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Delito de Opinião

Ainda o Bloco de Esquerda

José Maria Gui Pimentel, 30.06.11

A perda de expressão eleitoral do Bloco de Esquerda (BE) é, sem dúvida, um fenómeno intrigante. Os motivos invocados são variados, porém, creio, provêm de uma matriz única. Julgo que o principal problema do BE não deriva da natureza das posições tomadas, mas sim do simples facto de as ter tomado. O BE é, desde o início, um partido de protesto, mais do que o PCP e, contrariamente a este, com um eleitorado muito volátil. Os seus eleitores foram mal habituados desde o início – numa estratégia numa primeira fase muito proveitosa – a ouvir apenas críticas ao sistema, as quais, como se sabe, juntam. Das propostas e tomadas de posições, que, como se sabe, cindem, pouco se ouviu ao longo da primeira longa frase da vida do BE.

 

Nos últimos dois anos, Louçã – numa atitude inicial que elogio – tentou dar início a uma segunda fase no partido, sob uma legitima ambição de tornar o BE num partido normal. Louçã percebeu que um partido de protesto tinha um potencial de crescimento limitado. Porém, não compreendeu que a conduta passada do partido impossibilitava esse caminho. O apoio à candidatura de Manuel Alegre era – concorde-se ou não – perfeitamente racional dentro da lógica de um partido da “esquerda grande”, que almeja disputar a ala esquerda do PS. Todavia, sendo uma tomada de posição, divide o eleitorado. Foi o que sucedeu. Tivesse o percurso do BE sido distinto e o afastamento do eleitorado de protesto seria compensado pela atracção do eleitorado dito normal. Todavia, como se sabe, tal não se verificou. Posto isto, Louçã assustou-se, e aqui é caso para dizer que foi bem pior a emenda que o soneto. Numa tentativa de recuperar o eleitorado de protesto, o BE lançou uma patética moção de censura ao Governo e, não contente, juntou-se (num acto de ingenuidade espantosa) ao PCP recusando-se a reunir com a Troika (uma posição que nem a CGTP tomou). Este golpe de teatro, não só não logrou reconquistar o eleitorado perdido como afastou o eleitorado mais moderado, da ala esquerda socialista, que votava BE a pensar que poderia residir ali a verdadeira social-democracia. Esta triste história mostra que o BE se condenou conscientemente a nunca passar de um partido de protesto. De resto, este não é o primeiro episódio: veja-se o episódio Sá Fernandes na Câmara de Lisboa.

 

No entanto, creio ter havido dois factores suplementares responsáveis pela perda de expressão eleitoral do BE.

 

O voto no BE, talvez mais do que um protesto contra as condições económicas, representou sempre um protesto social, muito ligado às questões de costumes. Ora, neste aspecto, Sócrates conseguiu inutilizar duas das principais bandeiras do BE: o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Essa manobra, associada à crise económica, fez os dirigentes do BE, provavelmente sem consciência de que o faziam, centrar o seu discurso nas questões económicas, tornando-se num partido bastante menos cool e, sobretudo, muito parecido com o PCP. Este factor, juntamente com o radicalismo pós presidenciais, terá ditado a fuga de muitos eleitores para o PS.

 

O segundo factor a considerar é bastante menos óbvio: o BE deverá ter perdido algum (se bem que pouco) eleitorado para o PSD. Esta interessante entrevista do Pedro Magalhães (PM) tem uma frase inesperada que o justifica: “(…) quando perguntamos às pessoas sobre o peso específico do Estado na economia. Qual é o eleitorado mais liberal? Espantosamente, é o do Bloco de Esquerda (…). É uma coisa muito curiosa porque mostra que, quando Louçã fala de economia, pura e simplesmente nem estão a ouvir o que ele diz.”. As posições economicamente liberais tomadas pelo PSD, associadas à substituição de uma Manuela Ferreira Leite conservadora por um Pedro Passos Coelho progressista (embora essa faceta possa ter sido posta em causa pelo episódio do aborto durante a campanha) terão, assim, atraído algum eleitorado do BE para o PSD.

Uma boa surpresa

Ana Vidal, 05.06.11

Gostei de registar a ausência de euforia nos vencedores, o que seria totalmente descabido nos tempos que atravessamos. Parece-me um bom prenúncio, ou, pelo menos, quero acreditar que o seja. Reforçando o que salientou a Ana Sofia ali em baixo, citando Paula Teixeira da Cruz, "O país não tem nenhuma razão para celebrar". É bom lembrar que nos esperam dias muitos sombrios, e também particularmente difíceis para quem estiver no governo, seja de que cor for. Espero que se mantenha este realismo prudente e lúcido, que significa um pudor mais do que justificado.