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Delito de Opinião

Democracia dá trabalho

Cristina Torrão, 22.11.24

A votação do orçamento.

Luís Menezes Leitão, 04.09.24

Pelos sinais que têm sido dados nos últimos dias, parece que tudo aponta para a rejeição do Orçamento, com a ida do país a novas eleições. O Chega já disse que vota contra o orçamento e o PS parece que se inclina também nesse sentido.

Embora me pareça esse cenário muito provável, acho que ainda há hipóteses de não se concretizar.

Em primeiro lugar, se Pedro Nuno Santos vir o seu lugar em perigo com a hipótese de novas eleições, pode claramente optar pela abstenção, apesar de dizer mal do orçamento. Não seria a primeira vez que o PS apresentaria uma "abstenção violenta" em relação a um orçamento da AD.

Em segundo lugar, se o orçamento for chumbado, só haverá eleições se Marcelo quiser. Nem a eventual demissão de Luís Montenegro, alegando não ter condições para governar em caso de chumbo do orçamento, as provocaria necessariamente, porque Marcelo teria que aceitar essa demissão. Em qualquer caso, Montenegro já disse que não se demitiria em nenhum cenário, pelo que não me parece que haja risco de assistirmos a uma repetição do "irrevogável" em 2024.

A ida para eleições, em caso de rejeição do orçamento, dependerá assim apenas de Marcelo considerar se é preferível ficar na história como o Presidente das dissoluções ou como o Presidente que saiu do cargo com o país a viver em duodécimos. Sobre isso aceitam-se apostas.

Foi preciso esperar 66 anos

Pedro Correia, 24.04.24

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José Relvas proclamando a república, em Lisboa, a 5 de Outubro de 1910

 

A propósito do feriado nacional que amanhã se assinala tenho ouvido e lido, repetidamente, que o 25 de Abril de 1974 permitiu "devolver" ou "restituir aos portugueses" o direito de voto.

Nada mais errado. Durante quase sete décadas de regime republicano os portugueses, em geral, foram tão impedidos de exercer o voto como durante a monarquia constitucional. O rotativismo monárquico assentava no voto masculino censitário, atribuído apenas a detentores de certos rendimentos. Isto prolongou-se, no essencial, pela década e meia inicial de regime republicano - com o direito de voto restringido a homens alfabetizados com mais de 21 anos e contribuintes líquidos, o que deixava de fora cerca de 80% dos potenciais eleitores.

Da monarquia para a república transitaram alguns dos piores vícios do sistema: votos arrebanhados por caciques locais, eleições "amanhadas", vencedor conhecido de antemão. Escritores tão diversos como Eça de Queiroz e Júlio Dinis, nos seus romances, deixaram-nos sugestivos testemunhos deste fenómeno.

 

No essencial, há 114 anos, só mudou a designação do regime e os nomes dos partidos. O próprio Presidente da República, entre 1910 e 1926, não era eleito por sufrágio universal, sendo escolhido por um colégio eleitoral muito restrito, formado pelos representantes das duas câmaras do parlamento.

Houve uma excepção, quando Sidónio Pais instituiu a efémera "República Nova" alargando o direito de voto aos homens maiores de 21 anos, sem excluir os analfabetos, e instituindo o sufrágio directo para a Presidência da República - eleição que ele próprio, sem opositores, venceu em Abril de 1918 com cerca de meio milhão de votos entre 880 mil recenseados. Ao ser assassinado, oito meses depois, tudo voltaria ao mesmo. Até ao golpe de 28 de Maio de 1926, que iniciou um longo período de ditadura republicana em Portugal.

 

É, portanto, errado aludir-se à devolução ou restituição do sufrágio universal, que entre nós só vigorou pela primeira vez em 1975. E mesmo a eleição para a Assembleia Constituinte, realizada a 25 de Abril desse ano, ficou condicionada pela existência prévia de um pacto que os partidos políticos foram obrigados a assinar com o Movimento das Forças Armadas - garante da "legitimidade revolucionária", segundo o jargão da época -, reconhecendo a presença tutelar dos militares junto das instituições políticas. Três forças partidárias que recusaram subscrever este pacto - Aliança Operário-Camponesa, Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado e Partido da Democracia Cristã - foram, por este motivo, excluídas das eleições.

Só a 25 de Abril de 1976, quando os portugueses puderam escolher livremente - e sem anátemas a partidos políticos - o primeiro elenco da nova legislatura, coincidindo com a entrada em vigor da Constituição, ficou cumprido na íntegra o desígnio dos pioneiros republicanos, idealistas e sonhadores, do início do século XX. Foi preciso esperar 66 anos.

Os votos que não servem para nada

Pedro Correia, 11.04.24

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A divisão dos círculos eleitorais com base nos velhos distritos que hoje não servem para mais nada é uma aberração que se mantém apenas devido à inércia total das duas principais forças políticas. Dá-lhes jeito que tudo continue assim: ganham uns deputados extra.

O mapa eleitoral português devia ser redesenhado para se adaptar ao novo milénio em que vivemos. E prever um círculo nacional de compensação, aliás segundo o que já vigora na Região Autónoma dos Açores.

Isto poria fim a uma chocante realidade: nas legislativas de 10 de Março, cerca de um milhão e duzentos mil votos foram desperdiçados. Isto é, não serviram para eleger ninguém. O número mais elevado de sempre. Devia fazer soar todas as campainhas de alarme: nada põe tanto em risco a democracia como isto.

 

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Antiga sede do Governo Civil do Porto

 

Alterar esta anomalia devia ser prioridade absoluta. Mas não admira que tudo vá permanecendo sem mudança alguma. Foi preciso a tróica instaurar cá o seu protectorado, chamada por José Sócrates e Teixeira dos Santos, para o governo seguinte pôr fim a outro anacronismo que esteve inalterado durante décadas: os governos civis.

Apesar da sua manifesta inutilidade, quando foram extintos desatou imensa gente aos gritos, como se aquilo fizesse alguma falta.

Comprova-se a natureza profundamente anti-reformista, imobilista e reaccionária de grande parte da classe política deste país.

Sem excluir, claro, aqueles que enchem a boca a falar em progresso e tudo fazem para que haja estagnação ou mesmo retrocesso. Às vezes os piores são esses.

Perdeu o controlo

Pedro Correia, 11.03.24

Parafraseando o Luís Paixão Martins noutro contexto e noutra circunstância, o PS «perdeu o controlo da narrativa».

É verdade. Mas não é só uma questão de narrativa. Eu diria mais, analisando a segunda derrota eleitoral dos socialistas no ano em curso: ao optar por governar como se só existissem reformados e pensionistas em Portugal, o PS perdeu o contacto com as novas gerações.

Perdendo o contacto, também perdeu o voto. As coisas são o que são.

O Fim do Mundo

Maria Dulce Fernandes, 16.02.24

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2012 foi o ano de todos os perigos. Governava o “diabo” que comia criancinhas ao pequeno almoço e roubava a pensão aos velhinhos reformados e os subsídios ao povo, povo esse que, com os pés aquecidos nas suas pantufas, gritava e barafustava do seu sofá, aguardando ansiosamente que tudo regressasse ao normal, àquela normalidade desonesta, mas reconfortantemente pútrida, que fora herdada do governo do filósofo, de quem se dizia ser também engenheiro nas horas vagas.

2012 foi também o ano do Fim do Mundo, segundo milhares de profecias coincidentes, desencantadas numa tumba etrusca ou nos pergaminhos do Mar Morto, e fielmente comprovada pelo fim do ciclo b’ak’tun da contagem mesoamericana no Calendário Maia de Contagem Longa. Previa-se então que a 21-12-2012 uma grande hecatombe se abatesse sobre a humanidade na entrada do equinócio de Inverno, em forma de terramotos, tsunamis, alterações dos polos magnéticos da Terra ou fusão do seu núcleo, vinda do Anticristo, etc.

Para mim, a teoria apocalíptica mais credível é a do Planeta X ou Nibiru, um planeta situado para lá de Plutão, cuja órbita se esconde pelo sol e que todos já viram a olho nu ou em fotos, porque aquilo que pensam ser apenas efeito do reflexo da luz a que vulgarmente se chama flare da lente, é na realidade o planeta Nibiru. A cada 3600 anos este planeta faz uma “razia” ao sistema solar e estaria previsto chocar com a Terra em 2012, mas faltou um “bocadinho assim”. Isso não impediu que uma considerável força táctica de Anunnaki, a raça predominante e extraordinariamente evoluída que habita em Nibiru, tenha feito uma nova incursão ao nosso planeta e tenha assentado arraiais por cá. Exploradores, implacáveis, esclavagistas, rapaces e adeptos do moto dividir para conquistar, rapidamente se infiltraram em todos os quadrantes da vida humana na terra e, utilizando esquemas e artimanhas, em três anos ajudaram os corruptos a estabelecer uma nova ordem mundial.

E foi assim que a partir de 2015 o mundo mudou para muito pior e foi o começo do fim da macacada…

No nosso país em 2024, teme-se que o Mundo vá acabar para os portugueses a 11 de Março, tal não é o impacto das ameaças constantes e veladas dos futurolólogos sobre a data em causa. Já houve por cá uma intentona nessa data, que deu em nada e como tal a frouxidão das  expectativas apenas corrobora a tese da alienação colectiva, mas pronto, é o que é. Haverá por acaso algo mais natural do que um Anunnaki chegar a chefe do governo? O que é que está mal? The Larch, the larch… And now for something completely different, number two, the larch.

Falar para quem quer votar

Ana Cláudia Vicente, 29.01.24

"Eu não voto por rótulos. (...) Eu não quero saber das campanhas eleitorais para nada.

Eu quero saber das ideias que as pessoas têm e da maneira como depois as vão defender e praticar."

Agostinho da Silva (1906-1994)

 

Hesitante - fraco traço pessoal e geracional, bem sei - fui à procura de um dito de alguém melhor. Queria um respaldo - profético, de preferência - ao que queria dizer, algo que vou sentindo e ouvindo mas vejo ainda informe, expresso de várias formas, nestes dias. Apareceu-me esta citação, presumo que real, da boca de alguém que reconheço, respeito, em irónica contramão ao que desejava. 

É que eu quero efectivamente saber de campanhas eleitorais, admito. Ainda espero que nelas me transmitam ideias, e se possível algumas maneiras de as pôr em prática. Espero que os líderes se disponham a falar para quem quer votar. Foquem-se, fónix! Não falem uns para os outros. Queremos lá saber das piadas do petróleo no Rato, ou da espetada na Madeira. Falem e escrevam para nós, eleitores, incluindo os que estão indecisos. Dêem sinais claros de que sabem o que estamos a viver nestes últimos anos. Precisamos de evidências de que as pessoas que desejam estar envolvidas na coisa pública têm na cabeça um horizonte de acção para uma geração; de que têm visões chãs (não pequeninas) para cada sector; de que conhecem o que cada região tem para dar. 

 

Para começo, e em resumo: é falar para quem quer votar.

Epifanias de ano novo

Paulo Sousa, 01.01.24

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Com umas legislativas marcadas para daqui a uns longos meses e que garantidamente produzirão uma enxurrada adicional ao ruído mediático a que estamos normalmente sujeitos, dei por mim, na madrugada de ano novo, numa conversa com um jovem com quem partilhei uns copos de uma bebida destilada.

Talvez impelido pelo voluntarismo fogoso da idade, notei que o que ele dizia sobre o referido evento eleitoral assentava na busca de uma proposta partidária límpida, sólida e escorreita. Da mesma maneira que quando se dá um pontapé numa bola ou se aperta um parafuso, da mesma maneira que uma acção tem uma consequência, ele procurava uma solução que nos resolvesse os nossos problemas que não vale a pena aqui discriminar para não alongar demasiado o postal.

Fiquei tentado em não lhe cortar as vazas no carácter linear da escolha que procura, mas acabei por ter de partilhar com ele que o cepticismo poderá ser uma excelente arma de defesa da remanescente sanidade mental. Não estou em condições de garantir que o é, pois cada qual terá a sua opinião e chegará à sua conclusão se entender que vale a pensa gastar tempo a pensar nisso. Ainda assim, tenho de confessar que me sinto razoavelmente confortável em andar sempre com uma dose generosa de descrença à mão de semear.

Falamos daquela clássica distinção entre a esquerda e direita baseada na forma como avaliamos a natureza humana, essencialmente boa mas estragada mais tarde pela sociedade, vulgo capitalismo, como defendem os esquerdalhos, ou naturalmente egoísta e que por isso carece de instituições que funcionem como contrapeso a esses impulsos, como acham os direitolas.

Tive de lhe perguntar como é que numa visão de esquerda, pessoas maduras, cheias de mundo e de humanos defeitos, conseguiriam alguma ocupar um lugar num governo, sem terem consciência que eles próprios nunca poderiam encaixar nessa visão idílica de serem essencialmente bons. Nem foi necessário começar a nomear governantes recentes para mostrar que só um alienado pode achar isso de alguém, muito menos das mais destacadas figuras públicas que nos têm tentado apascentar. Mas adiante.

A conversa seguiu e dei por mim a acinzentar-lhe as convicções dizendo que quando votamos, estamos apenas a ajudar a escolher alguém que garantidamente nos irá desiludir. E este pensamento aplica-se não só mas principalmente ao eleitor que vota no partido que irá ser governo. Por isso, não podemos deixar de ter compaixão por aqueles que engrossam as veias do pescoço a defender a pureza de uns ou de outros, especialmente dos que comprovadamente não fazem outra coisa para além de desiludir.

Este jovem interlocutor era novo suficiente para não se recordar de que o final do cavaquismo teve traços em comum com a actual situação, ainda que durante essa era tenha havido uma evolução efectiva das condições de vida dos portugueses. Por isso, e na lógica que defendi, está na hora de nos irmos desiludir com outros, pois já chateia ser desiludidos sempre pelos mesmos. Depois de acabada a garrafa, regressamos à sopa da pedra.

As eleições na Madeira.

Luís Menezes Leitão, 29.09.23

Não tencionava comentar as eleições na Madeira, mas este post do JPT estimulou-me a dar também a minha opinião, no quadro da pluralidade que sempre caracterizou este blogue. Na minha opinião estas eleições foram um desastre para o PSD, o que só augura o pior para as eleições que se seguem e para a liderança de Montenegro.

As principais culpas do que se passou não podem ser atribuídas a Miguel Albuquerque, que até partia lançado para renovar a maioria absoluta e trucidou a oposição do PS. O problema ocorreu na semana anterior, com a posição do PSD nacional perante a moção de censura do Chega. Essa moção de censura fez o Chega aparecer ao eleitorado como a única oposição ao Governo de António Costa, o que lhe permitiu saltar de uma base de zero — nem se sabia se conseguia concorrer até ao último momento — para 8,5% na Madeira. E a Iniciativa Liberal entrou no Parlamento da Madeira porque apoiou essa moção. Pelo contrário, o PSD perdeu deputados ao abster-se numa censura ao Governo do PS. Se não conseguia votar ao lado do Chega, teria que apresentar ele próprio uma moção de censura e votá-la favoravelmente. A conversa de que somos o partido das soluções e não o das moções só serve para o PSD não ser visto como oposição. Espero que ao menos aprendam de vez a lição. Se amanhã aparecer de braço dado com o PS na revisão constitucional, o PSD será trucidado em quaisquer futuras eleições.

Mas a solução de Miguel Albuquerque de fazer um acordo com o PAN também é péssima para o PSD. Luís Paixão Martins, no seu livro Como perder uma eleição, assume ter cometido um erro ao aconselhar António Costa a assumir que o PS, caso não tivesse maioria absoluta, se poderia coligar com o PAN. Tal provocou uma reacção indignada de muitos militantes do PS no interior. Na verdade o PAN pode ter muitos votantes no meio urbano, mas é odiado nas zonas do interior, pelo seu posicionamento contra o meio rural. Ora o PSD ainda tem mais apoio nos distritos do interior do que o PS, pelo que um acordo com o PAN será tóxico para o partido. Aliás, pelas convulsões que o próprio PAN está a ter, aposto que esse acordo não vai valer o papel em que será escrito.

Ou o PSD muda rapidamente de estratégia ou a sua chegada ao Governo será uma miragem.

Eleições na Madeira

jpt, 28.09.23

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As eleições na Madeira já foram esmiuçadas pela imprensa e locutores políticos. E nas tertúlias que ainda se dedicam às coisas da política nacional. Um amigo que tem a gentil paciência de me ler nos blogs pergunta-me se não direi nada sobre o assunto. Não conhecendo eu o contexto - lamentavelmente não vou à Madeira desde 1993 - nem tendo acompanhado as notícias que poderei eu dizer? Ou melhor, que poderei eu dizer que não tenha já sido dito? E, ainda mais, que não tenha eu já dito?

Sobre os resultados das eleições há dados que são  factos, transcendendo o estatuto de mera opinião: há meio século que o PSD governa a região, o que demonstra ter alguma virtude nisso, por mais críticas que possam ser feitas aos seu sucessivos governos. Agora ficou resvés a maioria absoluta - olhando para os resultados presumo que com mais cerca de 700 votos a teria alcançado. O PS teve uma enorme quebra, uma estrondosa derrota eleitoral. O parlamento regional pluralizou-se, nisso seguindo o que vem acontecendo no nacional - pois longe estão os tempos dos quatro partidos e das imensas lérias sobre as vantagens da "bipolarização", que tantos aldrabões políticos propagavam no final de XX. O CHEGA teve um grande crescimento, sublinhando o seu estatuto de terceira força política nacional.

Depois há opiniões, "cada cabeça sua sentença". A fragmentação do parlamento regional poderá também ter sido causada pelas lideranças das várias listas candidatas. As representações dos pequenos partidos poderão ter sido possibilitadas por alguma abstenção entre os eleitores atreitos à coligação PSD/CDS, provocada pelas sondagens que anunciavam grande vantagem. Há uma grande deslocação de eleitores para o amplexo centro-direita. O eleitorado do CHEGA é constitutivo da nossa sociedade e não pode continuar a ser demonizado e as suas preocupações pontapeadas. As novas direcções dos já institucionalizados PCP e BE não tiveram efeitos relevantes no eleitorado madeirense - ainda que tal possa ter sido apenas provocado pelas listas locais. As preocupações com as alterações climáticas no seio da população urbana continua a favorecer o atrapalhado PAN, que se reclama ecológico.

E há dúvidas, também cada um terá as suas. Antes de tudo, não faço a mínima ideia do que seja o regional JPP. Será o CDS ainda existente no arquipélago? De qualquer forma o seu novo líder foi engolido na arena comunicacional, tendo uma vitória eleitoral mas uma relativa derrota política. E os arranjos governativos têm também um sabor amargo para esse CDS: o líder da coligação regional anunciou um acordo governamental com a nova deputada do PAN. E logo se sabe que esta tem um programa radiofónico (isso a que agora se chama podcast, sabe-se lá porquê) dedicado a temas antes ditos "fracturantes", educação cívica e sexualidade, e sobre esta fala com (saudável) liberalidade lexical e temática. Como reagirão as "massas" antes ditas "demo-cristãs", sempre filiadas no seu valor fundamental "vícios privados, públicas virtudes"? Ou, para falar como a nova deputada do PAN,  parece-me que na Madeira "meteram no dedo no cu do CDS".

E a minha principal dúvida após estas eleições. Muito lamento o baixo crescimento "da" (é um partido, deve ser dito "do" mas cedo aos usos consagrados pelo vulgo) Iniciativa Liberal. Pois não sendo eu um fiel do deus Mercado desde há anos que julgo aquilo que o socialista Sérgio Sousa Pinto há pouco foi dizer a uma associação portuense: neste Portugal tão estatista é urgente fazer um caminho conjunto com os liberais. E ciente de que - ao contrário do que dizem muitos mariolas socratistas, perdão, socialistas e os militantes dos partidos comunistas parlamentares - o liberalismo foi e é estruturante das democracias europeias e da União Europeia, e não um corpo estranho e inimigo. Ora esse fraco crescimento da IL poder-se-á dever a uma pobre escolha local. Mas mesmo que assim seja aparenta algo que penso, a nova liderança do partido não é uma escolha de sucesso. Há meses um amigo, pertencente ao partido, respondia ao meu torcer de nariz dizendo-me que Rui Rocha "segurara o partido". Restringi-me a mais um gole (ainda para mais ele convidara-me para o jantar) não lhe respondendo o óbvio, que  isso é um argumento de partido do poder, instituído (um PS, um PSD), preocupado com o agregar das suas esfaceladas "bases". Mas nunca argumento positivo para um partido em crescimento, e de relativa ruptura.

Finalmente, uma opinião minha que é também facto. Pela primeira vez em meio século um presidente do PSD foi à Madeira acompanhar as eleições, nitidamente em busca de ser aspergido por uma vitória retumbante. O PSD teve uma boa vitória, ainda que não óptima. O seu directo rival PS teve uma derrota estrondosa. E a sensação generalizada - que não se deve apenas ao trabalho de uma comunicação social enviesada - é a de uma relativa derrota social-democrata e de uma verdadeira derrota do seu líder nacional. Ou seja, pode-se dizer que as novas lideranças dos pequenos partidos (IL, BE, PCP, CDS) não demonstraram ter tido efeitos positivos eleitorais. Mas tem de se sublinhar que a (já não tão) nova liderança do PSD não teve efeitos positivos eleitorais e tem efeitos políticos negativos.

Em Janeiro de 2023 aqui deixei um postal sobre Luís Montenegro: "O complexo Silas". Com todas as crises internas ao governo PS e todo o tempo que o presidente do PSD tinha tido para preparar a sua agenda política, era já óbvio que Montenegro é uma espécie de Jorge Silas - o treinador de futebol que o Sporting contratara, crendo-o e anunciando-o como "the next big thing". E que veio a falhar rotundamente, por causas próprias e alheias. E passado quase um ano, com mais um rosário de trapalhadas governativas e em plena crise económica mundial, o rumo do presidente do PSD sublinha a já antiga evidência: Luís Montenegro é um Jorge Silas da política nacional.

O PSD que se cuide. Pois o país precisa de uma oposição forte. E inteligente.

Uma estratégia falhada a longo prazo

João Pedro Pimenta, 30.07.23

As eleições de Espanha, que redundaram num triunfo relativo do PP de Feijóo e na resistência do PSOE, mostraram ainda mais, como se fosse necessário, como o país está partido e se tenta fazer uma divisão esquerda-direita intransponível. Pedro Sánchez preferiu aliar-se com tudo o que mexia a permitir por abstenção a investidura de um governo minoritário do PP, respaldado a pactos de regime. Isso permitiria que o Vox não interferisse com um governo PP, mas para Sanchez isso não era suficiente, e, como se viu, para conservar o seu poder, preferiria aliar-se ao diabo do que ver um governo do PP, com ou sem Vox. E de facto isso pode acontecer, se tiver de novo o apoio da esquerda radical, o Sumar que deixou o Podemos nas lonas, tão cor-de-rosa por fora e tão retintamente vermelho por dentro, herdeiro em linha directa das que por ali se encontravam no tempo da Guerra Civil. A nova estrela local, Yolanda Díaz, afirmou há não muitos anos querer acabar com o espírito da transição e com a própria monarquia. Realce-se que Díaz é natural do Ferrol, ironicamente tal como o Generalíssimo Franco, cidade que outro ilustre conterrâneo, Gonzalo Torrente Ballester, dissera nunca ter criado nada que prestasse. Para além do Sumar, Sánchez precisará do apoio de muitas outras formações, como os desavindos partidos independentistas catalães, que até caíram estrondosamente, uma data de formações regionalistas, e do País Vasco, o habitual PNV, que governa a região, mas sobretudo o Bildu, sucessor directo do Herri Batasuna, o braço político da ETA, que continua a ser chefiado pelo mesmo Arnaldo Otegui. É com este saco de gatos que Sánchez pretende manter o PP afastado do poder.

 

O pretexto do Vox redunda em falsidade, como se vê, mas é muito usado e aparentemente eficaz. Aqui, Sánchez está muito próximo de António Costa, que usou e abusou do fantasma do Chega para obter votos à esquerda e impedir o PSD de melhores resultados e também obteve visível êxito. A estratégia pode ser boa agora, mas poderá trazer graves consequências mais tarde. A eternização do poder, a falta de alternativas e a normalização da direita radical podem fazer com que esta cresça mesmo a médio prazo, rompendo quaisquer cordões sanitários e aproveitando-se da terra que os socialistas vão queimando. E há precedentes além-Pirenéus.

Nos anos oitenta, estando no poder, onde conseguiu controlar os comunistas, e para evitar a progressão da direita gaullista e republicana, François Mitterrand conseguiu alterar a regra eleitoral do modelo de voto maioritário para um proporcional. Permitiu assim que a Frente Nacional de Le Pen ganhasse um número apreciável de deputados no parlamento às custas da direita e, desde então e por arrasto, dos comunistas, coisa que Mitterrand talvez não imaginasse à época mas lhe seria útil para se desembraçar deles colocando o PSF como partido hegemónico da esquerda francesa. O então presidente era um tacticista sob as vestes do idealista, e seguia as teses maquiavélicas que tanto influenciaram dois estadistas do século XVII: os cardeais Richelieu e Mazarino. Essa influência transmitiu-se-lhe mesmo de forma pessoal: soube-se que tinha uma segunda família e uma filha a que deu o nome de...Mazarine, o que não era certamente por acaso.

 

 

 

Só que tudo isto teve um preço. Hoje em dia, não só o PCF é quase irrelevante e a direita republicana está em declínio como o próprio PSF se tornou um partido de terceira categoria, de influência quase nula, empastelado numa coligação chefiada por um demagogo de esquerda radical, ao passo que o cenário político está dividido entre este último, o centro radical de Macron e a dinastia Le Pen, que Mitterrand ajudou a guindar-se. Eis o resultado de se querer manter o poder a todo o custo insuflando-se as direitas radicais para enfraquecer as moderadas: um dia, o desespero e a revolta de ver o poder ocupado pelos mesmos acabará por dar aos radicais o poder, catapultando-os com enorme aumento de votos. Isso já está a acontecer noutras paragens. Aconselhava-se por isso os srs. Sánchez e Costa a olhar para França e a não brincarem aos defensores da democracia - e sobretudo a não brincarem apenas com os radicais do seu espectro político.

Segundo sistema em marcha

Sérgio de Almeida Correia, 23.05.23

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Porquê que sancionar o apelo ao voto BNS é um erro político?

(versão portuguesa do texto publicado no Macau Daily Times)

Foi divulgado, há dias, pela Comissão dos Assuntos Eleitorais (CAEL) o Relatório Final sobre as Actividades Eleitorais relativo às eleições legislativas de 2021. Não me vou pronunciar sobre o conteúdo do documento, mas apenas sobre dois curtos parágrafos (pág.ª 55), os quais aqui transcrevo:

A actual Lei Eleitoral não prevê sanções claras para os actos que incitam ou estimulam eleitores a votarem em branco ou produzirem votos nulos.

A CAEAL considera que os referidos actos visam obviamente perturbar os procedimentos eleitorais e destruir a equidade eleitoral, propondo-se, deste modo, estabelecer as respectivas sanções.

No dia seguinte, li em alguns jornais que por sanções se devia entender a eventual criminalização dos votos BNS (Blank, Null, and Spoiled). Não sei se alguém da própria CAEL falou nisso. De qualquer modo, a ideia de penalizar os defensores desse tipo de votos é assustadora, mesmo num sistema eleitoral em que só uma fracção ínfima dos deputados é eleita por sufrágio directo e universal.

Percebe-se qual a preocupação da CAEL, mas um erro não se corrige com outro.

Nas últimas eleições houve um conjunto de candidatos afastados pela CAEL e excluídos das eleições. A decisão foi alvo de crítica e condenação em diversas instâncias, designadamente na União Europeia, parceiro comercial da China, e na Comissão dos Direitos Humanos da ONU, em Julho de 2022, sendo que aqui por violação do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP). Recorde-se que a China faz parte da ONU, ocupando inclusivamente um lugar permanente do Conselho de Segurança.

Importa referir que não há qualquer razão digna de protecção que aconselhe sancionar a “promoção” do voto BNS. Este é em qualquer sistema eleitoral, justo, democrático e decente, uma opção para o eleitor tão legítima como qualquer outra, possuindo significado próprio. Para o Tribunal Constitucional da Colômbiael voto en blanco constituye una valiosa expresión del disenso con efectos políticos a través del cual se promueve la protección de la libertad del elector” (Sentencia C-490/2011). É, pois, falso que os votos BNS perturbem o procedimento ou a equidade eleitoral.

Há académicos que situam o seu aparecimento em França, por volta das eleições legislativas de 21 de Agosto e 4 de Setembro de 1881, em que surgiu um número inusitado de votos nessas condições (Ihle & Deloye, RFSP, 1991). Certo é que a sua existência é uma constante de tal forma enraizada nas democracias que há algumas em que foram criados partidos, portanto constitucionais, cuja mensagem fundamental é exactamente a do apelo ao voto em branco.

Em Espanha, o partido Escaños em Blanco defende no seu programa eleitoral que os seus eleitos não tomarão posse, nem receberão qualquer subsídio, procurando deixar os lugares no parlamento vazios para obrigarem à mudança do sistema eleitoral e do sistema de representação vigente.

Noutras circunstâncias, casos do Peru e do Brasil, o Sendero Luminoso, movimento marxista-leninista, em 1983, e o Partido Comunista Brasileiro, sob a direcção de Luiz Carlos Prestes, nas eleições de 1950, apelaram ao voto em branco como contestação à fraude eleitoral e à deriva democrática. Causas nobres.

Outros exemplos de apelo ao voto em branco chegaram-nos dos USA (Boston 1985), Argentina (Voto bronca, elections of 2001, 1957 with Péron), e Espanha em 2004, nas eleições do País Basco. Em França também existe um Partido do Voto em Branco (Parti du Vote Blanc) e no Quebec (Canada), o Parti-nul. E, tanto quanto sei, nos EUA, em 2012, só os republicanos tentaram eliminar o voto em branco que figurava nos boletins do Nevada (Superti, 2016).

Cada sistema eleitoral tem as suas próprias regras, embora não tenha notícia de em democracias e sistemas de sufrágio directo e universal haver quem sancione, seja sob a forma de coima ou prisão, o apelo aos votos em branco, nulos ou à abstenção. Em Portugal, nas primeiras eleições após a
Revolução dos Cravos, em 1974, o Movimento das Forças Armadas apelou ao voto em branco e pretendeu disso retirar consequências políticas. Não houve problema. O regime democrático consolidou-se. 

Quanto ao seu sentido, os votos BNS podem ter vários significados, mas no caso dos nulos deliberados e dos brancos, muitos vêem-nos como uma forma de protesto não-violenta destinada a mostrar o descontentamento dos eleitores em relação à má oferta política, ao baixo nível dos candidatos, e como manifestação do sentimento de corrupção política ou de simples insatisfação com as regras eleitorais. 

Se os eleitores consideram que os mecanismos eleitorais são maus e os candidatos impreparados, devem poder manifestá-lo de forma legal e pacífica. Há inclusive países, como a Ucrânia e a Rússia, até o ditador Putin o eliminar, em que no boletim de voto havia a opção “Against all” ou “None of the above” (Superti 2016, Alvarez et al. 2018).

Na Índia, o Supremo Tribunal (Writ Petition (C) No. 161 of 2004, September 27, 2013) decidiu que “Not allowing a person to cast vote negatively defeats the very freedom of expression and the right ensured in Art. 21 i.e., the right to liberty. (…) the voter must be given an opportunity to choose none of the above (NOTA) button, which will indeed compel the political parties to nominate a sound candidate.”.

E em países como a Grécia, a Suíça, a Holanda, Colômbia, Peru, e até na Mongólia, onde as eleições têm de ser repetidas com novo candidatos se os votos brancos atingirem os 10% (David, 2022), essa forma de intervenção política é aceite.

Aqui não se discute a possibilidade de se institucionalizar essa opção no boletim de voto. Mas pensar que sancionar o apelo ao voto em branco, ou nulo, é uma hipótese, é triste. Isso não faz parte da matriz jurídico-política herdada.

A CAEL ou o Governo da RAEM não podem ter medo dos eleitores. É mau sinal quando isso acontece porque só os maus governantes temem o escrutínio popular. O que importaria seria tornar a abstenção, o voto branco e o voto nulo, nos casos em que este não resulte de erro de preenchimento, menos atractivos, reduzindo esse número e aumentando a participação. Todavia, isso só se consegue melhorando o sistema eleitoral, a informação, a transparência e a qualidade da oferta. Isto é, com melhores programas eleitorais e candidatos bem preparados e eticamente irrepreensíveis.

A desafeição política, menos ainda em regimes autoritários, não se combate proibindo, multando ou criminalizando. Isso é um erro e não é próprio de sociedades políticas civilizadas. A desafeição política combate-se com inclusividade, melhores políticas e mais competência, tornando o sistema eleitoral "mais dinâmico e mais competitivo" (Urdánoz Gamusa, 2012).

Afastar as pessoas da participação, penalizar o combate político livre e democrático, impor o medo e a auto-censura à manifestação da livre opinião, e remeter as pessoas ao silêncio, não melhora a legitimidade de nenhum sistema político-eleitoral, por muito mau que seja, não reforça as instituições e não aumenta o amor pela pátria e pelo partido.

Tal como no amor, também na política é preciso ter uma relação séria e saudável com o parceiro (povo), o que não se consegue com violência.

As instituições e os políticos têm em cada momento histórico de conquistar pela bondade a alma do povo, sob pena de se revelarem incompetentes para a função. O Chefe do Executivo devia pensar nessa opção antes de aceitar a sugestão da CAEL.

O umbigo do eleitor

Paulo Sousa, 20.04.23

Almocei há dias com um amigo que vive nos EUA. As conversas circularam por diferentes assuntos. Os que mais lhe interessam, e que o levaram a ir tentar a sorte fora daqui, são os negócios. Por cá não é de bom tom alguém se assumir como material e financeiramente ambicioso, mas esse não é o registo dele nem dos americanos. O optimismo corre nas veias dos empreendedores dos EUA.

Há uns tempos, numa visita que lhe fiz, reparei no detalhe da resposta habitual à coloquial pergunta “Como vais?/How are you?”. Na esmagadora maioria das vezes ouvi a resposta “Great!”, que não podia ser mais díspar do nosso tradicional “Vamos andando”. A diferença de atitude que estas duas respostas encerram é bem maior do que o Atlântico que nos separa.

Depois de esgotar a primeira ronda de assuntos, tornou-se inevitável abordar o tema Trump. Logo desatou a elencar todas as vantagens que quem tem negócios sentiu no seu mandato e de como agora, com Biden, se sente claramente a diferença e para pior. É do senso comum do círculo onde ele se desloca, associar-se o crescimento económico à diminuição do desemprego e por essa via espera-se, e verificou-se, uma diminuição da criminalidade. Pelo contrário, explicou-me, os apoios sociais distribuídos pelos democratas estão por de trás do aumento do desemprego e, simetricamente, do crime.

Quando lhe falei no assalto ao Capitólio, que em muito pouco se distinguiu de uma tentativa de golpe de estado, e na gravidade que isso encerra numa democracia, fez uma pequena pausa, e logo regressou ao relambório do crescimento económico.

Dei por mim a pensar como é que tanta gente faz por desprezar questões de princípio nas suas escolhas eleitorais, preferindo centrar-se nos seus interesses materiais.

Nesta conversa com este meu amigo emigrado nos EUA, senti que ao falar-lhe do assalto ao Capitólio, tive a mesma reacção que teria de um eleitor socialista se lhe lembrasse todos os escândalos do PS, o nepotismo, a endogamia, a tomada do estado pelo partido, o consulado do engenheiro Sócrates, a terceira insolvência, os incêndios de 2017, a TAP, a Efacec, os emails para as embaixadas, o financiamento do partido via contratos com Joaquim Morão e tantos e tantos outros. Engolem igualmente em seco, abdicam de decência democrática e a escapatória da conversa passa sempre pelo seu respectivo umbigo.

Por Itália

João Pedro Pimenta, 27.09.22
Não sei porquê tanta preocupação com o mais que provável governo de Giorgia Meloni em Itália: é mais que sabido que nenhum executivo italiano chega sequer aos dois anos, a não ser que haja uma improvável "Marcha sobre Roma". Além do mais, o que também não ajuda à estabilidade, a coligação vencedora tem três egos gigantes a comandá-la - Meloni, Salvini e Berlusconi - e o de Meloni nem parecer ser o maior.
 

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Curioso é que os que estavam no governo Draghi e ajudaram a derrubá-lo caíram muito nas votações. Veja-se o Movimento Cinco Estrelas, agora liderado pelo ex-primeiro-ministro Giuseppe Conte, ao passo que o seu antecessor na chefia do partido e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, Luigi di Maio, nem conseguiu ser eleito para as câmaras.
 
E é igualmente interessante observar que os apoiantes de Putin caíram nas votações, começando por Salvini, que se fica por metade da votação, ou o próprio Berlusconi, que viram os seus votos rumarem directamente para os Fratelli d´Italia, de Meloni, crítica explícita da invasão da Ucrânia.
 
Tempos houve em que o sistema político italiano era absolutamente previsível: ganhava a Democracia Cristã sem maioria, o Partido Comunista ficava em segundo, e a primeira formava governo com os liberais, republicanos, sociais-democratas, e, a partir de certa altura, também com os socialistas, ao passo que os neofascistas (do qual provém a formação de Meloni), tal como os comunistas e os radicais, ficavam de fora. Mas de há trinta anos para cá o sistema tornou-se imprevisível, a não ser no que respeita à curta duração dos governos, e os partidos ficaram absolutamente voláteis, apostando mais nas personalidades que os lideram do que em ideias ou ideologias.

Recordando o voto dos emigrantes

Cristina Torrão, 18.09.22

Recordo este assunto, que tão depressa cai no esquecimento (e com certeza provocará nova trapalhada nas próximas eleições), citando palavras de Pedro Rupio, Presidente do Conselho Regional das Comunidades Portuguesas na Europa (CRCPE), a partir de uma entrevista dada ao PT-Post, jornal português na Alemanha, publicada na edição de Agosto (nº 338).

Sobre a questão da representatividade da emigração no Parlamento:

Sentimos que é ainda um assunto que deverá ser amadurecido, porque sentimos que existe ainda muita reticência. Há partidos que estão mais abertos à ideia e outros que consideram por exemplo que será necessário haver um aumento da participação eleitoral para que possamos alcançar esse objectivo.

Mas o CCP (Conselho das Comunidades Portuguesas) fez questão de explicar que com 250 mil votantes, já conseguimos ultrapassar o número de votantes em Leiria, que elege 10 deputados naquele círculo eleitoral, e também que há muitas pessoas que não conseguiram votar, que quiseram votar e não conseguiram, ou porque não receberam o boletim de voto, ou porque não conseguiram recensear-se.

Há pessoas que estão a viver no estrangeiro, mas têm morada portuguesa no cartão de cidadão, há pessoas que no momento de renovar esse documento no consulado (e isto é grave), ficaram riscadas das listas eleitorais. Portanto, é preciso primeiro melhorar estes pontos para se observar uma maior participação eleitoral, sem esquecer que aquele tipo de incidentes que vivemos com a repetição das eleições, não favorece de todo a participação eleitoral das comunidades portuguesas. Está-se a querer responsabilizar as comunidades portuguesas da falta de participação, mas até agora tudo nos indica que quando nos dão condições para votar, nós votamos. Com o recenseamento automático houve um aumento do número de votantes.

Há que corrigir, para já, questões como a actualização das listas eleitorais, que não correspondem à realidade. E repare que para as eleições presidenciais, vai ser impossível sairmos dos 98% de abstenção, se mantivermos o voto presencial como única alternativa.

Sobre o modelo aplicado em França, nas eleições legislativas:

Um modelo com quatro opções de voto: presencial, electrónico descentralizado, via postal e através de procuração (...) e a participação eleitoral aumentou 35% em relação às últimas legislativas, mais uma vez, uma prova de que quando há condições para se votar, as pessoas votam mais.

 

Nota: modifiquei a grafia da entrevista publicada segundo o AO/90.

Mais uma achega para o debate

Sérgio de Almeida Correia, 11.04.22

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"Aqui valerá sim a pena sublinhar, para além da diminuição do número absoluto de votantes, o aumento da abstenção, que cresce de 79,13% para 88,10%. À abstenção juntar-se-á a diminuição significativa dos votos em branco, que passam de 2764, equivalentes a 1,43%, para 711, ou seja, 0,65%, e, mais importante, o crescimento absolutamente desconcertante dos votos nulos. De 3372 (1,74%), em Janeiro, os nulos elevam-se no final a 33.565 (30,46% dos votos totais expressos em urna).

Se em Janeiro os dois deputados a eleger por este círculo iam ser repartidos entre PSD e PS, em Março foram ambos atribuídos ao segundo. Noutras circunstâncias isto poderia ter tido consequências graves para a governabilidade."

Quem tiver disponibilidade e interesse para ler tudo terá de fazer o favor de ir até ao Público, onde terá acesso à integralidade do texto. 

Pensamento da semana

Pedro Correia, 06.02.22

Maioria absoluta do PS. Marcelo Rebelo de Sousa pode cantar vitória: exigiu estabilidade ao País, os portugueses fizeram-lhe a vontade. E advertiu em tempo útil PCP e BE: iriam suicidar-se se chumbassem o Orçamento do Estado. Eles não lhe deram ouvidos, o resultado aí está: fuga em massa de eleitores comunistas e bloquistas para o partido do governo, que sai das urnas robusto como quase nunca se viu. O alegado Bloco é esmagado: tinha 19 deputados, restam-lhe cinco. Quanto ao PSD, que passou meses a jurar que viabilizaria um executivo socialista, obteve a resposta: para quê desviar votos para o subalterno quando se pode eleger o superior hierárquico?

 

Este pensamento acompanhou o DELITO durante toda a semana.

Os nomes e as coisas

Pedro Correia, 20.01.22

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No debate de segunda-feira na RTP, o moderador tratou quase todos os nove intervenientes pelo nome próprio. Esta recente forma de tratamento, como tantas outras modas, foi importada dos States. Tal como a tendência para dar nomes de pessoas a cães e gatos.

Lá entre a bimbalhada, todos se tratam pelo primeiro nome e até por diminutivos. Incluindo presidentes - daí ter havido o Jimmy (Jaiminho) Carter e o Bill (Gui) Clinton; agora há o Joe (Zé ou Zeca ou Zezé) Biden.

Há-de chegar o tempo em que, pela mesma lógica, o Francisco actual passa a Chico, a Catarina deriva para Cati, o Rui passa a denominar-se Ruca e o António encolhe para Tó. Só Jerónimo continuará a ser Jerónimo, honra lhe seja.

Nos programas televisivos de comentário e debate tornou-se também moda tratarem-se todos por tu, como se tivessem sido colegas da primária ou costumassem jantar juntos. É outra importação "amaricana", neste caso facilitada pelo facto de no idioma dos States o "you" servir para toda a segunda pessoa, do singular e do plural, haja ou não tratamento familiar.

Isto serve igualmente para a forma como os partidos comunicam connosco. Numa destas manhãs ouvi na rádio alguém de uma agremiação política intitulada Volt dizer-me: «Vota em nós.» E há por aí propaganda partidária de todo o género que insiste em tratar-me por tu. Como se eu fosse muito lá de casa.

Mas não os conheço de parte alguma.

Notícias do pântano

Pedro Correia, 05.11.21

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1. O Presidente da República marcou legislativas para 30 de Janeiro. Voltamos à urnas daqui a 11 semanas. Péssima notícia para todos aqueles que queriam «eleições imediatas», alguns já a 9 de Janeiro, empurrando o início da campanha para 26 de Dezembro e todos os debates televisivos entre candidatos para a quinzena pré-natalícia, sem perceberem que isso só contribuiria para engrossar ainda mais os já chocantes índices de abstenção em Portugal.

 

2. Os presidentes do PSD e do CDS ficam sem a menor desculpa para continuarem a evitar eleições internas -- regulares, ordinárias, obrigatórias pelos estatutos -- destinadas a clarificar, e eventualmente a renovar, as respectivas lideranças. O calendário eleitoral fixado por Marcelo Rebelo de Sousa permite-lhes isso. Mais: impõe-lhes isso. Fugir do confronto intrapartidário a pretexto da contenda nacional é uma entorse ao sistema democrático. Porque não há democracia sem partidos.

 

3. O PCP, a sua sucursal PEV e o Bloco de Esquerda vêm agora lamentar que o País vá a votos. Fingindo não saber aquilo que Marcelo deixou bem claro em tempo útil: ou haveria Orçamento do Estado para 2022 aprovado na Assembleia da República ou haveria legislativas antecipadas no início do ano. Comunistas e bloquistas pressentem que serão duramente penalizados neste escrutínio. É o preço a pagar por decidirem pôr fim à geringonça e darem primazia ao sectarismo ideológico. Nesta deriva, nem hesitaram em juntar o voto deles ao do Chega. Serão sempre derrotados, mesmo que o PS ganhe por "poucochinho".

 

4. Rui Rio deu ontem uma entrevista de 33 minutos à TVI - só durante nove minutos transmitida em sinal aberto, tendo a restante sido remetida para o canal de notícias no cabo. Ignoro quem aconselha o presidente do PSD em matéria de comunicação: seja quem for, merece advertência. Desperdiçar uma entrevista televisiva precisamente na noite em que o Chefe do Estado anuncia ao País a convocação de legislativas antecipadas é um erro de palmatória. Pior ainda do que se tivesse ocorrido em serão de futebol. 

 

5. Assisti, por dever de ofício, a esta entrevista. Enquanto esteve em sinal aberto, como seria de esperar, os jornalistas tentaram de várias formas que Rio comentasse a intervenção presidencial e as decisões que Marcelo acabara de anunciar no Palácio de Belém. Ele foi-se esquivando - e assim se escoou o tempo.

 

6. Quanto ao resto, já no cabo, mais do mesmo: Rio dispara para dentro, nunca para fora. Chama «tempo perdido» à campanha que deverá realizar-se em Novembro no interior do partido. Qualquer autocrata falaria assim, desvalorizando o debate interno, o confronto de ideias, a auscultação da vontade dos militantes, as eleições directas, a formação participativa de listas eleitorais. Insiste, aliás, em opor-se à realização de directas e do subsequente congresso por gerarem «tumultos internos». Parece incapaz de perceber que este período pode e deve ser utilizado para o confronto político com o PS, dando prova de vitalidade do PSD como partido aberto, dinâmico e plural.

 

7. Os jornalistas - Sara Pinto e Anselmo Crespo - deram a Rio a oportunidade de se demarcar das frases insultuosas que a vice-presidente do PSD Isabel Meireles dirigiu ao Presidente da República em recente artigo de opinião. Não  o fez: outro erro. Cito apenas duas frases desse texto, de inegável mau gosto: «Marcelo adora tricô político com todas as cores. O sabor da intriga, da conspiração e da zombaria estão-lhe no sangue»; «Disparou o projétil [sic] a partir de Belém e colocou em toda a sua carga o ingrediente mais nocivo do ser humano, o ódio, o ódio visceral a Rui Rio.»

 

8. Extraordinário: ao longo de mais de meia hora, o presidente do PSD não fez qualquer crítica ao Governo. Nem uma para amostra. Zero total. A maior evidência de que estamos mergulhados num pântano é precisamente esta. Oxalá seja possível encontrar uma saída.