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Delito de Opinião

Trump

José António Abreu, 26.01.17

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Alguém já deve ter feito um estudo relacionando o nível de riqueza dos países e o nível de proteccionismo das respectivas economias. Confesso desconhecê-lo. Estou, porém, convencido de que, a prazo, o proteccionismo nunca cria riqueza. Quando muito, é útil para dar algum tempo de adaptação a sectores específicos, de modo a evitar mudanças demasiado bruscas. Nenhum regime fortemente proteccionista é verdadeiramente rico (exemplo-limite: a Coreia do Norte) e, no mundo actual, baseado na tecnologia e no conhecimento, o proteccionismo é uma táctica suicida para economias pequenas e mal desenvolvidas (como a portuguesa).

 

Os Estados Unidos não têm nem o problema da dimensão (o PIB norte-americano representa cerca de 24% do PIB mundial) nem o de constituírem uma economia subdesenvolvida. Na realidade, numa economia tão grande, tão variada, tão baseada no consumo (68% do PIB) e tecnologicamente tão avançada como a norte-americana, é perfeitamente possível que medidas proteccionistas dêem origem a recuperação do emprego e aumento dos salários – durante uns tempos. Depois os preços tenderão a subir, o dólar a valorizar-se (com péssimas consequências para a sustentabilidade das dívidas de vários países periféricos), o consumo a travar, as exportações a diminuir (tanto pelo aumento dos custos de produção como pela imposição de tarifas aos produtos norte-americanos por parte de outros países), a imigração a aumentar (o efeito negativo na economia mexicana será imediato), o nível de inovação a descer, o investimento estrangeiro a hesitar, o mercado de capitais (assente em empresas multinacionais) a ressentir-se. Já para não mencionar o surgimento de dificuldades logísticas ou até mesmo político-logísticas: alguns materiais necessários para fabricar certos produtos obtêm-se apenas em países específicos (a China produz 85% dos metais de terras raras - como o neodímio e o lantânio - essenciais para o fabrico de smartphones e computadores) e uma deterioração das relações internacionais poderá dificultar o acesso a eles. (Vejam-se, por exemplo, as implicações de transferir a produção do iPhone para os Estados Unidos.) Enquanto isto for acontecendo, países mais fracos enfrentarão tremendas dificuldades (o México encontra-se prestes a ficar numa posição similar àquela em que Portugal se encontraria se perdesse o acesso livre ao mercado europeu) e a economia mundial também.

 

Mas Donald Trump está apenas a fazer o que prometeu. Na verdade, está até a fazer o que sempre defendeu. Comprovando a teoria (tão injustamente atacada) de que se pode ler a Playboy pelos artigos, parece que no interior do governo alemão tem andado a circular a edição de Março de 1990. Trump - que, pelos vistos, não gosta apenas de gatinhas (pussies), mas também de coelhinhas - era o entrevistado. E não tinha dúvidas: os problemas da economia norte-americana (no início de uma década de excelente desempenho) tinham origem nas importações de produtos japoneses e alemães, tornados competitivos através de subsídios dos respectivos governos, os quais ganhavam a folga para os pagar devido ao facto de serem os Estados Unidos a assegurar que os dois países não eram «removidos da face da Terra em cerca de 15 minutos». Trump acusava japoneses e alemães de roubarem o amor-próprio dos norte-americanos e terminava dizendo que «os nossos aliados lucram biliões lixando-nos». De então para cá, apenas necessitou de acrescentar China, México e, suponho, Coreia do Sul à lista dos seus ódios de estimação. Para Trump, tudo assenta em análises custo-benefício simplistas, feitas sempre numa perspectiva de curto prazo. Trata-se de uma excelente receita para o desastre. Que ele esteja a posicionar-se para incentivar o desmembramento da União Europeia, de modo a forçar acordos bilaterais a partir de uma posição de força que as condições actuais não lhe providenciam, só pode reforçar os motivos de preocupação.

 

Há um ponto, todavia, em que é necessário elogiá-lo. Um ponto que até ajuda a explicar por que venceu as eleições. Nos primeiros dois dias, Trump reuniu-se com líderes de grupos industriais e com sindicalistas. Nas conferências de imprensa diárias, Sean Spicer, o porta-voz da Casa Branca, fez questão de realçar que vários deles nunca tinham estado na Sala Oval e que alguns nunca haviam sequer entrado na Casa Branca. Para um cidadão desempregado, ou num emprego de baixo rendimento, que via as estrelas de Hollywood descreverem, nos programas de Stephen Colbert ou Jimmy Fallon, as festas e os jantares na Casa Branca em que haviam participado, isto é um tremendo sinal. Os encontros de Trump podem não passar de demagogia ou significar o pontapé de partida para uma crise mundial. Para essas pessoas, contudo, marcam a diferença. Barack e Michelle Obama eram elegantes, politicamente correctos, excelentes oradores e dançarinos - o epítome do cosmopolitismo. Mas Trump está a lutar por eles. Não há piada desdenhosa ou crítica mal fundamentada capaz de vencer esta ideia.

O Professor

jpt, 18.03.13

 

Nosso professor no mestrado, no ISCTE. Nós chegados de outras áreas, desconfiados do discurso economês, aquela arrogância ideológica que se grita ciência, aquela outra vinda da costela dos gestores disfarçados. E a sermos recebidos por um economista assim, economia compreensiva, outros a dizerem-na "economia social". Debruçado na questão do desenvolvimento, mudar "isto" - e acho que ainda não se lhe chamava "sustentável", era "enraízado" o apelido inglês que se lhe dava. E quão complexo era pensar o desenvolvimento naquele princípio dos anos 1990s, esbroado o mito comunista, explodindo os "tigres", alterando-se a situação política em África sob "Bretton Woods", contratualizando-se o GATT. E, já então, notoriamente descentrando-se o mundo da Europa. Podemo-nos sentar, eu, em casa, em família, o FF [meu co-bloguista no ma-schamba] e não só, e não só, e constatar que para tanto do que se anda hoje a discutir [a nossa vida, o nosso futuro, e o da(s) nossa(s) comunidade(s)] fomos nós convocados naquela altura. Alguns responderam à chamada, outros nem tanto. Pois a cada um o seu caminho, intelectual e profissional.

Assim um Professor. Um cavalheiro, também, dotado de uma enorme doçura, cruzada com a ironia bem-humorada. Com especial carinho por nós, gente da antropologia. Não só pelo seu humanismo. E não só por causa da sua paixão por Cabo Verde ... Passados anos, uma década, integrou um processo de formação pós-graduada em Maputo. Por várias vezes aqui esteve. Foi visita cá em casa, nós cerimoniosos, em reverência não só pela sua idade. Nessas vezes chegou, pelo acaso, até a coincidir com o antropólogo da sua família, o Jorge, nosso companheiro de há muito. E era sempre um prazer a conversa com ele. Até pelo seu interesse no que aqui fazíamos e no aqui se passava, até nisso denotando um raro descentramento. De si próprio, do seu e nosso país. E do pequeno  mundo académico.

Um economista nada acidental. Ficam os livros ali na estante. E também a sua página informática. Para quem o leu e conheceu. E para quem não o leu. Está aqui: Mário Murteira.

Soros dixit...

Helena Sacadura Cabral, 19.04.12

 

Em entrevista ao diário francês 'Le Monde', o norte-americano George Soros afirmou que, "se tivesse de investir, apostaria contra o euro", considerando que, mesmo que a moeda única europeia sobreviva à crise, a Europa irá enfrentar um período de grandes dificuldades".

Soros considera que "a crise do euro ameaça destruir a União Europeia" e que "os dirigentes do Velho Continente estão a leva-lo à ruína".

Para o financeiro, "a introdução do euro em vez de criar convergências, trouxe divergências”, colocando os países mais débeis da zona euro na mesma situação "dos países de terceiro mundo" que contraíram empréstimos em divisas estrangeiras.

Ainda que o euro resista a esta crise, a Europa terá de atravessar um período difícil, "semelhante ao que ocorreu na América Latina depois da crise de 1982 e ao Japão, estagnado há 25 anos".

A diferença do caso europeu está no facto de "a União Europeia não ser um país", e é isso mesmo que o leva a recear que ela não sobreviva à actual crise. Para o entrevistado, os dirigentes europeus só se deram conta dos tumultos económicos e financeiros "demasiado tarde".

Para o multimilionário, apesar de o Banco Central Europeu (BCE) "ter criado medidas fora do normal, como os empréstimos a três anos aos bancos", o contra-ataque do Bundesbank, a entidade emissora alemã, "rompeu esse efeito".

"Toda a Europa está sob a ortodoxia do Bundesbank", diz, adiantando que o banco central alemão "está a empurrar a Europa para a deflação" porque, explica, "é impossível reduzir a dívida, afundando o crescimento".

 

Nada disto é novo. O problema é que Soros não indica alternativas. E essas é que são necessárias!

«A palhaçada fiscal»

João Carvalho, 06.08.11

 

«The fiscal clown show continues. A few days after Congress and the White House agreed to raise the debt ceiling and cut spending, Standard & Poor's has downgraded the United States of America's credit rating from AAA to AA+.» É assim que começa um artigo no blogue Contrary Indicator assinado por Daniel Gross, editor de Economia do Yahoo! Finance, sob o título Is the U.S. Credit Rating a Victim of GOP Sabotage? (no qual se insurge contra a maioria republicana no Congresso).

Com efeito, "continua a palhaçada fiscal do show" que a Standard & Poors está sempre disposta a encabeçar para baralhar e dar de novo. A diferença, agora, é que os norte-americanos já não estão a falar do comportamento dos outros, mas sim das agências que têm dentro de portas e que eles se habituaram a alimentar e sobrevalorizar. Pode ser que ainda venham a alargar as vistas sem a cegueira de quem comanda os mercados mundiais, mas antes com o respeito que os outros devem merecer. É bom que o façam.

O risco, a prazo, é muito simples de enunciar: um dia, o Dólar regressa a casa e encontra o Renminbi com o roupão e os chinelos dele e instalado confortavelmente no sofá da sala.

 

ADENDA Pequim já lamentou que os EUA tenham deixado cair o seu rating e ralhou com Washington, que se prepara para voltar a receber em breve o presidente chinês. É o renminbi a ganhar terreno, está claro.

Amartya Sen

Laura Ramos, 12.03.11

 

Se a Economia é a ciência da análise e da previsão de como as sociedades usam os recursos escassos e a correspondente produção de bens (valores), procurando a sua utilização eficiente, jamais perceberei porque é que, na maioria dos casos, os profissionais do foro se auto-reduzem a uma função de "prático-de-folha-de-excel", sem capacidade para observar e compreender os comportamentos, sem visão de enquadramento histórico, sem sentido humanístico dos fenómenos que dissecam afanosamente na mesa cirúrgica (aliás, mais frequentemente na mesa de autópsias, o que já diz bastante sobre a matéria...).

 

Nada é tão raro como encontrar um economista culto.

E no entanto, quanto nós precisávamos de ter muitos discípulos de Amartya Sen, que nunca se desgarrou dessa ideia nuclear e anti-determinista de liberdade na escolha, de desenvolvimento inteligente e de progresso útil, à escala do Homem.

O Nobel da Economia merece luz e palco até ao fim dos dias.

A trapalhada desta última década só lhe veio a dar razão.

Da gripe A à gripe C

Carlos Barbosa de Oliveira, 04.11.09

A gripe A tem sido a grande figura mediática do Outono. Os vírus, como algumas pessoas, ganham protagonismo não pela sua capacidade  técnica ou intelectual, mas pela forma como se insinuam e conseguem passar a sua mensagem junto da comunicação social. Foi o que aconteceu com o vírus da gripe A. Sendo menos letal do que o vírus da gripe sazonal, ganhou mediatismo graças à prodigiosa capacidade de contágio, que pôs a Organização Mundial de Saúde em alerta e a indústria farmacêutica com os cofres a abarrotar.
Acontece o mesmo com algumas pessoas. Sendo medianamente competentes , conseguem alcançar um lugar  mediano que lhes permite  exercer, de forma tentacular, a sua influência. Vão ganhando  prestígio e poder até se transformarem em  vírus disseminadores da corrupção.
Foi  este vírus  que espalhou pelo  mundo  a gripe C. De crise. A gripe C é muito mais letal do que a gripe A. Ao longo deste ano condenou milhões de pessoas a uma morte lenta, atirando-as para o desemprego, de onde não sairão até ao fim das suas vidas. O vírus da gripe C é sádico. Não mata, mas infecta, sujeitando as vítimas a um sofrimento terrível: desemprego,   miséria e fome. Não provoca uma doença física, mas uma doença moral que mina toda a sociedade. A competência deste vírus não deixou dúvidas a ninguém  e a crise por ele desencadeada foi anunciada como sendo a mais grave desde 1929.  Não admira, por isso, que tenha estado no centro das atenções do mundo inteiro durante quase um ano.
Entretanto, os governos descobriram a vacina contra o vírus da gripe C. Para o combater,  injectaram dinheiro dos contribuintes nos agentes disseminadores: os bancos.  Os contribuintes reagiram mal, quando souberam que teriam ser eles a pagar a vacina. O ambiente social ameaçava entrar ebulição, quando se deu o milagre.
Corria a Primavera para o fim, no hemisfério norte, quando   o México anunciou que um vírus turista desembarcara em Cancún e lançara o pânico e a morte entre a população local. De imediato o centro das atenções desviou-se para este novo agente. As doenças físicas exercem sempre maior atracção sobre os media do que as doenças morais. São mais visíveis as suas características e os seus efeitos mais devastadores e espectaculares. Por isso os media se agarraram a ela com unhas e dentes. Mostrar cadáveres é muito mais emocionante do que falar de cidadãos enfermos.
Chegado o Outono ao hemisfério norte,  sendo o número de mortes provocados pela gripe A insignificante,as notícias centraram-se nos seus potenciais efeitos devastadores. Simultaneamente, era anunciado que a gripe C dava fortes indícios de rápidas melhoras. Sintomas da convalescença?  As bolsas recuperam,os governos continuam a injectar dinheiro nos bancos, para que os administradores possam continuar a receber vencimentos principescos,à custa do dinheiro dos contribuintes, e renova-se o apelo à moderação salarial.

Obviamente, as notícias de recuperação da crise são manifestamente exageradas. Assim como nenhum doente recupera de uma doença gastro-intestinal, comendo feijoada e caril todos os dias, também nenhuma crise financeira pode ser debelada se os seus agentes continuarem a ser premiados com salários indecorosos pagos pelos contribuintes. Não se recupera de uma doença grave com recurso às mèzinhas das receitas tradicionais: fortalecendo vírus (os bancos e o grande capital)  e mantendo os doentes à míngua, com salários baixos.

Com este receituário, a convalescença da crise é uma quimera. Uma recaída (esperada) poderá fazer o mundo entrar em coma profundo. É preciso fazer alguma coisa, antes que seja tarde mas, por agora, a única notícia boa é que o vírus Blair – ideólogo da mentira, do nihilismo da Terceira Via e um dos grandes  responsáveis pelo retrocesso da Europa  - foi afastado da corrida à  presidência europeia. Paz à sua alma.

Muhammad Yunus

Carlos Barbosa de Oliveira, 12.08.09

 

 

 

Muhammad Yunus vai receber, hoje, a mais alta condecoração civil outorgada pelos Estados Unidos: a medalha presidencial pela Liberdade. A altíssima distinção  com que  Barack Obama  vai distinguir Muhammad Yunus é o reconhecimento da obra de um homem que fez mais pelo combate à pobreza do que qualquer político mundial.
Como salientou Obama,  Muhamad Yunus  foi um agente de mudança, que  viu um mundo imperfeito e agiu no sentido da sua melhoria, superando grandes obstáculos pelo caminho.
Ao criar o Banco Grameen e o microcrédito, este economista banqueiro tirou da miséria milhares de cidadãos condenados à pobreza e à fome. Deu à sua vida um outro rumo, onde a palavra empreendedorismo cintila como uma mensagem de esperança.
O microcrédito foi adoptado em muitos países do mundo, transportando consigo essa mensagem de esperança para muitos que já a tinham perdido, na voragem deste mundo de liberalismo selvagem. Recebeu, por isso, o Prémio Nobel da Paz.
Há uns meses, tive a oportunidade de o entrevistar. Fiquei impressionado com a sua simplicidade. Em nenhum momento vislumbrei no seu rosto uma réstea de vaidade. Apenas a reacção natural de quem tem a sensação de que o mundo poderia ser bem melhor se a volúpia e ambição dos homens não o tornassem tão injusto. Se não houvesse tanta promiscuidade entre política e finança. Da rasca, onde militam os Jardim, os Rendeiros, os Costas e “tutti quanti”. Não da alta, onde ainda é possível encontrar gente digna.
Um exemplo para um mundo onde os banqueiros são olhados como seres superiores, pelo simples facto de  praticarem a usura e olharem para os mais desfavorecidos como “indignos de aceder ao crédito”.
Um exemplo para os políticos que transportam ao colo usurpadores, vigaristas de chinela que gastam numa hora de charutadas o vencimento de um trabalhador médio, que investem o dinheiro dos outros com a displicência de quem joga na roleta e nos atiraram para esta situação miserável, culpando agora os políticos de serem os responsáveis pela bancarrota.
Não sou lírico ao ponto de acreditar que os problemas do mundo se resolveriam com o microcrédito, mas não tenho dúvida que seria melhor se os bancos funcionassem a favor da sociedade e não apenas para proveito de meia dúzia de gananciosos.
Por um dia, deixem-me acreditar que Obama está a dar ao mundo um sinal de que é imperiosa a mudança do sistema financeiro mundial. Por um dia, apenas, quero acreditar nisso, porque amanhã as notícias que vão chegar da América Latina me vão despertar do sonho e mostrar que os desígnios de Obama são bem diferentes daqueles que esta homenagem a Muhammad Yunus pretende transmitir.
Mas amanhã é outro dia…

 

( Também nas Crónicas do Rochedo)