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Delito de Opinião

Blogue da semana

jpt, 07.07.24

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Nesta rubrica "blogue da semana" fujo à (saudável) regra e recomendo esta Kambaku - Notícias do Mundo Natural, uma belíssima página digital que (muito bem) corresponde ao seu título. Trata-se de uma plataforma noticiosa dedicada à informação e análise de conservação da biodiversidade, centrada em Moçambique mas bastante atenta a essas questões em África e, até, alhures.

O seu nome Kambaku (também usualmente grafado Cambaco) é o termo em língua changana para o velho e solitário elefante, irritável sempre dele se disse. E cheguei a esta tão interessante página através de uma chamada de atenção do Afonso Vaz Pinto, também veterano confrade bloguista no seu Mar me quer, e que desta Kambaku é um dos artífices.  

O seu conteúdo é muito consistente, textos escorreitos, diria até "cirúrgicos". Mas isto sem minimamente se encerrar num "discurso especializado", pois ela funciona muito bem como divulgação para nós, vulgares amadores e amantes interessados, mesmo nos exaltando, devolvendo-nos esperanças, se se quiser. Tem uma secção de notícias sobre conservação e biodiversidade, outra sobre ciência e investigação - entusiasmante para um leigo como eu -, um outra, preciosa, dedicada à sustentabilidade, ou seja às dinâmicas da economia ecológica, e uma outra ainda sobre inovação tecnológica ligada à biodiversidade

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E como exemplo de notícias que vão para além de Moçambique, e também alertando para o seu suporte audiovisual, deixo estas recentes abordagens à magnífica reintrodução de rinocerontes brancos no Kruger ou da corrente maior migração mundial de mamíferos terrestres no Sul do Sudão.

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E tem também - como não podia deixar de ser - uma secção fotográfica, como exemplifica esta deliciosa imagem do regresso do xaréu gigante às águas moçambicanas:

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Finalmente tem uma secção de entrevistas radiofónicas (hoje em dia chamadas podcast), conversas com cerca de uma hora tidas com verdadeiros especialistas da matéria em Moçambique. Ou seja, verdadeiramente preciosas para quem queira aperceber-se do "estado da arte" desta tão relevante matéria. Chamo a atenção para as que ouvi, uma com o justificadamente célebre escritor (e biólogo, veterano destas questões ambientais) Mia Couto. Uma outra com Pedro Muagura, reconhecido administrador do Parque Nacional da Gorongosa. E ainda uma com Alexandra Jorge, administradora da Biofund, organização não lucrativa que actua em cerca de 30 parques naturais no país.

Em suma, Kambaku é um local que muito merece ser visitado. E, também, divulgado. Que outros o possam fazer, se assim o entenderem.

Reaccionarismo automóvel

Paulo Sousa, 04.04.23

Vivemos num mundo em que a luta pelo controle das emissões de gases contendo carbono nas suas variadas formas se tornou banal ao ponto de se abdicar de energia barata, para a substituir por energia obtida de forma cientificamente mais elaborada e economicamente mais onerosa.

O mundo avança assim. Avança quando se procuram formas de obter o que não se tinha ou que se procura melhorar o que já existe. A evolução da tecnologia que está por de trás da capacidade que permite que os automóveis nos desloquem é um bom exemplo do esforço que se faz para reduzir a emissão dos referidos gases carbónicos.

Nas redes sociais é difícil evitar tropeçar em tantas das teorias que por lá rebolam pelo chão. Por força dos estudos de tendência de mercado realizados pelos marqueteiros, nenhum fabricante, por mais dúvidas ou certezas que tenha, pode sequer verbalizar a hipótese de que o rei possa estar a desfilar em pelota. Os tempos são de cancelamento e os lunáticos, quando revelados, precisam de ter sorte para que a respectiva punição não vá além de um par de fracturas expostas.

Eu, que me vergo às maravilhas que o capitalismo acrescentou à humanidade, mas que já cá ando há tempo suficiente para concordar que a sua fúria criativa deve ser monitorizada, acho que retirar um automóvel de circulação para o reciclar e substituir por outro por motivos ambientais, só será razoável quando os benefícios carbónicos dos novos carros forem muito superiores ao que existem nesse momento. Desde logo, pelo desaproveitamento que seria dar por perdido todo o esforço carbónico já feito no passado para que esse mesmo veículo exista. Quantas toneladas de carbono foram emitidas nos idos anos 70, 80 ou 90 para fundir o bloco do motor de um carro e de toda restante imensidão de peças? E quantas mais toneladas serão agora necessárias para o desmontar, peça a peça, de maneira a poder levar novamente alguns desses componentes às forjas e assim alimentar a tão idílico-poética economia circular? Considerando a informação relativa ao elevado custo carbónico da produção de baterias, e que tenho como válida, se um carro já “antigo” mantém a capacidade de cumprir as funções para que foi imaginado, a poluição marginal causada pelo seu uso é imensamente menor do que a necessária para o substituir.

Certamente que o que hoje se vai desenvolvendo e descobrindo, no futuro abrirá as portas a algo muito melhor do que agora existe e isso só será viável se as marcas automóveis continuarem a ganhar dinheiro. Apenas por esse ângulo de observação, pode fazer sentido encolher os ombros com indiferença, perante os torquemadas que gostam de encharcar este debate com fortes doses de moralidade e de fim do mundo.

Para além da questão carbónica, irrita-me a parafernália de funções e sensores que os carros modernos têm e que assentam na presunção da incapacidade do condutor em conseguir conduzir. Pelo contrário, não consigo deixar de apreciar os carros que me reconhecem certas capacidades. Poderei eu decidir se posso conduzir um par de quilómetros sem cinto de segurança? E, quando é preciso transportar um móvel de dimensões superiores às do veículo, terei capacidade de decisão sobre a possibilidade de poder circular com uma porta aberta? Os atestados de menoridade emitidos ad nauseam pelo "cérebro" dos veículos modernos servem pelo menos para desenferrujar o largo espectro do vernáculo da nossa maravilhosa língua.

O fecho centralizado de portas mais eficaz que conheço, funciona quando alguém, no centro do carro – e daí o “centralizado” – consegue trancar e destrancar todas as portas. Uma vez, com uma pedra, inventei um muito fiável sistema de cruise control e recordo-me com saudade dos muitos quilómetros feitos nas traseiras de uma velha Bedford CF sentado num banco de campismo, ou aos pés do lugar do morto, e de no Verão, quando aos domingos íamos à Nazaré, o meu pai ser incapaz de não dar boleia a todos quantos lhe esticavam o polegar. Numa dessas vezes éramos dezassete à chegada à praia.

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A nossa era quase igual, embora não tivesse vidros atrás.

É certo que eram tempos diferentes, em que não existia electrodoméstico avariado que não verificasse melhoras com duas fortes palmadas numa qualquer das suas superfícies. Duas ou quatro. Ou mais, desde que fossem em número par.

Disse-me um amigo que agora quando leva um saco de compras no banco do passageiro, lugar que por incompetência foi despromovido da patente de “lugar do morto”, tem de proteger as compras com o cinto de segurança, não para resguardar os vegetais, mas para tentar poupar o remanescente da sua parca sanidade mental, de tantos avisos desencadeados por um qualquer infernal sensor no assento.

Os fabricantes dos carros aspiram a que estes possam substituir as pessoas que nos querem bem e se preocupam connosco, o que é um tremendo abuso de confiança. Vai com juízo, põe o cinto, vai devagar para chegares depressa, veste um casaco mais quentinho que esse é uma pelinha de batata, tem cuidado com as correntes de ar, não vás para a rua em mangas de camisa a cortar a aragem, não fumes, se conduzires não bebas, se beberes não conduzas, se te der o sono pára para dormir e tem cuidado com as más companhias. Um dia todos estes mimos serão emitidos ao louvor de um qualquer dispositivo electrónico.

Por motivos que aqui não importam, não há muito tempo tive de comprar um carro. Desde o início do processo procurei um que não se quisesse armar em mais esperto que o dono. Após várias conversas e diversos testemunhos, arrisquei por um que pudesse transformar em bi-fuel, gasolina e GPL. É de origem japonesa, o que lhe augura muitos anos a circular, e na compra, fui sensível a uma chamada de atenção do vendedor relativa à caixa de velocidades, “é justinha e sem folgas, parece uma rapariga nova.” Tenho de confessar que estou muito satisfeito com o seu desempenho e baixo custo de utilização, assim como com o facto de ter custado seis ou sete vezes menos do que um desses sabichões salvadores do planeta e destruidores da paciência, que estão na moda.

"Activistas" Climáticos?

jpt, 16.11.22

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(Panfleto, presumo que dos estudantes da faculdade de Letras de Lisboa, encontrado no mural de Facebook de um co-bloguista)

Grupos de jovens ocuparam escolas secundárias e universidades, tendo sido anunciados na imprensa como "activistas" ecológicos (aquilo a que antes se chamava "militantes"). Os mais soturnos adversários de tais acções contestam(os) os ares e dizeres dos intervenientes. E nisso não deixam(os) de ter alguma razão pois alguns deles surgem em modos que julgam e querem muito significantes. Mas como nos aportam de São Domingos de Rana ou Telheiras não têm o kitsch do David Cassidy na "Família Partridge" nem o glamour ainda mais andrógino do Tim Curry ou o Bowie ou os enleios encantatórios das ariscas divas austrais desses outros tempos... Entenda-se, nem é o histriónico impúbere que incomoda, é mesmo a pungente piroseira de que se ufanam - da qual, daqui a uns anos quando virem as fotografias "de(sta) época", algo se envergonharão, meio atrapalhados. E, entretanto, alguns deles - os mais capazes - terão aprendido algo de fundamental: a forma é conteúdo.

Já quanto aos dizeres que vão exarando sobre as tais questões climáticas também não surgem muito sedimentados. Ainda que neste vector deverão (deveremos) os seus críticos ser menos radicais. Pois se em alguns há uma relativa aparente heterodoxia visual - ainda que, de facto, já muito estafada -, já nos discursos verbais a sua vacuidade, ainda que exaltada, não varia dos quotidianos dislates que se vão ouvindo dos habituais convidados da Júlia Pinheira, do Jorge Gabriel e de outros "generalistas", bem como - até - de alguns painelistas do "cabo", e já nem falo dos da galeria de locutores na imprensa e redes sociais, diariamente vasculhada pela letal humorista Joana Marques. E nisto têm os nossos "activistas" a legítima desculpa de serem putos, e nisso um superior direito à parvoíce.

Entretanto esta vaga de ocupações acabou mas os agrupamentos deixaram a promessa que voltariam à carga lá para a Primavera. Algumas notas sobre isto:

1) Como se vê pelo patético conteúdo deste panfleto distribuído por um grupo de "activistas" universitários este movimento não é "ecológico". De facto, a importante questão das "alterações climáticas" é apropriada para alimentar uma agenda contestatária abrangente, a que alguns querem chamar "ideológica" mas que não o é, senda apenas uma atrapalhada e atrevida mescla de itens de "agit-prop" da agenda esquerdalha (agora dita "woke" à falta de termo português para tal mosto), sob a evidente "mão visível" do BE. Isso poderia nada mais ser do que um pouco irritante, ou mesmo só risível, se a questão climática não fosse verdadeiramente relevante. E em assim sendo esta cacofonia, este "radicalismo pequeno-burguês de fachada ecológica" - como diria Álvaro Cunhal - aliena as necessárias reflexões e verdadeiras acções face ao processo climático. Digo-o diante das patéticas acções de pirataria artística, agora encetadas (1, 2), como deste "confusionismo": apenas obstam às coalizões sociais nos esforços ecológicos. E se os putos não o percebem com toda a certeza que os seus mais-velhos o compreendem.

2) No meio da trapalhada que vêm clamando os "activistas"  exigiram a demissão de Costa Silva, ministro da Economia e Mar. Acontece que nisso têm toda a razão! Costa Silva pode ser muito competente, sério e até votado ao bem público. Mas é de política que se trata, não dele como pessoa. O problema não é ter ele um percurso profissional ligado à indústria petrolífera - em última análise percebe de produção energética, será um saber fundamental para eventuais alterações. Mas, já como ministro, Silva continua a explicitar o seu apreço pelo desenvolvimento da exploração dos combustíveis fósseis. E em 2022 é mais do que tempo de enviar um tonitruante sinal político contra isto - dizer não. Dizer até chega! (passe a expressão, hoje muito poluída). E é muito criticável - e até inconsciente - que um homem com esta mundividência esteja à frente do ministério da Economia. E do Mar, imagine-se! Ou seja, talvez estas nossas pós-crianças digam muitas asneiras. E algumas delas, para incómodo de adultos eleitores, surgem muito andróginas - mas não há maior androginia do que um actual ministro da Economia e do Mar andar a salivar por explorações de gás natural. Demita-se o homem. Já! (como se dizia no PREC, como os miúdos recuperam agora...).

3) Com estas acções houve várias reacções adversas, habituais, nas redes sociais - e algumas na imprensa. Por um lado, há os radicais que negam a simples hipótese de aquecimento global, dita, até 2021 (pois entretanto o termo passou de moda) "marxismo cultural". Não me parece necessário voltar a discutir esse integrismo, de facto um mero grunhismo - muito presente nas habituais franjas de intervenção anónima na internet -, até porque o debate com integristas é inútil, a fé, especialmente esta tresloucada, não é matéria aberta à troca de argumentos. 

Mas há outra corrente crítica que surge com maior "estatuto". Não só os argumentos surgem assinados - o que é um valor-em-si - como muitas vezes são apresentados ou ecoados por gente de prestígio: professores, técnicos de renome, autores basto publicados, "intelectuais públicos", etc. O mote crítico é-lhes comum: critica-se a esta rapaziada meio esparvoada a urgência que clamam na transição energética, o tal "já" de facto irrealizável. E nisto se vai propagando a ideia da desnecessidade da redução de agressão ecológica, o cariz meramente utópico destas preocupações. E também vão estes locutores - grosso modo oriundos de um conservadorismo mais ou menos liberal, de um "centro" ou "centro-direita" - reduzindo esta preocupação ecológica a uma esquerda, marxista ou marxizante, acoitada na agenda ecológica para combater a economia de mercado.  Em suma, apupam não só o clamor pela urgência de medidas como a própria "agenda ecológica" - e basta ver como enxovalham António Guterres, quase como os benfiquistas sempre trataram Cristiano Ronaldo...

Ora neste caso a resposta é muito simples: bastará esfregar nas ilustres e sonoras fauces destes doutores um breve historial desta "agenda climática": há 30 anos, na Conferência do Rio, o então presidente Bush (pai) curto-circuitou os passos iniciais de redução de gases clamando "the American way of life is not up for negotiations. Period.". Há 21 anos, logo após a sua eleição, o presidente Bush (filho), - a ligação é para o discurso dele, aposto no arquivo da Casa Branca, não para qualquer órgão do "marxismo cultural" - mesmo tendo reconhecido o processo de aquecimento global, recusou os pressupostos do protocolo de Kyoto devido a questões geoestratégicas, o que conduziu à ineficiência deste - e ao posterior abandono de alguns dos signatários. Depois chegou-se ao Acordo de Paris, manifestamente insuficiente e ineficaz.  

Enfim, pode haver muita argumentação sobre este processo de política ecológica internacional. Mas há algo que é impossível negar. É que há, pelo menos, três décadas que se discute entre as maiores potências mundiais, e em vários cenários multilaterais, um necessário "Que Fazer?" diante da incomensurável depredação ecológica. Sem que se activem conclusões que desde há muito são urgentes. Agora estes nossos apatetados petizes aparecem a disparatar aos gritos "Já!". E os nossos doutores e engenheiros, professores, técnicos, assessores da função pública, "anunciados na tv" e colunistas da imprensa de referência, surgem enfastiados e sobranceiros, dizendo-os patetas (que o são) pois apressados... São estes tipos avalizados dotados de sageza "conservadora"? Não, são meros cagões.

Ou seja, antes um charro com estes putos insuportáveis do que um uísque japonês com estes doutores.

Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 14.09.22

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No dia 14 de Setembro assinala-se O Dia Mundial da Dermatite Atópica

"Esta comemoração vem dar finalmente visibilidade a uma doença que pode assumir uma forma moderada a severa, e ter um impacto muito debilitante no dia-a-dia e na qualidade de vida dos que sofrem com ela.
A dermatite atópica não é apenas uma doença de pele e não tem um impacto superficial. É uma doença crónica, sem cura, que pode surgir em qualquer idade, e ter manifestações físicas e psicológicas muito significativas nos que a sofrem."

 

Conheço quem padeça deste mal e é realmente aflitivo. Em dois ou três casos o lema parece ser "coçar até sangrar" o que deve ser diabólico, principalmente quando as pessoas não se conseguem conter e a maioria dos bálsamos parece não funcionar. É exasperante para quem sofre e para quem vê sofrer e se sente inútil por nada poder fazer para ajudar.

 

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A 14 de Setembro comemora-se O Dia Europeu da Ecologia

"Esta data foi escolhida em 2016 pela Federação Europeia de Ecologia para realçar a importância desta ciência em evolução, capaz de desafiar a sociedade e a cidadania. Foi num 14 de Setembro que o biólogo alemão Ernst Haeckel definiu, pela primeira vez, o que é a ecologia.

“Por Ecologia, entendemos toda a ciência das relações do organismo com o meio ambiente, incluindo, amplamente, todas as condições de existência. Estas são parcialmente orgânicas, parcialmente inorgânicos na Natureza; ambas são da maior importância para a forma dos organismos, pois forçam-nos a adaptar-se. (...) Numa só palavra, ecologia é o estudo de todos as inter-relações complexas referidas por Darwin como as condições da luta pela existência."

Desde 2017 que a promoção deste dia entre nós está a cargo da Sociedade Portuguesa de Ecologia, em associação com a Federação Europeia de Ecologia. Em Portugal, a celebração conta com o patrocínio da Comissão Nacional da UNESCO."

 

Aligeirar a pegada de cada um, depende apenas do próprio. Em Portugal, se compararmos com outros países da Europa, por exemplo, ditos mais civilizados, temos uma cultura de higiene pessoal mais acentuada. Os banhos e o lavar as mãos antes das refeições é algo que não terá grande reflexo nos países setentrionais, mais voltados para a higiene ambiental. São duas faces da mesma moeda com as quais deveria ser imprescindível jogar, para salvaguardar as  ditas "condições orgânicas da existência".

(Imagens Google)

Edward O. Wilson

jpt, 28.12.21

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(Edward O. Wilson na Gorongosa, fotografia de Piotr Naskrecki)

Morreu agora nos seus 92 anos o grande Edward. O. Wilson, biólogo que foi um autor crucial nas últimas décadas. O qual - desde a sua primeira visita a África decorrida há cerca de uma década, já ele octogenário - se tornou paladino da preservação do Parque da Gorongosa, que tomou como causa pois considerando-o exemplo máximo de biodiversidade. E sobre o qual publicou o  "Uma Janela Para a Eternidade".

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Dessa investigação, e seus efeitos, a National Geographic publicou uma reportagem, com uma esplêndida recolha fotográfica (de Joel Sartore), que aqui exemplifico, para atrair atenções de hipotéticos interessados:

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Deixo um pequeno filme sobre Wilson naquele terreno.

(The Guide: a bioblitz in Gorongosa, no sítio do Howard Hughes Medical Institute)

Como é óbvio a importância do trabalho do biólogo e do seu impacto em várias outras disciplinas muito ultrapassa a sua recente atenção sobre a ecologia em Moçambique. De um autor com tamanha e tão influente obra, mais do que botar algumas impressões pessoais sobre o seu impacto importa escutar e ler as suas palavras ou quem as conheça com intensidade, é essa a forma adequada de homenagem. Por isso deixo ligação para página com vários filmes de intervenções - todas de enorme interesse - de Edward O. Wilson. E ao seu obituário, escrito por Carl Zimmer, ontem publicado pelo New York Times.

N'A Torre Bela

jpt, 22.12.20

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A "Torre Bela" foi um ícone da Reforma Agrária - aquele momento horroroso em que os miseráveis tomaram os bens dos que tudo tinham, indo estes a coberto daquele imundo regime no qual tantos de nós nascemos e vivemos (oops, "seu comunista!", a cutucar a memória do dr. Salazar, "grande obra, grande homem ..."). 

 

(Torre Bela, de Thomas Harlan, 1.21.01 h.)

A "Torre Bela" foi então ocupada e isso foi documentado, num filme de Thomas Harlan - é desse filme o até célebre debate sobre a "farramenta" (a partir dos 24, 48  minutos), quando um dos trabalhadores está renitente em entregar a sua enxada à cooperativa apesar dos esforços do "comissário político". Que magnífico momento, essa discussão, a condensar em registo vox populi vastíssimos confrontos ideológicos e mesmo filosóficos. Extraordinário!
 
Enfim, o PREC acabou, a paz social regressou, a "ordem e progresso" vigorou. Depois o maldito muro de Berlim caiu, a China tornou-se capitalista - tanto que o engenheiro Sócrates quis ser dela intermediário em África -, os trotskistas e os enverhoxistas já são sociais-democratas, tudo voltou ao estado natural. O nosso país desenvolveu-se na Europa. E nisso a família Lafões reassumiu a sua "Torre Bela" (em tempos adquirida devido à política de "nobility empowerment" seguida durante algum tempo no reino e na república). Neste bom caminho, dito mercantil se assim se quiser, agora mesmo num só dia, e para júbilo orgiástico de 16 afortunados caçadores, ali se abateram 500 e tal animais.
 
E ninguém lhes dá com a "farramenta" nos cornos.

Deslocar-se de forma mais sustentável

Cristina Torrão, 30.07.20

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Completei os primeiros 1000 Km com a minha eBike, quinze meses depois de a ter adquirido.

Primeiro, uma pequena explicação sobre o modo de funcionamento da bicicleta. Não anda sozinha, isto é, sem pedalar, não saio do sítio (a não ser num declive). O motor eléctrico acciona por iniciativa própria e só em caso de necessidade, ou seja, numa descida, ele desliga sempre e, numa rua plana, raramente se acciona. Tudo depende do nível de ajuda que escolho. Tenho quatro níveis à disposição e ando 90% do tempo no nível mais baixo, o eco, conseguindo, por cada carregamento de bateria, cobrir distâncias de até 120 Km. Em qualquer dos níveis, o motor só me ajuda até aos 25 Km/h (já atingi velocidades de 30 Km/h, mas em descidas, quando o motor desliga).

A bateria é uma Bosch Power Pack 500. A energia necessária para um carregamento, e que me permite andar os tais 120 Km, é a equivalente à usada para ferver cinco litros de água. Não sei dizer quantas vezes pode ser recarregada, mas, segundo o fabricante, chega para dar volta e meia ao planeta. Além disso é susceptível de ser reciclada, tendo eu, para isso, de a entregar numa loja de bicicletas.

Trata-se de uma bateria de lítio, cuja extracção acontece, muitas vezes, em condições catastróficas. Além disso, implica emissões de CO2, tanto na fabricação, como nos carregamentos. Por outro lado, e incluindo coisas tão necessárias como a alimentação e o vestuário, não conseguimos viver sem poluir. E, neste nosso mundo globalizado, fugir a produtos conseguidos através de trabalho em condições de escravidão é praticamente impossível. Seria necessária muita vontade política e o ser humano teria de controlar a sua ganância, o que, pelos vistos, representa um sacrifício incomportável.

Enfim, importante, para mim, é tentar poluir o menos possível. Segundo dados do Ministério do Ambiente alemão, andar de automóvel implica ser responsável por emissões 40 vezes superiores às de uma eBike. Estes dados baseiam-se em cálculos de que metade das deslocações de automóvel, neste país, ficam aquém dos 5 Km. Os custos são igualmente muito inferiores. Para um automóvel ligeiro, incluindo combustível, seguro, impostos e parqueamento, eles comportam uma média de 12 € por 100 Km; com a eBike são 0,25 € - estes dados constam da brochura “Bosch eBike Systems / DE”. Nunca me debrucei sobre o assunto, mas alguém me poderá dizer se a indústria do petróleo não implica trabalho infantil e/ou escravo?

Uma bicicleta destas é, assim, uma óptima alternativa ao carro, em deslocações citadinas. Não se pode comparar o número de decibéis causados pelo meu motor eléctrico com o de um motor de combustão. Além disso, não empesto o ar nas minhas deslocações. Não sei se haverá alguém que goste do cheiro dos escapes e das fumarolas por eles libertados. Eu detesto e já constatei que o uso da máscara em parques de estacionamento cobertos, por exemplo, não é apenas útil para minimizar o contágio do Coronavírus. Claro que também ando de carro, mas, para fazer compras pequenas (que caibam no cesto da bicicleta), para ir ao café, ao médico, ou nos tempos livres, nem hesito em usar a bicicleta. Enfim, em pouco mais de um ano, já evitei 1000 Km de carro, dentro da minha cidade.

E porque tem de ser eléctrica? Tive sempre bicicletas normais, até comprar esta, em Abril do ano passado. Já sentia bastantes dificuldades em vencer subidas, o que me tirava a vontade de usar este meio de locomoção. Quem já não tem a força da juventude, usa, muitas vezes, este argumento para não andar de bicicleta. E que dizer de pessoas com certas doenças ou outras incapacidades? Ora, uma eBike permite a pessoas com limitações de vários tipos uma forma de deslocação saudável e mais sustentável. Para todos os outros aconselho as bicicletas normais.

Crise no PAN?

jpt, 25.06.20

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Parece que o líder do aparente ecologista PAN está a ser contestado pelas suas hostes. Não será particularmente surpreendente. O partido cresceu imenso nas últimas eleições, a reboque da vaga internacional de preocupações ecológicas. Mas logo desapareceu da agenda mediática e mesmo da política, e não só pelo seu real vazio substantivo - que melhor contexto para afirmação poderia pedir um partido ecologista do que uma pandemia com estas características de emergência e difusão?, e o qual desaproveitou completamente dada a sua efectiva inexistência. Pois também se tratou de um eclipse comunicacional devido ao carinho da imprensa pelo "boi de piranha" espicaçado pelo PS, esse composto de histriónicos racistas e de assessores de saias, e o jeito que dão às audiências publicitárias as atoardas desventuradas. 

Mas as causas fundamentais deste triste espectáculo - um partido ecologista a desagregar-se devido a questiúnculas  em plena pandemia é verdadeiro manancial para um "estudo de caso" de ciência política - são mesmo internas.  Há algum tempo aqui deixei mostra de que André Silva, o inopinado líder de partido parlamentar, não aparentava possuir nem pinga de elegância devido a completa ausência de clarividência de atitudes, face à sua boçal pose em reunião de deputados com o presidente Sousa. Um rústico, por assim dizer ... E ao saber-se hoje, na sequência do abandono do deputado europeu e de outros eleitos autárquicos, que também sai a deputada por Setúbal, Cristina Figueiredo, lembro a patética figura que a pobre fez quando se candidatou, uma coisa mesmo inenarrável, uma mulher ignorante e desnorteada, adornando-se com todos os tiques do aldrabismo. 

Enfim, a renovação do sistema política é mesmo necessária. Mas, como é mais do que evidente, não é com gente desta. E com este impensamento.

Greta

jpt, 12.12.19

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Greta Thunberg visitou Portugal. Estava eu ausente do país, de longe apenas notei o coro dos incomodados. E logo depois é escolhida como "Personalidade do Ano" pela Time (ainda por cima com foto de capa feita em Lisboa) - e é audível como recrudesce o silvo dos dichotes. Broncos e incultos - p. ex. a quantidade de imbecis que leio considerando, até explicitamente, essa escolha como um "Prémio" mostra o quão grave é a pandemia de morcanzite no país.

Quem me conhece sabe do quão autofágico sigo, mesmo que o tom assertivo, até exarcebado, de alguns postais possa aparentar o inverso aos desconhecidos "amigos-FB" e/ou visitas-de-blog. Razões minhas (que seria demasiado intimista explanar). Mas ainda que sob essa condição gosto deste meu texto Greta D'Arc, que aqui botei há meses. Pois nele inventei o cognome à rapariga (não vira antes atribuirem-lho). E porque lá está tudo, até de forma concisa, que é necessário para demonstrar o quão visceral é a estupidez reinante, nesse apatetado e cada vez mais "venturoso" nicho de atrasados intelectuais que se dizem "direita". De alguns, poucos, até sou amigo.

E um tipo envelhece, cada vez mais entalado entre esta vizinhança energúmena feita de joacin@s, (afinal) rangéis e piores-que-isso, para além da asquerosa ladroagem socratista, esta que chamávamos "ciganada" quando éramos putos.

O que vale é que há a esplanada do bairro. E o futebol para se conversar, cruzando imperiais. E é neste refúgio que releio este meu "Greta d'Arc". E digo, humilde, "na mouche, jpt".

Aquecimento global

jpt, 29.09.19

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Comecei anteontem a reler "A Vida e Opiniões de Tristam Shandy", que li, a correr, há 21 anos (!). Sterne começou a publicar em 1759 (releiam também, em 1759) este livro. A epígrafe é do grego Epicteto: "Não são as próprias coisas, mas as opiniões acerca das coisas o que atormenta os homens".

Neste final de domingo correram as cervejas na esplanada. Entre vizinhos. Na proximidade eleitoral falou-se de política. Um "dos tempos" perorou, diante do fastio amigável, em prol deste execrável costismo kamovista. Aportou um outro, daqueles que se diz da direita, dos que agitam o "marxismo cultural". Encetou o ditirambo contra a miúda Greta, pois terá lido aqui no FB os "mestres do dispensar" nesse rumo.

Resmungo-lhe: voltei de Maputo em 2015. Este vizinho imenso escrevia contra o estado dos espaços verdes dos Olivais. Geridos por uma patética presidente da Junta da Freguesia, mulher atroz agora candidata a deputada pelo PS. Para mim os Olivais pareciam Maputo, pois lixo por todo o lado, relva toda queimada, incompetência e desleixo dos serviços públicos, sobre isso bloguei. Também ele o fez, irado. E um tipo tão sensível que se revolta contra os jardins da vizinhança, que diz face ao descalabro ecológico global? Vem à esplanada gritar contra a miúda Greta ...

Mimetiza estes patetas, bloguistas e facebuquistas, doutores personalidades públicas. Esses que sigo há década ou mais, nos blogs, jornais ou FBs. Esses a quem nunca li nada sobre ecologia, sobre desflorestação, sobre aquecimento ou não, sobre degelo. Nunca botaram sobre isso. Monopolizados pelos requebros, meneios, acenos, a pequenez dos interesses daqui. Mas tanto se desdobram agora sobre a miúda Greta, tão enfadados vão, tão preocupados estão, tão "fascista" é ela. Tão rebolados nestes abespinhamentos, tão mariconços nos arreganhos ...

Um gajo lê um Sterne, de há 250 anos, e um Epictetus de há 2000 anos, já então, cada um a seu tempo, a demonstrarem, anunciando-a, a mediocridade desta gente. E, tal como digo a este vizinho, sentado à minha mesa, entrepagando-nos imperiais e uísques, e apesar da minha filha não gostar que eu escreva assim: estes gajos não valem a ponta de um corno. Flácidos, imbecis, impotentes. Umas bestas. E tão armados em inteligentes. Gente nada, doutores nada. A merda "lisboa". 

O Síndrome do Robocop

Maria Dulce Fernandes, 29.08.19

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O plástico é uma praga.
A máxima de Lavoisier está incompleta. Nem tudo se transforma. Depois de convertida em plástico, a natureza perde a degradabilidade e consequentemente a capacidade de criar vida a partir do pó em tempo útil. Nenhum de nós tem o poder de viver mais de 500 anos para ver extinto todo e qualquer vestígio de pegada ecológica deixada pela poluição devastadora provocada pelo descarte de artefactos de plástico e derivados.
No nosso afã para mantermos a durabilidade das coisas pela arte da plastificação, deixamos de parte a única variável fundamental a qualquer equação em que a incógnita seja a introdução no corpo humano de matéria orgânica polmérica sintética, ou qualquer outra preparação criada in vitro que permita obter uma melhoria no desempenho e na longevidade do corpo.
Qualquer tentativa de plastificar a vida tem apenas resultado na sua anulação.
Qualquer “arte" plástica a que se submeta o corpo tem somente o sucesso efémero que a gravidade lhe permite. É tão normal a nova e renovada forma ficar disforme em curto tempo.
É por isso que, numa época em que toda a informação está disponível em tempo real para quase toda a gente, como se explica o uso e abuso de substâncias “plastificadoras" que incrementam a fisicultura, ao ponto de se morrer por ela?

Incêndios na Amazónia

jpt, 26.08.19

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Mudei-me para Lisboa, regressei ao lar, agora reinstalei internet em casa, visito as redes sociais (e os muito mais interessantes blogs). Vejo que muitos discutem algo relativo aos incêndios na Amazónia. Muitos gritam contra Bolsonaro - são os mesmos que quando este apareceu o guinchavam contra os homossexuais, as mulheres e os negros, secundarizando a sua anunciada política amazónica. Na época isso não lhes era relevante, não estava nas suas agendas de bolso agitando-se. E outros, muitos, gritam contra os que gritam contra Bolsonaro - parece que a devastação da Amazónia já existia antes, descobrem, e isso sossega-os. Esganiçados, o que lhes interessa é criticar os esganiçados do BE e afins.

Mal comparado é como se eu aqui viesse escrever a anunciar que tinha um cancro e as pessoas se preocupassem com os hipotéticos erros ortográficos e até sintácticos do auto-comiserado postal.

As pessoas não são só insensíveis. São-no mas não só. Não são só estúpidas. São-no, e numa até incomensurável dimensão, por mais doutores especializados e analíticos que surjam. Mas não só. São, acima de tudo, más. Não maliciosas. São malvadas. São a Besta. Não umas bestas, que isso é óbvio que também são. São mesmo a Besta. Imunda.

E veraneam!

Ecologistas da treta

Pedro Correia, 26.08.19

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Lançaram-se agora contra as beatas de cigarros na via pública, dedicando-se a um passatempo que adoram praticar: multiplicar impostos, taxas, coimas e um cortejo de proibições - da colheita mecanizada de azeitonas à noite ao "culto da vaca feliz" (seja lá o que isso for).

São livres de agir assim: cada partido escolhe as suas prioridades consoante a visão de sociedade que propõe aos portugueses e os instrumentos legais adequados para o efeito.

O que não faz o menor sentido é terem aproveitado a tribuna parlamentar, palco privilegiado de promoção política, para darem mais visibilidade a esta iniciativa... enquanto o dirigente máximo do partido, o deputado André Silva, exibia um vistoso garrafão de cinco litros em plástico. Precisamente o material que nos nossos dias provoca mais catástrofes ambientais.

Apetece-me chamar-lhes ecologistas da treta. E faço-o já, antes que concebam uma nova multa também para isto.

Sem receio da mudança

Cristina Torrão, 22.08.19

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Imagem Wochenblatt

Estou muito orgulhosa do "meu" Horst. Atreveu-se a mudar de emprego aos 56 anos e até teve direito a reportagem no jornal diário local. Trabalha, desde 1 de Agosto, na Câmara de Stade, a sua cidade-natal e onde vivemos há 20 anos, como planeador de tráfego, fazendo parte de uma equipa que pretende criar um novo conceito para a cidade, dando mais espaço aos peões e aos ciclistas (não, a Greta Thunberg não vai resolver os problemas ambientais do planeta, mas o movimento por ela iniciado está a ter reflexos e é isso que importa; quem, de nós, conseguiria tal proeza?).

Esta decisão do Horst exigiu coragem, pois, apesar de continuar funcionário público, está à experiência por seis meses. Se algo correr mal, pode ser despedido ao fim desse tempo. Para isso, rescindiu um contrato de trabalho vitalício, que tinha com a Câmara de Hamburgo, onde trabalhava há 26 anos. Como sabem, a Alemanha é uma federação de estados. Hamburgo é uma cidade-estado; Stade, apesar de estar a apenas 50 km, pertence ao estado da Baixa Saxónia. Um funcionário público não pode mudar de estado, mantendo o mesmo contrato, pois a entidade empregadora é diferente. Mas há-de tudo correr bem, estamos confiantes.

O emprego em Stade, além de lhe proporcionar fazer um trabalho para o qual está muito motivado, fica pertinho de casa. É só agarrar na bicicleta e, em dez minutos, chega ao emprego. Um verdadeiro sonho para quem, durante 20 anos, viajou de comboio todos os dias para Hamburgo, uma hora para cada lado.

O Horst merece.

Obs: a bicicleta dele não é eléctrica.

Greta Thunberg na Assembleia da República

Cristina Torrão, 25.05.19

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Imagem daqui

 

Depois de o meu colega de blogue jpt ter publicado este excelente texto sobre Greta Thunberg, hesitei em publicar o meu. Mas já o tinha alinhavado, desde que a decisão de convidar a activista sueca a discursar na Assembleia da República causou reacções indignadas nas redes sociais, e resolvi avançar.

Sabemos que a maior parte das crianças crescem super-protegidas e super-vigiadas, até se criou a expressão “pais-helicópteros” para designar os progenitores que constantemente “voam” à volta dos seus rebentos, não lhes permitindo um momento livre e/ou sem ser planeado. Há uma preocupação constante de afastar as crianças de tudo o que seja problema, polémica, ou má notícia. Não são introduzidas nas tarefas domésticas, tudo lhes cai sobre a mesa, como por milagre, as roupas aparecem lavadas nos armários, como por mão de fada invisível. São postas em colégios privados, para e de onde são transportadas de carro, e, chegadas a casa, aterram no sofá, onde se ocupam com os seus telemóveis ou a televisão. Passeios de fim-de-semana? Só se for no Centro Comercial. Quantas crianças tiveram já oportunidade de criarem os seus próprios passatempos, brincadeiras e brinquedos? Quantos adolescentes já deram passeios de quilómetros pela Natureza? Quantos foram sensibilizados para os problemas da pobreza, da discriminação e da solidão? Pais e sociedade queixam-se de que os jovens são preguiçosos, sem interesse por nada, nem sequer empatia pelo sofrimento alheio. Porque será?

Perante este cenário, como não admirar uma activista como Greta Thunberg? Eu admiro, acima de tudo, a sua coragem. Quantas miúdas de quinze anos se atreveriam a faltar às aulas para se plantarem em frente do Parlamento, com cartazes a exigir uma melhor política ambiental? Foi assim que ela começou.

Podem dizer-me que a maior parte dos que participam nas suas manifestações o fazem apenas para faltar à escola. Também me podem dizer que gritam pelo ambiente e contra as alterações climáticas, fazendo, eles próprios, uma vida consumista e sem abdicar dos seus confortos. Ora, este movimento é precisamente a melhor oportunidade para eles tomarem consciência do que se passa e mostrarem aos pais que a vida de todos tem de mudar. É uma boa oportunidade de mostrarem que, por mais boas intenções que os pais tivessem, ao poupá-los ao lado menos bom da vida, cometeram um erro. É nosso dever ouvir a sua voz e reflectir sobre o que os preocupa.

Há uns anos, a activista paquistanesa Malala Yousafzai ganhou a admiração e o respeito da civilização ocidental. Tinha quinze anos, quando sofreu o atentado, dezasseis (a idade de Greta Thunberg), quando discursou na Assembleia da ONU, dezassete, quando foi agraciada com o Nobel da Paz (como co-premiada). Porque se fala agora de infantilização do mundo, em relação à jovem sueca? Por ela dizer o que vai mal na nossa civilização, enquanto Malala Yousafzai atacava os “trogloditas muçulmanos”? É sempre mais fácil arranjar culpados exteriores a nós.

Considero a acção da jovem sueca tão importante como a da paquistanesa. «A nossa casa está a arder», disse Greta Thunberg, na reunião anual do Fórum Económico Mundial, em Davos, na Suíça. Chernobyl e Fukushima mostraram-nos que andamos realmente a brincar com o fogo. O trânsito insuportável nas grandes cidades e nas auto-estradas europeias mostram-nos que estamos a ir na direcção errada (todos os dias há engarrafamentos de dezenas, ou mesmo centenas, de quilómetros nas auto-estradas alemãs). Os voos baratos empestam o céu, assim como os cruzeiros empestam os mares e o ar que respiramos (nas suas deslocações europeias, Greta Thunberg viaja sempre de comboio, por ser um meio de transporte muito menos poluente que o avião). A nossa avidez por carne cada vez mais barata criou uma indústria desumana, em que pessoas trabalham em condições esclavagistas e em que animais deixaram de ser seres vivos para serem objectos que se podem manipular a nosso bel-prazer e em que a Natureza é destruída, a fim de produzir soja para os alimentar (cerca de 79% da soja no mundo é esmagada para fazer ração animal; é, por isso, desonesto dizer que são os vegetarianos/vegan os responsáveis pela destruição da floresta sul-americana, mesmo que todos eles consumissem soja, o que não acontece).

É uma ilusão acreditarmos que podemos dominar a Natureza, ou utilizá-la a nosso bel-prazer. A única hipótese que temos é de cooperar com ela. Na minha opinião, Greta Thunberg merece ser ouvida na Assembleia da República, quanto mais não seja, para que sirva de exemplo aos nossos preguiçosos e mimados jovens. Ela mostra-lhes que há problemas graves no mundo e que urge levantarem-se do sofá, adquirirem personalidade e tomarem posição. Ela mostra-lhes que é o futuro dos filhos e dos netos deles que está em causa. Ela mostra-lhes que a vida deles não consiste apenas na satisfação dos seus desejos, com fadas que tratam de tudo o que implique trabalho.

Ela mostra-lhes que vale a pena ter ideais.

“Não acredites em quem te diga que não podes mudar nada / Eles têm apenas medo da mudança.

A culpa não é tua de o mundo ser como é / Só seria tua culpa se ele assim ficasse”.

(excerto da letra de uma canção dos Die Ärzte, banda alemã; tradução minha, original em baixo):

 

Glaub keinem, der Dir sagt, dass Du nichts verändern kannst

Die, die das behaupten, haben nur vor der Veränderung Angst.

Es ist nicht Deine Schuld, dass die Welt ist, wie sie ist

Es wär nur Deine Schuld, wenn sie so bleibt.

Greta D'Arc

jpt, 24.05.19

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Nas últimas semanas fui vendo em blogs e no Facebook vários pequenos textos de gente que leio com atenção e até de amigos bem próximos, que surgiram azedos sobre Greta Thunberg, a jovem sueca tornada ícone ambientalista. Alguns até partilhando um texto viperino, gozando com a propalada condição da jovem, dita com o síndrome de Asperger. Trata-se de um meio intelectual definível, ainda que algo heterogéneo ideologicamente: é gente que se revê num "centro", "direita" ou até "extrema-direita", que anuncia filiação a um conservadorismo ou a um liberalismo, ou mesclando-os, às vezes de forma um pouco atrapalhada. O argumento é sempre similar: o aquecimento global é um mito, ouvir uma jovem é um populismo e/ou uma infantilização da vida política. Alguns complementam sobre a impossibilidade desta adolescente ter a solução para o problema, ainda que este inexistente, segundo as suas perspectivas, um oxímoro argumentativo que parece escapar a estes locutores.

Foi comentando um desses textos, oriundo de um intelectual português que bem aprecio, que me surgiu a ideia - a qual, de tão óbvia me pareceu, porventura outrem já terá avançado mas se assim aconteceu desconheço-o - que esta adolescente é uma Jeanne D'Arc actual. Pois, lendo a história da donzela de Orleans, tornada símbolo da cristandade e do seu país, de facto do polissémico "morrer pela Pátria", como não intuir que aquele comportamento obsessivo da adolescente camponesa poderá ter sido originado numa peculiar condição? E com toda a certeza, como aliás comprova o seu final, também ela incomodou os sábios "bloguistas" e "facebuquistas" de então. Apesar de ter sido útil ao reino.

Daí esta minha Greta D'Arc, obsessiva na sua dedicação à causa ambientalista. E que tanto incomoda tantos locutores. Esta dedicação extrema teve impacto. Ela apareceu induzindo um movimento ecologista geracional. Se em Outubro os iniciais pequenos grupos ecologistas deste movimento tinham ainda alguma dificuldade em chegar à fala com o secretário-geral da ONU (ainda que acolhidos pelo seu gabinete), agora Thunberg, a sua inspiradora, é recebida, sinal da crescente consciência de alguns líderes políticos da gravidade da situação. Uma esmagadora maioria dos cientistas está convencida que o problema é enorme e urgente. Uma minoria nega-o. Como se sabe, na história nem sempre a maioria dos cientistas (a "ciência normal") tem a razão face às minorias. Mas este argumento tem uma fragilidade nesta questão: as minorias que estavam certas normalmente (ainda que nem sempre) fundamentavam-se em hipóteses e métodos inovadores, afrontando as perspectivas vigentes. Neste caso as minorias renitentes não apresentam essas características inovadoras. Mas mesmo assim é possível que os que negam a hipótese do aquecimento global poderão estar certos - e que bom que será se assim for. Mas ainda que assim seja, que não estejamos na alvorada de uma dramática mudança climática causada pela humanidade, algo é inegável: a degradação ecológica é gigantesca.  E universal. E justifica toda a atenção.

Os que negam a hipótese de aquecimento - e a pertinência de atentar nesta jovem ícone e no actual movimento ecologista juvenil - são também um fenómeno intelectual interessante: os que se dizem conservadores alheiam-se de um tradicional item das agendas políticas conservadoras, a protecção ecológica; e os que se dizem liberais, estão totalmente alheados de uma visão capitalista, se se quiser da "destruição criativa" (eu sei que Schumpeter não é o arquétipo do liberal mas não pode ser dito como um radical anti-liberal), das imensas possibilidades lucrativas de novas políticas ecológicas (nas várias áreas da actividade). Ou seja, nestes locutores não é um conservadorismo e muito menos um verdadeiro liberalismo que vigoram. É um mero atavismo. Não de agora. O sufragar das posições americanas sobre o assunto mostram-no bem: há quase duas décadas, no seu primeiro discurso de tomada de posse presidencial, George W. Bush anunciou o seu distanciamento ao protocolo de Quioto por este ser adverso ao "american way of live". Dizer (resmungar) na altura - e depois - que tal afirmação era vácua, pois o tal "modo de vida" assentou na vigorosa abertura a transformações, devida à capacidade inovadora, organizativa e tecnológica, de uma sociedade cheia de recursos e livre de imensas barreiras institucionais que vigoravam nas suas concorrentes industrializadas de então, surgiria como uma resposta "comunista" ou parecida. Mas é uma coisa tão óbvia ...

Este atavismo impensante dos irritados com o impacto de Greta Thunberg, e do movimento que ela simboliza (e induziu), nota-se num aspecto e prova-se noutro. É comum (porventura como o foi nas gerações precedentes) ouvir os actuais adultos menorizarem as práticas da juventude actual: não são dados à leitura, atentam em youtuberes vácuos, não brincaram na rua, seguem sobre-protegidos e assim alheados da natureza, não socializam, encerrados em consolas de jogos e telemóveis, na futilidade da internet imediatista, são consumidores mimados, são totalmente apolitizados, etc. Subitamente, no espaço de um semestre, um movimento internacional de jovens cresceu: na sua heterogeneidade não surgem folclóricos, presos a velhas pantominas hippiescas; não são um culto de falsos heróis que encestam bolas em redes; nem cultuam LSD ou heroinas, que tanto maceraram as gerações precedentes; não destroem as propriedades públicas e privadas, como os seus "tios" vestidos de coletes amarelos; não saíram dos "seminários de insurreição" promovidos em acampamentos de maoístas e trotskistas; não têm como ídolos um qualquer Ernesto Guevara ("fuzilamos e continuaremos a fuzilar") em frémitos de utopias devastadoras; não seguem perversos pregadores hindús, islâmicos ou evangelistas, advogados de uma "purificação" das almas. Querem, e para isso se manifestam ordeiramente, numa saudável heterogeneidade de estilos, uma mais ampla informação sobre o estado da situação ecológica, e que se desenvolvam políticas de protecção ambiental - questão que há décadas está na agenda internacional mas que não tem conhecido grandes progressos, devido às resistências das elites político-económicas. Querem isso e assim se mostram jovens cidadãos. Interessados e empenhados, bem ao contrário do que deles dizem os mais-velhos, que os proclamam alienados.

Uma questão recente mostra, provando-a, a radical superficialidade destes críticos. Ou a sua estreita visão do futuro: há duas semanas Mike Pompeo - antigo director da CIA e agora ministro dos negócios estrangeiros americano, como tal alguém bem mais importante e escrutinável do que Greta Thunberg - discursou no Conselho Ártico e disse: "Because far from the barren backcountry that many thought it to be in Seward’s time, the Arctic is at the forefront of opportunity and abundance. It houses 13 percent of the world’s undiscovered oil, 30 percent of its undiscovered gas, and an abundance of uranium, rare earth minerals, gold, diamonds, and millions of square miles of untapped resources. Fisheries galore. 

And its centerpiece, the Arctic Ocean, is rapidly taking on new strategic significance. Offshore resources, which are helping the respective coastal states, are the subject of renewed competition. Steady reductions in sea ice are opening new passageways and new opportunities for trade. This could potentially slash the time it takes to travel between Asia and the West by as much as 20 days. Arctic sea lanes could come before – could come the 21s century Suez and Panama Canals."

Passados dias percebe-se que nem um dos incomodados com a visibilidade de Thunberg, desta Greta D'Arc de hoje, e do juvenil movimento ecológico, comentou estas declarações do governante americante. Omnívoras, demonstrando uma visão do mundo até demencial. Nem um, que tenha eu reparado, destes locutores portugueses as comentou. Nem um. Nem um ... 

Isto em Pompeo, e no mundo "trumpiano", é um fundamentalismo mercantil (não liberal, entenda-se bem) patético, tal e qual como os fundamentalismos desses radicais de outros cultos. E nestes luso-locutores (até nos meus amigos próximos que assim bacocam) é muito um mero blaseísmo, a patetice do fastio. Pois ficam muito enfastiados com a agitação alheia, destes "jovens". Isto não é "direita", nem "extrema-direita", nem "centro". É só parvoíce. Perversa. E carregadinha de presunção, a presunção da "distinção". Que gente ... Que se julga, saber-se-á lá porquê, que por intelecto não é, com toda a certeza, acima do vulgo. De nós, comuns. Vão nisso enganados, pois se, como disse Ulianov, "o esquerdismo é a doença infantil do comunismo", este blaseísmo nada mais é que a doença senil do capitalismo. O tal atavismo ...

Igreja, Mulheres e Ecologia

Cristina Torrão, 18.04.19

No meu post sobre a Igreja Católica em crise, houve comentários para todos os gostos (aliás, nunca imaginei que a minha estreia aqui corresse tão bem, obrigada a todos). Como sempre, as opiniões divergiram, numa grande variedade de temas tratados, mas há dois que me merecem mais atenção.

Fiquei muito surpreendida por o comentador JAB duvidar da ordenação de mulheres na Igreja Evangélica Luterana: Mulheres ordenadas na Igreja Luterana? Não sabia... E penso que não é bem verdade (...) O facto de haver mulheres que pregam a Palavra (...) não significa que sejam ordenadas (...) encontro a designação de "esposa" colaboradora do Pastor luterano, mas não o de "pastora" nem muito menos sacerdotiza... e muito menos bispa.

Estava à espera que se discordasse, mas não de que se duvidasse. Como é óbvio, ouço as palavras "pastora" e "bispa" muitas vezes (em alemão), mas, como a minha palavra não chega, fui pesquisar. Primeiro, no Duden, o mais conceituado dicionário da língua alemã. Na Alemanha, quando se tem dúvida se alguma palavra existe, vai-se ao Duden:

Bischöfin
Substantiv, feminin - oberste geistliche Würdenträgerin einer evangelischen Landeskirche

Tradução: "Bispa" - substantivo feminino - o mais alto grau clerical numa secção da Igreja evangélica.

A palavra "pastora" é um pouco mais complicada, porque, na definição, aparece "Pfarrerin", que é o masculino de "Pfarrer", que por sua vez é o "padre" português:

Pastorin
Substantiv, feminin - a. Pfarrerin; b. Ehefrau eines Pastors

Tradução: "Pastora" - substantivo feminino - a. "Pfarrerin" (o tal padre feminino); b. Esposa do Pastor (como o nosso comentador referiu; JAB, porém, não sabia que a palavra pode ter dois significados).

O acaso acabou por me ajudar, aliás, ligado a uma notícia triste. O acidente do autocarro com turistas alemães, na Madeira, fez-me saber que uma mulher, Ilse Everlien Berardo, pastora luterana, lidera há mais de 30 anos a Igreja Evangélica Alemã na Madeira.

Não satisfeita, fui procurar as bispas alemãs. A Igreja Luterana não está dividida em bispados, mas em secções, ou regiões. As autoridades clericais que as regem nem sempre são apelidadas de "Bispos", também há as designações "Presidente" e "Intendente". Duas dessas regiões são regidas por mulheres: a Igreja Evangélica do Centro (com sede em Magdeburgo) é regida pela Bispa Ilse Junkermann e a Igreja Evangélica da cidade de Bremen pela Presidente Brigitte Boehme.

Passo agora ao segundo tema que causou polémica: a Ecologia tornar-se uma causa da Igreja Católica. Por acaso, a jovem sueca Greta Thunberg encontrou-se recentemente com o Papa Francisco. E hoje deparei com uma notícia alemã, informando que muitos bispos católicos alemães apoiam Greta Thunberg e os protestos "Fridays For Future". E também fiquei muito satisfeita ao ler que o Bispo Heiner Wilmer, que preside ao bispado de Hildesheim, a que pertenço (e do qual eu falei no meu post anterior) declarou, à agência dpa: «Sou de opinião de que a Igreja deve funcionar como advogada do movimento "Fridays For Future"».

Aqui vai o original em alemão, com o link: „Ich bin der Ansicht, die Kirche muß Anwalt der ‘Fridays for Future’-Bewegung sein“, sagte der Hildesheimer Bischof Heiner Wilmer der Nachrichtenagentur dpa.

Ainda há esperança para a Igreja Católica!

 

Nota: Quem não souber alemão, terá de confiar na minha tradução, o que poderá não ser fácil para alguns dos leitores deste blogue...