Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

Derrotado em 3091 freguesias do País

Pedro Correia, 13.06.24

1024.jpg

 

André Ventura não fazia a coisa por menos: anunciou aos quatro ventos que queria vencer as eleições europeias.

Inchou de tal maneira, tal como sucedeu à rã na fábula, que confundiu desejos com realidades. Sem perceber a diferença.

O tira-teimas aconteceu a 9 de Junho: fracassou em toda a linha. No país inteiro, ninguém apostou no Chega em lugar algum.

Perdão: Ventura conseguiu ser primeiro numa freguesia portuguesa. Gondoriz, no concelho de Arcos de Valdevez. Por apenas quatro votos.

Nas restantes 3091 freguesias só registou derrotas. 

Hecatombe

Pedro Correia, 11.06.24

mm.jpg

 

Sorriram, pularam, bateram palmas nas noite eleitoral. Tudo um bocado patético, na vã tentativa de iludir a realidade. Que foi esta: o Bloco de Esquerda afundou-se nas eleições europeias.

Caiu de terceira para quinta força política.

Perdeu mais de metade da percentagem obtida no anterior escrutínio, em 2019 - de 9,8% para 4,3%.

Perdeu metade dos deputados que tinha em Bruxelas - só elegeu a cabeça de lista.

Perdeu quase metade dos votos - tombando de 325 mil para 167 mil.

Se isto não é hecatombe, não sei o que será uma hecatombe.

PS: dois pesos, duas medidas

Descubra as diferenças entre António Costa e Pedro Nuno Santos

Pedro Correia, 10.06.24

AntonioCosta-9b1daf24.jpeg

2014

Factos

Lista do PS, encabeçada por Francisco Assis, vence eleição europeia em Portugal com 31,5% dos votos. Elege oito deputados. Aumenta cinco pontos percentuais em relação aos 26,5% obtidos em 2009 e ganha um lugar na eurocâmara.

A reacção

«Quem ganha por poucochinho é capaz de poucochinho. E o que nós temos de fazer não é poucochinho. O que nós temos de fazer é uma grande mudança.» Declarações de António Costa, à época presidente da Câmara Municipal de Lisboa, visando António José Seguro, então secretário-geral do PS. Esta crítica serviu de rampa de lançamento da candidatura de Costa à liderança socialista.

 

images.jpg

2024

Factos

Lista do PS, encabeçada por Marta Temido, vence eleição europeia em Portugal com 32,1% dos votos. Elege oito deputados. Recua 1,3 pontos percentuais em relação aos 33,4% obtidos em 2019 e perde um lugar na eurocâmara.

A reacção

«O PS venceu estas eleições e é hoje a primeira força política em Portugal. Tivemos mais votos e mais mandatos. Recuperámos a liderança em mais três distritos - Faro, Guarda e Porto.» Declarações de Pedro Nuno Santos, sem qualquer alusão à palavra «poucochinho». Confirmando assim querer libertar-se, também nisto, da herança de António Costa.

Livre perde em Portugal mas ganha na Holanda, na Dinamarca e na Polónia

Pedro Correia, 10.06.24

rt.jpg

Rui Tavares nunca faz a coisa por menos: quer ser sempre o primeiro a aparecer. Na televisão.

Eram 20.30 de ontem, a contagem dos votos nem a meio ia, e já ele pontificava nas pantalhas, ladeado pela actual porta-voz do seu partido. Ela com ar eufórico, batendo palmas sabe-se lá a quê.

«Francisco Paupério será o primeiro deputado europeu do Livre. As probabilidades são francamente boas.» Assim falou o mentor do partido, que chegou a ter assento no Parlamento Europeu entre 2009 e 2014, mas eleito pelo Bloco de Esquerda - com o qual não tardou a romper.

 

Entusiasmado com a própria oratória, e para não desperdiçar tempo de antena, lembrou-se de reivindicar como suas as vitórias eleitorais de outros partidos que concorriam noutros países: «Ganhámos esta semana nos Países Baixos, ganhámos na Dinamarca e acabou de sair a notícia de que a coligação cívica integrada pelos verdes polacos ganhou na Polónia.»

Que político europeu não adoraria ter tamanho toque de Midas e tão assombroso dom da ubiquidade?

 

Só um pormenor atrapalhou esta narrativa. Afinal Paupério não emigra para Bruxelas: faltaram-lhe votos para tal. Pode agradecer a Tavares, que passou mais de meia campanha ausente, sem lhe manifestar apoio. Como se aquilo nada fosse com ele.

Primeiro a aparecer nas televisões, último a comparecer na estrada. Camaradagem de baixa intensidade. Francisco Louçã e Joacine Katar Moreira sabem muito bem o que isso é.

Trigo Limpo, Farinha Amparo?

jpt, 10.06.24

farinha amparo.jpg

O PS clama vitória, e a sua cabecilha Marta Temida surgiu esfuziante, ombreando com o secretário-geral Santos. O PS teve mais 160 mil  votos do que nas eleições de 2019, e isso decerto que potencia a sua alegria. É certo que a abstenção baixou e por isso o PS teve menos 1,3% na sua percentagem do total de votos, mas isso em nada lhe atrapalha a alegria. O PS perdeu um deputado, o que não lhe amansa o entusiástico sorriso e o vigoroso esbracejar de punho erguido. Os outros partidos de "esquerda" perderam 3 deputados e, ainda assim, o PS ... perdeu o tal deputado, mas a "Super-Marta" surge entusiástica entre os seus a comemorar a vitória. Enfim, o PS teve uma bela vitória, sorri a "Super-Marta". Trigo Limpo, Farinha Amparo?!

A Camarada Catarina Martins foi eleita, clama pela paz, entoa Palestina Livre - que é a guerra que ocorre na Europa -, a seu lado a Coordenadora Mortágua secunda-a (sem repetir que a Rússia tem direito a defender o seu "espaço vital", a hitleriana ideia que ecoou no início da "operação militar especial" na Ucrânia). A assistente turba de "activistas" delira. São pela "paz"... Trigo Limpo, Farinha Amparo?

O Camarada Oliveira também foi eleito. Está bem-disposto no seu discurso (é mais um comunista "boa pessoa") e também se lembra de clamar pela "paz". Urge, não conclui, que a Ucrânia se renda para que haja paz na Europa. Neste caso é mesmo Trigo Limpo, Farinha Amparo, sem interrogações.

O "nosso embaixador" (e cônsul em Goa, já agora, para quem se tenha esquecido...) Tânger também foi eleito. Parece que não falou - ou terei sido eu que não o ouvi? Uma pena, assim nada pode dizer em abono da Rússia. Nem contra os judeus, uns mariolas dados às conspirações... Mas, vá lá, o Almeida Leite não foi eleito, ao menos isso, que isto de termos um ex-Secretário de Estado da Cooperação (e depois tendo sido o tipo dos financiamentos à Ajuda Pública do Desenvolvimento) plantado no CHEGA é mesmo sinal do triste estado a que isto chegou, e desde há muito. É mesmo caso para dizer Joio Sujo, Farinha Amparo...

Portuguesa e europeia

Cristina Torrão, 09.06.24

2024-06-09 Votar 1.jpg

Há muito, muito tempo que não votava presencialmente em Portugal. Hoje, aproveitei esta possibilidade de se poder votar em qualquer local. Sim, nós emigrantes também estávamos abrangidos (mas quantos saberiam?). Assim, exerci o meu direito e dever de cidadã em Macedo de Cavaleiros.

Foi uma grande satisfação. Muitas vezes, sinto-me estrangeira no meu próprio país. Não estou a reclamar, apenas a constatar uma situação. Compreendo que haja regras diferentes, em certos casos. Mas, poder votar, junto com compatriotas, num local de voto português, foi uma experiência gratificante. Nem imaginam quanto!

Tudo isto porque vivemos em democracia, na União Europeia. Não sei como é com vocês. Eu não gostaria de viver em nenhum outro lugar do mundo. Não encontraria mais liberdade, nem mais democracia, nem mais qualidade de vida, nem mais tolerância. Pessoas arriscam a vida para chegar à Europa. E tantas das que cá nasceram mais não fazem do que reclamar...

Já votei

jpt, 09.06.24

20240609_125517_HDR.jpg

Fui votar de manhã (e votei bem). Como desta vez se pode fazê-lo em qualquer lugar, em vez de ir até às traseiras de casa, como sempre, fui até ali à frente, à Biblioteca dos Olivais. Foi forma de matar saudades pois a Biblioteca está fechada há mais de três anos (há quem afiance que há já 4...), devido a umas obras superficiais que a Junta de Freguesia tem descurado de modo escandaloso (dizem-me que até foram financiadas duas vezes mas não posso afiançar). O que é engraçado é que indo à página da Junta vê-se como Rute Lima (a presidente em part-time) e seus correligionários PS anunciam os trabalhos sobre um novo jardim que vão instalar em homenagem ao Zé Pedro. Mas nada sobre a reabertura da biblioteca. O que muito me faz lembrar aquilo dos "coronéis" brasileiros do Jorge Amado, que se limitavam a ajardinar para legitimar as malandrices....

Enfim, é o PS nos Olivais, em Lisboa. E Portugal. A "esquerda", dizem, avessa ao "obscurantismo", gabavam-se. E nós, que não gostamos de duplos financiamentos para obras públicas e até vamos às bibliotecas, somos ... "neoliberais", "reaccionários". De "direita"....

Pensamento da semana

Pedro Correia, 09.06.24

 

O direito à igualdade está grosseiramente ferido nas eleições em Portugal. Quem votou a 2 de Junho (252 mil compatriotas inscreveram-se para o voto antecipado) não dispôs do obsoleto "dia de reflexão". Quem vota a 9 de Junho, cumpriu a tal "reflexão" na véspera, quietinho e caladinho, por força da anacrónica lei, que restringe direitos políticos e comprime a liberdade de expressão. Como se houvesse cidadãos de primeira e de segunda. Uma aberração a que urge pôr fim. Quando haverá coragem de acabar com esta treta?

 

Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana

Em dia de reflexão

Pedro Correia, 08.06.24

Europeias 2024

José Meireles Graça, 07.06.24

Quero lá saber do Parlamento Europeu: Não sei bem quais são os 21 Portugueses que lá estão (na verdade, de cor, só sei referir quatro ou cinco, e não mais de quinze ou vinte se contar os que me lembro de já por lá terem passado), e dos outros 684 notei um ou outro ocasionalmente porque sobressaíam (como Nigel Farage por exemplo). Da actual Presidente sei que é Maltesa, tem excelente aspecto e diz ocasionalmente coisas boazinhas. Também não ignoro, porque tenho uma cultura política acima da média, que lá há partidos onde se vão encaixar (e diluir, que ligeiramente menos de 3% dos deputados não dá para grandes voos de influência) os “nossos” representantes. Aspei porque, em teoria, os deputados tratam da União no seu conjunto.

Aquilo não é bem um Parlamento: não tem competência para iniciativas legislativas, ou talvez tenha em casos contados segundo a baralhada dos Tratados, o órgão mais relevante é a Comissão, não o Parlamento, reúne habitualmente em Bruxelas mas as sessões plenárias são em Estrasburgo, e mete o bedelho na nomeação de dirigentes para uma floresta de organismos, incluindo o Banco Central Europeu e os membros da própria Comissão, podendo rejeitar um ou outro que por qualquer razão não esteja em odor de santidade.

Sabe-se que estar lá é um exílio dourado – os deputados ganham um múltiplo dos do nosso Parlamento e também, suponho (não fui conferir), dos da maioria dos outros países. E do que andam por lá a fazer (ou, mais provavelmente, a não fazer) vivemos numa abençoada ignorância. Nem por isso, todavia, deixam de chegar cá as famosas Directivas, em catadupa, cozinhadas num complicado e opaco processo só acessível a quem o acompanhe, por dever de ofício ou por interesse profissional de lobbying, e outras variantes legislativas e regulamentares.

Gente de fortes sentimentos europeístas acha que as quatro liberdades (de circulação de pessoas, bens, serviços e capitais) requerem extensas prateleiras burocráticas; que decisões de ignotos especialistas são mais merecedoras de confiança que as tomadas à luz da luta política em cada país; e que um terreno plano em que legislação cada vez mais minuciosa se aplica em todo o espaço da União é do que se precisa para a convergência dos rendimentos e a construção de um baluarte de paz, prosperidade e influência no mundo.

Não acho nada disto e pelo contrário entendo que todas, todas as burocracias sem excepção, entregues a elas próprias reforçam o seu poder porque lhes está na natureza. E é isto que faz com que em numerosos países (não no nosso) haja uma larvar reacção à terraplanagem, que prejudica uns e ofende outros, das diferenças, em nome de um fundo comum da cultura judaico-cristã e alguns valores civilizacionais, como a democracia, o Estado de Direito e a igualdade entre os sexos. Fundo comum que tem as costas largas, se à boleia dele se quiser fazer passar de contrabando ideias políticas, convertidas em leis, que vão muito para além do cervo indiscutível da União, como é o caso do direito ao aborto promovido à consagração na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e seria a constituição de um Exército Europeu ou uma política externa assumidamente comum, como se os interesses permanentes de todos os Estados fossem os mesmos.

Foi esta deriva que levou ao Brexit, e é ela que explica o sobressalto nacionalista em não poucos países e a correspondente ascensão de partidos ditos de extrema-direita, aliás muito diferentes entre si por somarem outras preocupações, et pour cause.

Também cá temos disso, o Chega – tudo chega às nossas praias, é o caso de dizer. E poder-se-ia julgar que, dados os meus pontos de vista, seria esta agremiação a que me conviria. Mas não, aquilo é uma manta de retalhos contraditórios, e oportunistas também, como se tem visto nas recentes alianças demagógicas com o PS. E depois comecei por dizer que “quero lá saber etc.”, mas se do Parlamento Europeu não quero saber, do que se passa no nosso país quero.

Sucede que entre nós governa a direita possível e, pelas mesmíssimas razões que estas eleições não são realmente para um organismo que represente o sentir colectivo de uma Nação, a leitura do resultado que se fará será, para o eleitorado que não para os comentadores mais inteligentes do que o que há para inteligir, nacional.

Tenho vários amigos que, por um complexo de razões que abrangem em parte as acimas elencadas, a que somam outras, são militantes abstencionistas nestas eleições. Vaidosos e pouco práticos: o voto de cada qual vale nada, é certo, mas se toda a gente assim raciocinar fechamos a porta da democracia; e se as eleições são aqui, e vão ser lidas à luz do nosso quintal, então o que pensamos sobre os caminhos da União mais vale guardar para artigos de opinião.

O que faz com que, tudo visto e ponderado, nestas como nas últimas, voto AD.

Vão ter o que merecem

Pedro Correia, 07.06.24

pcp.jpg

 

Estes são os dois deputados que o PCP tinha até agora no Parlamento Europeu. Sandra Pereira desde 2019, João Pimenta Lopes desde 2021

Deputados que alinharam com a Rússia na violação da soberania ucraniana - por vezes em coro afinado com a mais rançosa franja extremista da direita

A 1 de Março de 2022, apenas cinco dias após o início da invasão da Ucrânia pela clique moscovita, o Parlamento Europeu aprovou - por esmagadora maioria - um voto de condenação dessa agressão que violentou grosseiramente o direito internacional. Houve 637 votos a favor, 26 abstenções e apenas 13 votos contra. Pereira e Lopes integraram essa minoria absoluta pró-Moscovo.

Como vassalos de Putin, um e outro.

Vão ter - e o partido deles - o que merecem no escrutínio deste domingo. 

Reflexões europeístas (11)

Pedro Correia, 07.06.24

bandeira.jpg

 

Sem líderes à altura dos reptos dos nossos dias, com uma opinião pública egoísta colocada perante desafios quase intransponíveis, à mercê de diversos demagogos que inflamam as mentes com o veneno neonacionalista (que tem vários seguidores, à direita e à esquerda), a Europa hoje novamente desunida necessita de uma verdadeira refundação.

De baixo para cima, não de cima para baixo.

 

Há um erro recorrente que deve ser evitado a todo custo: a crescente cedência da soberania popular e democrática a um poder tecnocrático não sujeito ao escrutínio público. O caminho tem de ser o inverso: em vez de tornar ainda mais volumosas as estruturas burocráticas de Bruxelas, o processo de decisão deve ser devolvido aos políticos, respaldados no voto popular.

Parafraseando a célebre frase de Malraux sobre a religião no século XXI, a integração europeia ou caberá aos cidadãos europeus -- ou não será nada.

 

Eis a quadratura do círculo: com que políticos poderá o projecto europeu ser reconfigurado?

Faltam-nos estadistas equiparados aos "pais fundadores". Mas é precisamente ao exemplo destes visionários que precisamos de regressar. Para aprofundar os mecanismos democráticos, sem os quais a União Europeia está condenada a sucumbir. Para termos uma autêntica Europa dos cidadãos -- não a Europa dos tecnocratas, capazes de transformar o sonho da integração num insustentável pesadelo.

A Europa que esses pioneiros construíram deu certo, ao contrário desta. Porque o passo nunca foi então maior que a perna. Lamentavelmente, nenhum deles deixou verdadeiros discípulos entre os políticos actuais.

 

A melhor Europa é uma Europa mais integrada, sem qualquer abismo entre a vontade dos decisores políticos e a vontade dos povos.

Uma Europa que seja construída a partir de pequenas mas sólidas etapas e não em passadas largas, de "vanguardas" iluminadas que conduzem a inevitáveis recuos.

Uma Europa orgulhosa dos seus valores e do exemplar património imaterial edificado nas últimas sete décadas.

E também uma Europa muito consciente dos erros históricos cometidos. Para que não voltem a repetir-se com o seu cortejo de atrocidades.

Reflexões europeístas (10)

Pedro Correia, 06.06.24

turner.jpeg

 Ulisses Cegando Polifemo, de William Turner (1829)

 

Em Portugal, indiferentes à realidade circundante, os mais diversos protagonistas ocupam a todo o momento os púlpitos mediáticos em pose e tom de salvadores da pátria: propõem medidas populistas destinadas por um lado a colher aplausos fáceis enquanto por outro agravam os riscos da execução orçamental e condicionam as nossas precárias finanças públicas prometendo cortar receitas e aumentar despesas. Exactamente ao contrário do que recomendaria a mais elementar prudência num país que foi sujeito a três intervenções externas de emergência em 38 anos de democracia constitucional.

Como se permanecêssemos mergulhados nos anos de ilusória prosperidade que conduziram à situação actual e a Europa, enquanto projecto de unidade económica e política, não estivesse hoje sob premente ameaça.

Não é preciso sequer ser um espectador diário de telejornais para se divisarem as nuvens negras a crescer no horizonte: antevê-se a prazo uma explosão de nacionalismos exacerbados, violência extremista, tensões xenófobas, pulsões autoritárias. Alguns indícios dessa tendência podem resultar já do escrutínio do próximo domingo.

 

Numa campanha onde quase ninguém discute a Europa -- quando há poucos anos não havia ninguém que não antevisse o "fim do euro" ou clamasse palavras de alerta sobre o "fim" da própria Europa -- apetece-me remar contra a corrente. Em defesa desta Europa -- mesmo descaracterizada, mesmo intranquila, mesmo vacilante.

Porque a Europa, queiramos ou não, é cada vez mais importante nas vidas de todos nós.

É para a Europa que emigram muitos jovens portugueses.

É da Europa que chega a maior parte do investimento que nos é tão indispensável.

É com a Europa que asseguramos a esmagadora maioria das nossas trocas comerciais.

E é com a Europa que sairemos da crise - jamais contra a Europa.

 

As fronteiras europeias foram durante séculos as mais perigosas do globo. Jean Monnet, Robert Schuman, Alcide di Gasperi, Winston Churchill, Ernest Bevin, Paul-Henri Spaak e Konrad Adenauer -- além do presidente norte-americano Harry Truman, através do Plano Marshall -- contribuíram para diluir conflitos e limar arestas que pareciam insuperáveis, reiventando a Europa que emergiu das cinzas da guerra como um baluarte de cidadania, concórdia, progresso e esperança.

Vivemos numa expectativa tensa, num fugaz tempo de interlúdio. Um tempo em que os deuses morreram e Cristo ainda está por nascer, para usar uma magnífica metáfora de Marguerite Yourcenar -- património franco-belga, património da Europa, património do mundo sem fronteiras.

 

Contra o que apregoam os profetas da desgraça, que tentam dividir para reinar, tenhamos noção daquilo que nos une. A filosofia grega é património comum de cada europeu. Como o direito romano. E a Odisseia, de Homero, que inaugura a história da literatura. Da Vinci é património europeu. Como Mozart.

Não há rasto nem memória de tão rico e diverso património cultural em qualquer outro continente. É algo que nos honra. E deve suscitar-nos orgulho -- de Gdansk a Trieste, de Helsínquia a Lisboa.

Reflexões europeístas (9)

Pedro Correia, 05.06.24

europ.jpeg

 

Na campanha em curso para a eleição de domingo, há forças políticas que defendem a saída, unilateral ou negociada, de Portugal do euro. Há mesmo um partido que apela ao regresso imediato ao escudo.

As consequências? Depois logo se vê, confessa o cabeça-de-lista sem pruridos nem temores. Chegou a esta indigência o debate político entre nós.

E no entanto devo reconhecer a alguns economistas -- com destaque para João Ferreira do Amaral e Eugénio Rosa -- o mérito da coerência, do desassombro e da persistência ao pronunciarem-se contra a permanência portuguesa no euro.

É útil que este debate seja travado. Em todas as etapas da construção europeia, nas últimas três décadas, os decisores políticos colocaram sempre os portugueses perante factos consumados. Refiro-me, em especial, a Mário Soares, Cavaco Silva e António Guterres: nenhum pensou seriamente convocar um referendo sobre esta matéria, todos fizeram questão de colocar o País nos sucessivos "pelotões da frente". Ao contrário, por exemplo, do que fizeram os britânicos, que recusaram dissolver a libra no sistema monetário europeu e obedecer aos ditames do Banco Central Europeu.

 

Dito isto, e reiterando o mérito da discussão, considero absurda a tese que nos pretende reconduzir ao vetusto recanto "orgulhosamente só". Como se Portugal fosse a aldeia do Astérix. Mas sem a poção mágica.

Sem o euro, o impacto da crise dos últimos cinco anos tinha sido ainda mais duro - um facto que não é ignorado nas capitais do Velho Continente. O poder de atracção da UE ficou aliás bem patente no Verão passado: enquanto alguns profetizavam o pior para o destino europeu, em 2013, a Croácia tornava-se o 28º estado membro da união, tendo concretizado a adesão ao euro a 1 de Janeiro de 2023.

Vale a pena parar para pensar: quanto teríamos de pagar em escudos pelas dívidas que contraímos em euros?

Um hipotético regresso ao escudo, com a consequente desvalorização da moeda nacional, conduziria a falências em cadeia, à descapitalização das empresas, à fuga de capitais, ao aumento drástico da dívida pública, a uma inflação galopante, à quebra da coesão social, à radicalização abrupta da nossa vida política e a um empobrecimento dos portugueses em larga escala.

Não admira que o tal nostálgico do escudo tenha respondido com um "logo se vê" ao ser questionado sobre as consequências daquilo que defende...


Por mim, não tenho dúvidas: devemos continuar no euro. Mas de olhos bem abertos para este fenómeno imparável que é a globalização. Um fenómeno que nos forçará a reformar o Estado e a repensar as suas funções - não à escala nacional mas à escala continental.
A economia mundial, o livre comércio e a desregulamentação de muitas actividades outrora blindadas à luz dos parâmetros dos "estados nacionais", fazendo da Europa uma fortaleza inexpugnável, colocam-nos problemas novos todos os dias. Não adianta bradar contra eles: seria tão inútil como bradarmos contra a internet e a revolução operada no domínio das telecomunicações.

Além disso devemos pensar que a globalização tem sido uma onda libertadora para quatro quintos da Humanidade.
É a velha Europa que tem de adaptar-se. Não será o resto do mundo a adaptar-se à velha Europa.

Reflexões europeístas (8)

Pedro Correia, 04.06.24

escuro.jpeg

 
O apogeu do modelo social europeu alicerçou-se entre 1950 e 1980 em espectaculares taxas de crescimento económico e de produção industrial na Europa (na década de 60 o produto francês aumentou em média 5% por ano, enquanto em Portugal e Espanha crescia 6% e na Irlanda 4%, no mesmo período). E deveu-se também à contínua renovação de gerações face à elevada taxa de natalidade. E ao afluxo de matérias-primas baratas, oriundas dos mercados coloniais. E -- pormenor que convém não esquecer -- ocorreu antes do controlo do mercado internacional do petróleo pelas chamadas nações emergentes. E quando mais de dois mil milhões de pessoas -- residentes para além da Cortina de Ferro e da Cortina de Bambu ou nos países subdesenvolvidos -- permaneciam à margem do mercado globalizado do trabalho, incapazes portanto de concorrer com os trabalhadores deste lado do planeta.
Tudo isso acabou.
 
Vivemos hoje num mundo pós-colonial, caíram os diques no velho império comunista. A época é já outra.
O "progresso" não nos trouxe só a internet, a pílula do dia seguinte, a televisão por cabo e a easy jet. Trouxe a globalização também no domínio laboral: largas dezenas de países entraram nas últimas duas décadas em competição directa e acesa com a Europa, que deixou fatalmente de estar no centro do mundo.
Um modelo em crise numa Europa em crise? Certamente. Em meio século, o índice de fecundidade caiu para menos de metade, de 3,12 filhos por casal em 1960 para 1,53 em 2021. Em 1980 havia no espaço europeu mais 36 milhões de crianças do que reformados, hoje existem mais seis milhões de reformados do que crianças. Com o número de contribuintes para a segurança social a cair e as despesas de saúde a aumentar num continente onde as pessoas com mais de 65 anos passaram de 16% do total de habitantes em 2002 para 22,5% já em 2025.
Não há sistema de segurança social que resista à implacável dureza desta demografia em declínio. Por algum motivo chamamos Velho Continente à Europa.

Eis-nos portanto num espaço crepuscular, onde cada vez menos cidadãos financiam o estado social, o que conduz fatalmente a uma escolha que é de natureza política mas não pode deixar de ser condicionada por parâmetros financeiros para além dos quadrantes ideológicos: haverá aumentos consecutivos da carga fiscal ou novos cortes nas prestações sociais?
O resto é quadratura do círculo. Ou cenários de alquimia.
Enquanto não descobrirmos petróleo temos de viver com as receitas que gerarmos. A menos que regressemos ao ciclo infernal da dívida & do défice que nos coloque de novo nas mãos dos prestamistas internacionais e nos reconduza a esta apagada e vil tristeza em que começamos por perder o respeito alheio e acabamos por perder também o respeito por nós próprios. Ficando assim à mercê do primeiro candidato a "homem providencial" que se apresentar em palco munido de impecáveis credenciais populistas. Sem um cavalo branco, como o do Sidónio. Mas a galope acelerado, ao ritmo a que a História dos nossos dias se processa.

Entrevista para as eleições europeias

jpt, 31.05.24

ocaso.jpg

Ontem, cerca do fim da tarde, recebo uma sorridente mensagem filial: "pai, ouve a partir do minuto 20...". Respondo com esta fotografia, num "verei mas agora estou num ocaso olivalense" - pois sempre em luta ideológica contra estes pacóvios escravos da gamela turística que grunhem "sunset". Estava eu num muito agradável convívio, alguns casais vizinhos agregando este exemplar pós-moderno de solteirão, todos em torno de um belo vinho do produtor, canapés gentis, boa conversa, tudo em varanda defronte ao esplêndido Tejo, longínquo mas sempre vivificador. Lesta vem a resposta dela, jocosa: "dizes-me isso já depois de ouvir?". "Não", pois apenas justificava a minha pouca celeridade na audição...

Ouvi à noite, e percebi o envio e a sorridente resposta. Trata-se da entrevista de Guilherme Geirinhas - de quem já ouvira falar mas nunca vira - a Sebastião Bugalho, o cabecilha AD para as "europeias". A piada era a de que ambos aludiam aos "mitras dos Olivais", esses sempre dizendo "eu sou dos Olivais", e nisso a minha filha logo me reconheceu... Não veio aquilo com ponta de maldade, Geirinhas aludia ao seu próprio pai, Bugalho ao seu antigo chefe, o jornalista Vítor Rainho (que julgo ser da Catió, aqui nas minhas traseiras, ou pelo menos ter por lá parado aquando chavalo). E sim, aceito(-me), a "malta" dos Olivais gostou de crescer aqui, e nisso ganhou uma identidade perene. Mas há algo que estes mediáticos de agora não percebem, por mera ignorância, a qual afixam entre as suas graçolas: não éramos nem somos "mitras", o enorme "bairro" era um caldeirão multiclassista, congregando uma parte do espectro do que eles agora alisam (devido à tal ignorância), como "classe média", gente da média burguesia, da pequena-burguesia, além do operariado e, também, núcleos homelécios então reinstalados. (E continuo na minha, um bom barómetro sociológico seria estudar o acontecido na interacção classista na conjugalidade olivalense, pois é aí que se deverão encontrar os limites ao tal caldeirão...).

E nisso surgimos a estes mais novos menos dados aos "condomínios fechados", mais dados à abrangência dos contactos. Assim "mitras"... E tudo isto se me solta depois ter ouvido a entrevista toda, por muito representar as  mundividências dos dois participantes. Trata-se de uma série financiada pela FFMS, e até posso perceber o objectivo: através de Geirinhas mobilizar o público mais jovem para a participação eleitoral. Virtude que não impede o meu esgar. Pois assisto àquilo e lembro-me da velha piada "- Estás com ela por amor ou por interesse? - Deve ser amor, pois interesse não lhe vejo nenhum." Neste caso a pergunta será "- És entrevistado por humor ou por interesse? - Só pode ser por interesse, que humor não lhe vejo nenhum". Entrevistador vácuo, para não dizer pior. E, já agora, um político não precisa de ser erudito, nem precisa de ser melómano. Mas quando se entrega a mediação entre políticos e público a um tipo que nem sabe o que é música de câmara estamos (a FFMS e todos os espectadores) a delegar essa articulação a gente que nem lê. Gente com "piadolas" mas mais nada... Este abandalhamento da política está na moda, os auto-retratos do PR são um sintoma, Costa a cozinhar na "Cristina" o sopé de tudo isso. E a actual obrigatoriedade de "ir ao RAP" (esse que me lembro a fazer entrevista "humanizadora" ao já então consabido mariola Sócrates) instalou-se, no predomínio do sorrisinho para o incauto eleitor... Mas para animador político o RAP ainda tem equipa. Este é pungente.

Tudo isso se reflecte na entrevista. Bugalho é sabido e expedito, um talento natural. E irá longe. Apesar dele próprio. Nota-se ali, com o pobre entrevistador agarrado a dois temas pretensamente humorísticos: a juventude do homem, ainda que este seja mais velho do que o Pitt Jr. quando este chegou a PM do maior império mundial, para arquétipo. Ou, na contemporaneidade, seja da idade de Durão Barroso quando chegou ao governo. Ou da mesma geração de Attal, actual PM francês. Ou mais próximo de Macron do que eu sou dos meus convivas de ontem... E Bugalho corre apenas para deputado europeu. Mas bem pior do que isso é a longa deriva sobre o estatuto social (o estrato social) do candidato, um "quem és tu?" apinocado. E é notório que Bugalho se deixa ir nesse exercício. Ambos reproduzindo, com ironia prazerosa, o edifício da estratificação social. Não são "betos" nem "queques", são burguesotes convictos. Incapazes de se afastarem - por mais retóricas avulsas que façam actuar - das reais loas bem-dispostas a um estratificação crescente. Pois esta lhes é afectiva, identitária.

Bugalho deixou ainda dois apontamentos. Um será até secundário, e não lhe é novo - já o ouvira propalar isso num debate no qual dissolveu uma pobre adepta do dr. Mamadu Ba: confunde racialismo com racismo. Mais uma vez ilustra o seu anti-racismo por o seu padrasto, negro, ter sido tomado por infantes como motorista. Ora meras expectativas plausíveis em determinado contexto não  implicam racismo: se este comendador Teixeira, sob vestes mal-amanhadas, em Schaerbeek é tomado como operário da construção civil por uma idosa flamenga ou um boémio bruxelense, isso não é racismo, nem me faz içar os (parcos) pergaminhos académicos. 

Mas o segundo apontamento, o que me arrepia, é que Bugalho gosta de toda a gente, é amigo de toda gente, qual avatar de Rogério Alves, aquele bastonário comentador que a todos trata por "meu querido amigo". Ouça-se a entrevista, Bugalho é "amigo" de todos. Excepto, está explícito de modo sublinhado, do "doutor Passos Coelho", do qual é apenas "admirador" - o que dirá muito, e bem, de Passos Coelho e não de todos os outros. Talvez Bugalho seja assim, um verdadeiro "gajo porreiro". Mas, caramba, soa a falso como o Judas, e senti-o em pleno dia do "Corpo de Deus".

Enfim, eu não voto em cabecilhas de listas, e muito menos o faria nas eleições europeias, no qual tal figura é, por si só, irrelevante. Voto em partidos que apresentam listas. Mas, ainda assim, não será após esta iniciativa da Fundação Francisco Manuel dos Santos que irei votar AD.