ANEDOTÁRIO
I
«No contexto desta privatização» da EDP, o primeiro-ministro «foi visitar a sede de uma das empresas que agora é concorrente e foi, muito pouco tempo antes, com o Financial Times a dizer que o senhor, a mando da senhora Merkel, lá terá ido promover a participação desta empresa no concurso da privatização». Estas palavras datam de há poucos dias e são do coordenador do BE. Foram proferidas durante o recente debate quinzenal na Assembleia da República, com a presença do Governo no hemiciclo.
Francisco Louçã entendeu desferir assim a acusação implícita de que Pedro Passos Coelho estaria a apadrinhar a entrada dos alemães na EDP. Passos Coelho tinha ido antes à Alemanha e Louçã achava que ele fôra visitar a E.On, interessada na privatização da EDP. Por isso, acusava o primeiro-ministro de se ter prestado a «promover a participação» alemã e desafiava-o a esclarecer, «perante o Parlamento e os portugueses, o que é que foi fazer à sede da E.On, que é agora uma das concorrentes à privatização da EDP».
Na resposta, o primeiro-ministro desmentiu Louçã ao garantir que nunca visitara a sede da E.On e explicou: «É público, porque a reunião foi pública, que quando estive na visita bilateral que realizei a Berlim, ao Governo alemão, o presidente da E.On pediu para ser recebido por mim e eu recebi-o, de resto, numa audiência pública, que conteve comunicação social, em que o presidente da E.On me quis manifestar o interesse directo da empresa na privatização da EDP.»
Referindo-se à apreciação do processo de privatização, Passos Coelho adiantou´que «a decisão que o Governo vier a tomar será tomada em conselho de ministros, depois de receber o relatório que será feito pelos assessores financeiros que estão como advisers da operação a fazer a apreciação das propostas e a negociação que deve ser realizada». E aproveitou para acrescentar frontalmente a Louçã que não devia alimentar «qualquer equívoco» sobre o assunto, porque «não há nada mais transparente do que isto».
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II
Na verdade, a decisão foi tomada ontem em conselho de ministros e nada transpirou sobre ela até o Governo a comunicar. A candidata vencedora, como é público, foi a China Three Gorges. Portanto, tal como as restantes concorrentes, também a alemã E.On ficou afastada.
Igualmente afastado ontem esteve Francisco Louçã. Nem uma palavra sobre a lisura do processo que tanta gente se apressou a reconhecer, nem um pedido de desculpas pelas afirmações desbocadas contra Passos Coelho no Parlamento. Nada. Emudeceu repentinamente.
O efeito anedótico dos golpes da retórica de Louçã são ainda mais hilariantes quando nos lembramos da fórmula que ele utiliza sempre: aquela já gasta técnica discursiva da colocação de voz à pároco-de-aldeia-a-fazer-um-sermão-num-funeral, em tom macio e aveludado para não perturbar o sono dos justos, mas acentuando de modo arredondado certas palavras-chave aqui e ali, que parece elevarem-se-lhe da alma em falsa surdina.
Fica-lhe mal, apesar da risota, o triste exemplo de desferir insinuações e acusações que a realidade desmente e depois pôr-se a assobiar para o lado.
Quanto à entrada cíclica do coordenador-mor do BE no anedotário nacional, resta notar que isso só não o afastou (ainda) da coordenação do partido por um motivo: é que cada vez tem menos partido para coordenar.