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Delito de Opinião

A procissão ainda só vai no adro

Cristina Torrão, 16.02.22

Aguarda-se com expectativa se a repetição das eleições para os emigrantes será por correspondência ou presencial. Parece que a presencial não é permitida nas Legislativas. E causaria um recorde em abstenções, porque, na Alemanha, por exemplo, há quem tenha de fazer centenas de quilómetros para votar presencialmente.

Mas eu duvido que haja tempo para enviar a papelada pelo correio (que terá de ser enviada de volta) a todos os votantes, até dia 27 de Fevereiro.


O Voto dos Emigrados

jpt, 10.02.22

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A Cristina Torrão já botou a sua profunda indignação com o acontecido com os votos dos emigrantes. E com ela vou solidário. Não irei repetir os seus argumentos mas julgo necessário recordar um facto: no círculo da Europa, de um total de 195.701 votos recebidos, 157.205 foram considerados nulos, o que equivale a 80,32%. 47 anos depois das primeiras eleições deste regime acontece isto! E, pior, sem que haja um sobressalto cívico, um repúdio generalizado face às elites políticas que conduziram a isto. 

Os emigrantes foram cantados na gesta antifascista e muito lamentados no gemebundismo socialista dos anos 2010s, pois ditos como se ostracizados por Passos Coelho. E são anualmente incensados no folclore do Dia das Comunidades Portuguesas - abrilhantado neste consulado com a novidade das comemorações itinerantes do 10 de Junho. Mas  neste regime o seu voto sempre foi malquisto. Por isso a sua escassa representação parlamentar. Por isso a escandalosa proibição constitucional - desenhada por ilustres constitucionalistas que desde há décadas continuam a opinar, como se democratas exemplares - do seu voto nas presidenciais, malevolência que durou duas décadas. E por isso se mantêm tantas dificuldades logísticas para o seu exercício do voto. 

Mas agora não se trata só de isso. Mas sim do devastado estado do Estado. No Inverno de 2021 durante algum tempo Portugal foi o pior país do mundo, em termos absolutos, quanto ao impacto do Covid-19. Nesse período foram organizadas umas eleições presidenciais. Tendo sido aventada a hipótese do seu breve adiamento, para que se esperasse o alijar os efeitos da invernia no impacto da pandemia, foi-nos comunicado que ministério da tutela e assembleia da república tinham deixado passar os prazos legais para se poder propor tal medida. Nestas recentes eleições legislativas, com o país fustigado pela disseminação da variante Ômicron, debateu-se a questão da votação dos infectados e dos colocados em isolamento profiláctico. Foi notório o atrapalhamento das autoridades, mais uma vez acima de tudo devido a uma incúria legislativa.

Agora surgem estas notícias sobre o voto dos emigrantes. Mais de 80% de votos inutilizados no círculo da Europa (não tenho dados sobre o "fora da Europa"). Devido a uma trapalhada legal e correlativa desorganização processual. Tudo isto bem demonstra a irresponsável incompetência com que as eleições são enquadradas pela nossa actual "elite" política.

E sobre essa perversa realidade é importante ouvir esta entrevista do cabeça de lista do PS no círculo "Europa", Paulo Pisco: diz que tinham conhecimento dos defeitos da lei, mas escuda-se no facto de ter havido uma antecipação das eleições para se desculpar pela incorrecta lei. "Até já se tinha constituído um grupo de trabalho", deixa cair. Ou seja, há uma lei eleitoral que é consabidamente prejudicial ao exercício do voto dos nossos compatriotas emigrados. E durante dois anos a Assembleia da República limita-se a constituir um "grupo de trabalho". E face à convocação de eleições antecipadas é apanhada com "as urnas na mão".

E convirá perceber que este homem, que tanto se lamenta por ter(em) sido surpreendido(s) pela antecipação eleitoral, acaba de ser eleito para a sua... 6ª legislatura, como deputado da emigração! Convirá também perceber que Augusto Santos Silva, que tem duas décadas de exercício ministerial, foi não só ministro dos Negócios Estrangeiros - com a tutela das formalmente sacrossantas "Comunidades Portuguesas" - nos últimos 6 anos, como também encabeçou a lista do seu partido no círculo "Fora da Europa". Mas, ao que parece, também nada sabia sobre esta situação, e nada fez para a resolver.

No final de tudo isto é interessante perceber o que os dois partidos estruturantes do regime, e que sempre dividem os meros 4 deputados da "emigração", fazem: o PSD agarra num patético, anacrónico e, provavelmente, ilegal procedimento eleitoral e provoca este rombo democrático que é a anulação de 80% dos votos expressos. Mas não teve tempo nem oportunidade para propor uma alteração legislativa ou uma organização dos procedimentos eleitorais. E o PS, também distraído destas coisas, não contestará esta anulação. Pois, como vergonhosamente diz este veterano deputado Pisco, "como os resultados não se alteram não vale a pena". Ou seja para este Pisco não vale a pena contabilizar, considerar, respeitar, 157 205 decisões dos seus compatriotas! Desde que o (já aquecido) lugarzito lhe esteja garantido. É esta a sua mentalidade. É este o tipo de "democrata" que o parlamento alberga.

Entretanto, acabou-se o dia. E nem Sua Excelência o ministro dos Negócios Estrangeiros em exercício, o deputado eleito pelo círculo "Fora da Europa", prof. Augusto Santos Silva, nem Sua Excelência o Presidente da República, o loquaz prof. Marcelo Rebelo de Sousa, se pronunciaram sobre esta vergonha. Da qual são profundamente responsáveis. Silva seguirá sibilino, no Rilvas ou em São Bento. E Sousa tirará auto-retratos enquanto perora inanidades sobre a heróica "identidade nacional". 

Ao menos Rio asneira(va) em alemão...

VERGONHA!

Cristina Torrão, 10.02.22

Desculpem, mas desta vez tive mesmo de escrever o título em maiúsculas. Estou muito revoltada.

A questão dos votos dos emigrantes é uma grande farsa, há vários anos. Começando pelo facto de cerca de 1,5 milhão de votantes elegerem apenas quatro deputados, passando pelos eleitores e pelas eleitoras que não recebem o boletim pelo correio e não haver voto presencial nas Legislativas e acabando na obrigação de voto presencial nas Presidenciais, que obriga, pelo menos, na Alemanha, pessoas a terem de fazer 400 km para irem votar.

Agora, isto:

Segundo o edital publicado hoje sobre o apuramento geral da eleição do círculo da Europa, de um total de 195.701 votos recebidos, 157.205 foram considerados nulos, o que equivale a 80,32%.

Em causa esteve a mistura de votos válidos com votos inválidos que “contaminou” todos. “Houve mesas em que todos os votos foram considerados como nulos. Porque era impossível, face ao comportamento das mesas, identificar quais os votos que estavam sob protesto”, explicou porta-voz do Comissão Nacional de Eleições, João Tiago Machado, à Antena 1.

“Depois de tanto trabalho que nós fizemos para motivar as pessoas. Isto é perder a cara. É perder o respeito”, desabafou Manuel Campos à Antena 1.

“Estamos num dia triste. Porque podíamos estar a festejar um aumento significativo do número de votantes na emigração. No entanto, com esta situação da anulação de tantos votos no círculo da Europa. Estamos face a uma situação inédita e bastante triste”, afirmou Pedro Rupio à Antena 1.

Em 2019, não pude votar, porque tirei novo Cartão de Cidadão em Agosto e, para ficar registada no recenseamento eleitoral, têm de passar, pelo menos, sessenta dias entre a emissão do novo cartão e as respectivas eleições. Desta vez, achei-me com sorte: recebi o boletim de voto, o que infelizmente não nos está garantido. Há cerca de um mês, publicava satisfeita esta foto no facebook, com o título "já posso votar":

Legislativas 2022.jpg

Agora, ninguém me garante que o meu voto válido contou (sim, enviei fotocópia do Cartão do Cidadão, apesar de achar tal uma estupidez). O mais certo é ter sido anulado.

Mas um escândalo destas proporções fica sem consequências! Afinal, trata-se apenas de emigrantes... que enviam cerca de 300 milhões de euros todos os meses para o seu país.

É revoltante. Desmotivante.

Contributo

Sérgio de Almeida Correia, 10.02.22

1666170.jpeg(foto LUSA/José Sena Goulão)

Para quem estiver interessado, fica aqui o link para o que escrevi sobre a "salgalhada" relativa aos votos dos emigrantes e foi hoje publicado na edição online do Público.

A paciência começa a ser pouca para tanto disparate, mas ainda vamos a tempo de melhorar, tanto mais que a legislatura está no início. Haja vontade e discernimento.

O Professor Sem Medo

jpt, 02.02.22

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Na ressaca eleitoral, Boaventura Sousa Santos invoca-se húmus teórico do Bloco de Esquerda e sentencia a sua actual coordenadora, numa invectiva que se quer letal pois assumindo-se qual Professor Sem Medo face a uma afinal assim até salazarenta Catarina Martins - esta agora decerto que duplamente dorida, pela derrocada nas urnas e pela tonitruante reprimenda do Founding Father.

Mas o que me é relevante não são as querelas sucessórias ali decorrendo. E sim as interpretações sobre o acontecido. O dr. Ba, aclamado activista avesso ao "apartheid" português - como nos classifica um teórico do "racismo sistémico" (ou "estrutural") -, já elucidara algumas das mudanças no painel parlamentar, explicitando-as como a ascensão de uma "Nova Direita" qual a suspeitosa "alt-right" mais ou menos global. A qual, no seu elevado parecer, se traduz agora numa vintena de monos parlamentares fascistas, racistas e neoliberais. Esta interpretação não diverge muito da generalizada entre bem-pensantes, particularmente propensos à interjeição "neoliberal", esse apupo simplório que acalenta a demonização de tudo o que não seja arreigadamente estatista.

Aliás, algo a latere, recordo o que após a votação me disse uma queridíssima amiga ("que nariz, que nariz..."): "esses betos [IL, entenda-se] em quem votaste são uma distopia anunciada". Respondi-lhe, algo desabrido (mea  maxima culpa, piorada devido ao referido "que nariz..."), remetendo-a para a página do partido Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa, convocando-a a melhor reconhecer os traços da perfídia distópica, tão certeiramente denunciados pela Iluminista "esquerda" lusa. Mas recupero essa breve conversa porque me é exemplo de uma versão interpretativa sobre esta parcela da tal "alt-right", racista, fascista e neoliberal, portuguesa: a de que é um movimento de classe média alta, os tais "betos", assim nada desapossada mas apenas gulosa.

Ora o que agora é significante, e terá que ser integrado na análise sobre este movimento fascizante, é o contributo do Professor Sem Medo. O qual aparenta ter uma visão algo diversa. Pois Boaventura Sousa Santos enuncia as causas destes votos nos distópicos liberais. Para ele, estes não são votos ancorados em qualquer razão, numa avaliação mais ou menos ponderada da situação nacional e do seu enquadramento internacional, mesclando expectativas individuais com anseios para o país, num saudável patriotismo, mesmo que este erróneo ou até errático. Bem pelo contrário, os votos no tal partido distópico, são fruto da emoção, numa reacção irracional face à crise potenciada pela pandemia, sendo assim um fenómeno de "ressentimento" - um ressentimento de camadas sociais decerto que provocado por se encontrarem estas desapossadas, tanto em termos reais como de expectativas, presumo - que se reflecte num ressentimento invidual condutor das opções de voto, propiciador da adesão ao cruel culto do "darwinismo social".

Parece assim óbvio - e disso quero informar a minha queridíssima amiga, bem como alguns outros que com ela partilhem a interpretação do que vai acontecendo - que este distópico, fascista-racista-neoliberal, movimento de retórica liberal (a tal IL, recordo) não se limita aos tais privilegiados "betos". Ainda para mais se aceitarmos o óbvio, e tantas vezes repetido por sociólogos: isso de que Portugal continua a ser uma sociedade bastante estratificada, onde os privilégios de classe (os dos tais "betos") seguem impunes. Será, como o anuncia o Professor Sem Medo, um movimento irracional, desprovido de Razão, dos descamisados (ou, vá lá, "colarinhos brancos" puídos), ressentidos.

Há pois que actualizar, seguindo neste sentido, a interpretação do processo actual nacional. Pelos vistos é isto que a Sociologia nos ensina.

Duas conclusões (e uma sub-conclusão) pós eleitorais

João Pedro Pimenta, 02.02.22

Não vale a pena vir para aqui fazer as análises das eleições porque podem encontrá-las para todos os gostos nos jornais, na TV, no Facebook, nas rádios e podcasts, nos twitters desta vida, etc. Seria uma perda de tempo. Mas deixo aqui duas conclusões que me ficaram destas eleições, e às quais cheguei  enquanto vagueava pela zona onde mora uma das grandes figuras da campanha, Zé Albino de seu nome.

Entre os que não tinham representação parlamentar, todos tiveram resultados paupérrimos. Como curiosidade, lembram-se do Aliança? Aquele partido que há pouco mais de dois anos seria o futuro do centro direita e até tinha um senado? Pois ficou em último (o PPM só concorreu nas regiões autónomas) com menos de dois mil votos - conferir aqui. Não admira: o seu mentor, Santana Lopes, única razão para a sua existência, veio declarar apoio a Rio e parte dos candidatos das suas listas apelaram afincadamente ao voto no CDS. Que há três anos, com Cristas, iria crescer como nunca e ultrapassar o PSD, segundo juravam alguns militantes. E o PAN era o futuro.

O cenário político está cada vez mais curto e imprevisível, pelo que mais vale não tentar adivinhar o futuro e quais serão as next big things partidárias. Essa é uma das conclusões que tiro, embora isso já me ocorresse há uns tempos.

A outra é que mesmo uma boa campanha eleitoral pode não decidir nada. O PSD mostrou uma capacidade de mobilização e um entusiasmo que há muito não se viam, ao passo que o PS, tirando umas arruadas no fim, parecia titubeante, com Costa a usar uma táctica numa semana e outra completamente diferente na seguinte.
 
E dentro desta, uma sub-conclusão: pelo menos nesta eleição, os grandes generais, os ex-líderes partidários, não serviram de muito. Rio teve a seu lado Manuela Ferreira Leite, Menezes e um inesperado Santana, como vimos, desprovido de qualquer pudor. Louçã apareceu a discursar num comício do Bloco. Ribeiro e Castro e Manuel Monteiro apareceram em acções de campanha, principalmente na arruada final, ao lado de Chicão. No PS, que me lembre, só episodicamente Ferro Rodrigues e umas bocas de Sócrates que apenas repele votos. Nenhum dele acrescentou grande coisa, a avaliar pelos resultados finais.

 

O Agente Provocatório

jpt, 31.01.22

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O dr. Ba tem todo o direito de apelar a uma "luta sem quartel", mobilizando os apoiantes para acções extra-parlamentares. E só exagerados podem ver nesta proclamação um incentivo à violência. Pois decerto que o activista se refere a uma luta política. O dr. Ba também tem o direito de considerar os "vinte" eleitos (os da IL e do CHEGA) como "racistas", "fascistas" e "neoliberais", amalgamando-os via hífens. A única coisa que pode surpreender é saber que a Assembleia da República contrata o dr. Ba, o qual tem este entendimento do que é "racismo", como consultor exactamente sobre "racismo". Enfim, ainda agora isto recomeçou...

Keep Walking

jpt, 31.01.22

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Keep Walking, disse o eleitorado, que é soberano. Assim seja.
 
E em assim sendo agora todos dizem de sua justiça. Também eu o faço ainda que com esta ressalva (o "disclaimer" como os ignorantes dizem): quando esta legislatura acabar eu já serei sexagenário - se o cancro ou o cardíaco deixarem -, pelo que esta minha "justiça" é mesmo pouco relevante para o futuro. Mas em botando alivio-me:
 
1. Grande votação, é bom. Uma grande maioria dos eleitores votou em partidos sociais-democratas, e bem mais do que em eleições anteriores. É bom, pois afunda o estribilho do perigo dos extremismos. Este terá servido para "animar a malta" mas não tem qualquer outra utilidade.
 
2. O PS com maioria absoluta. Parece que é bom, pois assim "não tem desculpas" ouvi de vários "comentadores" (ou seja, jornalistas e políticos). É estúpido crer nisso: vem aí (já aí está) uma grande mudança no contexto económico-financeiro europeu (e mundial). Esse não será apresentado pelos "comentadores" e pelos "opinadores" como o contexto esperado de governação mas sim como a tal "desculpa" para o que acontecer. Ganham com isso "Passos Coelho" e também a "troika", pois agora o bode expiatório será outro.
 
3. O PS com maioria absoluta. Parece que é bom, ouvi de vários "comentadores" (ou seja, jornalistas e políticos). Mas o PS tem características que lhe são intrínsecas, essência. Enquanto partido do poder funciona sobre o constrangimento das instituições, avesso à separação de poderes e à liberdade de informação, e é uma macro-organização clientelar. Costa não é Sócrates, em termos de objectivos pessoais. Mas não é essa a questão. Isto vai ser mau - e haverá imensa gente a impingir-nos o quão bom está a ser. Um desperdício de vida.
 
4. O PSD terá de aprender, de vez, que nada ganha em sonhar ser uma contrafacção do PS. Não sei como poderão mudar (se soubesse fazia um relatório e vendia-o). Mas se não o fizer definhará, tal como está a acontecer a outros partidos históricos.
 
5. A IL, na qual voltei a votar, subiu bastante e isso é bom. Na esquerda ouve-se uma gritaria (esperada) contra os "(neo)liberais" que nos querem desgraçar. Enquanto essa "esquerda" rústica os diz quais Pinochet eles respondem, com alguma placidez, que apresentam ideias que vigoram em países que nos são aliados e congéneres. E nisso têm imensa razão, mas a muita da rapaziada daqui isso pouco importa, pois o que lhes é relevante é que nada lhes chamusque as "boas consciências". Talvez à IL falte (ainda) um discurso "social", que mais traduza as derivas das suas propostas. E falta um discurso ecológico mais acurado - falei há tempos com uma jovem eleitora, cosmopolita e muitíssimo informada, simpática ao partido, que me dizia "em relação à agenda ecológica dos liberais europeus estão muito atrasados", culminando num até letal "são um bocadinho provincianos...". "Portugueses", respondi-lhe eu. Têm agora uma legislatura para se actualizarem na matéria - até porque esta "transição energética" (o jargão) é uma monumental oportunidade para a economia de mercado (aka capitalismo); e também porque só os mais boçais dos boçais poderão continuar a clamar que as preocupações ecológicas são um redil do "marxismo estrutural".
 
6. O CDS está nos cuidados intensivos, como fora anunciado desde finais de 2020. E o PPM, que há anos é um estúpido partido miguelista, teve 260 votos. A mera utilização de siglas históricas conduz a esta implosão.
 
7. O PCP continua a sua natural decadência. Decerto que dolorosa para os irredentistas e para muitos dos que preferiram o tardio aggiornamento pós-queda do Muro mas que mantêm vínculo afectivo ao ideário. Ainda assim elege mais do que o arrivista e insuportável "Bloco". Brindei a isso e lembrei o velho "Assim se vê a força do PC".
 
8. 385 mil compatriotas votaram no CHEGA. Na televisão vi imensos a desprezarem-nos e leio imensos insultos (no Twitter é um fartote). Eu detesto aquilo (a tal sempre necessária ressalva quando se fala do assunto...), vejo o prof. Ventura como uma criatura do capitalista apoiante da CDU, senhor Vieira, a quem infelizmente o dr. Passos Coelho deu palco quando ele ainda seguia manso. Mas a demonização desta "comunidade" eleitora é uma operação intelectual exactamente igual à que o dito prof. Ventura usa face a algumas outras "comunidades" (termo que os imbecis gostam de usar para falar da sociedade, porque lhes falta o português, as ideias e, acima de tudo, as leituras necessárias para pensarem).
 
Já agora, uma adenda pessoal sobre os eleitores do CHEGA. Nas últimas semanas jantei com dois amigos distantes, meus respeitados mais-velhos, ambos com percursos profissionais de grande quilate, e um deles com vasta actividade político-administrativa. Para meu espanto nessas ocasiões ambos me disseram que votariam no CHEGA. Não são racistas, não são fascistas, não são incultos. Nem sequer têm apreço pelas genuflexões do prof. Ventura. Ambos, cada um à sua maneira, são conservadores e fortemente anti-socialistas, eu diria que até moralmente exauridos após este quarto de século PS. Não serão "o" eleitorado do CHEGA mas podem implicar algum recuo nesta patética deriva de reduzir quem votou Ventura a uma amálgama de truculentos neo-fascistas e descamisados irados.
 
E neste sentido junto ainda: só conheço uma pessoa do CHEGA. Trata-se do deputado eleito por Leiria, Gabriel Mithá Ribeiro. Conheço-o de o ler e de um breve contacto pessoal - ele teve a gentileza de me convidar para lhe apresentar um livro em Maputo, sabendo de antemão que eu muito discordo dele na sua interpretação sobre a colonização portuguesa em África. Não só isso demontra alguma democraticidade (e garanto que apanhar um intelectual disponível para dar palco a quem discorde do seu trabalho é trejeito democrático muito raro). Mas é relevante lembrar que o homem é um intelectual muito trabalhador, culto, lido, sistematizado e sério. Em suma, posso discordar (e muito) de como ele interpreta a história colonial portuguesa, posso até dizê-la conservadora, e até me posso arrogar ao direito de lhe debater os pormenores (apesar de ele ser mais graduado do que eu, isso não me impede de discordar). Mas não o posso rebaixar intelectualmente. E a partir deste caso retiro o fundamental: não se fará oposição ao alargamento do CHEGA assente numa redução absurda (digo-o sem latim) dos seus dirigentes e do seu eleitorado a uma mole de coirões. Faça-se isso, repita-se a preguiça de os classificar como "o inimigo principal" do regime, e eles dobrarão de votação nas próximas eleições.
 
9. A anterior legislatura produziu uma lei sobre o controlo da comunicação na internet que tem um artigo que abre portas à censura. Eu esperava que estas eleições tivessem tido outro resultado, mais benéfico para o país (em minha opinião, claro). Não aconteceu assim. Mas isso não impede que a nova assembleia possa aprimorar essa lei, expurgando-a dessa malevolência.
 
10. O presidente Sousa teve o que queria? Enfim, que siga para bingo.

O meu voto

Paulo Sousa, 27.01.22

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Foi com o pensamento da semana, há algum tempo atrás aqui partilhado pelo José Meireles Graça, alojado na mente, que dei por mim a questionar o meu voto, que como aqui confessei, planeava ser destinado ao PSD.

De facto, o nosso voto não conta para nada. É uma ínfima gota dentro de um imenso oceano de que a sua ausência ninguém notará. Mas a democracia, esta maravilhosa máquina que tornou obsoleto o uso da força na rotação do elenco no poder, é frágil e por isso tem de ser estimada. Tal como uma planta necessita de água, a frágil democracia é alimentada com a nossa humildade.

O meu voto no PSD seria um acto de frieza, um voto apenas táctico contra a actual situação e alimentado com o receio de que se pudesse perder por força do método de Hondt. Olhando para o número de 10 deputados atribuído ao círculo eleitoral de Leiria e para os resultados das Legislativas de 2019, o terceiro partido foi o BE que com 20.925 votos elegeu um deputado. Acontece que o último dos 10 mandatos foi conseguido com apenas 14.992 votos. E estes quase 6.000 votos fazem uma grande diferença.

Olhando para a dispersão de votos do círculo de Leiria nas legislativas, o PSD e o PS ficam regularmente com 5 e 4 mandatos, ou 4 e 5, e é o terceiro partido que fica com o restante. Este terceiro partido foi o CDS durante alguns anos e mais recentemente o BE.

Ora no próximo dia 30 este duelo dos mais pequenos será disputado entre o Chega e a IL, podendo até repetir-se um cenário parecido com o de 2009 em que o PSD e o PS tiveram 4 mandatos cada, a que se juntaram um do CDS e outro do BE.

Assim, olhando para o que a IL com o seu deputado único conseguiu fazer no nosso Parlamento, pelos temas que trouxe ao debate político e que claramente condicionaram o discurso dos todos os demais partidos, por ter mostrado aos portugueses que existe uma alternativa ao marasmo económico e ao brutal endividamento que o PS, que governou em 19 dos últimos 26 anos, nos colocou, este jovem partido mereceria sempre o meu apoio. Mas para além disso vi também a incrível dinâmica que a campanha da IL, liderada pelo Dário Florindo, colocou no terreno, e ciente da mobilização que os seus apoiantes tem conseguido entre eleitores mais jovens, achei que era mesmo a eles que deveria entregar o voto. É apenas um. Entrego-o com humildade, mas com convicção.

Diário (Pré-Eleitoral)

jpt, 27.01.22

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[Postal em registo de diário não intimista, para quem ainda me ature. Que leva uma modesta dedicatória à memória de Pierre Bourdieu, bem importante na minha formação e que morreu há 20 anos, exactamente cumpridos há 4 dias]
 
O meu ontem foi de "actividades culturais", nas quais se poderão reconhecer as minhas "disposições" (aquilo do celebrizado "habitus") mas também encontrar opções político-ideológicas, estas mais relevantes de sublinhar em período pré-eleitoral. E aqui as descreverei pois sei que tenho alguns amigos, e decerto que vários "amigos"-FB, que me consideram um pernicioso direitista, vinculado a prejudicar os compatriotas explorados ("desfavorecidos", como dizem os eunucos), os trabalhadores ("colaboradores", dizem os outros direitalhas e... tantos outros ainda que pejados de tiques linguísticos de "género"), aqueles que estão no sopé da "escadaria" social (como ilustram os reaccionários). E quero alijá-los de quaisquer dúvidas sobre essa minha malevolência que ainda os possam atormentar. 
 
À alvorada fui abastecer-me a um mercado municipal, em demanda de víveres frescos. Assim numa postura iliberal, pois aceitando a tutela estatal sobre o comércio. E até (verdadeiramente) socialista, pois eximindo-me ao verdadeiro oligopólio das "grandes superfícies" - as quais, de facto, tendem a constituir-se em monopsónios face a sectores dos produtores nacionais. Almocei um magnífico arroz de choco com a sua tinta, de confecção caseira, opção gastronómica evidenciando um conservadorismo cultural que raia o nacionalismo mais exaltado.
 
 
 

A taxa chata - II

Paulo Sousa, 25.01.22

Por que valor estamos dispostos a trabalhar horas extra-ordinárias?

Coloco esta questão tendo em mente quanto custa ao país as horas gastas a conferir as facturas a que somos obrigados no preenchimento da declaração de IRS.

Como é obvio, o tempo gasto nesta tarefa deixa de ser tempo livre e passa a ser tempo despendido para evitar multas. Sem mudanças de trajectória governativa, não faltará muito até que isto seja considerado uma indireta forma de rendimento e naturalmente a AT estará atenta a isso, e a esfregar as mãos. A Autoridade Tributária (AT) terá forma de saber quantas horas duram as sessões abertas pelos contribuintes no seu portal, a partir daí poderíamos até estimar um custo desta obrigação fiscal mas isso nunca seria revelado.

Quando o estado nos acenou com o sorteio de um automóvel em troca do rasto digital das nossas compras, algumas vozes apontaram para o que de facto se estava a passar, mas com o deslizar do tempo, essa prática banalizou-se e poucos são os que hoje se recusam deixar que o seu número contribuinte seja associado aos seus mais pequenos consumos, permitindo assim que os seus hábitos de compra sejam rastreados. Os mapas SAF-t que mensalmente todos as empresas e estabelecimentos comerciais são obrigado a enviar à AT transportam consigo toda essa informação.

Ameaças à privacidade resultantes das novas tecnologias não faltam, já aqui postei sobre isso, mas perante o potencial pidesco do nosso sistema fiscal há uma questão que importa levantar: é o direito à privacidade um bem ou mal? Arrisco acrescentar que se é um bem, deve ser protegido e, pelo contrário se for um mal, deve ser corrigido ou eliminado.

Estamos seguros de que a existência destes registos nunca será usada para invadir a privacidade dos cidadãos? Podemos confiar que os contrapesos do sistema são suficientemente sólidos para protegerem o cidadão de um eventual uso abusivo desta informação? Faz sentido reforçar estas garantias, ou simplesmente deveríamos abdicar da produção de tais registos?

E tudo isto para chegar ao título do postal. A IL trouxe para a presente campanha eleitoral muitos dos temas que acabaram por ser os principais temas dos debates. Refiro-me às duas décadas de estagnação da nossa economia, à dimensão da nossa carga fiscal e à invasão das nossas vidas pelo estado.

Apontando para o que é feito noutros países que obtiveram muito melhores resultados que o nosso, sugeriram uma flat tax, palavrão anglo-saxónico que pode ser traduzido por taxa plana, mas que, comparando com a infinidade de parênteses, sub-parênteses e sub-sub-parênteses do nosso sistema fiscal, que deve ser traduzido por taxa chata. Para as mentes kafkianas que elaboram os mais refinados detalhes da jaula fiscal em que vivemos, simplificar os impostos iria tornar o nosso sistema fiscal numa coisa chata e aborrecida. Deixará de haver espaço para as mentes fuinhas que se sentem inflamadas sempre que têm a oportunidade de sacar de mais uma surpreendente alínea de que já ninguém se lembrava.

A flat tax proposta não pretende que todos paguem o mesmo imposto, pois a primeira faixa de rendimento, que poderia ter como referência um valor indexado ao SMN, estaria isenta. Daí em diante, quem mais ganhar mais paga, mas de forma proporcionalmente directa. Segundo o proposto, numa fase inicial existiriam duas taxas.

Para quem quiser comparar a situação actual com o que é proposto pela IL, pode espreitar aqui.

Importa sublinhar ainda um ponto importante, e que é especialmente dedicado aos que acham que é com mais impostos sobre os ricos, que em Portugal ganham 1500€ brutos, que se resolvem os problemas do mundo. Com um salário líquido superior, cada contribuinte acabará sempre por pagar mais impostos indirectos. Com mais dinheiro na algibeira o contribuinte irá sempre pagar mais IVA. Se comprar um automóvel irá pagar IA, IVA, IUC e ISP. Se comprar uma casa irá pagar IMT, IMI, Imposto de Selo e IVA sobre os consumos da casa. Se passar a fumar mais, irá pagar mais imposto sobre o tabaco e se beber mais cerveja e/ou refrigerantes não se livrará dos respectivos impostos. A lista dos impostos ultrapassa os limites de caracteres disponíveis para um postal e por isso não poderei ser exaustivo. Assim, quem ficar com mais dinheiro depois da retenção na fonte feita sobre o seu salário, acabará sempre por pagar mais impostos.

Quando falamos de que só aumentando a nossa produtividade podemos ver os nossos salários aumentados, falamos indirectamente do batalhão de funcionários das finanças, contabilistas, empresários, trabalhadores por conta de outrem que têm de lidar com o que será um dos sistemas fiscais mais complexos da Europa, ou do mundo. Quantas outras coisas produtivas poderiam ser feitas durante o tempo que se gasta a esclarecer as dúvidas resultantes da infinidade de detalhes do nosso sistema? Quantas dúvidas exigem um ou mais telefonemas, um ou dez e-mails, quantas multas indevidas acabam anuladas após a sua reclamação ou ida a tribunal, quantas horas de bisturi em punho são exigidas a quem quer aumentar os seus empregados sem incorrer na situação do Américo, quantos trabalhos em part-time não chegam a ocorrer para não se subir de escalão e, ao fim ao cabo, quanto perdemos todos para que entreguemos ao estado a decisão do que fazer com aquilo que ganhamos com o nosso trabalho?

A taxa chata - I

Paulo Sousa, 24.01.22

O Américo é empregado por conta de outrem. Preenche o IRS individualmente, é residente no continente, não tem dependentes a seu cargo, não aufere de outros rendimentos que não sejam do seu trabalho e também não recebe os seus subsídio de natal e férias em duodécimos.

Para tornar o cálculo mais simples excluí deste exercício o subsídio de alimentação, pois se este fosse pago acima ou abaixo da tabela divulgada anualmente pela AT, isso poderia levar a que este exercício se tornasse demasiado elaborado.

Para enquadramento geral podemos imaginar que o Américo nasceu nos anos 80, tem formação superior e já trabalha há dez anos.

A seu salário é de 1.560€, o que para Portugal nem parece mau, mas o que chega à sua conta bancária são apenas 1.120,40€, valor que andará próximo do salário médio nacional. Apesar da lei portuguesa impedir que essa informação conste no seu recibo do salário, este ordenado custa ao seu empregador 1.930,50€. Já aqui postei sobre o mesmo assunto, embora noutra direcção.

Por estar a receber um valor cada vez mais próximo do Salário Mínimo Nacional, o Américo foi falar com o seu patrão. Explicou-lhe o que o seu irmão mais novo, que está a trabalhar na Irlanda há dois anos, recebe mais de 4.000€ por um trabalho idêntico. Por isso pediu-lhe um aumento.

O patrão que receia que o Américo também emigre, decide aumenta-lo. Explica-lhe que gostaria de lhe pagar mais e como ele sabe a empresa está a atravessar dificuldades por causa da pandemia, mas logo que haja condições irá recompensa-lo.

Assim, o patrão decide aumentá-lo em 30€. É um aumento pouco mais do que simbólico, mas é uma forma de se mostrar sensível à exposição do Américo. Este aumento irá custar à empresa 37€ adicionais.

Assim ficamos na seguinte situação:

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Cálculos efectuados através do site Doutor Finanças.

Importa relevar que se o Américo fosse casado ou vivesse e união de facto estes cálculos seriam diferentes. Não que o estado queira saber das opções individuais dos portugueses, pois o Américo podia viver com a Joana, com o João, com quem poderia estar ou não casado. O Estado não quer saber disso para nada, excepto para efeitos fiscais.

Se o Américo vivesse numa das Regiões Autónomas, os valores aqui apresentados seriam também diferentes. Não que os madeirenses ou os açorianos sejam cidadãos diferentes dos demais, pois todos somos iguais perante a lei. Excepto para efeitos fiscais.

Se o Américo tivesse filhos ou outros dependentes a seu cargo, os valores aqui apresentados seriam também diferentes. É óbvio que o país precisa de crianças para se renovar geracionalmente e com o tratamento desigual a quem não tem dependentes a seu cargo, o estado procura promover a renovação geracional. Os mais recentes censos confirmam o sucesso desta variável na fórmula de cálculo do IRS.

Se o patrão do Américo se atrasar no pagamento de um salário e no mês seguinte lhe pagar os dois salários juntos, isso terá de ter um tratamento próprio de forma a que essa duplicação não o faça subir de escalão. Não que o estado queira controlar todos os instantes do que se passa na relação entre o empregador e o empregado, isso é que não. Excepto para efeitos fiscais.

Importa também acrescentar que no período em causa o Américo não auferiu do pagamento de férias não gozadas, não recebeu nenhum subsídio de compensação de encargos familiares (creches, jardins de infância, estabelecimento de educação, lares de idosos e outros serviços ou estabelecimentos de apoio social), nem subsídios destinados ao pagamento de despesas médica e medicamentosa, não beneficiou de refeições tomadas das entidades empregadoras, não recebeu nenhuma indeminização por despedimento ilegal nem nenhuma compensação por cessação do contrato de trabalho, nem ainda nenhum desconto para a aquisição de acções da entidade empregadora. Se algumas destas situações tivesse ocorrido, os cáculos seriam diferentes.

Mais simples é impossível.

O impacto das sondagens

jpt, 23.01.22

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Há apenas dois meses e meio tudo se apresentava conforme o necessário ao devir pátrio, pois o PS comandava a corrida a São Bento com 14% de vantagem nas sondagens, já roçando a maioria absoluta, bons auspícios que até eu próprio, com a minha sageza de áugure, também garantia junto dos simpáticos visitantes do blog que ainda duvidassem desse almejado desígnio. Tal como antes, e há mais de um ano, robustecido pela referida pertinência analítica, já havia eu exarado a certidão de óbito do partido CDS. 

Entretanto, no Outono deste Covidoceno, o PSD estrebuchava num extemporânea compita interna. A qual opunha o afável Rui Rio, o qual, ainda que portador dessa deficiência partidária, tinha alguns pergaminhos democráticos e patrióticos - não só pelo aval que lhe é concedido por Pacheco Pereira como também por ele próprio ter anunciado que, quando jovem, se poderia ter filiado no PS -, ao pouco fiável Rangel, cabecilha de um grupo direitista antidemocrático, votado em desmantelar o nosso bem-estar, e subrepticiamente financiado por uma esconsa multinacional capitalista, interessada em transformar o país numa quinta coluna desagregadora do "Estado Social" europeu. Para além disso, o partido fascista do "capo" Ventura, crescia desmesuradamente, anunciando os simbólicos "dois dígitos" percentuais, mais condizentes com a malvadez, furiosa e até fraticida, afinal ela sim típica da essência da portugalidade. Nesse contexto as fileiras democráticas congregaram-se e contra-atacaram, enfrentando o conjurado Rangel, sumarizando-o como nem os talibãs tratam as mulheres que se assoam em público.

Veio o dr. Rui Rio a sobreviver à insurreição acontecida nas suas hostes. Foi um alívio generalizado, tanto porque sempre ele evidenciara disposição "dialogante", como se anunciava prestes a uma plácida "coabitação" com as forças do progresso. E para esse gáudio popular (que nos foi transmitido pelos comentadores institucionais e opinadores avulsos) também contribuiu aquilo que resumi, nas minhas doutas palavras, deste modo: "não encontro, nem no círculo dos meus conhecimentos nem no amplexo imprensa/redes sociais, locutores que exprimam entusiasmo pela acção de Rui Rio. Algo que não será razão suficiente para nele descrer ,mas que será um pouco descoroçoante para quem espere uma "vaga de fundo" eleitoral.". Tudo então parecia correr bem, e pudemos reflectir sobre a urgente questão de quem será o próximo presidente da Assembleia da República, se Carlos César, se a pedagoga Edite Estrela ou até o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros, caso consiga sucesso na sua difícil candidatura à legislativa, tão alheia será esta às redes de informação e influência dos postos consulares.

Mas agora, menos de breves três meses depois, e por razões que a razão desconhece, as sondagens - que nunca são de fiar, como bem se sabe - vêm ameaçando derrapagens diferentes. Por um lado, a besta fascista do prof. Ventura não parece assim tão maiúscula que a todos convoque ao desconforto das barricadas em pleno Inverno, assim algo desmobilizando o "elan" da Frente Popular. E por outro lado, a distância entre o vencedor PS e o derrotado PSD vem diminuindo a olhos vistos. 

Esta aparente inflexão, ainda que surpreendente, já pairava nos ares das cerimónias oraculares. Nas quais se tornara óbvia a necessidade de arrancar a máscara (não cirúrgica) do candidato Rio, desvendando a sua vertente afascistada. Encetara este urgente processo o orador Ascenso Simões, anunciando-o como moldado pelas temíveis SS nazis, qual verdugo "Viriato". E agora a nossa querida e eterna "menina da Foz", a tão corajosa Rosa Mota - voz portuense avisada, insuspeita de alguma vez se ter erguido contra aquele edil antecessor de Rio que um dia veio a Lisboa em histriónica pose de "ser califa no lugar do califa", regressando depois ao probo posto de braço direito financeiro do democrata Pinto da Costa -, a todos anunciou ser Rui Rio um "pequeno nazi". Já no politicamente correcto, pois "de referência", "Expresso", o fascismo de Rio vem denunciado em versão matizada, apenas como sendo ele eivado de pulsões ditatoriais, nisso ao invés do paradigma de placidez "dialogante" que domina todos os governantes socialistas patrióticos. 

Mas se esses maus prenúncios foram sendo mantidos secretos nos "estados-maiores", procurando poupar o povo a cuidados e até talvez ao pânico, os indícios dessas más notícias foram notórios nesta passada semana. Tudo se tornou claro quando o primeiro-ministro atacou o partido LIVRE, qual loba devorando as suas crias, apesar deste sempre tão disponível para se acolher na bolsa marsupial socialista. Ao ouvir o ataque, e o esganiçado e tão surpreso lamento do repudiado - porventura então ainda desprovido das últimas informações numéricas -, foi clamoroso que se chegou a um entroncamento eleitoral, em que na luta contra o fascismo não se poderá perder 1 ou 1,5 por cento, coisa que o método de Hondt poderá traduzir em um ou outro deputado.

(Costa acusa Livre de usar nuclear para transição energética)

Para culminar, agora e pela primeira vez, a apenas uma semana do "dia grande" destas eleições surge a primeira sondagem ameaçando a vitória indevida. Torna-se necessário ainda um maior esforço para evitar a derrota democrática. É certo que António Costa tem um ror de feitos governativos e que os tem divulgado, impedindo a ingrata amnésia de amplos sectores da população, tanta dela alienada pela malévola actividade dos órgãos de comunicação social, agentes que estes são dos grupos económicos privados que os possuem.

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Mas julgo que serão necessárias mais acções, num in extremis para esta última semana de campanha, de modo a evitar o risco de que as correntes anti-patrióticas assumam o poder. Para além da insistência nas políticas bem sucedidas, e atendendo a que o povo, na sua candura, é muito atreito aos vultos que o comandam, dever-se-iam convocar aqueles que, nestes últimos anos, através dos seus feitos mais da lei da morte se libertaram. Que surjam vibrantes, ombreando com o líder, gentes como Galamba, obreiro do enriquecimento via a "febre do lítio", ou Van Dunem, cara do multiculturalismo nacional e alma da vasta reforma da Justiça e da luta contra o crime económico, este que tanto amesquinhou o regime durante as governações da direita. Ou, talvez ainda mais, a nossa querida Super-Marta, dinamizadora do SNS e vera marechala da nossa vitória contra o inimigo Covid-19. E se estes não forem achados suficientes, que se convoque a Armada para o Tejo (a RTP, claro) e diante dela refulja o Nosso Almirante, que o governo tão sabiamente elevou a Chefe de Estado-Maior da Marinha. 

Pois estou certo de que com a conjugação de todos estes, e de mais alguns apoiantes tão credores do nosso respeito, o Fascismo Não Passará!

O Estado de Não-Direito*

José Meireles Graça, 21.01.22

Para as pessoas que, por estarem confinadas, não podem (!) ir votar, inventam-se engenhosas soluções e uma, ou mais, delas, será consagrada um dia destes (ainda não foi no momento em que isto escrevo), no meio de declarações solenes sobre a importância do voto, a majestade da democracia e outras grandiloquências. Costa enfatizará o seu pessoal empenho em encontrar uma solução, deixando implícito que aquelas vítimas do flagelo fariam bem em lhe agradecer, votando PS; as oposições felicitar-se-ão, cada uma salientando ter dado o seu parecer desfavorável ao que não foi feito, e favorável ao que acabou por ser, com excepção talvez do candidato Rui Tavares, que tinha outra solução ainda melhor, cozinhada no lado escuro da Lua, onde geralmente medita; e Marcelo, provavelmente, perdigotará as coisas pias que há muito tempo lhe garantem, e a Cristina Ferreira (no caso desta aos gritos) invejáveis índices de popularidade.

Se não fosse assim o caso seria ainda mais grave e justificaria um outro artigo digno da atenção dos fiscais do discurso do ódio.

Sucede que todas as pessoas confinadas o estão ilegalmente: O estado de calamidade é uma invencionice óbvia para contornar os condicionalismos que a Constituição estabelece (art.º 19º) à declaração dos estados de sítio ou emergência, e o instrumento para o conjunto de arbitrariedades de 27 de Novembro último é uma mera Resolução, que consagra absurdos como prisão domiciliária por decisão de uma qualquer “autoridade de saúde”. Pode ser que se encontrem dois constitucionalistas, dezassete juristas e quatro juízes que digam que assim não se deve entender. Mas os constitucionalistas, Deus os abençoe, são um conforto para qualquer iletrado incapaz de interpretar um texto porque tendem a ver na Constituição umas vezes o que lá não está, e outras o contrário do que lá esteja; os dezassete juristas são do poder do dia, uma doença que aflige muito a classe; e os juízes, conforme vêm demonstrando com sentenças recentes para crimes de colarinho branco, mormente a demencial de que foi vítima Rendeiro, têm evidenciado um medo abjecto da opinião pública, quando não são eles próprios vítimas do tsunami histérico que um dia se originou em Wuhan e não cessa de dar voltas ao mundo.

A qual opinião foi com tanto sucesso formatada por uma comunicação social que abandonou há muito o seu papel de contrapoder que nem se dá conta (a opinião)  do génio que deixou sair da caixa: pode-se tripudiar em cima de direitos, liberdades e garantias desde que haja uma maioria de cidadãos que acredite que os atropelos são feitos em nome de um bem maior, no caso a saúde pública.

Os poderes, como é da sua natureza, agarraram a oportunidade. E tal presidente da Câmara, aborrecido com as comezinhas ocupações do trânsito, do saneamento, da recolha do lixo, abraça com zelo a missão exaltante de patrulhar a vida do seu munícipe e superintender em funções policiais, estabelecendo-lhe regras e interditos sob o aplauso e admiração dos atemorizados bons cidadãos; tal presidente de governo regional decide quem entra e quem não entra no seu território e detém perigosos infectados, declarando coisas sonoras para a floresta solícita dos microfones, que chegam a ser ouvidos – ó abençoada Covid – no estrangeiro; tal médico, enjoado de tratar doenças porque não ganha mais por isso, dado que é um funcionário público da saúde, cumpre o sonho de regular manu militari a vida dos pacientes, com o meritório propósito de só lhe aparecerem com males da senectude, os únicos que não são culpa do estilo de vida; tal polícia recebe como um justo alargamento dos seus poderes o de meter o nariz nas casas dos infectados, que na sua insondável ignorância imagina leprosos e irresponsáveis contumazes; e todos rezam hossanas ao Estado que os faz importantes e seguram com determinação o cajado de pastores da grei.

Esta porta aberta, o caminho do abuso, da prepotência, do arbítrio, só precisa da próxima ameaça, real ou imaginária, à saúde ou outro bem que o cidadão preze, para se tornar o ordinário da missa.

E nem se pode contar com a análise retrospectiva do custo/benefício das medidas. Há demasiados responsáveis, demasiadas conivências, demasiado unanimismo: quando quase toda a gente defende asneiras não resta ninguém para as censurar porque as pessoas, salvo se forem da Opus Dei, não se autoflagelam.

Quem nos (a minoria covidocéptica, no caso) pode defender no futuro, os partidos? Ora, eles são máquinas de conquista e manutenção de poder, que não se ganha destratando os medos da massa dos aderentes. Os tribunais? Para efeito de habeas corpus sim, e no caso das multas terroristas talvez, mas isso é só para quem tem dinheiro, tempo e paciência. A opinião pública? Uma rameira volúvel, não é preciso ter uma visão conspirativa do mundo para perceber que se um qualquer conjunto de circunstâncias ou interesses levar a que o leitor/ouvinte seja bombardeado com o mesmo discurso sobre uma qualquer ameaça, a boiada estoura. A comunicação social? As redes sociais miserabilizaram os jornalistas, que passaram a ter concorrência gratuita, e não encontraram ainda a receita para oferecer algo melhor que implique investigação e contraditório mas gere recursos. De modo que papagueiam o que dizem as agências, os outros órgãos de comunicação e os responsáveis, num conúbio frequentemente pornográfico. Isto e a estranha evolução que os fez trocar a missão de informar pela de formar explica que quem quiser perceber o mundo tem de fazer mais do que apenas ler o seu jornal habitual e ouvir o seu canal preferido, sob pena de se alimentar provavelmente de esterco.

Em algum momento deixamos que a opinião pública fosse o alfa e o ómega de todas as coisas. E se no plano político ela se fracciona segundo correntes ideológicas, em assuntos onde a clivagem esquerda/direita é menos nítida já vivemos no regime de partido único.

Nestes regimes, as liberdades brilham no papel mas o governante ofende-as à medida das suas conveniências; os agentes do Estado entendem que a sua condição é a de servidor do cidadão em abstracto, e de seu superior em concreto; e os comportamentos são vigiados e regulamentados crescentemente porque o técnico sabe melhor do que cada qual o que convém à sociedade e, crescentemente, ao próprio cidadão, que aliás não é mais do que um utente.

Já era assim há bastante tempo no âmbito fiscal: teoricamente em nome da justiça e na prática da sofreguidão por receitas foi-se construindo o edifício do abuso, da prepotência e da inimputabilidade do Fisco, completo com a inversão do ónus da prova e um quadro próprio de pessoal que beneficia das suas exacções. E com isso criou-se um monstro que ninguém sabe bem como domar porque entretanto a receita se tornou essencial para alimentar o mecanismo de leilão de promessas que é o corpus da democracia como a esquerda a entende.

Solução? Talvez não haja. Não ficaríamos pior, porém, se da próxima vez que elegermos o mais alto magistrado da Nação escolhermos alguém consciente de que liderar não consiste em andar a correr atrás da multidão. Ah, e que não seja hipocondríaco.

 

* Publicado no Observador

Faltam só dez dias

Paulo Sousa, 20.01.22

O SNS está a rebentar. É comum explicar-se a sobrecarga das urgências, pelo mau hábito dos utentes em não ir primeiro ao seu Centro de Saúde.

Dos cinco médicos habituais no Centro de Saúde de Porto de Mós, resta um. A população que não tem ADSE nem Seguros de Saúde, tem de esperar. Olhando para este cenário que se repete por todo o país, é inegável que o SNS chegou a um ponto em que só não precisa de esperar, quem pode pagar. Esta é a incoerência maior de quem se diz defensor da igualdade.

António Costa garante tudo o que lhe vem à cabeça e mesmo as mais descabidas mentiras são-lhe perdoadas e até aplaudidas.

O dia 30 está quase aí. Segundo os inquéritos à intenção de voto, os portugueses estão satisfeitos e não desejam mudanças. Ou é isso, ou estamos perante mais um dos insondáveis mistérios das sondagens.

Cá se fazem, cá se pagam,

jpt, 19.01.22

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será o mandamento do partido LIVRE. Há coisa de um ano ficou célebre um despique acontecido num dos inúmeros painéis de comentário político radiotelevisivo. Nele o socialista Sérgio Sousa Pinto (que quando jovem foi o dr. Frankenstein desta voga das "causas fracturantes") deu uma gigantesca arrochada em Rui Tavares, lembrando-lhe de como este se associara politicamente, em posição subordinada, a um anterior membro da STASI, a nada simpática polícia política da RDA. Tudo teve então mais eco não só pela veemência de Sousa Pinto como, e acima de tudo, pela ar encabulado e até apardalado com que Tavares ficou - o delicioso filme do momento entretanto deixou de estar acessível, privando o povo de repetir as inúmeras gargalhadas então dadas.
 
Hoje Tavares foi entrevistado no programa de Araújo Pereira. À pergunta de "para quê votar no LIVRE?" respondeu que os eleitores lisboetas assim poderão deixar de votar na lista do PS "onde está Sérgio Sousa Pinto" e votar nele próprio.
 
É difícil encontrar por cá maior exemplo de nanismo político...
 
Adenda: um leitor teve a amabilidade de me informar, em comentário, onde ainda se pode encontrar o filme desse debate.

 

(Intervenção de Sérgio Sousa Pinto no "Grande Debate", 17.11.2020, RTP)

O Segredo de Justiça e a CMTV

jpt, 19.01.22

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(Ante)Ontem, já noite adulta, fui ver em diferido o grande colóquio eleitoral ("a nove"). Nessa rota cruzei a CMTV onde reinava um painel de futebol e vi um sumarento rodapé sobre o "Cartão Vermelho", um processo de investigações judiciais sobre o Benfica que está em voga. Prossegui na demanda da cidadania eleitora mas resguardei a apetência clubística para ali regressar. 

Do debate retirei dois galardoados: a medalha de prata foi para João Cotrim de Figureiredo (IL). Talvez devido a algum viés meu, mas quero crer que não só por isso. Pois o candidato foi esclarecedor na sua apresentação e incisivo nas suas críticas, sublinhadas por uma saudável rusticidade na forma como afrontou o incumbente António Costa. Mas o grande vencedor, arrecadando a medalha de ouro da noite, foi Rui Tavares (LIVRE), de longe aquele que mais terá sossegado os seus eleitores e até a outros atraído. Pois Figueiredo havia, nas suas duas primeiras intervenções, utilizado uma sarcástica confrontação com Costa, ao solidarizar-se com o moderador Daniel, dado não se ter dignado o primeiro-ministro a responder-lhe às perguntas que este lhe colocara. E logo de imediato Tavares, assumindo sem rodeios as presumíveis dores de Costa, contra-atacou o dirigente da IL utilizando a mesma formulação, assim esvaziando-lhe a eficácia de qualquer continuidade estilística. Demonstrando assim a todo o país e, em especial, ao seu putativo eleitorado a sua disponibilidade para ombrear com o PS e também a sua competência e o seu afã como guarda-costa retórico, e assim político, do secretário-geral socialista.

Ainda assim, mesmo que amputado dessa sua específica artimanha,  Figueiredo ainda logrou outro sucesso ao aflorar o tópico da "maioria absoluta" como garante da almejada, porque sacrossanta, "estabilidade". Costa havia invocado o presidente Sousa como caução de futuras boas práticas socialistas se vier a conseguir esse objectivo eleitoral (o qual julgo muito plausível). Nesta sua investida o representante da IL lembrou, implicitamente, que a degenerescência da ideia de "maioria absoluta" nos foi legada pelo consulado de José Sócrates. E explicitou que no final desse período - sob a tal maculada maioria absoluta, prenhe de más condutas pessoais, arrombamentos do sistema financeiro, afrontas à liberdade de imprensa, tenazes sobre o poder judicial e, talvez acima de tudo, um enorme desplante colectivo -, exactamente nas vésperas do início de processo de "ajustamento estrutural "(sob instruções conjuntas de Bretton Woods e de Bruxelas), aconteceu o 16º congresso do PS. No qual triunfou a moção encabeçada por Sócrates, a qual fora delineada e capitaneada por António Costa. Assim lembrou aos eleitores o quão falsária é a "narrativa" vigente, a de que já in illo tempore Costa se havia apartado do socratismo, ao exilar-se nos Paços do Concelho lisboeta. O que de facto não acontecera, tal como o seu partido não o fizera, como o comprovam os resultados daquele congresso - em que Sócrates foi reconduzido por uns esmagadores 93,3% dos delegados -, e é escarrapachado no montante de membros de governo e seus assessores dos últimos seis anos, bem como de actuais (euro)deputados, que foram fiéis agentes do poder socratista.

Recordo tudo isto porque me lembro não só das incontáveis negações das evidentes aleivosias socialistas daquele período, então produzidas por políticos e fazedores de opinião, estes quantas vezes atribuindo tais indignações dos cidadãos a "ressabiamento" da "direita" (termo que nesse recente então era entendido como sinónimo de "extrema-direita", aliás "fascismo") e a "campanhas" (até "cabalas") urdidas por esconsos interesses malevolentes. Mas memória ainda mais interessante é a do acontecido após a explosão do processo judicial intentado contra Sócrates. Face ao transbordo, de facto civicamente inaceitável, das transcrições de escutas telefónicas para as páginas dos jornais - estes assim dolosamente tornados em receptadores de bens roubados - houve um demorado e veemente coro de reclamações socialistas, indignados com a violação do "segredo de justiça", exigindo até uma luta contra alguma volúpia dita populista, adepta da "república de juízes".

Enfim, enquanto me deixei eu vogar nestas tão recentes memórias, acabou-se o debate entre os nove dirigentes partidários. Fui então ao diferido da CMTV, onde vigorava o painel futebolístico - composto por uma moderadora que julgo filha do grande Rui Águas, pelo antigo jogador José Calado, por um painelista de agressivo ímpeto e carregado sotaque portuense e pelo deputado socialista Pinotes Batista. O debate era interessante, pois demonstrativo da estratégia comercial da estação para potenciar as audiências: durante o longo programa foram sendo enunciados nacos das transcrições das escutas telefónicas a dirigentes do Benfica. E cada revelação era acompanhada do anúncio de que outra viria a ser apresentada durante aquele programa, tendo o último desses três episódios sido acompanhado com a primeira página do jornal "Correio da Manhã" do dia seguinte, ali publicitado como contendo todo o conteúdo das conversas telefónicas que se referiram àquele último assunto. 

Concordando eu com escutas telefónicas como auxiliares de investigações judiciais, interrogo-me sobre a pertinência da gravação de conversas excêntricas às matérias em causa e, ainda mais, à transcrição destas. E é evidente que há crime no seu transbordo para fora do âmbito judicial e dolo na sua utilização comercial. Neste âmbito sempre se defende a imprensa - e assim o fez no "caso Sócrates" - invocando um superior "interesse público", o qual justificará a violação do basilar "segredo de justiça". Ainda assim tenho algumas dúvidas sobre se o tal "interesse público" nacional inclui saber-se se um funcionário do Benfica chama a outro "bufo do balneário", se um antigo  presidente do Benfica trata um futuro funcionário do clube como "artista" ou se um vice-presidente do clube discorda da contratação de um jogador de futebol antes de lhe serem feitos exaustivos exames médicos. Enfim, ainda que leigo em matérias de ciências jurídicas, parece-me que isto é uma escandalosa violação do "segredo de justiça" com meros intuitos comerciais e totalmente desprovida de qualquer "interesse público".

É então interessante que nenhum dos próceres socialistas nem algum dos seus correligionários opinadores, surja agora discordando destas violações. Mas ainda mais interessante é assistir-se - em pleno período de eleitoral - a um deputado socialista totalmente embrenhado nisto. Pois Pinotes Batista - que presumo ser remunerado nesta sua actividade, ainda que aceite a hipótese de que cumpra em regime pro bono essa tarefa a tempo parcial de comentador futebolístico em estação televisiva comercial - comenta todas aquelas violações do "segredo de justiça" com enfático entusiasmo e minucioso detalhe. E nada se ouve sobre esta mais-do-que-aparente contradição política e moral entre a postura de cidadania exigível a um deputado e o rasteiro e imoral atropelo das regras legais e do sentir democrático. Nem do seu secretário-geral, nem do presidente ou de algum órgão disciplinar (ou "deontológico") do seu partido. Pois decerto que aceitarão como relevante o facto do homem ser "anunciado na tv", os ganhos de visibilidade nisto de ser comentadeiro da bola. Note-se mesmo, nem a secretária-geral adjunta do PS, que encabeça a lista por Setúbal na qual Pinotes Batista consta em lugar certamente elegível, se incomoda com um dislate destes.

Porque é este o pessoal político do PS, entre o qual predomina este "vale (quase) tudo" desde que dê "jeito". E o qual se prepara para vencer com uma enorme maioria, talvez até absoluta. E que neste seu "jeito" governará. Olhando para o passado recente, recordo que João Galamba, apenas conhecido pelo seu veemente afã no negacionismo das aleivosias socratistas, ascendeu à tutela estatal das concessões mineiras. E sob esse paradigma nada me surpreenderei se ainda viermos a ver este Pinotes Batista no Ministério da Justiça... 

Temos uma vantagem. É que já estamos habituados, e pelos vistos satisfeitos, com esta cepa torta.

Os nove

José Meireles Graça, 18.01.22

As horas de comentário nas televisões sobre os debates excedem o tempo que leva a dar a volta ao mundo num avião a hélice. E os escritos, se impressos, poderiam cobrir de papel Portugal continental. Daí que não valha a pena acrescentar um parecer aos pareceres – consigno aqui impressões a voo de pássaro (pássaro, não pássara, um lembrete para os camilianistas, se andar algum por aqui).

Vi o debate e felicito quase todos os intervenientes porque, com excepção do Ruizinho, estiveram bem:  Costa é escravo das coisas em que acredita e tem dito há muito (desde o tempo em que era o estimado “António” da Quadratura do Círculo) e força-se a imaginar que a sua aplicação não resultou num falhanço. Bate-se com pundonor e um prodigioso chorrilho de aldrabices e falsificações e não é impossível que acredite numa parte do que diz, sendo portanto um troca-tintas sincero; a artista das Visões Úteis recita o mantra puído das homilias de frei Anacleto, mas competentemente – aquilo às vezes até parece um discurso fresco; Inês, a empresária dos túneis, disse que são necessários meios para que lá no canil nenhum animal sofra, que as touradas devem ser feitas com flores e ainda outras piedades fofas, sem esquecer os pobres e as dietas das cantinas, que devem incluir tofu; João Oliveira recitou o breviário do PCP, despertando sentimentos de ternura em todos, e somos muitos,  os que lembram com saudade o tempo em que os camaradas já diziam aquelas mesmíssimas coisas e a gente os desgramava mas éramos novos. Não é nenhum mentiroso, o bom do João, tem fé como os ayatollahs.

Já Tavares, a surpresa desta campanha como a camarada Joacine tinha sido da anterior para a AR, é tão lunático como ela, mas com mau aspecto. Pretende dar aulas de empreendedorismo aos capitalistas, sabe imenso de gestão, tem receitas para o crescimento e o céu na terra e, ao contrário dos outros, acredita que descobriu a pedra filosofal. É o exemplo típico do asno doutor, a pior variedade, e é provável que vá para a AR gaguejar ideias que escabicha por debaixo daquela calva acaciana e no Le Monde.

Quanto à direita: esteve bem e até mesmo o troglodita Ventura deixou claro que uma solução de governabilidade tem de o abranger, digam os outros o que disserem. Coligações fazem-se em torno de um programa comum, e este não tem de incluir a truculência penal para agradar aos reformados jogadores de sueca num café em Freamunde, nem outros simplismos futeboleiros. Cotrim brilhou e tinha o papel mais difícil – as medidas económicas que interessam são contraintuitivas e defender consistentemente que se dispa a ganga da distribuição socialista, num país de velhos acomodados e funcionários, não é pequena tarefa.

De modo que quem tem ideias definidas viu ali uns campeões satisfatórios. E quem não tem deveria talvez fazer uma introspecção para responder à excruciante pergunta: As minhas hesitações decorrem das complexidades de uma mente profunda ou do facto de ser simplesmente burro?

No dia 30 saber-se-á se ganhou o conservadorismo socialista (continuação da marcha melancólica para a decadência no melhor dos casos, e a pré-falência no pior), ou o passismo actualizado. Eu sei de que lado estou, mas não digo porque o voto é secreto.

Um resumo de como aqui chegámos

Paulo Sousa, 16.01.22

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O debate da passada quinta-feira entre António Costa e Rui Rio, transmitido pelos canais televisivos generalistas, teve uma grande audiência e, apesar de ainda ser cedo para o sabermos, no futuro poderá vir a ser lembrado como um ponto de viragem na trajectória política do país.

Não vale a pena alimentar a questão de quem ganhou o confronto, pois isso permite apenas saber a simpatia prévia de cada opinador. No pós-debate televisivo isso foi muito claro. Saltando de canal e canal, apanhei uma sequência de comentários na CNN que achei representativa do que de facto está eu causa no próximo dia 30.

Mafalda Anjos:
“Não acho que tenha sido um debate facilmente inteligível para a maioria das pessoas.”

Anabela Neves:
“Rui Rio remete para a situação económica a execução de uma série de políticas, até algum aumento do SMN, ou seja, se a economia ajudar, se não houver inflação, não se compromete com nenhuma meta económica.” (…) “Isso é uma falha do líder do PSD (…) porque está tudo tão dependente da economia que tudo pode ser ao contrário.”

Sebastião Bugalho:
“A grande mais-valia de Rui Rio é a honestidade de dizer que “eu só vou fazer X se a economia o permitir (…) Isso é uma das forças desta campanha. (…) Eu, ao contrário do senhor, não vou prometer o impossível.”

Mafalda Anjos:
“A dúvida é saber se isso é galvanizador para as pessoas.”

Por oposição ao que foi dito nesta pequena sequência, é fácil entender que com o PS no governo as benesses a distribuir estarão garantidas, em qualquer circunstância, mesmo que a economia não o permita.

No tempo do escudo, os aumentos de 10% dos salários eram acompanhados de uma desvalorização da moeda de 20%. Assim se calava quem exigia ordenados mais altos e ao mesmo tempo ia-se-lhe ao bolso de forma indirecta.

Com a política monetária nas mãos do BCE a trapaça acima referida tornou-se obsoleta. As baixas taxas de juro associadas ao euro tornaram-se assim a saída para quem, de bolsos vazios, promete farturas. E assim chegamos a 2022 com duas décadas de estagnação económica e endividados para mais de duas gerações.

Será que este debate foi de facto “inteligível para a maioria das pessoas”? Será que a honestidade de Rui Rio não é “galvanizadora para as pessoas”? Será mesmo uma falha do líder do PSD assumir que “eu só vou fazer X se a economia o permitir”?

No dia 30 saberemos o que os portugueses querem para o seu futuro.