a que lhe dá o lugar, não a dimensão da vitória que conquistou. Um presidente que ganhou por 51% não tem menos força do que um que ganhou por 65%.

Isto como princípio de conversa. Depois, Rui Ramos embarca num processo de intenção aos descontentes do CDS, e ao Chega! e a IL, que teriam interesse em cascar no Presidente, e colá-lo aos anos negros do descalabro socialista, “para captarem o suposto ‘descontentamento’ dos eleitores do PSD e do CDS”.

Algo disto haverá. Muito menos, em todo o caso, que o descontentamento dos tais eleitores, que é bem real: Marcelo desiludiu-os.

Ainda na mesma senda, pergunta: “Em que medida é que o poder de António Costa será abalado se o Presidente tiver um resultado que possa ser interpretado no sentido de o limitar no exercício das suas funções? A quem interessa debilitar o Presidente?”

Não há forma de abalar o Presidente: a vitória na primeira volta, que Marcelo tem garantida, é por definição concludente; uma diminuição dos votos não o “limita”; e Marcelo já deu abundantes provas de, dos poderes, ter a interpretação de que servem para ser exercidos na exacta medida da popularidade que não lhe belisquem. Reforçar a votação em Marcelo serve para reforçar a sua majestade vácua, e para mais coisa nenhuma.

Continuando: “É bom registar o óbvio: trata-se da única instituição do regime não capturada pelo poder socialista – depois das ocupações do Banco de Portugal, da Procuradoria Geral da República e do Tribunal de Contas. Dir-me-ão: mas o Presidente deveria tê-las evitado. Não vou discutir isso. Pergunto apenas: uma vez consumadas, qual a vantagem em contribuir para anular a instituição que ainda está de fora da colonização socialista?”

O raciocínio não colhe: Marcelo não evitou, podendo tê-lo feito nos casos elencados, a colonização do aparelho de Estado pelo polvo socialista. Razão pela qual devemos concluir que a instituição presidencial é a única que está fora “da colonização socialista”. Não está – e é esse o problema.

A seguir, um bom ponto: “Nas actuais eleições, é o único candidato – com a natural excepção de André Ventura – a reconhecer o Chega como um partido democrático. Por isso mesmo, é também o único candidato de quem se poderá esperar que dê posse, se isso se proporcionar, a um governo apoiado numa maioria parlamentar de direita como a dos Açores”.

Verdade, e tanto Ferreira como a candidata Gomes e Marisa decerto se recusariam a dar posse a um governo de coligação apoiado numa maioria de direita, nem ninguém espera daquelas paragens outra atitude. Mas não vão ganhar as eleições, pois não? É por acaso razoável pensar que Mayan (que aliás também não vai ganhar), diga o que disser, faria a mesma coisa que aquelas três avantesmas? A IL, de que Mayan é um rebento, precisa de se afirmar, e fá-lo com intransigência porque não é um partido de poder nem tem a carga histórica do PSD e do CDS. Mas falemos claro: É improvável que a IL não apoie um futuro governo de direita, quase tão improvável como o CDS.

Rui Ramos tem razão num ponto, implícito no texto: A direita ou regressa ao poder unida ou não regressa. E regressará quando a Europa deixar de bancar o forró, ou outro qualquer acontecimento futuro imprevisível agora que abale a república podre; assim como o retorno de Passos Coelho, no dia em que Rio for despedido, pode modificar os dados. Mas não estamos aí.

No que estamos é numa eleição de um boneco articulado que pode ser chamado a presidir, em vez de a um pântano, a uma esperança. E que o fará com a desenvoltura que se lhe reconhece, desde que não corra o risco de receber, em vez de aplausos, assuadas. Até lá, que cada um diga o que quer. Razões por que, a seguir, declararei, a quem me acompanhou até aqui e estará porventura num estado de incontrolável ansiedade, o meu voto.

(Continua amanhã).

Declaração de voto

José Meireles Graça, 11.01.21

(Continuação de ontem)

Resta Tiago Mayan. Sofre por não ser conhecido, ter o patrocínio de um partido que, por não ter massa crítica nem história, ainda se permite alguma rigidez ideológica, e por a sua inexperiência propiciar alguns faux-pas – muito menos, porém, do que seria de esperar. O resultado é uma incógnita: beneficiará, pelo menos, do eleitorado da IL, mas não é provável que, por puro desconhecimento (quem viu os debates, hem?), vá arrebanhar muitos mais.

E então, Marcelo é de direita, uma direita social, como ele diz? É sim senhor, na exacta medida em que isso o faça ser popular. Porque se para conservar a popularidade for necessário acentuar o social a ponto de se confundir com uma governação socialista (a governação socialista mais à esquerda que o país já teve, desde logo porque apoiada por comunistas), então Marcelo não hesitou.

Na retórica marcelista, a sua benevolência decorre da necessidade de estabilidade, do facto de o Presidente não dever ser uma força de bloqueio, e da legitimidade democrática do Governo, que foi eleito para governar, enquanto ele para presidir.

Tretas. A estabilidade é um meio para atingir um fim. E o fim não pode ser uma governação que engordou o Estado enquanto a dívida se manteve em níveis estratosféricos, com uma redução duvidosa e tímida, num pano de fundo em que o único crescimento foi o engendrado pelo turismo, um bodo que caiu do céu. Isto enquanto o BCE passou a ser acomodatício, sem nenhuma garantia de que o será indefinidamente, e com o país a deslizar consistentemente para os últimos lugares do desenvolvimento.

O Presidente pode e deve ser uma força de bloqueio, na medida dos limites constitucionais, e tem para isso legitimidade porque, ao contrário do Governo, recheado de anónimos, foi directamente eleito. E isto para não falar da famosa magistratura de influência, que Marcelo diz ter exercido nos bastidores. Devem ter sido abraços, selfies confidenciais, e pedidos, face a escândalos sucessivos: vejam lá se dão um jeitinho.

Para termos um Presidente que reina, talvez não fosse pior optar pela monarquia: ao menos o Rei tinha fardas de gala, entretínhamo-nos com as trincas e mincas da Família Real, ganhávamos uma visibilidade internacional que ajudava o turismo que há-de voltar, e ficava-nos mais barato.

O social da argumentação marcelista está lá para justificar a imensa máquina do Estado patrão, regulador, intervencionista, paternalista, e para lembrar aos distraídos que é social-democrata da variedade Rio – não da variedade Passos Coelho, que um dia lhe chamou, com razão, catavento.

Marcelo não é de direita, a menos que por isso se achasse que basta ser católico, não comunista (em vez de anti), titubear umas coisas equívocas em questões sociais e derramar há décadas em torno de si um imenso caudal de banalidades respeitadoras do ar do tempo, com a única marca distintiva – essa sim, genuína – de agradar.

Amanhã continua, se a paciência dos leitores não estiver já, tristemente, exaurida.

Declaração de voto

José Meireles Graça, 10.01.21

(Continuação do dia anterior)

Vitorino Silva é a versão cândida do socialista comum. Recolherá os votos de protesto dos que não se reveem em nenhum dos outros candidatos, sobretudo dos socialistas que detestam Marcelo e têm um grande verdete à candidata Gomes, que provoca urticária a alguns camaradas que a veem como ela é: uma pasionaria de contrafacção, cheia de proclamações e indignação selectiva contra a corrupção. Não é de crer que o Tino tenha muito mais votos do que aquando da sua última incursão nestas andanças, não obstante a generalizada benevolência de que é alvo, mas é de crer que tenha uma participação honrosa.

Ana Gomes é o que se diz acima. Recolhe os votos de socialistas ceguetas, uma variedade de que abundam numerosos exemplares, tantos que serão provavelmente mais do que os dos socialistas que apoiarão Marcelo, e a esquerda teria grande orgulho em que ela ficasse à frente de Ventura, bem como alguma direita no caso contrário, uma excruciante dúvida que excita não poucos comentadores. Em qualquer caso continuará a andar por aí, infelizmente.

Ventura é uma excelente novidade no espectro político português porque o equilibra. Há quarenta anos que a esquerda marca a agenda, por nele estar sobre-representada: um partido comunista, portanto nuclearmente antidemocrático; um partido radical, depositário das demências típicas da seita, cá e em toda a parte; e um partido socialista francês quatro dias por semana, e tradução atamancada da social-democracia nórdica nos outros três. Com o Chega!, tem-se um partido radical de direita, que vem preencher um vazio, no caso apimentado com o ódio aos vícios, compadrios e distorções que a hegemonia do centrismo e, recentemente, uma versão socialista mais virulenta, acumularam no sistema. A personalidade do líder cola bem a um partido deste tipo, vociferante, indignado, topa-a-tudo em havendo causas sem patrocínio. A candidatura de Ventura é uma etapa na caminhada para chegar, não à Presidência, mas a um futuro governo de coligação. E a sua simples presença nos debates, se lhes rebaixa o nível, por uma típica inclinação para a peixeirada, vem pôr no espaço público, quer se goste ou não, questões que dele andavam arredadas, ao mesmo tempo que aumenta a pressão sobre a outra direita, a tradicional, para verberar o imenso desastre da governação que trouxe o país à situação em que está.

(Esta direita é necessária, e só não existe há mais tempo porque as coisas levam tempo a chegar às nossas praias. A necessidade de pôr nas prateleiras do supermercado da política ideias que tinham clientes mas não oferta levou à defesa de retrocessos civilizacionais como a prisão perpétua, que até Salazar nunca achou necessária, e discutir, como se não estivesse em causa a negação de uma das poucas coisas de que Portugal se pode genuinamente orgulhar, assuntos como a pena de morte. Isto e mais. Embora: no país onde um estalinista empedernido como Jerónimo tem uma palavra a dizer na governação, e há quem leve a sério as tretas delirantes de uma académica de pacotilha como Joacine, para não falar do animalismo repelente do Eng.º André Silva, era o que faltava se no extremo oposto não pudesse haver quem zurzisse descabeladamente estas curiosidades).

Amanhã continua. Stay tuned.

Declaração de voto

José Meireles Graça, 09.01.21

Marcelo será o grande vencedor das eleições, que bom para ele. Isto suscita uma pergunta retórica, na qual acavalo outra: Vale a pena, quando ninguém tem dúvidas sobre o resultado, fazer eleições? Ademais: Vale a pena votar quando nunca nenhuma eleição se decidiu por um voto, e portanto o voto de cada um não decide nada? Abaixo se responde, se esquissa o perfil de cada concorrente e o significado das respectivas candidaturas, se esclarece se Marcelo é, como diz ser, de direita, se a extensão da vitória tem, como afirma Rui Ramos, importância, e, a final, de brinde, em quem votarei eu.

Despachemos a retórica: Não realizar eleições porque se tem a certeza do resultado é depositar excessiva fé nas sondagens, que podem ser manipuladas, e sê-lo-iam de certeza se houvesse a possibilidade legal de não fazer eleições. Do resultado eleitoral, além disso, decorrem interpretações que vão para além da vitória do ungido, desde logo a hierarquia dos derrotados e, tentativamente, das famílias políticas que os apoiam. Quanto ao voto de cada qual: Ou se aceita com humildade que o nosso voto é irrelevante ou, ficando em casa porque não vale a pena, se reforça a influência dos que nunca ficam e se enfraquece a democracia, que é, como é sabido, um regime abominável, com excepção de todos os outros. A atitude correcta para quem entende que nenhum candidato atinge os mínimos olímpicos é votar nulo (e não branco porque o boletim pode ser preenchido).

É impossível que a votação nos candidatos apoiados por partidos não implique uma leitura da popularidade dos próprios partidos. Não será assim com Marcelo, cujo andor é carregado por três irmãos de circunstância, dos quais o primeiro é muito diferente dos outros dois, por ser baixo, gordo, rico e corrupto; o segundo de estatura meã, ambicioso e com uma casa onde lavram surdamente quezílias, por o seu representante ser actualmente, digamos assim, um pouco limitado; e o terceiro mais alto, amigo do segundo, da missa e dos pobres, com uma casa que já viu melhores dias. Saber em que medida cada um deles concorreu para a vitória há-de ocupar as circunvoluções de quem se ocupa de tais maravalhas nas semanas a seguir às eleições.

Mas esta dificuldade de destrinça não aflige dois dos outros candidatos, que, por não terem personalidades particularmente exuberantes, se identificam perfeitamente com os seus partidos:

João Ferreira poderia ser substituído por qualquer dos membros do Comité Central sem que se notasse a menor diferença no discurso. Pode ser que ganhe algum voto extra de alguma maluca que, por o achar atraente (é a opinião das mulheres que preopinam nas redes), caia daí abaixo. Mas isso, estatisticamente, será irrelevante – João Ferreira vale, porque é jovem e parece moderno, um pouquinho mais do que o PCP, um fóssil vivo;

Marisa Matias representa bem o Bloco: diz-se social-democrata, ao mesmo tempo que reclama mais despesa pública quando a dívida já é a maior da história do país; quer uma expansão da intervenção do Estado quando este já está omnipresente na economia e na vida dos cidadãos; e exige maior impostagem dos ricos quando estes já são uma espécie em vias de extinção nas nossas paragens. É uma moça geralmente prazenteira, que diz coisas com a convicção generosa de que não são asneiras. Deve valer ligeiramente mais do que o Bloco, uma carraça enlouquecida incrustada no lombo do nosso atraso que seria de interesse público começar a secar. Será?

Por hoje, é isto. Amanhã continua, que eu não ando aqui para cansar ninguém e quero manter o suspense.

Tu cá, tu lá ...

jpt, 06.01.21

eleies-presidenciais-2021-debate-vitorino-silva-marisa-matias-imprensa_50805132731_o-1600x1067.jpg

Devem ser todos amigos. Pois os locutores da tv agoram tratam os candidatos presidenciais pelo primeiro nome. A alguns: que é o João, o Vitorino, o André, a Marisa, o Tiago. E eles também se tratam assim, uns aos outros. Debatem e depois devem ir conviver ("mamar uns copos", diria a Temido da Saúde).

Vá lá que aos velhos se dá tratamento diferente. Pois não ouço "ó Ana" nem "ouça lá Marcelo". O respeito pelos idosos é muito bonito.

Debates

jpt, 03.01.21

image_2021-01-03_13-00-41.jpg

 
Noite já longa vi em diferido o combate Ferreira/Ventura. Ferreira mal preparado, pois oscilando, como se indeciso, entre o "estilo estadista" e o "gingar morcão". Assim, e porque muito mais homogéneo na táctica da "pressão alta", e já mestre na "finta jagunça", Ventura sovou.
 
Para descansar da épica peleja segui para o confronto Matias/Sousa. Um encanto: ela gentilíssima com o professor. Este gentilíssimo com a deputada, e muito a louvando bem como ao seu BE, e também para com o aprazível moderador, que inclusive foi coadjuvando. Sousa é Sábio. Ou seja, Sousa Rules!
 
Entretanto acordei e fui ver a entrevista da ministra da Justiça na RTP, a propósito deste caso da transferência do procurador Guerra para a Europa. Um pouco abespinhada, é certo, mas coberta de razão. Pois, como culminou, o populismo germina nestas coisas, nesta forma rasteira de fazer política. Repare-se, como nos lembrou, que esta "oposição" demagogicamente foi buscar uma carta (aliás, "nota de trabalho" do seu ministério) "do ano passado". Ou seja, denuncia que se vasculhe o processo de óbvio favorecimento de uma candidatura. Porque foi ... no passado.
 

O boletim de voto das presidenciais

jpt, 02.01.21

boletim.jpg

Passaram 45 anos desde as primeiras eleições presidenciais nesta 2ª República - ou 3ª, que a quantificação varia consoante o "lugar" ideológico do locutor. Presume-se que os processos administrativos estejam devidamente instituídos, que a "máquina" eleitoral esteja calibrada. Sendo que antes, no Estado Novo, também havia eleições - e burocraticamente buriladas, dado que os cadernos de votantes eram muito escrutinados, peneirados por assim dizer, o que exigia sábia competência.

Ora é esta administração pública que se permite - após todas estas décadas - organizar umas eleições para a Presidência da República em que o boletim de voto terá candidato(s) fantasma(s): pois se o processo de candidatura de Ventura tem um pequeno lapso, facilmente resolúvel, já o de Mayan Gonçalves chegou pejado de erros, o que o macula - e muito, ainda para mais numa candidatura sob ideário liberal, de responsabilidade individual e colectiva. Mas o que é incrível, em termos políticos e administrativos, será a  presença no boletim de um cidadão, nada patusco pois de facto apatetado, que apresentou uma candidatura com apenas 6 assinaturas válidas. 

Isto é inaceitável. Argumenta a Comissão Nacional para as Eleições que não seria materialmente possível esperar pela aceitação definitiva das candidaturas para mandar imprimir os boletins de voto. Acredito que assim seja. Mas isso significa que os prazos foram mal delineados. 46 anos depois das primeiras eleições parlamentares, 45 após as primeiras presidenciais e de inúmeras eleições autárquicas, legislativas, europeias, presidenciais. E o Estado é incapaz de planificar de modo condigno as etapas necessárias para cumprir umas eleições presidenciais. Isto é de bradar aos céus. Um sinal escandaloso da lassidão modorrenta e incompetente da administração pública, do estado do Estado. E o que é doloroso, quase incrível se - de facto, - não fosse o habitual, é que diante de um escândalo destes nenhum alto responsável assume responsabilidades, nenhuma cadeira cai, nenhuma "cabeça" rola. Nem as pessoas se ofendem.

Nem mesmo aquelas que tanto clamam os "valores d'Abril", que não vão "mascaradas ao 25 de Abril", se indignam com este escandaloso trato de polé a uma instituição fundamental da democracia. Que indignidade. E que indignos, na sua subserviência.

A vacina de Gomes

jpt, 02.12.20

gom.jpg

A dra. Gomes vacinou-se por motu próprio. E disso se gabou, em molde crítico. Mas não insurreccional, note-se. Acontece que nisso cometeu uma ilegalidade, o que em muitos outros países seria virótico, até letal, para uma candidatura presidencial. Talvez não para a sua pois, antes de zarpar para as imediações do Bugio, sossegou os apoiantes invocando o seu "desconhecimento da lei" - o qual, como bem se sabe, no direito português inocenta qualquer prevaricador.

Muitos dirão que é coisa pouca para que seja ela criticada. Pois as preocupações com a saúde, acrescidas nesta era de "epidemia" (PCP, 2020), sobressaem face a minudências legais. Não os contestarei. Pois diante deste episódio só questiono: quem quererá como Presidente da República uma mulher que escreve desta maneira?

(Já sigo com saudades da dra. Roseira, a tão popular Maria de Belém ...)

A superioridade moral dos "pós-marxistas"

jpt, 20.11.20

1024 (1).jpg

A monumental cacetada televisiva que Sérgio Sousa Pinto decidiu dar em Rui Tavares, antigo deputado do Bloco de Esquerda e agora líder do "Livre" - aquele partido que o advogado Sá Fernandes, ex-candidato do MDP/CDE, reclamou como o primeiro partido de esquerda que "não vem do marxismo" (qu'isto não há limites ...) - tem dado para rir, em particular pela sonsice patenteada por Tavares (ver o curto filme abaixo). Sobre isso do agora Livre, do BE e do PCP terem sido dirigidos no Parlamento Europeu por um consabido antigo informador da STASI, a temível polícia política da RDA, bem esmiuça Rui Rocha.

 

(Intervenção de Sérgio Sousa Pinto no "Grande Debate", 17.11.2020, RTP)

Mas ainda que a tal sonsice tavaresca tão mostrada possa irritar convém não esquecer uma outra coisa. É que a candidata presidencial Matias também faz parte deste pacote. Pois também ela se perfilou num grupo parlamentar capitaneado por um consabido esbirro. É, decerto, um excelente cartão de visita eleitoral.

Enfim, sobre as sempre reclamadas superioridades morais está tudo dito ...

Miguel Sousa Tavares featuring André Ventura

jpt, 17.11.20

mstav.jpg

Nunca tinha ouvido - com ouvidos de ouvir - o que diz André Ventura. Por isso tive curiosidade suficiente para acompanhar a entrevista de ontem que o (já) decano Miguel Sousa Tavares lhe fez na televisão. É consabido que trinta e tal anos de poda jornalística não trouxeram particular sageza a MST, mas muito mais um arrogante e opinativo blaseísmo. Digamos que ele se tornou no inverso do MEC, outro dos "Miguéis" da geração que se celebrizaram, até como focos identitários, desde os 80s.

Ontem isso foi gritante. O professor Ventura, sem particular carisma ou dons oratórios, propaga o vácuo - aquela da redução abissal dos impostos em troca da diminuição dos ordenados dos deputados e do corte nas fundações estatais e algumas outras (inditas) "gorduras do Estado", como se dizia há anos, é mesmo para "patego ver".

Mas Sousa Tavares ultrapassa-o nessa vacuidade, a qual lhe é decerto catapultada pela sobranceria, viçosa na sua estufa de total inexistência de autocrítica. Para além de erros factuais e de descuido no centramento da entrevista (estava diante de um candidato à presidência, coisa que tarde e más horas recordou ... e para logo esquecer), o jornalista lá veio com o que lhe é tópico constante, o desprezo pelas gentes das "redes sociais" - nós, o público. Pois, claro, além de para aqui andarmos ao engate, como já referiu do seu pedestal moralista, somos ignorantes e pasto de populismo. E depois, o veterano jornalista, escritor de renome, descendente de ínclita geração, confortável no seu bom berço acima desta gentinha dos tuiteres facebuques, pergunta ao candidato "gostava que a sua filha casasse com um cigano?" e "tem algum amigo preto?". Credo!, que ininteligência, que básico. Mais popularucho, mais "redessocial" não haveria ... 

Finda a entrevista fiquei angustiado. Não por crer que o professor Ventura ali tinha ganho simpatias e, porventura, eleitores, agradados com aquela "genuinidade", qu'ele há gente para tudo, até para acompanharem os programas de Sousa Tavares, quanto mais para aquilo. Mas fiquei angustiado pois ocorreu-me a hipótese de a minha princesa, a minha amada filha, me aparecer um dia com um namorado jornalista. Sim, eu tenho amigos jornalistas. Mas mesmo assim que horror! Gente a la Sousa Tavares nos jantares de Natal, quando eles voltarem a acontecer? Ateu que sou, invoco o nome de Deus, que me salve de tal praga ...

 

Da candidata Gomes

jpt, 30.10.20

gomes.jpg

Morreu Sindika Dokolo, genro de Zedu, marido de Isabel dos Santos, ao que foi noticiado devido a um acidente de mergulho. Goste-se ou não da elite angolana esta reacção da candidata Gomes é vergonhosa. Pois de imediato alude a teorias conspiratórias, típicas não dos informados analíticos mas dos desinformadores e dos ignorantes. Mas muito pior é esta reprodução de uma mísera "boca", a de que o sinistrado "morreu offshore".

Breve momento a mostrar o carácter e a mundivisão desta candidata Gomes.