Um amigo socialista pouco carregado (isto é, cor de rosa pastel e não choque), há dias ecoava uma colega de profissão que se queixava de que o PS, não obstante o cartaz de progressista, feminista e modernaço, não apoiava uma mulher para a Presidência. E dava-lhe razão, lembrando o descaso a que foi votada Maria de Belém nas últimas eleições, a benefício de uma completa nulidade palavrosa, qualificação minha, como Sampaio da Névoa (não, não grafei mal).
A queixa é sintomática. O mulherio anda nervoso e, se até há pouco se limitava a querer igualdade para níveis semelhantes de competência, agora reclama a obrigatoriedade de quotas em lugares de direcção, para já em empresas públicas e privadas cotadas, salvo erro, depois em grandes privadas e finalmente em todas, que não há cá ninhos. Se forem de esquerda, as queridas não precisam de desculpas, é imperioso impor justiça, igualdade e mais um par de botas até que as empresas fiquem de joelhos, altura em que devem ser salvas pelo Estado, pelo expediente de as nacionalizar. Se forem, ou se dizerem, de direita, há que rapar de um dos estudos – há dúzias – que demonstram, preto no branco, que em havendo mulheres na direcção, e não apenas homens, o desempenho da organização ganha com isso. Claro que, com interesse e recursos, se podem fazer estudos a demonstrar o contrário e até o contrário do contrário – pessoas ingénuas julgam que os estudos se fazem para entender o real, e não para o modificar, e que a distinção entre correlação e causalidade é fácil de estabelecer, ou que essa preocupação sequer existe; e que na escolha dos factores que influenciam um determinado fenómeno se selecionam os mais relevantes.
Elas votam, são maioria, e as pessoas que andam na política, e não simplesmente a comentam, têm as orelhas arrebitadas e o olho arregalado para topar a tendência. E a tendência é essa – mulherio a bem ou a mal, e se o resultado for que apareçam umas cómicas a asneirar, como a querida Jo, nada de mais: cómicos a asneirar é o que nunca faltou.
Depois, já há países onde o apoio à mulher foi mais longe, e onde menos pesam os handicaps daquela condição (maternidade, sobretudo) e as adoradas, donas da liberdade de escolher sem excessiva penalização financeira, fogem de certas profissões tipicamente masculinas e escolhem outras, que não eram para ser, mas afinal são, tipicamente femininas.
Esclareci o meu amigo, ou melhor, a amiga dele, que com justiça não me ligou pevas, que o PS não é misógino, mas nem Maria de Belém nem agora a pasionaria Gomes, de Estremoz, davam garantias ao regedor do PS de não lhe tolherem as mãos. Elas não, mas Marcelo sim. Daí que o PS apoie Marcelo, não venham cá com teorias da conspiração. E, com o coração apertado por ter defendido o PS, fui rezar um Acto de Contrição, e julgo-me absolvido.
Bem bem, temos portanto duas mulheres candidatas, que se dá o caso de serem duas abominações:
Marisa é uma carta batida e rebatida do Bloco, uma agremiação que os comunistas justamente desprezam por ser de revolucionários de pacotilha, e o resto do país, salvo alguns jovens e outros eternamente, por lhe parecer que os dirigentes têm acne, nas trombas ocasionalmente bem giras e nas ideias;
E Ana Gomes, que tem banca montada no negócio do combate à corrupção, que quer combater a golpes de declarações bombásticas, sempre poupando o principal agente facilitador da corrupção no país, que é o Estado omnipresente, e os seus camaradas, que entende terem, como o seu admirado Sócrates, um par de asas nas costas. Isto e causas sortidas, incluindo internacionais, decerto por achar que como usa sapatos de salto não se nota que se está a pôr em bicos de pés.
Restaria, para gente com a cabeça em cima dos ombros, Marcelo e o candidato da IL. E corre por aí uma tese peregrina segundo a qual a vitória de Marcelo é uma vitória da direita porque este, no segundo mandato, vai mostrar as suas credenciais de PPD e pôr o PS em sentido.
Claro que não vai. Para isso seria preciso que não fosse, mas é, um socialista que vai à missa, como Guterres, que aliás diz admirar, Deus lhe perdoe, e que tivesse para o país alguma ideia que vá além do ar do tempo e da preservação da estabilidade, que confunde com a sua popularidade, julgando ambas valores a defender.
Lá popular é – Cristina Ferreira também. E estabilidade tem garantido – a estabilidade da mediocridade que tem feito Portugal deslizar com pertinácia para os últimos lugares do desenvolvimento na UE. Mas o caderno de encargos para um Presidente que fosse eleito pelo Parlamento, com a Geringonça, desenharia Marcelo. Porquê então a maçada de uma eleição directa, e ainda por cima com a possibilidade, mesmo que remota, de a duas voltas?
Sobra o candidato da IL, que ninguém conhece (nem eu, e mais talvez devesse, por ser do Porto e circular em meios que não me são alheios) e precisava, para vencer a falta de notoriedade, de ter uma personalidade espectacular e abrasiva, ou alguma espécie de auctoritas, que julgo não tem. E, voltando ao princípio do post, é homem, que o diabo o carregue.
Então, tiro algum coelho da cartola? Tiro sim senhor, embora dele ninguém se tivesse lembrado e, por razões várias, incluindo o ser tarde, ninguém se vá lembrar.
Assunção Cristas não deixou, como dirigente do CDS, grandes saudades: por falta de consistência em algumas posições, por uma direcção errática, por parte do eleitorado ter dado à sola para o Chega e a IL, e por não ter sabido calçar os sapatos de Portas, que de toda a maneira ficariam sempre apertados ou largos.
Nada que a desqualificasse para fazer uma boa candidatura à Presidência. Não se lembraram decerto, os que a apearam, porque se a achassem muito boa não a tinham apeado, e os outros porque entenderam talvez que a sua derrota era demasiado recente ꟷ e de toda a maneira muitos não a apreciariam excessivamente.
Porém, eles são eles e eu sou eu, que me estou bem nas tintas para uns e outros.
E talvez, senão com toda a certeza, Marcelo seja invencível, como um cantor reles que vende muitos discos.
Mas haverá alguém que, sem ter a alma ancorada à esquerda, ache que Assunção não seria mulher para se medir com uma bloquista com a cabeça cheia das caraminholas da seita, e uma socialista com modos, e opiniões, de justiceira de Freamunde? Tenham juízo.