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Delito de Opinião

A importância de ser um guru capaz de prever os cataclismos

Pedro Correia, 11.02.24

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Vale a pena recordar o que o alegado mago da economia Nouriel Roubini vaticinou a propósito da crise financeira europeia (2008-2012) em geral e Portugal em particular:

 

Julho de 2009

O pior da crise já está para trás: recessão acaba este ano.

 

Junho de 2011

Uma "tempestade perfeita" pode afectar a economia mundial a partir de 2013. (...) Dívidas da Grécia, da Irlanda e de Portugal precisam de ser reestruturadas o mais rápido possível. Adiar essa decisão pode resultar num processo de default mais desordenado.

 

Junho de 2011

A zona euro encaminha-se para uma ruptura, com a saída dos membros mais fracos, incluindo Portugal, com a actual abordagem à crise.

 

Setembro de 2011

Portugal e Grécia são os países da zona euro com maior probabilidade de abandonar a moeda única, podendo fazê-lo num horizonte de três a cinco anos.

 

Setembro de 2011

A zona euro é uma fonte de risco sistémico. Se existir uma situação de desordem na zona euro, será pior que o Lehman Brothers.

 

Março de 2012

A Grécia sairá da zona euro, talvez no início de 2013. Portugal também pode abandonar a moeda única.

 

Julho de 2012

Hipóteses de Portugal e Grécia saírem do euro é de 85%

 

Julho de 2012

Zona euro vai desmoronar-se dentro de seis meses

 

Setembro de 2013

Se o Tribunal Constitucional chumbar mais medidas no corte da despesa em Portugal, um segundo resgate pode ser inevitável.

 

Novembro de 2013

A dívida de Portugal precisará de uma reestruturação. A situação de Espanha é insustentável.

 

Gravura: "quadradinho" do álbum Le Devin, de Astérix (Uderzo/Goscinny)

Após a batalha todos somos generais

Pedro Correia, 29.04.22

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Nunca os economistas estiveram tanto em voga: quanto maior é a crise, mais rivalizam com os futebolistas enquanto campeões da permanência nos ecrãs televisivos. A esmagadora maioria limita-se a dizer-nos o que todos já sabemos, embora o diga com indisfarçável convicção: que as coisas estão más, que a situação é difícil, que a recuperação será penosa, que os problemas sociais poderão multiplicar-se, que a criação de emprego é um objectivo prioritário mas de concretização problemática. Patati, patatá.

Ouço este corrupio de crânios em desfile na pantalha, noite após noite, e questiono-me por que motivo não terão eles surgido com a sua palavra avisada e esclarecida quando o rumo dos acontecimentos era ainda incerto e a prosperidade parecia prolongar-se em rota ascendente ao contrário do que sucedeu depois.

Há um velho aforismo que me vem à memória em momentos destes: depois da batalha, todos somos generais.

E lembro-me de outro: Deus criou os economistas para que os meteorologistas tivessem credibilidade.

Estamos bem entregues com tantos génios a velar por nós.

A econotribo

José Meireles Graça, 27.07.21

Em tempos, a propósito de um programa da Rádio Observador, casquei em não sei quê do que disseram três economistas residentes. Um deles, um socialista com cujas opiniões antieuropeístas concordo, discordando de tudo o mais, não deve ter tomado conhecimento da minha objurgatória; outro, aliás outra, uma opinion maker com a qual simpatizo, não reagiu; e o terceiro, o mais próximo, provavelmente, das minhas opiniões, e portanto o mais sensato, encabritou-se por espaço de dois minutos no Twitter, levando a coisa para um plano pessoal completamente alheio aos meus propósitos, salvo numa leitura pouco atenta.

Um prof da especialidade, com quem me dou interneticamente muito bem, achou graça; um seu colega não ficou demasiado longe de me achar burro; e um amigo chegado, com óptima cabeça e aquela desgraçada formação, inteirou-me de que “deves ter alguma coisa contra os economistas”.

Tenho e acho que se deve ter porque é gente demonstravelmente perigosa: não há política económica moderna mal-sucedida que não seja inspirada por gurus daquela ciência oculta; e todos os desastres foram previstos por algum sacerdote da seita desdenhado pelos colegas, que todavia, com o prestígio adquirido, nunca mais acertou na previsão de coisa alguma. A despeito do recurso extensivo a disciplinas científicas ancilares, como a matemática, um dialecto próprio que com o tempo foi sendo desenvolvido, e uma produção de papers que não caberia na biblioteca de Alexandria, é tropa que não se entende: há economistas liberais de múltiplas declinações, social-democratas e socialistas de várias obediências, até mesmo (que Nosso Senhor, na Sua infinita misericórdia, lhes perdoe) comunistas à velha boa maneira e outros que, credo!, não são comunistas, apenas pretendem depurar o capitalismo dos seus defeitos e acabar com as desigualdades, de modo a que, já próximo da perfeição, lhe aconteça o mesmo que  ao burro do escocês.

Exemplos de próceres destes clãs toda a gente conhece:  Daniel Bessa é um liberal entre muitos; Cavaco era o exemplo acabado do social-democrata, tão completa e cegamente que, com geral admiração de quem sempre o admirou, continua a ser; Mário Centeno passa por socialista (talvez com algum exagero porque, provavelmente, nem o próprio chega a alcançar aquilo que é); de comunistas talvez o mais conhecido seja Eugénio Rosa, e o consagrado frei Anacleto Louçã é ainda o melhor exemplo do adepto da economia sem ricos, por causa da igualdade, mas com grandes taxas de crescimento da felicidade, um indicador bem mais justo do que o PIB.

(chamo-lhe “frei” porque a peça tem um palavreado intensamente untuoso, lá está, freirático; e porque paira sobre tudo o que diz uma espessa nuvem de superioridade moral – para frei Anacleto as pessoas de direita, isto é, as que assim define, são pecadores que ainda não viram a luz que lhe ilumina o coração amantíssimo).

Escolhi estes porque, tirando o comunista, são ou eram professores; e pensando coisas muitas diferentes têm sempre um grande cuidado, no discurso, em não ferir as susceptibilidades uns dos outros (“não ponho em causa a competência do professor xis, mas não terá porventura completa razão porque pérépépé”). É isso um claro sintoma de que estes clãs constituem uma tribo – a econotribo.

De longe em longe, aparece um adiantado mental que desperta entusiasmo – foi o caso, por exemplo, de entre os listados acima, de Cavaco, quando ainda era ministro das finanças de Sá Carneiro. O pobre homem veio a deixar marca, no seu futuro consulado, como coveiro dos restos do manicómio em autogestão que herdara, tendo ancorado o país firmemente à Europa e sobretudo aos seus fundos, a par do papel central do Estado na economia e na vida dos cidadãos – um legado deletério que nem o próprio nem a corte de apaniguados reconhece como tal.

Pois bem, apareceram agora dois economistas com um discurso relativamente inovador, ambos tendo despertado grande entusiasmo nas minhas hostes.

Um é Nuno Palma, que seguia há muito e a quem já me referi bastas vezes com geral aprovação. Palma é um historiador económico, e só posso esperar que os seus trilhos de investigação sejam aprofundados – conhecer e entender o passado é a maneira mais segura de evitar erros porque há pouca coisa de novo debaixo da roda do Sol.

Nuno despertou uma multiplicidade de reacções de mandarins da opinião, por ter tocado num nervo quando, incidentalmente, se referiu, de mais a mais num encontro partidário, ao Estado Novo como não tendo sido, do ponto de vista do desempenho económico, o desastre que a propaganda abrileira fez passar para a opinião pública como dado adquirido.

Já Ricardo Reis, numa notável entrevista, veio dizer sem ambages o que alguns dos seus pares – os mais lúcidos, num meio em que semelhante artigo escasseia – dão a entender com abundância de quiquiquis, mas a coisa tem sido razoavelmente silenciada.

Percebe-se porquê: a opinião de esquerda atacaria o moço sem contemplações se este não estivesse protegido por credenciais académicas estrangeiras impecáveis e uma carreira invejável lá fora. O quê, os americanos, que são o sal da terra, respeitam este tipo? Tem de ser muito bom. E como o muito bom diz coisas inconvenientes o melhor é não as amplificar. Já a opinião de direita, em se tratando de próceres da Academia, também não tem grande interesse em promover o estrangeirado, não vá ele lembrar-se de regressar: cá no torrão lugares não há muitos.

Palma, benza-o Deus, tem outro tipo de protecção: historiadores falam do passado, que não interessa a ninguém, portanto pode-se-lhes bater; com ideias para o futuro é que temos a burra nas couves.

Que diz então Reis? Identifica três razões para a nossa estagnação: i) Impostos excessivos; ii) Má alocação de capital; iii) Empresas zombie.

Diz bastante mais, é claro, e coisas que valem a pena. Sucede porém que nisto, que é o essencial, discordo de um terço.

A referência a empresas zombie não é uma novidade: numa definição, são empresas que, ao longo de mais de uma década de existência, não geram lucros suficientes na sua actividade regular, dependendo persistentemente de crédito bancário. Isto, segundo a literatura pertinente desta moda de pensamento, tem como efeito diminuir a produtividade por sector, além de encorajar a sobrevivência no mercado de firmas ineficientes, uma vez que o acesso “fácil” a crédito bancário lhes permite continuar a sua actividade. Esta mobilização de recursos, por sua vez, diminui o crédito disponível para empresas viáveis, dificultando o seu crescimento e a continuidade das que existem, e impossibilitando o nascimento de inovadoras e mais produtivas.

Este discurso assenta obviamente no pressuposto de que os bancos não sabem o que andam a fazer ꟷ quem sabe são os académicos, os mesmos que enxundiam os quadros da entidade de supervisão e, frequentemente, dos próprios bancos. E, a julgar pela história recente destes, poder-se-ia legitimamente achar que é assim – bancários são gente que, efectivamente, não sabe o que anda a fazer.

Sucede que não saberão, talvez, cabendo porém lembrar que o caso particular do BES (que apoiou sem dúvida empresas zombie) não ilustra uma qualquer inépcia de gestão, mas antes jogos de poder, incluindo o poder político, além de complicadas relações familiares, também elas de poder. Correu mal, mas se formos lá atrás o que vamos encontrar é uma reprivatização assente em muita vontade e pouco capital – o PREC deixou sombras compridas. Isto para não falar da crise de 2008, espoletada por uma bolha no imobiliário que chegou cá porque às nossas praias, e às de quase todo o mundo desenvolvido, chega o lixo todo. Porque os bancos americanos apoiaram empresas zombie? Não, porque apoiaram zombies propriamente ditos, impingindo-lhes casas que não poderiam pagar se alguma coisa abanasse, como abanou.

Fizeram-no por causa dos prémios de gestão e porque a sustentabilidade das organizações cedeu o passo à eficiência, medida em resultados que esqueceram a prudência.

Não se permite que haja na gestão bancária, provavelmente por boas razões, o instituto falimentar do mesmo tipo que existe para as empresas comuns. Aliás, os bancos não são firmas, são instituições crescentemente reguladas. E não é portanto razoável esperar que sejam particularmente bem geridos, até porque um dos mecanismos para isentar os decisores de responsabilidades pelo que corre mal é colectivizar as decisões, diluindo-as em colégios de pessoas albardadas de sólida formação académica, sobrando-lhes normalmente em teias de aranha teóricas o que lhes falta em experiência.

Mesmo com todas estas limitações, quem decide emprestar pretende um ganho. E esse, ao contrário do que pode caber na cabeça esquemática de um académico, pode estar mais na empresa suficiente do que na muita boa – a muito boa tende a discutir o preço, esmagando as margens, e a suficiente (na realidade portuguesa esta, e não a outra, é que é frequente) pode, com uma adequada avaliação de risco, proporcionar muito maiores ganhos.

A treta da produtividade do sector significa pouco porque, sendo aritmeticamente inegável que se as empresas com pior desempenho forem eliminadas a média sobe, isso não nos garante que o que se perdeu acresça automaticamente para quem ficou, incluindo os postos de trabalho. Por exemplo, se umas empresas exportadoras num determinado sector forem relativamente débeis o seu encerramento pode beneficiar apenas concorrentes estrangeiros; além do que, com frequência, o melhor desempenho tem mais a ver com políticas de marketing ou outras que afectam o numerador, sem tocar na produtividade material dos bens produzidos, o que significa que o mercado passará apenas a pagar mais por menos. Num exemplo paralelo, cabe lembrar que o salário mínimo português, que está demasiado perto do médio, sinal seguro de disfunção, passaria a estar menos no caso de, sem mais, despedir um número suficiente de trabalhadores com aquele salário mínimo, mantendo os outros, coisa que aliás parece ter sucedido recentemente por causa do aumento do desemprego na restauração. Uma evolução positiva, portanto, segundo indicadores acéfalos, excepto para os desempregados.

De resto, ou se acredita no mercado ou não: este fará a selecção pelos melhores critérios, que são os que resultam da soma das escolhas dos agentes individuais. Falta de dinheiro para emprestar não parece que haja: se, armados de paciência, formos ouvir um quadro de topo de um banco, é fatal como o destino que este, inclinando a cabeça ponderosa, murmure com gravidade que dinheiro há, o que falta são projectos com qualidade. E enquanto se espera pelos tais projectos vai sobrando financiamento para automóveis, férias e electrodomésticos, mais fácil de obter do que, por exemplo, para leasing de máquinas industriais, coisa que não estou absolutamente certo de que se tenha conhecimento nos think tanks de americanices.

Pretender que decisões de gabinete, em obediência a métricas discutíveis, são o melhor piloto para orientar políticas de crédito, sem mais, e que as empresas mais eficientes não podem por si liquidar as menos eficientes, desafia, entre outras coisas, o senso e a experiência.

E isto dando de barato que os instrumentos contabilísticos para fazer estas análises são fiáveis (não são, uma das falhas mais gritantes das análises financeiras é a crença na comparabilidade dos balanços e contas de empresas nacionais, com completo descaso do campo de minas que é o plano de contabilidade, as suas incidências fiscais e a capacidade que têm aqueles documentos para traduzir a verdadeira situação das empresas).

Carlos Pereira da Cruz, um consultor de gestão que respeito muito e que acima linquei, diz há muito: Deixem as empresas morrer.

Também digo. As que estão moribundas, desde que com a condição certificada por médico competente e não por um distante director do hospital. Sem isso, e se fosse gestor bancário, pensava duas vezes antes de liquidar uma empresa. Preferiria diminuir lentamente a exposição, subindo entretanto ao preço. Isto, claro, se, sendo CEO o professor Reis, lhe conseguisse explicar que a realidade portuguesa não é bem a que imagina. Talvez ao fim de algum tempo, inteligente como é, já não precisasse de explicação alguma.

 

Publicado no Observador

Memórias

José Meireles Graça, 25.10.20

Acontece-me ultimamente ter a desagradável sensação de que já disse isto. O facto, a terceiros, não impressiona: ninguém se lembra, e menos ainda procura, do que eu já disse. Depois, imagino um tetraneto que tenha, por quem eram os tetravós, a mesma curiosidade eu que tenho pelos meus, e que talvez ache graça a eventos incompreensíveis perdidos na memória dos tempos e a um antepassado incontinente verbal.

Daí que tenha começado a construir uma base de dados, com a data, o título, e os assuntos, de todos os artigos que já escrevi em blogues finados ou actuais, por aqui e por ali. Isso implica às vezes reler e tropeçar em coisas que hoje não diria, outras que não diria da mesma maneira, outras obsoletas e outras – a maioria ꟷ sem interesse nem sequer para mim. Também aparecem textos absolutamente seminais sobre matérias do maior relevo, como foi o caso com um luminoso post sobre a problemática do bacalhau fritado.

Algumas pessoas que beneficiaram da minha consistente aversão já se passaram para o Inferno, ou para rendosos tachos, ou para um merecido anonimato; mas classes profissionais destinatárias de não poucas objurgatórias não se extinguiram, lamentavelmente, e estão aí pujantes, a reclamar que se lhes vergastem as orelhas.

A mais saliente dessas é a dos economistas. Hoje tenho mais amigos dentro dessa agremiação do que os que contava então, e acontece-me a contragosto concordar com isto ou aquilo, reconhecer-lhes inteligência, e constatar desconsolado que alguns – os melhores ꟷ chegam a ponto de ter dúvidas e serem modestos, pelo que reforcei o desgraçado vício de lhes ouvir os arrazoados. Mas não mudei substancialmente de opinião, que, em Janeiro de 2013, era esta:

Tenho para mim que o grau de doutor em ciências económicas deveria automaticamente inibir o infeliz académico do desempenho de quaisquer funções públicas com competências legislativas naquela área, salvo exame prévio de normalidade cognitiva.

 

É fácil, com alguns exemplos, perceber o porquê deste parti-pris: boa parte das decisões que a cada novo orçamento se tomam, assim como as avulsas que se vão tomando ao longo do ano, destina-se a corrigir os efeitos perversos das anteriores; os economistas que forem europeístas admitem agora pacificamente que o Euro nunca deveria ter entrado em vigor sem uma muito maior dose de integração, nomeadamente sem veleidades independentistas em matéria orçamental e financeira; e o grau de incapacidade para fazer a mais leve previsão razoável só ombreia com a suficiência com que se fazem novas previsões igualmente fantasistas.

 

Mas isto é uma constatação; e cabe perguntar que mecanismo perverso é esse que faz com que a economia seja tão difícil de entender para a maior parte dos especialistas nela, a tal ponto que não há desastre verificado, e com frequência facilmente previsível, que não tenha tido o alto patrocínio de gurus da ciência económica.

 

Como princípio de explicação, creio que a exigência mesma da carreira académica, com a sua interminável bibliografia, a sua incessante procura de casos pregressos para demonstrar uma causalidade, constatar uma correlação, afinar uma tese que se intui: casa mal com uma realidade em permanente mutação, sobre a qual se pretende agir sem haver nem o tempo nem os meios para sequer a entender. Acresce que os agentes económicos são pessoas; e só não recomendo psicólogos para tomarem decisões sobre economia por ter fortes suspeitas de que esta variedade de teóricos está mais vocacionada para consolar cidadãos a quem faleceu um ente querido.

 

Depois, o principal mecanismo da criação de riqueza, se tem na sua base o conhecimento científico que depois a tecnologia aplica, passa pelas empresas e, dentro destas, sobretudo pelas pequenas. Ora, a realidade das empresas é de tal natureza que não dispensa o saber de experiência feito - a formação em gestão habilita sobretudo na emissão de opiniões sobre a gestão dos outros, como se evidencia com o facto infeliz de as centenas de gestores que as universidades despejam no mercado se absterem cuidadosamente, no geral, de fazer empresas.

 

Seria todavia precipitado dizer que deveria haver empresários ao leme das decisões políticas: o conhecimento deles vale para a empresa, quando muito para o ramo, e a receita do sucesso de hoje não é necessariamente a mesma do de amanhã; o País não é uma empresa, o grau de complexidade das decisões é infinitamente maior ter meia dúzia de perspectivas correctas e ideias acertadas sobre gestão é curto (lembro-me do defunto engº Belmiro de Azevedo que, inquirido sobre as reformas necessárias ao País, começou uma vez pelo organograma do Governo, com aquela suficiência que resultou tão bem nos negócios, e resultaria tão mal se a tentasse transpor para a carreira política que sensatamente evitou).

 

Resta o senso comum que, contraditoriamente, nada tem de comum no seio dos economistas que nos governam e, pior, raramente se traduz em bom senso. Se não, como explicar isto que um advogado escreve?

 

Notas: i) Texto editado; ii) O advogado referido no último parágrafo é, se não estou em erro, o dr. Ferreira de Almeida, que felizmente ainda anda por aí, embora já não se dê tão frequentemente ao trabalho de escrever; iii) O incidente para o qual o link remete era a abusiva obrigação, que o Fisco impôs, de novas máquinas registadoras, quase um pecadilho antes da longa lista de exacções em que aquele organismo inquisitorial se especializou; iv) O ministro da época era o desastre Vítor Gaspar, felizmente desaparecido nas profundezas do FMI, detestado pela esquerda acéfala, isto é, toda, e por aquela parte da direita, minoritária, que achava a austeridade necessária mas por via do corte de despesas e não do aumento de receitas. A parte restante achava que se deveria cortar nas despesas mas desde que ninguém fosse despedido, não se extinguissem serviços que invariavelmente eram essenciais para quem deles beneficiava, e portanto efectuou grandes poupanças no papel higiénico, no ar condicionado e com os famosos cortes transversais em salários e pensões, que tinham a grande virtude de resolver problemas no imediato, e nenhuns no futuro.

Não mudei de opiniões. E como o futuro próximo é de austeridade, chame-se o que se lhe chamar, o textinho venerando continua actual. Por isso o repesco.

Tavares Moreira

José Meireles Graça, 10.06.20

Há muito tempo, fiz uma aposta com ele, no Quarta República, a um jantar, que o euro se desfaria no prazo de 10 anos. Ele ganhou, constato hoje melancolicamente, e não paguei. Discutimos um pouco sobre a bebida, que eu queria que fosse champanhe mas ele achava que devia ser espumante. Achei estranho, à época, que tivesse dito expressamente que a obrigação resultante da aposta era natural, isto é, não era exigível legalmente mas quem pagasse o faria mesmo assim em cumprimento dela.

Isto não era conversa de economista, e só hoje percebi que também tinha o curso de Direito, isto é, entendia raciocínios com muitas variáveis.

Numa campanha eleitoral, foi fazer uma visita à fabriqueta que eu então dirigia, em Guimarães, e encarou com bonomia e boa disposição os disparates com os quais lhe torrei a paciência.

Creio que foi vítima da anedota triste que entre nós circula com a lisonjeira designação de Justiça, e lembro-me de lhe ter deixado de ouvir a voz no espaço público por, entre nós, os acusados por crimes de colarinho branco terem direito a ser assados em lume brando, mas não a ser condenados ou absolvidos.

Requiescat in pace.

Deseconomias

José Meireles Graça, 06.06.20

As causas do relativo atraso do nosso país, da Revolução Industrial para cá, têm ocupado os melhores espíritos. Não vou dar o meu pobre contributo para esse assunto, por razões que não cabem aqui, senão para dizer que a maior parte das análises que conheço contêm uma parte da verdade e que esse atraso, ao contrário da lenda, se atenuou durante o Estado Novo, diminuiu aceleradamente na sua parte final, e voltou a parecer estar a caminho de ser vencido nos consulados cavaquistas.

Foi na década de 60, coincidentemente, que começou a imparável ascensão da classe dos economistas, incrustando-se no aparelho de planeamento e regulação económica do Estado, até ao estatuto de excesso de visibilidade, influência e prebendas que é hoje norma.

O país desliza faz tempo, com lentidão e persistência, para os últimos lugares do desenvolvimento na Europa, que não cessa de perder importância no mundo; nos últimos quarenta e poucos anos registaram-se três falências, e não uma quarta porque entretanto a caranguejola europeia, para o edifício do Euro não correr o risco de ruir, o ligou à máquina do BCE; e a recente sobre-reacção do mundo em relação à Covid, cujos custos económicos pudicamente se não querem adivinhar mas afligirão mais quem já estava em estado catatónico, faz prever o pior.

Somos todos responsáveis, desde logo o eleitor, que largamente merece o que lhe acontece, por escolher com devoção a mãe-galinha socialista e a vasta patrulha de pais da pátria estatistas e engenheiros sociais. Mas não todos por igual: na magistratura da opinião avultam os economistas, tenham paciência se não gostam que se lhes o diga, que nós já temos por os aturar.

Daí que me tenha dado na cabeça, por causa de um programa na rádio, cascar na classe. No caso, tomando como pretexto três economistas, sobre cujas vidas privadas sei nada e cuja opinião ouço, porque merecem, com atenção. (Um deles, julgando ver numa frase uma insinuação pouco lisonjeira a percursos de vida, abespinhou-se – já lhe pedi desculpa publicamente).

O resultado está aqui. Enjoy.