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Delito de Opinião

Ele anda por aí

Pedro Correia, 16.07.24

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Nos últimos dias, Durão Barroso mostrou-se muito por aí. Tem a idade de Santana Lopes, mas parece mais bem conservado. Começo a pensar que estamos perante um proto-candidato à Presidência da República em Janeiro de 2026 - terá ele então 69 anos. «Curioso número», parafraseando Mota Amaral.

Não sei o que pensam sobre o tema, mas eu fixaria este nome desde já.

Convites a rejeitar.

Luís Menezes Leitão, 16.03.18

Quando Durão Barroso liderava a oposição em Portugal em condições difíceis entendi, juntamente com outras pessoas, manifestar-lhe apoio político. Nessa altura ele encontrava-se completamente cercado, com um António Guterres, que ia de vento em popa no governo, e com o PSD, como é tradicional, dilacerado por uma feroz oposição interna, capitaneada por Santana Lopes. Era, porém, visível que o país estava a caminhar para o desastre e que só uma vitória de Barroso, primeiro no PSD e depois no governo, poderia travar este caminho. E de facto assim aconteceu. Com a vitória do PSD nas autárquicas, Guterres abandonou o governo, reconhecendo a situação pantanosa em que tinha deixado cair o país, e foi possível constituir um governo que teve pela primeira vez como missão controlar o défice.

 

Durão Barroso decidiu, porém, abandonar esse governo na altura mais difícil, deixando o país entregue a Santana Lopes com os resultados que se conhecem. Essa atitude desiludiu-me imenso, pois entendo que não se pode abandonar desta forma o governo do nosso país quando ele mais precisava de nós. Mas apesar disso não deixei de considerar que, estando em causa assumir o cargo mais importante da União Europeia, tinha que se compreender que alguém não resistisse a assumir esse desafio. E, apesar de achar que o seu mandato não foi brilhante, uma vez que deixou reforçar a componente intergovernamental na União Europeia, a verdade é que conseguiu concluir dois mandatos na altura mais difícil que a União atravessou. Por isso, quando saiu da União Europeia podia assumir um estatuto de senador respeitado, leccionar numa Universidade e dar conferências pelo mundo inteiro.

 

Durão Barroso não resisitiu, porém, a ir para a Goldman Sachs, o que é absolutamente impensável face ao estatuto que detinha e que naturalmente lhe acarretará sempre um ataque feroz das instituições comunitárias, destruindo as boas relações com as mesmas. Durão Barroso deveria ter percebido que o seu passado já não lhe permite assumir certas funções. Faz lembrar Gorbatchev quando decidiu fazer um anúncio à Pizzahut depois de ter sido o líder da segunda potência mundial. O respeito dos governantes pelas suas antigas funções implica que certos convites devam ser rejeitados, por muito bem remunerados que sejam.

Uma figura ridícula.

Luís Menezes Leitão, 27.09.16

Se há coisa que acho que não deve preocupar um único português é a "discriminação" de que Durão Barroso diz ser alvo pelo tratamento que a Comissão Europeia lhe passou a dar depois de ter ido para a Goldman Sachs. Durão Barroso está habituado a assumir as consequências das decisões de carreira que toma. Ele próprio tem consciência de que o povo português nunca lhe perdoou o ter abandonado o barco do governo para ir para Bruxelas, com as consequências que se sabe e que o país pagou muito caro. Não é de estranhar por isso que na Comissão Europeia também não lhe perdoem mais esta estranha transição.

 

Não é o facto de outros membros da Comissão terem anteriormente estado na Goldman Sachs que justifica alguma vez a atitude de Barroso. A indicação de exemplos de anteriores comissários que também se albergaram na Goldman Sachs só me faz lembrar aquele programa cómico brasileiro, em que quando alguém era criticado por alguma coisa, desatava a berrar: "Mas sou só eu? Cadê os outros?".

 

Mas António Costa, que tem feito tantas malfeitorias nos últimos tempos, resolveu aproveitar este assunto para fazer uma bravata nacionalista, e resolveu pedir esclarecimentos a Juncker "sobre a decisão tomada relativamente ao Dr. Durão Barroso, comparativamente a outros antigos membros da Comissão", uma vez que era "necessário assegurar e garantir que nenhum português é objecto de qualquer tipo de atitude discriminatória". Parece assim que a Comissão Europeia responderia perante o Primeiro-Ministro português e que qualquer funcionário português, desde o varredor das escadas ao ex-Presidente da Comissão, poderia contar com a intervenção marialva do Dr. António Costa para o proteger, se alguma vez se sentisse discriminado.

 

Mas, como não poderia deixar de ser, a Comissão Europeia já respondeu a António Costa que tivesse juízo e que trataria desse assunto directamente com Durão Barroso. Quanto a António Costa, há apenas duas perguntas a fazer: Primeira, ele não tem consciência da figura ridícula que fez? Segunda, não há assuntos na Europa mais preocupantes para o Primeiro-Ministro de Portugal do que o tratamento que a Comissão Europeia decide dar ao seu ex-Presidente?

O estatuto de Durão Barroso.

Luís Menezes Leitão, 13.09.16

Leio aqui que Durão Barroso diz que está a ser "discriminado", ele e o Goldman Sachs, por a Comissão Europeia o ter passado a considerar um simples "lobista", em lugar de lhe manter a passadeira vermelha de ex-Presidente da Comissão Europeia. Parece que no PSD há muita gente que concorda com ele, mas o prémio para a defesa mais criativa vai para Paulo Rangel, que considera isto uma conspiração para prejudicar a candidatura de Guterres à ONU. Cuidado, portugueses, que os bandidos da Comissão Europeia actual (a anterior era impecável!) querem prejudicar um dos nossos concidadãos, ao dar o estatuto de lobista a outro.

 

Ora, aqui está um combate político que vale a pena ser travado. É preciso lutar arduamente contra a infame discriminação a que estão sujeitos os grandes bancos de investimento e os seus contratados. Temos que exigir que o presidente não executivo do Goldman Sachs não seja discriminado e possa manter o estatuto de ex-presidente da Comissão Europeia. E não interessa nada que a sua ida para o Goldman Sachs tenha sido um choque para os funcionários europeus. Esses funcionários têm que perceber que não podem prejudicar as expectativas de carreira dos ex-presidentes da Comissão Europeia. Afinal de contas, e como disse Marcelo Rebelo de Sousa, ir para o Goldman Sachs é atingir "o topo da vida empresarial", sendo uma maravilha ver "portugueses reconhecidos em lugares cimeiros".

 

Faço uma avaliação muito negativa dos mandatos de Durão Barroso à frente da Comissão Europeia, um tempo em que esta se apagou completamente, deixando a Europa nas mãos do eixo franco-alemão. Mas, apesar disso, dez anos como Presidente da Comissão constituem um marco histórico, de que ele se deveria pessoalmente orgulhar. Depois disso, ou ocupava um cargo político de topo, nacional ou internacional, ou dedicava-se a escrever livros relatando a sua experiência, a dar aulas e a fazer conferências pelo mundo. Durão Barroso deitou tudo isso fora ao ir para o Goldman Sachs. Só se pode por isso queixar de si próprio, não podendo pretender que a Comissão Europeia lhe reconheça um estatuto que ele mesmo não quis para si, achando mais importante um lugar na Goldman Sachs. E aos que apoiam esta decisão de Durão Barroso, pergunto apenas se alguma vez viram um ex-Presidente dos Estados Unidos a aceitar um cargo semelhante.

Em defesa de Durão Barroso.

Luís Menezes Leitão, 09.07.16

 

Tenho visto com espanto uma série de críticas à ida de Durão Barroso para o Goldman Sachs. Acho-as completamente absurdas. Como bem justificou Eça de Queiroz na sua obra O Conde de Abranhos, perante a mudança de partido de Alípio Abranhos, só há traição quando se abandonam os ideais que se serviram e se passa sem razão, para o serviço de ideais que até aí se combatiam! Permito-me adaptar as suas lúcidas considerações a este caso:

Há entre a Comissão Europeia e o Goldman Sachs ideais opostos? Abandona Durão Barroso ideias queridas, para ir, por interesses grosseiros, defender ideias detestadas? Não.

As ideias que servia na Comissão Europeia, vai servi-las no Goldman Sachs.

Em Economia, o que é a Comissão Europeia? Capitalista, monetarista e defensora do mercado. E o Goldman Sachs? Idem.

Em Política, o que é a Comissão Europeia? Liberal e plutocrata. E o Goldman Sachs? Idem.

Não têm ambos o mesmo amor pelo euro? O mesmo.

Não são ambos sustentáculos dedicados da banca? Dedicadíssimos.

Não desejam ambos a estrita aplicação do Tratado Orçamental, só do Tratado Orçamental e de todo o Tratado Orçamental? Desejam-na ambos, ardentemente.

Não são ambos centralizadores? São.

Não estão ambos firmes na manutenção de um controlo financeiro permanente? Firmíssimos, ambos.

Não têm ambos um nobre rancor a ideias revolucionárias? Um rancor nobilíssimo.

E em questões de cultura, de comunicação social, de regulação financeira, não têm ambos as mesmas óptimas ideias? Absolutamente as mesmas.

Não são ambos europeístas? Fanaticamente!

Então? — Pode dizer-se que Durão Barroso, indo da Comissão Europeia para o Goldman Sachs, trai as suas ideias? Não, certamente não!

A promoção.

Luís Menezes Leitão, 08.07.16

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Fiquei a saber que Durão Barroso vai ser o novo presidente da Goldman Sachs. Lembro-me que há uns anos houve um corretor que disse que não eram os governos que mandavam no mundo, mas antes a Goldman Sachs que o dominava. Só se pode então concluir que Durão Barroso passou de Presidente da Comissão Europeia para Presidente do verdadeiro governo do Mundo. Que outra coisa se pode dizer se não dar-lhe os parabéns pela promoção?

Evocação das Lajes.

Luís Menezes Leitão, 08.05.16

Há uma coisa que impressiona na política portuguesa e que é os políticos não terem consciência da sua pequena dimensão. A Portugal foi solicitado que albergasse nas Lajes a cimeira da guerra no Iraque apenas porque era geograficamente o local mais conveniente para a deslocação de Presidente dos EUA, do Primeiro-Ministro inglês e do Chefe do Governo espanhol. Não havia qualquer intenção de arrastar Portugal para a decisão ou de lhe dar qualquer papel na mesma. Miguel Portas percebeu isso muito bem quando disse que não sabia se Durão Barroso ia ser o porteiro ou o mordomo na cimeira, mas que uma dessas duas coisas seria certamente. Durão Barroso quis manifestamente ser mais que isso, falou numa cimeira 3 + 1, e esforçou-se imenso para aparecer na fotografia, mas a nível internacional a sua imagem foi cortada e ninguém lhe deu maior estatuto do que o de anfitrião da cimeira, ou seja, nenhum.

 

Como neste momento a memória da cimeira das Lajes caiu em desgraça, Durão Barroso achou que deveria partilhar o opóbrio da cimeira com Jorge Sampaio, dizendo que ele teria concordado com a mesma. Este obviamente não se deixou ficar, e lá publicou umas evocações presidenciais, para, segundo ele diz, "fazer uma breve revisitação dos anos 2002-2003 deste século, determinantes que foram para o caos que hoje se vive no plano internacional". Nessa "breve revisitação" sacou de todos os seus registos, acusando Durão Barroso de crimes tão hediondos como o de ter memória selectiva (!) e de o ter acordado às sete da manhã com esta questão (!!). Não nega ter efectivamente concordado com a cimeira, talvez devido ao facto de ter acordado estremunhado nesse dia, alegando, porém, que a sua concordância foi para evitar "abrir um conflito institucional que em nada serviria o país". Mais vale de facto evitar um conflito institucional no país do que uma cimeira no país para organizar a guerra no Iraque.

 

Mas mesmo assim Jorge Sampaio acusa Durão Barroso de ter organizado a cimeira nas suas costas, uma vez que a mesma foi realizada 48 horas depois, e "não é preciso ser-se perito em relações internacionais para se perceber que eventos deste tipo não se organizam num abrir e fechar de olhos". Se Jorge Sampaio acha que 48 horas, num período de crise internacional, correspondem a um abrir e fechar de olhos deve ter um sono muito profundo.

 

É assim claro que Jorge Sampaio concordou com a organização da cimeira nas Lajes. Ele próprio o reconhece, mas também diz que não tinha que ter concordado, uma vez que "não é necessário ser-se constitucionalista, para se perceber que não cabe ao Presidente autorizar ou deixar de autorizar actos de política externa". Mas entende contraditoriamente que "o Presidente tem o direito constitucional a mostrar a sua discordância perante a condução da política externa e não está obrigado a acatar, sem intervenção e passivamente, decisões assumidas pelo Governo". Afinal em que ficamos?

 

Temos assim uma verdadeira guerra do alecrim e da manjerona sobre uma questão absolutamente ridícula: se a cimeira não fosse nas Lajes, mas nas Bermudas, nos Barbados, em Cabo Verde, ou até num porta-aviões a meio do Atlântico, a guerra teria sido evitada? É óbvio que não. Abrir esta discussão neste momento é por isso absolutamente ridículo. Os portugueses têm coisas muito mais sérias com que se preocupar.

Presidenciáveis (62)

Pedro Correia, 04.06.15

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José Manuel Durão Barroso

 

Alguns políticos contemporâneos assemelham-se a certas donzelas do romantismo literário: vão dizendo não para se tornarem mais apetecíveis no momento em que finalmente pronunciam a palavra sim.

José Manuel Durão Barroso, que já bebeu nos ensinamentos de Lenine, conhece bem a importância do passo dado atrás como prelúdio dos dois passos que logo se dão em frente no momento mais propício. Político de sucesso, nestes dias oscilantes, é político de geometria variável - como ele, aliás, deu abundantes provas em Lisboa e Bruxelas. Primeiro na hábil ascensão ao posto de ministro dos Negócios Estrangeiros num executivo de Cavaco Silva. Depois ao liderar uma coligação com o CDS de Paulo Portas após uma campanha eleitoral caracterizada por nada amáveis trocas de galhardetes. Em seguida, ao largar uma legislatura a meio, rumando à Comissão Europeia e deixando o País entregue a Santana Lopes, que nem era do Governo nem se tinha submetido a votos. Enfim, ao tornar a capital da União Europeia numa espécie de subúrbio de Berlim: esta foi a peculiar forma que escolheu, adaptando-a a um conceito muito sui generis de realismo político, de dar largas na idade adulta ao inflamado internacionalismo da sua juventude.

Figura reconhecida além-fronteiras, este nativo de signo Carneiro tornou-se aos 59 anos naquilo que o jornalismo português mais enaltece: uma "reserva da nação". Ao demarcar-se da corrida a Belém livrou-se desde logo do involuntário protagonismo nas charlas dominicais de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI, que vinha insistindo nele como "candidato natural da direita" para o desgastar com requinte florentino.

Bastou-lhe dizer que não seria candidato a Belém: em política as fórmulas mais simples são sempre as mais eficazes. Tê-lo-á feito com reserva mental? Só o destino poderá desvendar a resposta. Por enquanto libertou-se do fatalismo das manchetes, sempre repetitivas e quase sempre desfavoráveis para quem já dispensa apresentações na vida pública.

Durão vive por estes dias na ficção de ser um português igual aos outros - algo em que ele é o segundo a não acreditar. O primeiro é Francisco Balsemão, que o designou como seu sucessor no selecto Clube de Bilderberg - versão terrena do Olimpo reservado aos deuses pluricontinentais. Deste clube até Groucho Marx aceitaria ser sócio...

Ei-lo já com pose senatorial e majestática, entre vénias pouco dissimuladas: Portugal premeia sempre aqueles que aparentemente não estão. Mesmo que estejam.

 

Prós - Tem currículo internacional. Foi presidente da Comissão Europeia (2004-2014), contando na altura com a bênção do Presidente Jorge Sampaio. Posou ao lado de Bush, Blair e Aznar numa célebre fotografia que correu mundo: a da cimeira dos Açores, que precedeu a invasão do Iraque pelos EUA, em 2003. Sabe que ganhará as eleições presidenciais, só não sabe quando

 

Contras - George W. Bush poderia oferecer-se para fazer campanha ao lado dele. Tony Blair também. Aznar, idem aspas. Na adolescência leu com devoção o Livro Vermelho de Mao Tsé-tung, bebendo frases como esta do Grande Timoneiro: "O guerrilheiro depende do povo como o peixe depende do mar." Já não segue Mao, mas continua a seguir o cherne: há algo nele daquele peixe cantado por O'Neill, navegando na "água silenciosa de um passado" eternamente por superar.

Herzlichen dank mein lieber Freund.

Luís Menezes Leitão, 25.01.15

Leio aqui que Angela Merkel vai homenagear Durão Barroso na próxima segunda-feira em Berlim. Trata-se de uma homenagem mais que merecida. À frente da Comissão Durão Barroso sempre esteve totalmente do lado das posições alemãs e contra os interesses dos países do Sul, incluindo daquele a que pertence. Como bem se escreve neste artigo: "Os dois líderes políticos estiveram juntos na pobreza e na austeridade, no desemprego e no crescimento da Europa, até que o fim do mandato de Durão, em outubro de 2014, os separou". Faz por isso todo o sentido que Merkel condecore Durão Barroso. Já que Cavaco Silva também o tenha feito, é mais difícil de explicar. O legado de Durão Barroso na Europa está à vista com o crescimento dos partidos radicais que ameaçam estilhaçar o projecto europeu. Aposto que, nas suas próprias imortais palavras, hoje vamos começar a ter o caldo entornado.

Antes que as medalhas acabem

Sérgio de Almeida Correia, 03.11.14

images.jpgAinda bem que aproveitaram o Halloween para preparar a cerimónia. Da maneira que isto está, com a Maria Luís às voltas com a troika, o melhor era mesmo não se atrasarem e condecorá-lo já.

Agora os portugueses já podem dizer que o Grande-Colar da Ordem do Infante foi atribuído, a título excepcional, a uma parelha de gritos.

Um desastre.

Luís Menezes Leitão, 04.09.14

 

Para se ver o resultado da presidência de Durão Barroso na comissão europeia, basta comparar o que era a União Europeia em 2004, altura em que se deu o grande alargamento e tudo parecia possível, com o que é hoje dez anos depois. Nestes dez anos a comissão europeia, que tinha a função de guardiã dos tratados, apagou-se completamente e hoje a Alemanha põe e dispõe, levando a que no resto do mundo a Europa tenha passado a ser sinónimo de Alemanha. É por isso que a Europa mergulhou precipitadamente na questão ucraniana, uma questão que se sabia desde o início ser explosiva e que tinha que ser tratada por diplomatas experientes e não por políticos imponderados. Como se dizia na célebre série Yes, Prime Minister, na diplomacia pretende-se sobreviver até ao próximo século, enquanto na política se pretende sobreviver até sexta-feira à tarde.

 

Mostrando o jeito que tem para a diplomacia, apesar de ter sido Ministro dos Negócios Estrangeiros, Durão Barroso achou que podia divulgar uma conversa telefónica particular com Putin em que ele lhe terá dito uma coisa óbvia: que a Rússia, se quisesse, podia tomar Kiev em duas semanas. Aliás, desde os tempos da guerra fria que o exército russo tem condições de ocupar a Europa Ocidental até em menos tempo, só tendo sido travado pelo guarda-chuva nuclear americano. Não me espantaria nada, por isso, que Putin lhe tivesse dito que, se quisesse também podia ocupar Berlim, Bruxelas e até Lisboa, embora as consequências dessa iniciativa levassem necessariamente a um conflito nuclear com a Rússia, conflito esse que só a diplomacia pode evitar. Foi por isso muito pouco diplomático Durão Barroso ter ido revelar o conteúdo dessa conversa telefónica aos 28 membros do Conselho Europeu, sabendo-se evidentemente que estes iriam, como os doze apóstolos, espalhar a boa nova por todo o lado.

 

Putin é que não se ficou e ameaçou divulgar o conteúdo da conversa telefónica com Durão, que terá gravado, se este não se retratasse imediatamente. Durão Barroso foi por isso obviamente obrigado a engolir publicamente o que tinha dito. A aceitação pelo Presidente da comissão europeia de um ultimato da Rússia, numa altura em que a União Europeia ameaça a Rússia com sanções, constitui no plano das relações internacionais uma situação absolutamente ridícula. Justifica-se por isso que se questione o que terá sido dito nessa conversa, que pelos vistos era mais prejudicial a Durão Barroso do que a Putin.

 

Durão Barroso foi um desastre tão grande para a Europa que é possível que, nos últimos dias do seu mandato, ainda nos consiga fazer mergulhar numa guerra com a Rússia. Rezemos para que ele deixe rapidamente Bruxelas e regresse a Lisboa. Se isto demora muito mais tempo, ainda é capaz de vir com o exército russo atrás.

Da educação para a virtude

Rui Rocha, 12.08.14

É Paul de Saint-Victor que nos conta o episódio num dos seus ensaios. Benvenuto Cellini, um dos expoentes máximos do Renascimento, tinha cinco anos quando, numa tarde de inverno, o seu pai, que tocava viola perto da lareira, acreditou ver um animal semelhante a um lagarto a dançar vivo nas chamas. Ordenou à criança que se aproximasse e deu-lhe uma violenta bofetada que o fez romper em lágrimas. Acto seguido, o pai enxugou-as com ternura. "Meu querido", disse-lhe, "não te bato para punir-te, mas somente para que recordes ao longo de toda a tua vida que este lagarto que vês aqui no fogo é uma salamandra, animal que ainda não foi visto por nenhum homem vivo sobre a terra’”. Pois isso. Que se perceba que a ida do Barrosito para o Departamento de Supervisão Prudencial do Banco de Portugal, sem concurso prévio, está inscrita na mesma técnica de provocar a dor para desencadear memórias inapagáveis que foi utilizada pelo pai de Cellini. Não há sofrimento mais incisivo para o brio profissional de quem o tiver do que esse que resulta de entrar para uma Instituição pela porta do cavalo. Só o carinho insuperável de um pai, de um padrinho, permite uma visão tão abrangente que troque a provação presente pela prazenteira memória futura provocada por uma tal vergonha. O Barrosito, esse certamente não esquecerá. E, tal como Cellini, perceberá mais tarde a que profundidade pode descer o amor exacerbado de um padrinho, de um pai.

Rumo à Presidência.

Luís Menezes Leitão, 12.04.14

 

Tudo o que tinha escrito aqui sobre a candidatura de Durão Barroso à Presidência da República com o apoio simultâneo do PSD e do PS acaba de ser confirmado por esta curiosa conferência promovida pela Comissão Europeia em Lisboa, intitulada "Portugal: Rumo ao Crescimento e Emprego", mas que melhor se poderia chamar: "Barroso: Rumo à Presidência". Depois da elucidativa entrevista ao Expresso, parece que Durão Barroso já arrumou definitivamente os papéis como Presidente da Comissão Europeia, cargo em que se destacou por uma total ausência de intervenção, e dedica-se agora com afã a promover a sua candidatura presidencial. De facto, é incompreensível que o Presidente da Comissão Europeia tenha feito o ataque que fez ao Vice-Presidente do Banco Central Europeu, sem que o seu Presidente e o próprio Banco tivessem dito a mais leve palavra sobre o assunto. E também é incompreensível que a Comissão Europeia organize uma conferência com claro significado político em Portugal nas vésperas das eleições europeias, com a presença do próprio Presidente da Comissão, que tem um claro dever de neutralidade sobre as questões políticas internas do seu país. Mas a conferência realizou-se e agora é preciso ver o seu significado político.

 

Este significado é claro. Já se sabia que o PSD de Passos Coelho iria apoiar Durão Barroso nas presidenciais, por muito que Marcelo Rebelo de Sousa proteste na TVI ou leve os militantes às lágrimas nos Congressos. Agora ficou a saber-se que há um claro endorsement de Cavaco Silva a Durão Barroso, que pretende ver como o seu sucessor no cargo. Foram especialmente comoventes estas palavras carinhosas de Cavaco: "Posso testemunhar, como poucos, a atenção que o doutor Durão Barroso sempre prestou aos problemas do país e a valiosa contribuição que deu para encontrar soluções, minorar custos, facilitar apoios e abrir oportunidades de desenvolvimento". Fica-se a saber que Cavaco já escolheu o seu Delfim. Só é pena que os portugueses também possam "testemunhar, como poucos", a forma como Durão Barroso tratou o país, deixando um Governo em colapso com a sua ida para Bruxelas, e ameaçando recentemente que estaria o caldo entornado se não cumprissem as suas determinações. Mas reconheço que Cavaco tem razão quando diz que "Portugal e os portugueses muito lhe devem". Não só devemos como estamos a pagar todos os dias os empréstimos que a troika nos concedeu, mesmo que isso nos deixe só com pele e osso.

 

Mas o que foi elucidativo na conferência foi a reacção do PS. Ao contrário da restante oposição, que não quis estar presente, "PS recebeu convite para assistir e deu liberdade a cada deputado para fazer o que entender". Conforme já tinha anunciado, parece claramente estar a desenhar-se a preparação de um governo de Bloco Central, para depois da queda de Passos Coelho, aparecendo, como contrapartida do apoio do PSD ao PS, o apoio deste a uma candidatura de Durão Barroso a Belém. Para isso o PS só tem que tirar António Costa do caminho, mas isso é fácil. Não é por acaso que o PS anda a reclamar nos últimos tempos o direito a nomear o próximo Comissário europeu. O PSD pode perfeitamente oferecer-lhe a nomeação de António Costa, o que permitiria tirar já do terreno alguém que poderia ameaçar simultaneamente a liderança de António José Seguro e a eleição de Durão Barroso. Parece que a estratégia de Cavaco de forçar um acordo entre Passos e Seguro vai agora cumprir-se sob a égide de Durão Barroso. Les beaux esprits se rencontrent.

Uma entrevista exemplar

Sérgio de Almeida Correia, 03.04.14

Quer queiramos quer não, a entrevista de José Manuel Barroso ao Expresso foi uma excelente entrevista.

Ao contrário de muitos fait divers, reportagens e artigos absolutamente inócuos que preenchem as páginas dos jornais e revistas nacionais, uma entrevista é uma peça jornalística de interesse inquestionável pelo que revela das ideias e personalidade do entrevistado e da argúcia e perspicácia do entrevistador. Dessa perspectiva, a entrevista de Barroso é um tratado que durante muitos e bons anos será objecto de estudo e análise.

Confesso que graças a essa entrevista, pela primeira vez, pude compreender o verdadeiro alcance do pensamento barrosista e a forma como a cartilha maoísta se entranhou no espírito do ainda presidente da Comissão Europeia. Repare-se que a clareza, tantas vezes ausente do discurso de Durão Barroso, esteve agora insofismavelmente presente.

Clareza na forma como fazendo apelo ao interesse nacional - o mesmo que o levou a negociar a sua ida para Bruxelas depois de dias antes ter desmentido com toda a convicção que estivesse de partida ou interessado no lugar, manifestando inclusivamente na ocasião a sua intenção de levar o mandato em que fora investido até ao fim -, afirma a necessidade do próximo Presidente da República ser mais um fruto da trapalhada ideológica e da vacuidade em que medram os partidos do centrão. Estão lá tudo e todos, incluindo o apelo a essa desgraça chamada consenso, espécie de mistura de águas e detritos de variadas origens que conduziu a democracia portuguesa, formalmente inquestionável, à substantiva podridão actual.

Clareza também na afirmação de que não tem qualquer intenção de ser candidato às presidenciais, o que deve merecer tanta credibilidade quanto as declarações de Passos Coelho em campanha eleitoral sobre os cortes dos subsídios de férias e de Natal, a defesa do Serviço Nacional de Saúde, a reforma do Estado ou a redução défice pelo lado da despesa. Ou, se quiserem, colocando as coisas no seu devido lugar, dou-lhe o mesmo valor que às prédicas semanais de putativos candidatos presidenciais e ex-primeiros-ministros em final de sabática.

Clareza igualmente na forma como se predispôs a atacar Vítor Constâncio mais de dez anos depois dos factos que relatou na entrevista e de ter estado calado todo este tempo relativamente aos pornográficos negócios do BPN/SLN, fazendo de conta que o silêncio e a passividade não teriam consequências. A deficiente supervisão de Constâncio e do Banco de Portugal, sobre esse e outros assuntos, embora coloque em causa o seu desempenho e a eficácia da instituição no cumprimento das suas atribuições, em nada belisca a sua seriedade. Daí que não tenha podido deixar de registar, à semelhança de Silva Lopes, Beleza, Vilar, Santos Silva e Teodora Cardoso, o ataque doloso, que alguns diriam canalha, que foi feito ao ex-governador. Tendo sido o próprio Barroso, a fazer fé no relato, quem se quis chegar à frente, querendo substituir-se ao entrevistador na escolha e oportunidade do tema, atirando voluntariamente para a fogueira as achas com as quais pretendia continuar a imolação do infeliz Constâncio, a intenção letal do ataque foi manifesta, colocando-o ao nível de um qualquer desses deputados saídos das "jotas" que se apressam a dar lustro à voz de quem lhes garante o emprego. Atitude que, convenhamos, está ao nível de quem se afadigou em chegar às Lajes a tempo de se acocorar perante um dos mais vis - pelas consequências - ataques à verdade e ao direito internacional de que há memória. 

A entrevista de Barroso ao Expresso, sendo ele um ex-primeiro ministro e ex-titular dos Negócios Estrangeiros, por tudo aquilo que põe a nu, é o espelho da ambiguidade europeia, do permanente desencontro em que vive a União, da ausência de um líder e de um pensamento ideológico estruturado e coerente. Incapazes de encontrarem um líder que a una e prestigie, os burocratas eunucos que mandam na União preferem figuras menores, inconstantes, de pensamento proteiforme e com uma visão enviesada e ajustável à medida dos seus interesses.

Percebe-se, por isso mesmo, que a recente anexação da Crimeia pela Rússia não foi fruto de um acaso. Putin sabia que o barrosismo, digno sucessor do blairismo, tomou conta da Europa e se assume como uma espécie de wilsonianismo tardio e à deriva. Os resultados das municipais francesas são a melhor prova do triunfo da estupidez e do esgotamento da paciência dos eleitores.                                                                                  

O candidato.

Luís Menezes Leitão, 29.03.14

 

Esta entrevista constitui a demonstração acabada para quem tivesse dúvidas de que Durão Barroso não quer outra coisa do que ser candidato a Belém, e que tem o apoio do actual Governo para lá chegar. Há muito que se viam sinais nesse sentido. Primeiro foram as contínuas peregrinações de Passos Coelho a Bruxelas ou às sucessivas homenagens que Barroso ia recebendo pela Europa. Depois foi a sucessiva ascensão de barrosistas no PSD e a sua inclusão no Governo, onde até o antigo chefe de gabinete de Barroso foi feito secretário de Estado e conservado depois do desastre comunicativo desta semana. E finalmente ocorreu a tentativa de rejeitar logo no Congresso a candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa, que este habilmente desmontou com uma intervenção que pode ter tocado o coração dos militantes mas manifestamente não conseguiu convencer Passos Coelho.

 

O problema de Durão Barroso é que o seu abandono em 2004 e a sua desastrada actuação na comissão europeia causou tão profunda irritação nos portugueses que ele sabe que não tem a mínima hipótese de ser eleito, mesmo com o apoio do PSD e do CDS. Ensaiou por isso uma estratégia simples. As sondagens demonstram que o PS vai vencer as próximas eleições, mas não terá maioria para governar. Como não é credível que o PS se alie ao PCP ou ao BE e com o CDS não deve ter condições para formar maioria, atento o previsível castigo que os pensionistas, seu eleitorado tradicional, lhe vão aplicar, resta apenas o PSD para formar governo com o PS. Ora, como se sabe que Passos Coelho não sobreviveria a uma derrota eleitoral, o que Durão está a dizer publicamente a António José Seguro é que neste momento, com os seus homens em lugares-chave, já tem o partido na mão e que oferece o apoio do PSD a um governo PS a troco de um apoio do PS nas presidenciais. Assim já conseguiria ser eleito como os exemplos históricos têm demonstrado em relação a um candidato apoiado pelos dois maiores partidos. Eanes teve 61% dos votos em 1976 e Soares 70% dos votos em 1991. Apoiado pelos dois maiores partidos, e até eventualmente pelo CDS, Durão Barroso teria seguramente muito menos votos, mas os suficientes para ser eleito. Aliás, já começou na entrevista a inverter o discurso, proclamando a sua paixão pelo país, a sua simpatia pelas classes sacrificadas e a declarar ter avisado Passos de que havia limites para esta política, tudo a contrastar com as suas anteriores declarações de que estaria o caldo entornado se o país não aplicasse as medidas de austeridade que lhe foram exigidas.

 

Resta saber apenas duas coisas: o que pensam do negócio que hoje é proposto por Barroso os militantes do PS e do PSD. Palpita-me que a resposta não vai ser do agrado dele.

Um doutor entre senhores

Pedro Correia, 30.01.14

 

Ouço uma personalidade com presença assídua nos ecrãs televisivos referir-se a várias figuras europeias. É curioso: são todas "senhoras" ou "senhores": os graus académicos -- correctos ou incorrectos -- tão em vigor entre nós desaparecem mal aludimos a gente de além-fronteiras. Mas subitamente a referida personalidade alude ao presidente da Comissão Europeia em termos diferentes dos utilizados para Angela Merkel, Van Rompuy, Mario Draghi, Martin Schultz ou François Hollande -- chamando-lhe "doutor Durão Barroso". Imporia a mais elementar uniformidade de critérios que, no caso de Barroso, o "doutor" desse lugar ao "senhor" reservado para todos os outros. Mas não: mesmo residente em Bruxelas, o presidente da Comissão Europeia continua a ter direito ao respeitinho lusitano.

Doutor é só ele. Senhores são todos os outros.

A excepção cultural

jpt, 24.09.13

Há alguns meses Durão Barroso comentou a posição francesa sobre a excepção cultural no seio da liberalização comercial. A reacção francesa foi iracunda e bastante desvalorizadora da Comissão Europeia, algo que vindo da pátria de Monnet e de Delors não deixou de ser surpreendente. Em Portugal li, logo, algumas céleres vozes criticando o dito de Durão Barroso. Claro, e para além do assunto, há que bater no homem. Por várias razões, uma das quais é esta esquizóide forma de xenofobia lusa, a de dizer mal de qualquer patrício mal ele tenha assomado além fronteiras. A barbárie barrosista foi logo proclamada, não só mas também pela intelectualidade bem-pensante. Na altura lembrei-me disto que se segue, mas não sabia onde estava, depois fui de férias e passou-me. Agora saltou da estante, esta delícia de Amselle, um belíssimo antropólogo francês ("Branchements", 2001, pp. 14-15).

 

"À cet égard, plutôt que de protester contre la domination américaine et de réclamer un état d'exception  culturelle assorti de quotas, il serait préfèrable de montrer en quoi la culture française contemporaine, son signifié, ne peut s'exprimer que dans un signifiant planétaire globalisé, celui de la culture américaine. Si celle-ci, à l'instar de la culture française au XVIIIe siècle, est devenue un opérateur d'universalisation, ainsi que le démontre le sens - France-États-Unis - dans lequel sont produits les remake, cela ne correspond pas pour autant à une situation d'aliénation ou de colonisation de l'esprit français par la puissance américaine, situation stigmatisée naguère par Étiemble à l'aide du vocable "franglais". Parler franglais, c'est peut-être, pour les Français, énoncer la vérité de leur culture, de même que, pour le groupe sarcellois Bisso na Bisso, se brancher sur le rap américain est le meilleur moyen de retrouver ses racines congolaises. Contrairement à ce que pensent les obsédés de la pureté des origines, la médiation est le chemin le plus court vers l'"authenticité" ... Par le biais du "samplage" (sampling) s'exprime l'originalité d'une culture dont on serait bien en peine de dire si elle est française, américaine ou africaine.

 

Talvez pouco interessante para muitos. Mas, e repito, uma delícia, principalmente quando recordo alguns indignistas, furibundos facebuquistas. Colegas, ou quase.