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Delito de Opinião

Isto é só um "supônhamos", claro

Rui Rocha, 19.10.15

Cavaco indigita Passos Coelho. Passos Coelho não consegue acordo com o PS. O Governo minoritário de Passos Coelho apresenta ao Parlamento um Programa de Governo declacado sobre o Programa Eleitoral do PS. Avulta, entre outros, o propósito de promover a educação de adultos.  António Costa é acometido por uma febre súbita e tem de ausentar-se no momento em que o PS acaba, depois de muitos avanços e recuos, por abster-se, viabilizando a continuidade em funções do Governo. Costa fica melhorzinho. O Governo de Passos Coelho apresenta no Parlamento um Orçamento decalcado sobre o Cenário Macroeconómico do Centeno e que segue muito de perto o Programa Eleitoral do PS e as medidas que Costa foi prometendo de forma avulsa. Avultam, entre outras, uma verba generosa para a educação de adultos, as descidas do IVA da restauração e da TSU, esta compensada pelo aumento das portagens em todo o país, com excepção das da zona da Covilhã (onde baixam significativamente).  Costa desmaia e é retirado do hemiciclo em braços.

O suicídio político de António Costa

Rui Rocha, 16.10.15

O que é incrível na estratégia de Costa  é o facto de este ter colocado a decisão sobre o seu futuro político e o do PS integralmente nas mãos do PCP. Acontecerá a Costa o que Jerónimo quiser. Basta uma insistência mais ou menos subtil dos comunistas em algum dos pontos programáticos do PCP inconciliáveis com a moderação socialista e Costa esbarrará irremdiavelmente contra a parede (ou contra o Muro), com o consequente descrédito sobre a sua liderança e sobre o rumo errático do PS. Ora, neste cenário, a pergunta que fica é saber qual o desfecho que melhor serve os interesses do PCP: assumir uma linha de suporte a um governo do PS, prescindindo de alguns (muitos, na verdade) aspectos mais vincados do seu programa com o consequente esbatimento da percepção pelos eleitores do seu espaço político natural das diferenças face ao PS, ou aproveitar o momento para puxar o tapete a Costa, lançando os socialistas numa grave crise interna e reforçando a capitalização do descontentamento do eleitorado de esquerda?  A resposta não parece díficil de encontrar. Muito mais difícil é entender que Costa não tenha confiado aos militantes do PS a discussão interna do seu futuro político e do partido, preferindo entregar a chave da decisão ao PCP e a Jerónimo de Sousa.

Centralismo democrático no PS?

Rui Rocha, 12.10.15

Ora então vamos lá ver. De acordo com milhões de tuits, posts e comentários produzidos nos últimos dias, a esquerda tem uma legitimidade inquestionável para assumir uma solução governativa. Pois bem. Se foi essa a vontade do povo expressa de forma inequívoca e esmagadora (62% dos portugueses terão querido pouco menos do que escorraçar a direita), qual o sentido de referendar agora dentro do PS, como sugerem alguns,aquilo que foi a mensagem clara expressa em sufrágio? Se toda esta narrativa estava certa, este referendo a realizar-se só pode ter uma interpretação: o PS prepara-se para aderir ao centralismo democrático que pensávamos ser uma marca distintiva dos partidos comunistas leninistas. Se for assim, deve reconhecer-se que estamos perante um sinal evidente de que, na verdade, PS e PCP não estão assim tão distantes.

Ortopedix tinha razão

João Campos, 10.10.15

asterix e o presente de cesar excerto.jpg

As épocas de eleições fazem-me sempre regressar às páginas de Astérix e o Presente de César, quando o vetusto Abraracourcix (continuo a usar os nomes que conheci nas traduções da Meribérica) e o recém-chegado Ortopedix se enfrentam em campanha eleitoral pela liderança dos irredutíveis gauleses. E esse regresso chega sempre a estas três vinhetas, e ao cinismo tão certeiro de Ortopedix: os números dizem o que quisermos. Como, aliás, a esquerda cá da paróquia tanto se tem esforçado por demonstrar desde Domingo último, quando se confirmaram os resultados eleitorais que as sondagens vinham anunciando.

 

A interpretação é lógica - retorcida, mas lógica. Como a coligação PSD-CDS perdeu a maioria absoluta e o Parlamento tem agora uma maioria de esquerda (de várias esquerdas, mas tais diferenças foram reduzidas à condição de pormenores, pelos vistos), deve ser essa maioria de esquerda a formar Governo - apesar de nenhum desses partidos, por si (já que não se apresentaram a eleições coligados - outro pormenor), ter ganho as eleições. Ainda que a Constituição possa dar legitimidade ao caldo, dificilmente os portugueses o dariam (mais um pormenor). Já o argumento, esse, é hilariante: 61,4% dos eleitores rejeitou um Governo da coligação, pelo que deve ser a Esquerda unida - derrotada em separado - que deve governar.

 

É uma lógica interessante, e que permite algumas interpretações não menos interessantes. Como, por exemplo:

 

  • 67,6% dos eleitores portugueses não quis que o PS fosse Governo;
  • 89,8% dos eleitores portugueses não quis o Bloco de Esquerda no Governo;
  • 91.7% dos eleitores portugueses não quis a CDU no Governo
  • 81.5% dos eleitores portugueses não quis o Bloco de Esquerda e a CDU no Governo.

 

Dito de outra forma: a mesma lógica que os partidos da esquerda utilizam para dar a coligação de direita como derrotada nas eleições pode muito bem servir para rejeitar a solução por eles proposta. É caso para regressarmos a Ortopedix: os números dizem mesmo o que quisermos. 

Das viabilizações

José António Abreu, 04.10.15

Do discurso de António Costa parecia retirar-se que os vencedores apenas teriam condições para governar se o fizessem com as políticas do derrotado. No fundo, a rábula habitual do PC e do Bloco que, no PS, dificilmente poderia ser levada a sério. Quando, em meados de 2016, fosse possível efectuar novas eleições, os socialistas pagariam um preço altíssimo por terem mergulhado o país no caos. Passos e Portas sabem-no. Na fase de perguntas e respostas, Costa mostrou também o saber.

Estado de negação

José António Abreu, 04.10.15

Em grande medida, o PS perdeu por abandonar o centro e virar à esquerda. E agora, em vez de extrair lições do resultado e perceber que, na votação do programa de governo e do próximo orçamento, lhe resta a abstenção - ainda que "violenta" -, dá sinais de pretender governar, o que o forçaria a virar ainda mais à esquerda e a tornar-se refém do PC e do Bloco.

Mas neste momento a desilusão é tanta que se perdoam alguns desvarios.

O fim da romaria

João Campos, 04.10.15

Durante anos, Domingo de eleições foi sinónimo de fim-de-semana de viagem até à terra-natal. Para visitar a família, para rever os amigos, para voltar a caminhar pelas ruas da aldeia que sempre conhecerei tão bem. E, claro, para votar. Não por me sentir na obrigação de o fazer (o discurso moralista que trata quem se abstém - seja por que motivo for - como se fossem idiotas irresponsáveis irrita-me como poucos), mas por querer simplesmente fazê-lo. Por considerar importante fazê-lo. E por tudo isso, ao longo de doze anos fiz os quatrocentos quilómetros (mais coisa, menos coisa) para ir à terra, botar a cruz no boletim, e voltar (carregado de batatas e de vitualhas diversas, claro). Julgo que falhei umas Europeias, por qualquer motivo. Mas não perdi Legislativas, não faltei a Presidenciais, e, claro, nunca me passou pela cabeça não contribuir para a escolhas da Junta de Freguesia e da Câmara Municipal nas Autárquicas (mesmo que no Alentejo o meu voto pouco pudesse fazer). 

 

Este ano foi diferente. Os trinta anos pareceram-me uma boa idade para finalmente mudar a minha área de residência oficial (leia-se: no cartão do cidadão) para Lisboa, onde tenho vivido nos últimos doze. E por isso já não apanhei o último Intercidades de Sexta-feira; neste Domingo chuvoso já não subi a avenida da aldeia, já não entrei no recinto da minha velha escola primária, e já não entrei naquela sala colorida de papel de lustro e aguarelas (os miúdos da primária ainda fazem trabalhos manuais?) para escolher aquele que julgo ser o mal menor para o país nos quatro anos que se seguem. Já não volto ao fim do dia de hoje carregado de vitualhas. Este ano o voto foi numa escola em Benfica, maior do que todas as escolas do meu concelho juntas. O ambiente, esse, era de feira - carrinho de castanhas de um lado do portão, banca de bolos sortidos do outro, barraca de churros e farturas do outro lado da rua parcialmente bloqueada por carros estacionados em segunda fila (ah, o lisboeta, sempre artista na hora de encostar o carro). Muita gente a entrar, a sair, a ficar por ali - gente mais do que suficiente para encher a minha aldeia duas ou três vezes.

 

É mais simples, mais prático, muitíssimo mais conveniente - cinco minutos de autocarro para lá, e para cá até se pode voltar a pé se não chover demasiado. Mas não consegui evitar a sensação de que me faltou qualquer coisa hoje. Como se antes o dia de eleições fosse pretexto para uma romaria, doravante reduzida a um passeio pelo bairro.