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Delito de Opinião

Quando um castigo assume a forma de um poema

Paulo Sousa, 21.03.24

O José Pimentel Teixeira e o Pedro Correia já abordaram o assunto, mas ao saber da confirmação oficial da não eleição do Augusto Santos Silva para o lugar de deputado, tive de sorrir. Não é todos os dias que podemos assistir a uma poética punição do orgulho, da arrogância e da sobranceria. Para lidar com o desaire eleitoral, o recomendado seria o ex-presidente da AR colocar gelo sobre a eventual inflamação e dor, mas, como ficámos a saber na última sessão do 25 de Abril, gelo é coisa de que ele não precisará.

Nessa altura, o  visado não poderia imaginar que iria assistir às cerimónias dos 50 anos do 25 de Abril sentadinho entre os demais cidadãos. Ou então em casa, no sofá a assistir à AR TV.

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Quem semeia ventos, colhe tempestades...

jpt, 19.03.24

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Os votos dos emigrantes ainda estão a ser contados, mas desde há dias que correm as mensagens - e agora já as notícias - aventando que o candidato Santos Silva não será reeleito. Se assim acontecer não só será simbólico da derrota socialista, que tantos querem mitigar em nome de um "empate" - por exemplo, a ex-ministra e actual responsável socialista Alexandra Leitão, no seu avatar "comentadora", há dias dizia isso na televisão. Mas será também uma derrota pessoal estrondosa, denotativa dos efeitos da clausura na "bolha" política. Santos Silva é um intelectual brilhante e eterno governante - foi-o sob Guterres, Sócrates e Costa -, tendo tido tutela em várias áreas políticas. Na última legislatura foi eleito Presidente da Assembleia da República, cargo que exerceu de forma pouco tradicional, pois tão enviesada, tamanha a forma estratégica como confrontou o CHEGA - de facto, o deputado Ventura. A forma como isso seguia o tacticismo do PS era evidente mas também o era ser um trampolim para se afirmar publicamente como "candidato natural" de uma esquerda "antifascista" à presidência da República. Coisa tão óbvia que até Ferro Rodrigues, seu camarada de partido e antecessor no cargo, veio criticar. Altaneiro, imprevidente até, Santos Silva aos dizeres críticos fez-se mouco, e há dois meses anunciava a sua disponibilidade para continuar a ser presidente da AR, evidenciando não estar a par do que se passava.

Essa sua arrogância teve um ponto alto. É certo que o escol socialista e a "classe média" PS - os governantes e os tonitruantes - sempre reclamaram nada terem sabido sobre o percurso de José Sócrates. Com ele ombrearam, a ele defenderam até à última - até mesmo quando regressado de Paris papagueava sobre Rimbaud ou perorava no ISCTE, (pela mão de um antropólogo...), maquilhando-se da "alta cultura", pela "esquerda" entendida como necessária a Belém. Mas depois, após a queda do ex-PM, entre essa sua rede reinou um longo e atrapalhado silêncio, naquilo do "à justiça o que é da justiça". Até àquele célebre final de semana em que Carlos César e João Galamba (para além da necessária Fernanda Câncio) surgiram em simultâneo demarcando-se do antigo secretário-geral, tornando-o assim lastro largado ao mar. Ainda assim continuou-lhes o silêncio substantivo, sem qualquer autocrítica, nem inversão de marcha ou mesmo mero atalho.

Silêncio que teve uma excepção, quando há três anos, Santos Silva veio, com o sarcasmo de quem se julga plenipotenciário, dizer-se tão "parolo" que nem sabia que havia outro Santos Silva (o celebrizado "bom amigo" de Sócrates). Ou seja, no fim de tudo isto, ainda veio gozar com o pagode, desrespeitar a (escandalizada) população... O único das lideranças socialistas que se atreveu a tamanha soberba. Como tal, a confirmar-se que não será reeleito deputado isso será muito, mas mesmo muito, agradável. 

Mas não evita uma amargura. A nova grande bancada parlamentar eleita parece assustadora, e muito para além das proclamações políticas mais imediatas. O rol das declarações pretéritas de vários eleitos do CHEGA mostra-os ultramontanos, um anacronismo. Para além disso, a bancada aparenta conter - a fazer fé nas fervilhantes mensagens que cruzam o "éter" (como se dizia no tempo em que vingavam algumas das atoardas defendidas por vários dos tais neo-deputados) - uma percentagem de indivíduos nada recomendáveis, alguns mesmo infrequentáveis. Algo verdadeiramente inverso ao anúncio Cheguiano de que é preciso "limpar Portugal"... E isto prenuncia algo: ou na próxima legislatura o CHEGA (apesar dos seus 50 deputados) continua a ter apenas a voz de Ventura, truculenta que seja mas hábil. Ou então falam vários e os dislates (e acima de tudo os "esqueletos") tanto espantarão os eleitores que aquilo implodirá...

Finalmente, o "Guardian" tem uma "reportagem" - de facto, uma recolha de declarações - sobre as eleições portuguesas. O mote é o das reacções das "minorias" face ao crescimento do CHEGA. A síntese é simples, há um milhão de racistas em Portugal. Evalina Dias, da Djass - Associação de Afrodescendentes, é liminar nessa perspectiva. Mas também afirma algo significativo: "não tínhamos ideia de que havia tantos racistas em Portugal. É como se estivessem escondidos." Eu concordo que as "minorias" - e também as "maiorias" - devem estar preocupadas com a ascensão desta extrema-direita, não tanto por derivas legislativas ou administrativas mas pela formação de um ambiente de práticas avulsas, uma hipotética vaga de turbulências avessas ao mito dos "brandos costumes" lusos. E será importante não reduzir o CHEGA a "racismo", pois muitos outros factores impulsionaram a vontade da tal "limpeza de Portugal".

Mas o importante é notar a surpresa patenteada por afinal haver tantos racistas... Ou seja, quando há alguns anos o demagógic0 partido LIVRE (do agora vitorioso professor Rui Tavares) lançou a campanha de que "Portugal é um país racista", essa generalização do racismo nacional não era matizada, deixava-se a ideia da sua universalidade. A reacção popular foi francamente negativa. A furibunda deputada desse partido de ex-comunistas, entre loas e mentiras (um célebre discurso em comício pós-confinamento no qual afirmou que a polícia não investigava um assassinato, ainda que 8 indivíduos estivessem presos há já meses, por exemplo), clamava ser criticada por ser negra - apesar do palco que a ávida imprensa lhe dava. Outras deputadas negras não reclamavam isso, uma influente ministra da Justiça negra também não, o próprio primeiro-ministro, com ancestrais indianos (ainda que o estatuto social dos goeses católicos/brâmanes sempre tenha sido algo diferenciado), também não - apenas, anos depois, quando amuou com os professores, verdade seja dita.

Ou seja, os custos sociais dos dislates do (agora vitorioso) partido LIVRE, a aversão que colheu a sua demagogia afirmando  um "Portugal, país racista" - em vez do crítico "Portugal país com racismo" -, ou a da proclamação do apartheid em que vivemos, como clamava o socratista Miguel Vale de Almeida., - em vez de incentivar a efectiva e gradual, ainda que defeituosa, inserção dos imigrantes e seus descendentes nos serviços públicos - estão agora à vista. Não se trata de exigir humildadezinha, respeitinho, chapéu torcido nas mãos, a quem pugna pelos seus e nossos interesses. Trata-se de arrenegar a demagogia, o agit-prop dos nostálgicos da "revolução", proletária antes, interseccionalista agora. Demagogia que tem, em alguns  momentos históricos, estes efeitos. Contrários. Pois quem semeia ventos, colhe tempestades, como diz o velho ditado ... sim, próprio de um povo de navegadores, desgraçados marujos, paupérrimos pescadores, quantas vezes truculentos saqueadores.

Ilustro desta maneira: uma coisa é defender a radical liberdade individual nas opções sexuais, existenciais. E a total liberdade artística. Outra coisa é ver num qualquer ecrã um prostituto (estrangeiro, ainda por  cima) entrar em cuecas, armado de um par de implantes mamários - como se mamas sejam sinónimo de "mulher" -, interromper aos gritos um espectáculo teatral numa instituição estatal, em nome da exclusividade da sua "identidade", exigindo um emprego em cena. E ver que a instituição estatal lhe dá razão! Pede desculpa e consagra que alguém transgénero só pode ser representado por um seu "semelhante", sacralizando isso das "identidades". E ver ainda alguma "minoria" intelectual a louvar isto - ainda que, já agora, o dito brasileiro preferisse, como logo veio dizer, ir ao futebol com o namorado pois o teatro aborrece-o. 

Quantos milhares de votos "custa" uma patetice destas? E as outras...?

A léria explicativa

jpt, 13.03.24

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Antevendo o enorme crescimento dos votos no CHEGA, já durante a campanha Montenegro viera isentar esses eleitores dos defeitos de "racismo" e "xenofobia". Depois, já na noite eleitoral, também Santos - na sua pe-cu-li-ar dic-ção vi-go-ro-sa, que tanto faz por denotar a sua esclarecida determinação - ungiu de democraticidade os nossos conterrâneos inclinados para o professor Ventura. 

E está assim esclarecido o acontecido, resumido a uma amálgama de "votos de protesto". Nisso concordam políticos, comentaristas (alguns politólogos, outros nem tanto) e letrados em geral, muitos dos quais (e desde logo Santos...) anunciam o intento de "estudar" a situação, inquirir as causas deste incómodo público. Um efeito da "iliteracia", constatam também os intelectuais, essa que grassa entre o milhão e tal de compatriotas que votaram ao invés das suas doutas e esclarecidas opções. Este raciocínio ilustra-se, comparativamente, de forma fácil: quando os pobres e ignorantes do Nordeste brasileiro provocaram a recente vitória de Silva sobre Bolsonaro, isso foi saudado como uma vitória democrática, do sentir do povo. Quando os pobres e ignorantes do meio-Oeste americano provocaram a ainda recente vitória de Trump, isso foi aviltado como sinal da abjecta ignorância troglodita. E por cá, se estes tipos votam no CHEGA, é devido a serem ignorantes e iletrados, votam apenas "reactivamente", por mero reflexo, com irreflexão, desconhecimento. Antes as massas camponesas (imortalizadas por Manuel da Fonseca  e outros), analfabetas ou quase, votavam PCP? Defendiam militante, corajosa e reflectidamente os seus interesses. Os seus filhos ou netos - os que não se baldaram para os subúrbios da Grande Lisboa ou para as suíças -, já com escolaridade obrigatória, votam no "imbecil" Ventura? São ignorantes... Os sectores mais envelhecidos e menos instruídos do país votam PS? "É Abril", com o cravo vermelho ondulante, como tantos no dia eleitoral afixaram nos seus murais de Facebook, ou irão desfilar na rua, como já promete o professor Loff no jornal "de referência". Outros, tão instruídos ou até mesmo um pouco mais do que essas "massas de Abril", votam no CHEGA? São incultos, irreflectidos, boçais mesmo...

É certo que os eleitores votam com a bolsa. Aqui o Pedro Correia elenca factores económicos que estrafegam os eleitores: custo  de vida, acesso ao mercado de trabalho, condições laborais, degenerescência de alguns serviços públicos. Mas apertões destes - e até mais intensos - aconteceram antes com efeitos eleitorais bem diferentes. Ora é relevante assumir que as pessoas votam com a bolsa mas não só com ela. Exactamente como os doutos opinadores, que votam em função da situação económica - menos a pessoal pois abonados,  mais a global -, mas fundamentalmente por questões ideológicas e, ainda mais, identitárias (ser de "esquerda" ou de "direita", acima de tudo). Mas, para este "escol" opinador, o eleitorado popular (o povoléu) tem uma racionalidade diferente da deles, pois vota segundo o saldo mostrado no Multibanco...

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Porventura acontecerá agora o mesmo de há quatro décadas, quando a Aliança Democrática ganhou umas eleições: então o ónus estatutário de se votar na "direita" era tamanho que dificilmente se encontrava um cidadão comum que declarasse ter votado na coligação vitoriosa. (Depois houve a divertida rábula da disseminação dos dísticos peitorais "Não tenho culpa, não votei AD", respondida pela similar campanha "Eu votei AD, Eu trabalho" - se a memória não me engana). Algo similar agora não apenas por razões ideológicas, a tal ininteligência atribuída à "direita", mas também por razões estatutárias, um défice social associado ao voto "rasca".

 

Há mais de dois anos aqui escrevi sobre como era inapropriada essa "desvalorização" sociológica. Dando um pequeno exemplo, o de dois conhecidos meus, antigos altos quadros da administração pública, agora em actividade laboral privada, os quais se me afirmavam como eleitores CHEGA, e com fundamentações muito bem elaboradas. Entretanto isso disseminou-se no seu meio sociocultural (e etário), bem como noutros: fui ontem convidado para uma almoçarada em tasca, pois ali um grupo festejava o bom resultado do partido em que havia votado ("e precisamos de um esquerdista como tu para gozarmos..."). Felizmente estou longe do Trancão... Mas não só nesse: no domingo de eleições, a meio da manhã antes de partir para Lisboa ao voto, encontrei um conhecido aqui no morro junto ao Sado. Ele um beirão que para cá veio com 12 anos e a primária incompleta, trabalhar no campo por comida... Ainda hoje, com a minha idade, trabalhador rural, tão rijo que (me) impressiona. Bebemos uma mini e disse-me "Eu gosto é do PS, sempre votei no PS. Mas estou tão fodido com eles que hoje votei no CHEGA!". "Protesto"? Isto é "protesto"? Ou é sopesar a acção governativa (a "praxis política" dirão alguns comentadeiros) e optar em função dessa avaliação?

O CHEGA foi catapultado pela prática política dominante, em particular a do PS. Recordo Costa a saudar os novos partidos na AR durante o seu discurso de vitória em 2019, e o leve breve sorriso que lhe perpassou ao nomear o LIVRE - essa criatura socialista, usada para apoucar o BE, parceiro gerigôncico então crescente. E dessa mesma deputada, logo nesse dia eleitoral começar o fluxo imparável de dislates com que ocupou aquela sua legislatura com o vozear tonitruante de que estava ali "contra o fascismo!". "Quem?", "quê?", perguntou-se o comum do mortal eleitor, distraído diante do fraco unideputado futeboleiro. E isso foi o tiro de partida para a "caça ao Ventura", durante anos feita biombo da política real, na utilização de um "antifascismo" imaginado como congregador de uma geringonça em espírito, malgré tout... Isso mais do que demonstrado na patética forma como se excluiu o CHEGA de aceder à vice-presidência da AR (repetirão os pruridos agora?). E ainda mais no modo boçal de parcial, qual energúmeno partisan, como Augusto Santos Silva entendeu tratar o deputado Ventura, julgando nisso pavimentar a sua rota para Belém, qual Pasionario português. Haverá maior incompetência política do que a de Santos Silva?

Assim excluído Ventura - essa criatura de Luís Filipe Vieira, o capitalista com problemas judiciais e apoiante do PCP, catapultada pelo presidente do PSD Passos Coelho, ou seja, nada marginal ao regime sociopolítico -, fica o que sobra. E o que sobra é o que alimenta as representações (as considerações) sobre o regime que o eleitorado vai fazendo. Um PS no poder e que em vez de se tentar expurgar do tétrico passado socratista (o que talvez Seguro tivesse tentado fazer) o tentou varrer para debaixo do tapete.

A substituição da Procuradora-Geral da República - afinal aparentando agora ter sido um tiro no pé - foi um momento simbólico disso. Exemplo real dessa essência clientelar do partido foi a ascensão ao governo de frenéticos propagandistas socratistas, como Galamba e Adão e Silva (já agora, alguém falou em "Cultura" durante o longo período eleitoral? Será que só os eleitores CHEGA é que não ligam à "Cultura"?). O efectivo aldrabismo socialista nas listas ao Parlamento Europeu ainda mais representa essa essência socratista do partido, naquilo de colocar o braço-direito do antigo PM como 3º na lista mas depois elevando-o a vice-presidente do PE, assim mostrando ser esse genuíno socratista o verdadeiro líder da sua secção parlamentar, socialista portuguesa, e não Marques ou Leitão Marques os dois antigos ministros de Sócrates, no caso dela também mulher do antigo cabeça-de-lista socratista Moreira. 

O PS é "iberista" (e nisso é acompanhado pelo PSD). No sentido em que continua a pensar que o futuro político nacional decalcará o presente espanhol. Ignorância, irreflexão, iliteracia - piores do que as dos eleitores do CHEGA - que impediu e impede de perceber e integrar a degeneração acontecida nos partidos socialistas (e concomitantes partidos centrais) em França, Itália e Grécia, os tais do "socialismo mediterrânico" em voga nos anos 80s. Tudo escondido pelo bipartidarismo, mais ou menos geringôncico, de Madrid. 

Por tudo isso o PS fez questão de traçar "linhas vermelhas" bem lá longe, ao fundo, uma Maginot antifascista, para "animar a malta" numa falsa "Frente Popular". Ao invés de ter traçado linhas vermelhas internas, escorraçando o maior número possível de colaboracionistas e de práticas socratistas. Deste rumo, incapaz de qualquer autocrítica, escolho três pequenos exemplos denotativos: em 2015, após a tomada de posse do primeiro governo Costa, houve a bafienta cerimónia de "apresentação de cumprimentos". Na saída uma estação televisiva pediu declarações a uma jornalista veterana, profissional e cidadã muito respeitável. Foi-lhe perguntado se estava contente com a nomeação do então primeiro-ministro. Que "sim", "mas também qualquer um seria melhor do que o anterior" [Passos Coelho], respondeu, risonha. Sócrates estava detido... mas isso pouco contava para a socialista Maria Antónia Palla. Logo ali deixando transparecer o sentimento que vigorava na elite partidária.

Oito anos passados o terceiro governo de Costa cai, face à descoberta de dezenas de milhares de euros escondidos na antecâmara do seu gabinete. A militante socialista, antiga embaixadora e candidata presidencial, Ana Gomes - investida das funções de "comentadora política", sabe-se lá das razões para tal  - diz na SIC, casquinando, "é preciso saber de quem é o dinheiro", assim aspergindo com a peçonha da dúvida todos os frequentadores da secção primo-ministerial de São Bento, Costa incluído. 

Mais ainda, o moçambicano Manuel Araújo, presidente da câmara (conselho municipal) de Quelimane, está em Portugal para assistir às eleições. Escreveu um longo e emotivo elogio à democraticidade do processo eleitoral português, à liberdade do exercício dos direitos políticos e à competência, celeridade e neutralidade da administração pública no processo eleitoral - em explícita contraposição com as dificuldades havidas em Moçambique. É isso verdade, felizmente, a democracia reina em Portugal, e há uma evidente lisura nos processos eleitorais. De facto, nos últimos largos anos, e se a memória não me engana, só surgiu uma dúvida sobre hipotética "chapelada", dúvida que o tribunal veio a considerar infundamentada, devido à inexistência de alguns trâmites queixosos: uma muito excêntrica votação numa única, e muito tardia, urna de votos. Numas autárquicas em Campo de Ourique...

E entretanto Sócrates - dez anos depois de ter sido detido, pelo menos 16 anos depois de se saber à boca cheia que tipo de pessoa é - ainda não foi julgado, se é que o virá a ser!

E sobre tudo isto paira, num loquaz frenesim inexistente, um presidente da república.

Mero voto de "protesto", em função do "multibanco", "irreflectido", "iletrado", "inconsciente", contra "os políticos que são todos iguais"? Que alguns políticos têm uma grande desfaçatez a gente sabe. Mas estes doutores, analistas, é que têm uma "g'anda lata..."

O Chega

Paulo Sousa, 12.03.24

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Depois de uma longa noite eleitoral, todos acabamos por ser surpreendidos por algo que já sabíamos que podia acontecer. Fez lembrar a “Crónica de uma morte anunciada”, não sobre a morte do Santiago Nasar, mas sobre a quadruplicação dos mandatos obtidos pelo Chega.

A análise desta surpresa anunciada pode ser feita sobre diferente aspectos, que aqui tentarei abordar.

Quando o autoproclamado Salvador de Portugal, por vontade de Deus, começou a aparecer na actualidade política, os apoios que ia recebendo não eram mais do que votos de protesto. As sociedades, tal e qual como têm sempre indivíduos que povoam o que designamos por margens, têm sempre dentro de si gente capaz de votar num palerma, não pelo que diz, mas apesar do que ele diz. E fazem-no por se quererem associar ao incómodo que este causa à maioria.

Eu conheço quem, por sentir que rapidamente fica fora de uma conversa sobre política, economia ou outro assunto mais elaborado, se contente com explicações simples sobre assuntos complexos. Daí até acharem piada ao tipo que comentava o futebol a dirigir-se em directo a Cavaco tratando-o por tu, vai apenas um passo. Muita desta gente, designada por Hilary Clinton como “os deploráveis”, vive nas periferias, fora da bolha mediática, trabalha, paga impostos, tem pouco poder de compra, vai de madrugada para a porta do Centro de Saúde para conseguir uma consulta, espera anos por uma cirurgia, não sabe se a maternidade onde era suposto os seus filhos nascerem irá estar aberta, não consegue colocar os seus filhos numa creche, irrita-se com muitos dos apoios sociais que sustentam as pastelarias a servir pequenos-almoços, farta-se de saber de casos de corrupção sem consequências e acha que os políticos são todos iguais. Todos menos o Ventura, que é maluco e manda umas bocas. E todos eles têm o direito a um voto.

Alguns dos portugueses que acham isto são jovens em início de vida. Não conseguem rendimentos que lhes permitam tornar-se independentes. Desde que se lembram de ser gente que se fala em crise. Desde sempre a economia está estagnada. Sabem que continuamos a ser ultrapassados por países que há poucos anos eram mais pobres que nós. Os mais interessados já sabem que no dia, que erradamente julgam muito longínquo, em que se reformarem terão apenas direito a menos de 50% do último ordenado. Todos conhecem um, ou vários, colegas da escola que emigraram e que no verão regressam à terra nos seus carros vistosos de matrícula da Suíça ou do Luxemburgo. Para eles, todo este mal-estar social tem um nome e chama-se Socialismo. Quem duvidar disso, verifique o perfil etário dos votantes do PS. Quem conhecer gente desta, portugueses como eu, olhará para o trajecto eleitoral dos últimos anos do PCP e conseguirá antever o futuro do PS. Quem não conhecer gente como esta, um dia irá ser surpreendido por mais uma “Crónica de uma morte anunciada”.

As causas da esquerda são também irritantes. A revolução sexual foi chão que deu uvas já nos tempos dos pais deles e não querem saber das causas ditas fracturantes para nada. Cada qual faz o que entende com a sua vida e o que os realmente incomoda são os sacanas com dinheiro a brincar com a justiça para evitar serem julgados.

O tempo avança em movimentos pendulares. Ser de esquerda é tão natural para uma parte da geração que assistiu ao início do regime como o contrário será no ciclo que, entretanto, já começou. Lembro-me perfeitamente do optimismo e dos ganhos objectivos que os portugueses sentiram no tempo que se seguiu à adesão à CEE e da forma como os governos de então conseguiram cavalgar aquela onda, mas muita desta gente ainda não era viva nessa altura. O desaproveitamento da anterior maioria absoluta do PS é como um pico de uma evolução no desapontamento com este regime.

Existe um factor regional que explica alguma da distribuição geográfica dos votantes no Chega. O país fundado a norte por uma aristocracia nobiliária não é igual ao sul dos concelhos, criados por cartas foral ao ritmo da reconquista. José Mattoso mostrou-nos isso n”O essencial sobre a formação da nacionalidade”. Vimos isso nos tempos do PREC, com uma fronteira informal em Rio Maior, e continuamos a ver o mesmo em cada acto eleitoral. Na Guerra Civil do século XIX, já os liberais se concentravam no norte, enquanto os miguelistas (anti-liberais) reuniam os seus maiores apoios a sul. A antiga tradição comunista no Alentejo faz parte do mesmo fenómeno, tal e qual o que acontece agora ao Chega.

Temos assim duas camadas sobrepostas de apoiantes de Ventura, a dos descontentes com os inconseguimentos de Abril, e da predisposição sociológica regional.

Este tipo de partidos não são novidade na Europa nem no mundo democrático. Se Trump é o mais conhecido dos lunáticos populistas democraticamente eleitos, não podemos esquecer o laboratório sempre precoce no lançamento de novos fenómenos políticos que é a Itália. Berlusconi foi o primeiro deste género que, entretanto, alastrou. Nas democracias europeias que já se viram a braços com o populismo de direita o primeiro impulso foi levantar a cerca sanitária. O resultado desta táctica foi o crescimento destes partidos e em nenhum deles a democracia foi posta em causa.

Nos casos da Hungria e Polónia verificaram-se ingerências políticas na justiça, mas foi no Portugal governado pelo PS, com MRS como Presidente, que o Caso Manuel Vicente foi enviado para Angola. E, arrisco, o Caso Influencer terá um desenvolvimento conveniente, em decisões e no calendário, às ambições políticas de António Costa. Será giro de ver como as exigências de asseio político para a entronização do próximo Presidente do Conselho só serão possíveis de cumprir depois de dar uns safanões no Ministério Público.

Regressando aos demais casos europeus, estes partidos só regrediram quando se envolveram na governação. Foi então que os seus apoiantes verificaram que afinal os temas complexos não têm soluções simples e todas as promessas feitas não se distinguiam das suas boas intenções. No momento seguinte, desiludidos com os populistas, regressaram à abstenção e aos partidos tradicionais, entretanto mais acordados sobre os reais problemas dos cidadãos. Eu, que nunca votarei no Chega, acho que, mais tarde ou mais cedo, acabaremos por assistir ao seu envolvimento num governo português. Graças aos tratados europeus, que nos garantem alguma decência democrática, conseguimos sobreviver a tanto desmando e irresponsabilidade nas últimas décadas, que não serão as palermices do quarto pastorinho afundar a nossa democracia.

E termino com a constatação de uma das características que fazem da democracia um sistema político com menos defeitos que os demais. O processo eleitoral garante válvulas de escape sociais. Sem elas, um destes dias seríamos surpreendidos com manifestações de desagrado bem mais graves do que ver um milhão de portugueses a votar num palerma.

Eleições 2024, o meu rescaldo

jpt, 11.03.24

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1. Os fascistas que durante décadas votaram PCP em Beja, Évora, Setúbal, no PS em Faro e etc. foram votar no CHEGA. O vigoroso (que entoação viril, noto!!!) Santos prometeu que o PS vai estudar as causas do "voto de protesto". Não há paciência... Entretanto na SIC, no princípio da noite, um qualquer comentadeiro lamentava a redução da abstenção porque isso indiciava o aumento dos votos no professor Ventura...

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2. Arrepelam os cabelos e falam muito em governabilidade. No "dia de reflexão" aqui avisei o futuro da governação do país, uma mistela.

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3. O país tem gigantescos problemas a enfrentar. O PSD propôs-se para os dirimir, afirmando a qualidade dos seus quadros e a capacidade para cooptar elementos ditos "independentes". Para isso fez uma coligação com o defunto CDS e com o inexistente PPM, na ânsia de captar um qualquer "espírito" histórico e agregar alguns votos que dessem para eleger mais um ou outro deputado. Fez-se uma coligação com nome parecido de partido existente e com símbolo semelhante - preenchido por tipos meio loucos, demonstrou-o o cómico Araújo Pereira... Votos entregues vê-se que a confusão fez a coligação perder pelo menos dois deputados (Vila Real, Coimbra). Ou seja, eliminou os ganhos da tal coligação. Um quase jovem dirigente do PSD, António Leitão Amaro, diz no painel da RTP que deram conta do acontecido desde a semana passada, quando começaram os votos antecipados... É esta equipa que está preparada para enfrentar os problemas do país?

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4. De facto, fica tudo à espera dos resultados da votação dos emigrantes para saber quem é o partido com maior representação parlamentar. Grande ironia: não só lembrando a trapalhada da última votação dos emigrantes, com abstruso défice legal. Mas acima de tudo as dificuldades que os sucessivos governos têm produzido para o exercício desse voto, sempre considerado um "fardo" para o Estado. Isto para além do histórico descuido estatal, e seus responsáveis, para com os emigrantes.

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5. O PCP manteve a representação parlamentar, apesar da "grande campanha" adversa que sofre. Até à próxima derrota, que se deverá a mais uma "grande campanha"...

A votar

jpt, 10.03.24

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Venho a votos, que não a banhos. Antes abanco na tasca, a ganhar coragem para confiar em alguém. Ou desconfiar menos, para ser franco. Para isso, e porque ainda é cedo, peço a cerveja, jamais Sagres pois gozou com Rui Patrício. Trazem-me esta, em completa violação da neutralidade requerida ao dia eleitoral. Ainda bem! Bebo e vou ao voto. "Como Dantes?" não. Basta (que não Chega) disto.

Será o virar da maré?

Paulo Sousa, 10.03.24

Há já demasiado tempo, postei aqui sobre o estofo da maré, que é aquele período do ciclo dos mares em que as águas já começaram a vazar, ou a encher, mesmo sem que isso ainda não seja perceptível.

Hoje é aquele dia mágico, pelo qual muitos se bateram e pereceram. Nos ciclos longos, é como um cume da civilização, cume esse que estando cheio de defeitos, continua a atrair milhares que saltam fronteiras para fugir do passado, onde já vivemos, vindos dos sombrios vales onde o poder depende da força.

As urnas ainda estão fechadas e tudo está em aberto. Tudo pode acontecer e cá estaremos para respeitar a vontade dos eleitores.

Lembrei-me do texto do estofo da maré depois de ter visto umas fotografias tiradas hoje de manhã na Rua da Horta Seca, junto ao Ministério da Economia.

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Fotos tiradas daqui

O voto do cidadão

jpt, 10.03.24

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O voto é um direito, nunca um dever. Resmungo, cigarro matinal numa mão, malga de café na outra, espreitando a ameaça chuvosa, com ideia de trepar a ladeira, 13 minutos em passo estugado para apanhar a camioneta, na senda do Trancão. E com as horas que gastarei, o dia quase todo entre ida, estada e regresso, o dinheiro que gastarei, nos transportes, na bica que decerto urgirá, o almoço, por frugal que seja, e pior ainda se encontrar algum eleitor amigo, motivo quase certo para derrapar até à imperial e meia de febras, comezaina já, enfim um dia perdido, uma canseira... E para quê, o que interessa o meu voto, é só um - pois vale, infelizmente, o mesmo do que o de tantos que votam tão mal!! -, não mudará nada.
 
Decido assim abster-me, guardado está o dia para as minhas coisas. Ainda assim vou confirmar onde é o meu local de voto, para o caso de me aparecer uma inesperada boleia. Entro na página dedicada ao assunto pelo Ministério da Administração Interna. Na qual para se obter essa informação é necessário colocar o número do Cartão de Cidadão (o velho BI)!
 
Estanco! Num "raisparta, tenho de ir votar!" Convocado pois desde há muito tempo este é o único sítio onde me pedem este número. Pois num país onde todos, organismos estatais e empresas (a CTT, por exemplo de ontem, para abrir uma conta digital) pedem o NIF. Reduzindo-me a mero pagador de impostos. E a todos os outros. Enquanto aqui, talvez já só aqui, me tratam como um cidadão.
 
"Raisparta", repito em suspiro. Fumo mais um cigarrito. E sairei até à capital, armado com o meu número de cidadão para votar contra aqueles, e tantos são, que me destratam, apoucam, como pagador de impostos. Mas, nada utópico, convicto de que os votos dos outros e, mais ainda, as mentes alheias, farão que muito em breve para exercer o tal "dever cívico" (dizem-no) será preciso dizer o NIF...

A presidência e as eleições

jpt, 09.03.24

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1. A muito generalizada ideia de que o Presidente da República deve pairar sobre o sistema político, qual divindade do regime, nisso implicando como que uma "neutralidade axiomática", é uma aberração, tamanha a contradição que implica. O povo - o eleitorado, se se preferir - elege alguém exactamente para que intervenha. Com viés, esse que deverá ter sido explicitado no seu programa/manifesto eleitoral e fundamentado na sua biografia prévia ao exercício presidencial. A partir daí pede-se tino, ou seja respeito pela lei e fidelidade ao bom senso. 

Assim sendo, é perfeitamente curial que um presidente intervenha, de forma  mais ou menos explícita, num processo eleitoral que decorra sob sua tutela. A bem da sua figura de "primeiro magistrado da Nação" (o que é uma metáfora) talvez não convenha que ande pulando nas arruadas comicieiras dos seus preferidos. Mas só isso. De resto, com lisura - de preferência sem requebros "florentinos" - pode, e até deve, interferir no processo político.

Mas o que não é simpático é a forma "soprada" de intervenção, uma névoa de "diz-que-diz", ademane de "mentideros". Pois não sendo explícita não é falsificável, refutável. Disso lamentável exemplo é a primeira página da edição de ontem do "Expresso" - não só jornal de que Rebelo de Sousa foi director mas também consabida caixa de ressonância dos seus "recados". Pouco importa se o jornal já não tem a influência política que tinha em outras eras tecnológicas - o Pedro Correia anuncia aqui que líderes partidários já nem acedem a serem entrevistados pelos seus jornalistas, demontração da sua crescente irrelevância. E até pouco importará se a "notícia" tem fundo de verdade ("Belém" soprou) ou não (o "Expresso" inventou) - até porque poucos acreditarão que a "caixa" tenha sido inventada na sede do jornal. E também pouco importa se este "diz-que-diz" beneficiará algum dos outros partidos candidatos. Importa que isto não é uma forma democrática, "aberta", de intervir. É, evidentemente, mais uma "marcelice", das muitas. E o regime democrático terá de se depurar deste "marcelismo".

2. Em adenda, e sobre o que vai acontecer amanhã: é-me antipático o partido CHEGA, dado o seu pendor discriminatório, a sua demagogia, para além da evidente contradição entre o que vai escarrapachando nos dizeres programáticos e o conteúdo das inflamadas declarações do seu presidente. Mas ao olhar para as sucessivas sondagens que vêm sendo publicadas, e independentemente da sua fiabilidade, há algo que me parece óbvio: em relação aos resultados de há dois anos parece que o CHEGA crescerá. Atraindo mais 7, 8, 9, 10 por cento do eleitorado, talvez até mais se crermos nas expectativas do professor Ventura. Muito provavelmente será o grande vencedor, relativo, destas eleições, e mais ainda se se pensar que há 4 anos elegeu um deputado com cerca de 2% dos votos nacionais. É mais do que provável outros políticos e imensos comentadores surgirão a declará-lo derrotado: por  não ter chegado aos tais 20%, fasquia alta que ostentou, se calhar por não se ter tornado necessário para fazer maiorias, etc. Mas isso será esconder a realidade, incompreender o país. Tal como o é elidir que o partido meramente contestatário cresceu exponencialemente durante o consulado de Costa, desde o seu início propagandeado até ao máximo pelas forças da velha geringonça, pois usado como "legitimidade anti-fascista" daquela espécie de "Frente Popular", e agora usado como arma de arremesso contra os oponentes de "direita", ditos até quasi-CHEGA. No fundo, esse mais que provável apagar da vitória de Ventura será fazer política como o "Expresso", com "marcelismos" por assim dizer. É o modo da gente ufana...

(A proibição de "falar de política" num dia de "reflexão" é um patético anacronismo, um paternalismo estatista inadmissível no ano do cinquentenário do regime democrático. Que a nova Assembleia da República saiba comemorar os 50 anos do 25 de Abril formalizando a consciência dos efeitos benéficos da democracia. Entre os quais a liberdade de imprensa, a disseminação da educação e nisso a consciencialização da população, para além da pacificação da sociedade. E por isso a desnecessidade das restrições apostas ao tal putativo "dia de reflexão").

Um resumo da campanha que agora termina

Paulo Sousa, 08.03.24

"Perante a incapacidade de trazer algo de novo a esta campanha, o PS procurou fazer a mesma campanha de 2022: assustar este eleitorado moderado e indeciso com o trauma da troika (...) (que o próprio PS criou) (...) e risco de um acordo de governo entre o PSD (ou AD) e o Chega. A dificuldade desta estratégia é a clareza com que Montenegro lidou com o assunto. Restou inventar uma conspiração digna de um filme de série B. Mas a única realidade digna de uma verdadeira conspiração foi ver Chega e PS unidos a alimentar essa conspiração. Afinal a coligação foi entre PS e Chega. Esta é a suprema ironia: as estratégias de poder destes partidos coincidem por ambas dependerem da vitória socialista. De tanto alimentar a mesma tese, PS e Chega acabam por confirmar que a vitória da AD é a única hipótese real de mudança."

Miguel Poiares Maduro, Expresso, 8 de Março de 2024

O PS não muda: o caso paradigmático dos Olivais

jpt, 04.03.24

                   

O governo do PS caiu na sequência de um conjunto de "casos e casinhos" - expressão criada para desvalorizar uma inusitada sucessão de desatinos (como o patético "affaire computador"), os quais culminaram no verdadeiro "casão" Escária. E os seus dois antecessores caracterizaram-se por despistes em exercício, em particular o segundo (como os trambolhões sonoros na Defesa e na Administração Interna), e por uma demasiada "endogamia" - incorrecto termo usado para aludir à teia de relações familiares que albergavam, em particular o primeiro. E é ainda indelével no historial PS ter o período Costa sucedido à governação Sócrates, o pior momento deste regime, mas ainda assim defendido até à última pelo partido e pela sua mole de produtores de opinião pública (como Galamba ou Adão e Silva, que Costa veio a recompensar ao elevá-los ao governo).                                   

Não se trata de clamar que tudo isso é "corrupção", que não o é - isto para além de "corrupção" existir em todos os regimes, em todos os quadrantes ideológicos, e de poder grassar em todo o tipo de poderes quando eleitos ou nomeados. Ou nepotismo, pois nem tudo o é. E também não se pode reduzir isto a uma "incompetência" que seja típica daquele partido e seus "companheiros de estrada", disponíveis para com o PS governar ou administrar o sector público. Pois também em todos os regimes e quadrantes ideológicos há escolhas desadequadas ou efeitos do inesperado nas coisas públicas.

Mas tudo isto enuncia duas características deste PS de XXI: a incapacidade - talvez devida à crença da sua  desnecessidade - para cooptar um amplo leque de "homens bons" (de competentes pessoas de bem, dir-se-á hoje) da sociedade para o exercício do poder; e, talvez mais do que tudo, a inexistência de uma autocrítica, interna que seja, algo que sempre transparece um enquistar castrense típico em "partido de poder" exaurido.

Haverá gente do PS, e não só, crente em que a mudança de líder inflectirá alguns rumos políticos e influenciará as práticas no poder. Independentemente disso ser pouco crível com Santos. Não só porque vem demonstrando um verdadeiro e atrapalhado vácuo programático mas, acima de tudo, porque foi consagrado como o "campeão" do aparelho partidário. E é neste que radica o problema.     

Ou seja, não se justifica esperar mudanças positivas - desenvolvimentistas, por assim dizer - no PS. Não por causa deste novo secretário-geral ou de qualquer seu hipotético sucessor. Mas devido à mundividência que grassou e acampou no partido, nas redes que este constitui com a "sociedade civil", esse amplexo do qual emana Santos e emanarão seus sucessores. Mundividência e respectivas práticas que seguem, repito, imunes à autocrítica. E encastradas na aversão a críticas alheias.

Um exemplo paradigmático, pois denotativo, de tudo isto é o que vem acontecendo na Junta de Freguesia dos Olivais. Uma minudência, dirão alguns. Mas são 32 mil eleitores - muito mais do que em tantos municípios -, sitos no centro da capital. O PS domina a Junta desde 1990, diz-se que nele teve o presidente de Junta com mais tempo em funções no país, Rosa do Egipto, ao qual sucedeu a actual presidente, Rute Lima.

Desde que regressei a Portugal tenho escrito alguns postais como freguês desta freguesia: alguma fragilidade dos serviços da Junta - à qual agora se pode aduzir o encerramento da biblioteca pública (a ex-Bedeteca) desde há anos, para se realizarem umas relativamente simples obras de reabilitação, uma situação lamentável e incompreensível de inércia. E o tom verdadeiramente populista da sua presidência, com a desbragada utilização dos serviços da Junta - e seu boletim mensal gratuito - para engradecimento pessoal da figura da presidente Rute Lima, no posto há vários mandatos.

Também aqui deixei nota - e testemunho iconográfico - da minha irada estupefacção quando em recentes eleições ter notado que o pessoal contratado pela Junta para assistência nas assembleias de voto surgir com camisas com símbolos gémeos ao da candidatura socialista, evidente caciquismo rasteiro. Enfim, um rosário de indigências mentais, surpreendentes por vigorarem nesta Lisboa actual. Quanto ao resto, o verdadeiro funcionamento da Junta, há o constante "diz-que-diz" de fregueses, coisas até plausíveis mas apenas "conversas de café", impublicáveis.

E bem aqui insisti, com pormenor, que nas últimas autárquicas para a surpreendente derrota eleitoral do candidato socialista Medina foram suficientes os votos que o PS perdeu na freguesia Olivais.   

Entretanto, no ano passado houve três reportagens televisivas, detalhadas, anunciando desmandos económicos na Junta. Algumas das referências eram até pungentes - gravações que demonstram haver uma vogal que alimenta a família com a comida das cantinas escolares, por exemplo. Contratações de familiares directos de gente em funções. Aparentes minudências dessas. Nesses dias houve alguns ecos mas mais nada se soube. A presidente Rute Lima - que exerce (ou exerceu) o seu cargo em part-time, pois foi cooptada para a gestão municipal de Loures pelo seu novo presidente socialista, algo peculiar numa freguesia desta dimensão - seguiu incólume.

No final do ano 23 saiu mais um dos característicos boletins da Junta, sempre "Rutecentrados", como comprova a imagem que encima o postal. Ombreando com (mais) uma longa entrevista auto-laudatória a omnipresente Lima escreve no seu editorial, dedicado aos seus "Queridas e Queridos Olivalenses", uma denúncia daquela "espuma que é uma nova forma de estar na política" que conduziu "a forma sórdida a que todos fomos expostos, naquele que foi um ataque inqualificável ao Executivo". Em Fevereiro a Polícia Judiciária fez buscas durante um dia na Junta.

Friso, não há arguidos, não há culpados. Mas há décadas "disto": de comer das cantinas, pelo menos. Deste despautério caciquista. E do PS ser incapaz de se apartar, autocriticamente, deste tipo de gente. Deste tipo de práticas. Desta... mundividência.   

Entenda-se bem, o PS não muda, nem mudará. Pois o PS, este que vai a votos, é Rute Lima.                                             

Fake News Tugas

jpt, 27.02.24

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É consabido que desde há alguns anos os movimentos de extrema-direita - soberanistas, discriminatórios, genderófobos, fascizantes ou até mesmo fascistas, e também neoliberais (o que é mau é neoliberal, como também é bem sabido) - usam as possibilidades digitais para espalharem "inverdades", as antigas falsidades (ditas "fake news").
 
Em especial durante os períodos eleitorais somos inundados com estas aldrabices. E logo, de modo muito convicto, dignissímas mães de família, laboriosos pais de família, fidelíssimos filhos de família e recatadas filhas de família, acorrem aos seus múltiplos teclados aplaudindo as atoardas, apupando os visados, repassando tais dizeres aos seus vizinhos. Fazem-no com o mesmo afã que os neoliberais destroem os serviços nacionais de saúde, com o fito de matar os velhinhos e os adoentados. E se algum freguês da mesma freguesia os avisa, pacientemente, que estão enganados respondem, ríspidos e ufanos, se non è vero, è bene trovato... E nisso convocam os patifes que têm a mania dos factos para que metam a viola (esquerdista) no saco...!
 
Nos últimos dias essa fascista extrema-direita tem pululado na internet portuguesa. Em frenesim redistribuindo esta vilania cometida sobre o professor Ventura. Como é óbvio - ou deveria ser - para qualquer letrado, o ilustre prelado Tolentino (do qual tenho em casa alguns livros de auto-ajuda) nunca proferiu estes dizeres sobre o antigo comentador futebolístico, autarca de Loures e actual candidato à Assembleia da República.
 
E urge denunciar esta aleivosia da extrema-direita. Eu, por mim, não só o faço aqui, em defesa da democracia. E também, a bem da higiene digital, venho cortando as ligações (no FB) com os ordinários que partilham estas coisas.

As Forças Armadas na campanha eleitoral

Paulo Sousa, 26.02.24

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O nosso companheiro José Pimentel Teixeira já aqui trouxe o assunto da ausência da Defesa nestas eleições. Segundo o Expresso desta semana, a SEDES apresentou os resultados de uma sondagem sobre diversos aspectos da nossa sociedade, dos quais saliento um valor que merece ser destacado. Quase metade dos inquiridos (47%) concorda com o aumento dos investimentos em defesa, mesmo que isso implique cortar noutras áreas da governação e só 27% discordam desse aumento. A mesma maioria de 47% concorda com o regresso do serviço militar obrigatório (SMO).

Ao fundo ouvem-se os tambores da guerra e o peso da defesa no nosso orçamento aparenta uma despreocupação que afinal não existe.

Eu, que não fui inquirido, concordo que é necessário canalizar mais recursos para as nossas forças armadas. Ouvi num debate, alguém que defendia o contrário, argumentando que o peso dos salários era esmagador no total do Ministério da Defesa. A resposta, de uma alta patente, foi clarificadora. Quanto menos se investir em equipamento, maior será o peso dos salários.

Além do investimento urgente em equipamento em todos os ramos da Forças Armadas, o regresso do SMO seria também uma forma de aproximar os portugueses aos assuntos da defesa e segurança. Esta nova versão do SMO, deveria ainda incluir uma vertente não militar e refiro-me a Protecção Civil e Serviços Sociais.

O “reembolso” dos jovens ao país que os formou e ajudou a educar, no final da vida escolar, não é descabido e reforçaria o sentido de cidadania. Não estamos a falar em querer amarrar os médicos para tentar resolver a má organização do SNS, mas apenas a envolver os jovens na vida do país.

Lamentavelmente a Defesa tem estado arredada da campanha eleitoral. Será que os partidos acham que nestas alturas se devem evitar assuntos impopulares? Podem achar, mas este inquérito da SEDES mostrou-nos que investir nas Forças Armadas pode não ser assim tão impopular.

A Defesa no processo eleitoral

jpt, 22.02.24

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Foram escassos os debates políticos televisivos a que assisti. E não tenho perseguido com efectiva consistência as declarações dos responsáveis partidários nem lido sistematicamente a documentação que os partidos vêm produzindo. Mas perguntei a alguns amigos mais atentos se a minha sensação tem justificação e eles corroboram-na. Ou seja, a questão da Defesa está invisível. É invisível, melhor dizendo.

Certo, é pouco popular, pouco "eleitoral", agitar custos que não sejam dirigidos à putativa melhoria imediata das condições de vida. Na direita propõe-se a redução dos impostos (um tal de "choque fiscal"), em alternativa ao velho arrazoado utópico da amputação das "gorduras do Estado". E na esquerda - onde vigora o sonho geringôncico - não só vigora a mitografia "pacifista", na qual o antibelicismo é confundido com desmilitarização e até mesmo desarmamento, como é vigente a união entre a aversão à democracia e aos compromissos com a NATO. E nisso não esqueçamos as reacções dos partidos comunistas aquando da invasão da Rússia: o PCP sempre defendendo os interesses russos, o BE logo defendendo os direitos expansionistas da Rússia - foi antológico o momento em que Mortágua, então ainda deputada a tempo parcial, usou o argumento nazi de defesa do "espaço vital" da grande Mãe Pátria russa E depois disso, em sinal da generalizada anuência dos seus militantes a esse ideário, foi a futura professora do ISCTE eleita "coordenadora" desse partido.

Ou seja, a ambição geringôncica inibe à esquerda o debate político sobre o reforço do sector da Defesa. E o fervor anti-estatista à direita tem o mesmo efeito. Para mais, os recentes ministérios da Defesa têm sido fragilizados por temáticas pouco "políticas". O antepenúltimo ministro, Azeredo Lopes, foi arrombado por um simples roubo de paiol e a forma como descomandou essa situação inibiu-o de ser voz activa - para além de o ter conduzido ao mais pungente episódio do regime democrático, ao clamar em tribunal a sua incapacidade para exercer o cargo governativo para o qual aceitara o (descuidado?) convite de António Costa. O penúltimo ministro, Cravinho, foi também vítima de difíceis questões orçamentais, que lhe terão reduzido a amplitude das suas hipotéticas ambições estratégicas para o sector. E a actual ministra Carreiras entrou no governo logo após o início da guerra na Ucrânia, o que presumo lhe tenha redireccionado o azimute estratégico para o sector. 

Enfim, há uma continuada irrelevância política associada a um desinvestimento crónico na Defesa, fruto das opções orçamentais deste regime, não só eivadas de questões desenvolvimentistas e também do expurgar da militarização das finanças públicas durante o Estado Novo tardio, mas também da tal ideologia "pacifista" e, explícita ou implicitamente, anti-NATO vigente nos vários sectores da esquerda. O patético recente exemplo dos tanques Leopard, quase todos inoperacionais quando foram convocados para participar no apoio à Ucrânia, deveria ter sido suficiente para convocar a atenção pública. E o ainda pior caso da tripulação do navio que se recusou a sair ao mar, invocando questões securitárias - que eram certeiras, ainda que de inadmissível convocatória daquele modo -, para acompanhar uma embarcação russa que se aproximava das águas territoriais deveria ter sido o sinal extremo. Mas o silêncio continua...

Cumprem-se agora dois anos sobre a invasão da Ucrânia, o grande desafio colocado à NATO desde há décadas. Entretanto o isolacionismo norte-americano, sob retórica orçamental, reafirma-se com Trump. Para atingir o patamar de gastos orçamentais com a Defesa tem Portugal o prazo mais distante dentro dos países da Aliança (apenas em 2030). Ou seja, 40 anos depois da entrada na UE o país mostra-se ainda incapaz de integrar objectivos estratégicos. Que maior demonstração de incapacidade desenvolvimentista terá este regime?

Entretanto, neste contexto de pressão interna e externa sobre a NATO, neste após dois anos de guerra na Ucrânia, a organização convoca os maiores exercícios das últimas décadas, com a participação de 90 000 militares. Portugal participará com ... 37! É evidente que não se requerem umas enormes Forças Armadas nacionais, mas sim funcionais. E que neste caso a pertinência da participação no esforço de defesa comum não obedece apenas a critérios quantitativos. Mas ainda assim, e mesmo sendo leigo na matéria, esta situação causa algum espanto... interpretativo. 

Em última análise estes situação justificaria que se debatesse este assunto. E note-se que este não é assim tão excêntrico. Pois se se debatem temas "sociais", como as reformas ou o sistema de saúde, também são prementes temas que convocam custos estatais direccionados sectorialmente, como a questão do professorado ou das remunerações policiais. E, sem rodeios, debater a questão da Defesa é debater não só o estatuto de Portugal entre os seus aliados mas também - e até mais - debater o estado do Estado de Portugal. Sem patrioteirismo, sem belicismo, apenas com realismo.

Adenda: após ler este postal um amigo enviou-me esta imagem, denotativa do pensamento que os partidos concorrentes dedicam às questões da Defesa, notoriamente inexistente. E acrescenta, muito correctamente, que também nada aparece de substantivo sobre as relações exteriores, os posicionamentos geoestratégicos. Esta é a actual velocidade de cruzeiro deste regime...

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Critérios

Sérgio de Almeida Correia, 20.02.24

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Enquanto não for operada uma reforma da legislação eleitoral, que mantendo a segurança diminua a burocracia, reduza custos e assegure maior rapidez do processo de votação e escrutínio, lá começaram a chegar as cartas da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna contendo a documentação necessária ao exercício do direito de voto por correspondência, por parte dos cidadãos residentes no estrangeiro, para as eleições legislativas de 10 de Março.

Pode ser que desta vez, não havendo mais feriados e greves pelo meio, sejam contabilizados os milhares de votos que nas últimas eleições ficaram por contar.

Entretanto, gostaria de perceber qual a razão para que nos boletins de voto os nomes dos partidos e coligações que se apresentam a sufrágio surjam nalguns casos só em maiúsculas.

Quem olha para o boletim não pode ficar indiferente, visto que aquelas saltam de imediato à vista e, nessa medida, as forças concorrentes que têm o seu nome impresso exclusivamente em maiúsculas acabam por ser favorecidas.

Desconheço qual seja a magna razão que leva a que nos boletins de voto os nomes de "Nós, Cidadãos!", "Reagir Incluir Reciclar", "Bloco de Esquerda", "Iniciativa Liberal", "Juntos pelo Povo", "Ergue-te", "Partido Socialista" e "Volt Portugal" não surjam grafados nos mesmo termos em que aparecem "ALTERNATIVA 21", "ALTERNATIVA DEMOCRÁTICA NACIONAL", "ALIANÇA DEMOCRÁTICA", "CHEGA", "NOVA DIREITA", "LIVRE" e "PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA"? E a "CDU - Coligação Democrática Unitária" também é diferente porquê? Não faria sentido que os nomes surgissem todos uniformizados, com o mesmo tipo de letra e recorrendo a igual critério no uso de maiúsculas, tal como acontece com as siglas?

Desde Moreira de Conégos

jpt, 20.02.24

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Às oito e um quarto soou o apito inicial. Logo nos primeiros minutos houve uma oferta da defesa do Moreirense e o Sporting inaugurou o marcador. Bons augúrios. Pois se é certo que o Sporting está pujante - há 50 anos que nenhuma equipa marcava tantos golos, é evidente que o jogo flui, nisso Trincão reassumiu-se, e também o jovem Quaresma recuperou o estatuto de "muito prometedor", o sueco avançado é um verdadeiro achado, o médio dinamarquês é bem mais do que se esperava, Gonçalo Inácio está soberbo, o "nosso" Catamo pegou de estaca, Adan não está como no ano passado ... -, o Moreirense vem fazendo um bom campeonato e sempre se teme uma escorregadela em qualquer "terreno difícil". Ainda por cima porque o malvado Benfica também está forte, com avantajada panóplia de recursos. Enfim, cinco minutos estavam decorridos e o sempre difícil primeiro golo estava alcançado, a repousar a equipa, assim mais disponível para explanar o seu jogo. E nos minutos seguintes viu-se que estava mandona, ciosa de si, empurrando os de Moreira de Cónegos para o seu último reduto, com pressão alta, muita posse de bola num jeito quase turbilhão. A sossegar o adepto no sofá, tão esperançoso nisto do "este ano é que é". Apesar do tal Benfica...

Por tudo isto às 8.30 passo o canal para a outra peleja, o combate, perdão, o debate entre o capitão do PSD, perdão, AD e o capitão do PS. Para "Meia-hora" daquilo, "Vê-se o debate, que demora a primeira parte do jogo e depois volta-se, até durante o intervalo". Entretanto telefonara-me um amigo sportinguista, mesmo já durante o jogo, por coisas cá nossas, e anunciara-me estar o Capitólio cercado por polícias arruad(c)eiros.

Chego ao evento e deparo-me com algo diferente do que esperava, quase um Super Bowl politiquês. Haviam-se congregado as três estações televisivas generalistas, num verdadeiro espavento, deslocadas para o tal "Pavilhão dos Debates" e o embate previsto para uma duração de uma hora, afinal! Ou seja, a de serviço público e as outras com alvará público para emitirem, delineam um modelo de debate eleitoral que reestabelece o velho primado da "bipolarização", como se esta uma realidade virtuosa, esse aldrabismo que os fazedores de opinião propalavam há décadas. Consagrando - e nisso reproduzindo - um "estatuto preferencial" para o PSD e para o PS. Como se isso seja uma realidade "natural", geológica até, e assim autojustificada.

A árbitra Clara de Sousa fez soar o apito inicial e logo Montenegro, campeão da sua causa, foi ao tapete. Pois perguntado sobre o que pensava daquela policiesca ululante que os circundava mostrou-se para com ela muito compreensivo, fazendo nisso lembrar António Guterres titubeante, e de lesto passo atrás, diante da arruada dos produtores de vinho, nesse então dispostos ali ao Terreiro do Paço reclamando contra a redução da taxa de álcool permitida aos condutores. O que lhe valeu um KO técnico, como estarão recordados alguns dos mais antigos... Logo, lesto, Santos assumiu-se como vigoroso estadista, situando que há limites no entre as "quatro linhas" da democracia, rijo num que "não se governa sob pressão", no fundo reclamando ordem unida à polícia. E nisso fez lance de três pontos, como no basquete. Depois seguiram-se 55 minutos de "você lá, você cá", entre chutos para a frente com previsões económicas salvíficas, futebol de praia sobre promessas aos "jovens" para que estes não emigrem, e um catenaccio ríspido dedicado aos pensionistas ("como reformar um país em que os governos tanto dependem dos velhos eleitores?", mastiguei eu enquanto me servia do pacote de vinho, um decente Palmela a preço apetitosíssimo).

Disso tudo ficou-me na retina uma bela ida à linha, seguida de cruzamento bem medido, em que Santos proclamou que com ele não se patinaria, ao contrário dos anteriores governos socialistas - nisso invectivando os modelos de jogo instaurados pelos antigos treinadores Costa, Sócrates e, decerto, Guterres. Assim como se proclamando "eu sou o Rúben Amorim do PS". E entretanto prometeu que nos próximos tempos o seu partido iria estudar as "áreas económicas estratégicas" para as quais será dirigido o investimento público. Assim recordando-nos que o PS está, grosso modo, no poder há trinta anos e, ainda mais, de modo seguido nos últimos oito - nos quais ele próprio governou, ao que parece um pouco a contragosto. E que nesses longos períodos não conseguiu descobrir quais as tais "áreas estratégicas" preferenciais. Do outro lado Montenegro optou pelo jogo de repelões, com algumas entradas duras, para meter o adversário em respeito, num arcaboiço técnico que me lembrou o seu (quase) conterrâneo Paulinho Santos. Ou, para ser mais actual, o geniquento e bem sucedido molde táctico-comunicacional do nortenho Sérgio Conceição. 

Tudo aquilo demorou - o tal desplante das estações televisivas - e terminou já a meio da segunda parte do confronto de Moreira de Cónegos, tendo encontrado o Sporting a ganhar por 2-0, e decorrendo o jogo em modo modorrento. "Este ano é que é", para o Sporting? A ver vamos, que será bem bonito se tal for. Depois caí à cama.

Hoje, na alvorada, "busco" notícias sobre o embate do Capitólio. Os comentadores dão notas aos contendores, como se tudo aquilo integrasse o velho Prémio Somelos-Helanca do "A Bola", quando o jornal existia. Os tipos do Sporting dizem que o Sporting ganhou, os tipos do Benfica dizem que o Benfica ganhou. Os tipos do Porto estão calados. E ainda não há notícias sobre as punições aos polícias que invocaram "doença" para faltarem ao Famalicão-Sporting. Nem sobre o despedimento dos médicos que lhes passaram os atestados médicos fraudulentos.

Para a semana vamos a Vila do Conde, mais um "campo difícil", o sempre codicioso Rio Ave. Lá para Março votar-se-á.