Há razões para festejar?
Compreendo bem a euforia de Sócrates. Em termos políticos e pessoais.
A vitória, sem maioria absoluta, foi folgada e acaba por ser conseguida num contexto que lhe é favorável. Não ficando refém do BE, podendo negociar à direita e à esquerda (obrigando BE e CDU a entenderem-se), Sócrates terá conseguido uma vitória mais confortável do que pode parecer à primeira vista. Poderá governar sozinho e só uma aliança entre esquerda e direita o poderá derrubar. Se isso vier a acontecer, não deixará de capitalizar votos para o PS, como aconteceu com Cavaco em 87.
O reforço do CDS/PP e a derrota clamorosa do PSD também lhe são favoráveis. Um novo líder do PSD terá sempre que se confrontar com um grupo parlamentar que apoia MFL e onde pululam alguns deputados que podem causar instabilidade interna. A paz do PSD não será conseguida apenas com um novo líder, porque MFL deixou o terreno armadilhado a quem lhe suceder. Demorará por isso, muito tempo, até que o PSD se recomponha deste desastre.
Resta saber se Sócrates é capaz de governar sem a arrogância que lhe é característica e terá capacidade negocial para estabelecer acordos pontuais, levando a legislatura até ao fim. A muito breve prazo terá uma prova de fogo: a escolha do candidato do PS às presidenciais de 2011. Se a sua opção for Jaime Gama, perderá a esquerda e uma significativa franja do eleitorado do PS.
Em termos pessoais, Sócrates tem ainda mais razões para estar satisfeito. Não me lembro de nenhum primeiro-ministro que tenha sido tão atacado na sua dignidade, vilipendiado e acusado de corrupto, ao longo do seu mandato, como Sócrates. Apesar de ninguém ter conseguido provar nada, as condenações da opinião pública sucederam-se. O caso Freeport, a licenciatura e mais recentemente as escutas em Belém teriam sido suficientes para liquidar qualquer líder político. Sócrates resistiu. Mesmo quando alguma opinião pública confundiu a vítima com o algoz, saindo a defender MMG, num processo onde o jornalismo esteve ausente e o ajuste de contas sempre presente, o PM resistiu. Como também não se deixou abalar no caso das escutas, urdido entre intrigas palacianas, num conluio entre assessores e jornalistas. Sócrates resistiu ao confronto institucional para onde o quiseram atirar e terá assistido, com algum gozo, à reacção pateta e patética do principal partido da oposição que, ao pretender tirar dividendos da situação, acabou por sair chamuscado.
No plano pessoal os ataques a Sócrates também foram do mais baixo calibre. Começaram por insinuar que Sócrates seria homossexual, depois passaram a explorar a sua relação com uma jornalista. Chegaram à baixeza moral de levar o assunto à Assembleia da República, o que demonstra o nível rasteiro de alcoviteiras de bairro de lata de alguns deputados. MFL alinhou sempre com os ataques, produzindo afirmações indignas de uma líder da oposição. Como foi este caso num encontro com os “jotinhas”. Ou as repetidas acusações de mentiroso.
Sócrates tem, por isso, razões para estar satisfeito. Os portugueses também porque, dando a possibilidade a Sócrates de governar sem maioria, disseram que estavam fartos da sua arrogância, mas preferiam dar-lhe uma segunda oportunidade, a entregar o poder a uma pessoa cujo único projecto para o país era o retrocesso .
Sócrates devia agora demonstrar que é um cavalheiro e enviar um ramo de flores a MFL. Seria uma forma simpática de agradecer o forte contributo de MFL para a sua vitória.
Finalmente, quando tomar posse, seria bom que não esquecesse que foi o Partido Socialista que o elegeu. Caso contrário, os socialistas não lhe darão nova oportunidade.