Durante anos, Domingo de eleições foi sinónimo de fim-de-semana de viagem até à terra-natal. Para visitar a família, para rever os amigos, para voltar a caminhar pelas ruas da aldeia que sempre conhecerei tão bem. E, claro, para votar. Não por me sentir na obrigação de o fazer (o discurso moralista que trata quem se abstém - seja por que motivo for - como se fossem idiotas irresponsáveis irrita-me como poucos), mas por querer simplesmente fazê-lo. Por considerar importante fazê-lo. E por tudo isso, ao longo de doze anos fiz os quatrocentos quilómetros (mais coisa, menos coisa) para ir à terra, botar a cruz no boletim, e voltar (carregado de batatas e de vitualhas diversas, claro). Julgo que falhei umas Europeias, por qualquer motivo. Mas não perdi Legislativas, não faltei a Presidenciais, e, claro, nunca me passou pela cabeça não contribuir para a escolhas da Junta de Freguesia e da Câmara Municipal nas Autárquicas (mesmo que no Alentejo o meu voto pouco pudesse fazer).
Este ano foi diferente. Os trinta anos pareceram-me uma boa idade para finalmente mudar a minha área de residência oficial (leia-se: no cartão do cidadão) para Lisboa, onde tenho vivido nos últimos doze. E por isso já não apanhei o último Intercidades de Sexta-feira; neste Domingo chuvoso já não subi a avenida da aldeia, já não entrei no recinto da minha velha escola primária, e já não entrei naquela sala colorida de papel de lustro e aguarelas (os miúdos da primária ainda fazem trabalhos manuais?) para escolher aquele que julgo ser o mal menor para o país nos quatro anos que se seguem. Já não volto ao fim do dia de hoje carregado de vitualhas. Este ano o voto foi numa escola em Benfica, maior do que todas as escolas do meu concelho juntas. O ambiente, esse, era de feira - carrinho de castanhas de um lado do portão, banca de bolos sortidos do outro, barraca de churros e farturas do outro lado da rua parcialmente bloqueada por carros estacionados em segunda fila (ah, o lisboeta, sempre artista na hora de encostar o carro). Muita gente a entrar, a sair, a ficar por ali - gente mais do que suficiente para encher a minha aldeia duas ou três vezes.
É mais simples, mais prático, muitíssimo mais conveniente - cinco minutos de autocarro para lá, e para cá até se pode voltar a pé se não chover demasiado. Mas não consegui evitar a sensação de que me faltou qualquer coisa hoje. Como se antes o dia de eleições fosse pretexto para uma romaria, doravante reduzida a um passeio pelo bairro.