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Delito de Opinião

Penso rápido (111)

Pedro Correia, 01.04.25

A existência de partidos políticos é condição necessária, embora não suficiente, para haver democracia.

Conheço demasiados regimes políticos com um partido só. Dantes chamavam-se ditaduras. Agora, nestes tempos de hiper-correcção política, chamam-lhes "autocracias".

Não vou por aí. Prefiro chamar ditadura a uma ditadura, sem eufemismos nem disfarces.

Dez regimes execráveis (1)

Pedro Correia, 09.01.25

Democracia dá trabalho

Cristina Torrão, 22.11.24

Pano para mangas (2ª parte)

Cristina Torrão, 15.10.24

Ainda no rescaldo dos maus velhos tempos, mais umas palavrinhas:

“Mas agora é que é bom, com a censura do politicamente correcto e a comunicação social comprada por milhões de euros pelo manhoso António Costa, e os miúdos na escola a bater nos professores, os filhos a darem porrada nos pais ou a matá-los para lhes ficarem com o dinheirinho da pensão para a droga, com as pessoas a terem medo de sair de casa à noite para não serem assaltadas, espancadas ou mesmo mortas, e mais e muito mais de desgraças abrilinas que por preguiça mental aqui me nego a acrescentar”.

Compreendo a angústia deste comentador. E o que ele aponta não são falsidades. Já afirmar que se trata de “desgraças abrilinas” é um absurdo.

Antes do 25 de Abril, não sei se houve algum aluno a bater num professor. Mas os professores arreavam-lhes forte e feio. Desde pôr negras as canelas nuas das meninas, em pleno Inverno, com uma cana, a tareias de caixão à cova a rapazes e raparigas, muitas vezes, por ninharias. Além disso, antes do 25 de Abril também já havia filhos a darem porrada nos pais, ou a matá-los para lhes ficarem com o dinheiro (não seria para droga, mas, para o caso, é igual ao litro). E, já nessa altura, havia pessoas que tinham medo de sair de casa à noite: mulheres (infelizmente, continuam a ter razões para isso). A única diferença, entre antigamente e agora, é que existia a censura. Não era a do politicamente correcto. Essa, pelo menos, não nos impede de vir para aqui criticá-la, ou de dizer o que nos vai na cabeça. A censura, antes do 25 de Abril, proibia, na imprensa, tudo o que tivesse a ver com suicídios, criminalidade juvenil, pedofilia, incesto, abusos sexuais, violações, etc. Assim se criava a imagem do país pobre, mas honrado, o país dos «brandos costumes».

Acusaram-me de viver numa “bolha fofinha das mentiras oficiais”, mas, na verdade, Salazar e Marcelo Caetano eram especialistas na criação dessas bolhas. E em zelar para que não rebentassem. Nem que fosse a rebentar com seres humanos.

Alguns comentadores também sugeriram o espancamento de Maria Teresa Horta ter sido obra de radicais, agindo de forma independente. Tivessem sido eles identificados, teriam sido punidos legalmente. Porém, como aqui já transcrevi, Maria Teresa Horta diz, ainda hoje: «Ficámos convencidos, mesmo politicamente, de que eles eram legionários, a PIDE não trabalhava assim, não batia na rua. Não era o modo deles. Os legionários eram um braço fascista. Até hoje acho isto. Combinaram serem eles, saíra o livro e estavam ofendidos. Foi uma desgraça. Não fiquei deprimida, nada disso, a PIDE e os fascistas não têm esse poder sobre mim. Isso queriam eles, nem pensar.»

Os legionários eram um braço da PIDE, dispostos a fazer trabalhos sujos. E o espancamento de Maria Teresa Horta não teve a ver com as “Novas Cartas Portuguesas”. Teve a ver com um outro livro dela, publicado antes, com o título “Minha Senhora de Mim”. Tanto este, como as “Novas Cartas Portuguesas”, foram proibidos e confiscados, assim que chegaram às livrarias. Pelos vistos, essa proibição não chegou, no primeiro caso. O objectivo era obviamente intimidar a escritora, para que ela não voltasse a escrever algo do género.

Também muitos comentadores ficaram indignados por eu comparar a ditadura salazarista com a iraniana. Isto porque lhes dá muito jeito armarem-se em defensores das mulheres castigadas pelo regime iraniano. Além de aproveitarem para destilar o seu ódio figadal pelo Islão, julgam mostrar às feministas como elas estão erradas, quando os acusam de serem machistas. Não nego que a religião muçulmana sirva de pretexto para as ditaduras, as leis e os comportamentos mais abjectos. Mas também há o outro lado.

Malala Yousafzai, por exemplo, que, aos catorze anos, foi quase assassinada pelos talibãs, apenas por frequentar a escola. Não deixou de ser muçulmana. Apesar de apoiar a democracia, a liberdade, de viver na Europa Ocidental e cristã e de continuar a lutar pelos direitos das mulheres nos países islâmicos, não renega a sua religião e, pasme-se, continua a usar véu! Claro que não sou apologista da obrigação de usar véu. Mas também não apoio a sua proibição. Cada uma deve ter liberdade para decidir. O interessante é que já li comentários depreciativos sobre Malala Yousafzai, por aqui. Decerto, expressos por pessoas que, noutros tempos, se fartaram de a defender e elogiar.

Também me acusaram de esquecer que os homens eram igualmente censurados e castigados, no tempo do Estado Novo. Na verdade, já escrevi aqui, no Delito, e aqui, no meu blogue pessoal, sobre a repressão a que os opositores do regime estavam sujeitos, fossem homens ou mulheres.

Por outro lado, não costuma ser referenciado, pelos defensores das muçulmanas, que também os homens iranianos são espancados, presos, torturados e condenados à morte. E ninguém nos diz que também mulheres, que já sofreram às mãos desses ditadores, ou dos talibãs, renegassem a sua religião, caso lhes dessem oportunidade de viver em liberdade.

O pesadelo cubano

65 anos de ditadura comunista, sem pão nem liberdade

Pedro Correia, 15.10.24

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Leonardo Padura: «Mais de um milhão de cubanos abandonaram o país nos últimos anos»

 

Leonardo Padura é o maior escritor cubano contemporâneo. Vive exilado na sua própria terra. Não lhe fazem referências nos jornais, está impedido de aparecer na televisão, nenhum dos seus livros mais recentes foi sequer editado no país submetido há 65 anos a uma ditadura comunista.

O autor de Adiós HemingwayEl Hombre que Amaba a los Perros acaba de dar uma impressionante entrevista ao El Mundo em que confessa a sua amargura pelo cenário de estagnação e pobreza, moral e material, da sua Cuba natal, carente de pão e democracia. Onde as pessoas só podem votar de uma forma: com os pés. É isso que vão fazendo, em número crescente: êxodo em busca de liberdade.

Partilho convosco alguns dos excertos mais relevantes:

 

«Em Cuba falta comida e electricidade, mas acima de tudo falta esperança.»

«É doloroso saber que os meus livros podem ser encontrados nas livrarias de qualquer país de língua espanhola, menos no meu.»

«Vivemos a maior vaga migratória da história de Cuba. Nos últimos três ou quatro anos, só para os Estados Unidos, partiram mais de 800 mil cubanos. Somam-se aos que estão no México em fila de espera, aos que foram para Espanha - cerca de 200 mil -,  Brasil ou Uruguai... Mais de um milhão de cubanos, 10% da população, abandonaram a ilha.»

«Não é só a repressão política: também há repressão judicial. Por quebrar um vidro de uma loja, alguns [jovens] manifestantes foram condenados a dez anos de prisão. Ninguém sai à rua em protesto, sabendo que pode passar uma década atrás das grades.»

«Já ninguém acredita num ideal tornado obsoleto nem num futuro melhor.»

 

Palavras contundentes e desassombradas. Padura, com 69 anos recém-completados, arrisca - também ele - ser detido pelos esbirros da tirania instalada em 1959, ainda ele nem frequentava a escola primária. Porque em Cuba vigora o delito de opinião: não faltam ali prisioneiros de consciência. Há mais de mil nos cárceres castristas, 30 dos quais ainda menores.

Vale-lhe, em parte, ter dupla nacionalidade: em 2011, foi-lhe concedida a cidadania espanhola. Isto não lhe diminui a angústia de se ver cada vez mais isolado no bairro de Havana onde tem passado toda a vida. Porque - outra revelação ao El Mundo - agora não partem só os jovens: também muitos velhos vão virando costas à ilha, deixando-o mergulhado numa solidão que dói como ferida funda.

Como diria o anti-herói dos seus romances policiais, o detective Mario Conde, «desde o infantário até ao túmulo que nos vai calhar na rifa, escolheram tudo, sem nos perguntarem nunca nem de que doença gostaríamos de morrer.»

Após décadas de pesadelo que continua sem ter fim.

Os maus velhos tempos

Cristina Torrão, 10.10.24

"O automóvel arrancou. Subitamente, em pânico, percebeu que vinha na sua direcção, que a ideia era esmagá-la contra a parede (...) Teresa apressou o passo, quase a correr. Ouviu as portas do automóvel baterem, dois homens vieram na sua direcção, um outro ficou dentro do automóvel que se movia agora devagar, sempre na sua direcção. Os dois homens alcançaram-na. Deitaram-na ao chão. Teresa caiu de costas e eles ficaram em cima dela a espancá-la. Disseram-lhe: «Isto é para aprenderes a não escreveres como escreves» (...) Teresa sentiu que tinha a cabeça aberta atrás e à frente, havia sangue e um prenúncio de várias dores no corpo. Um vizinho do bairro começou a subir a rua, gritou, pensava que eram ladrões. Os dois homens aperceberam-se da sua presença e entraram no automóvel. O trabalho estava feito (...) Teresa foi para o Hospital de Santa Maria de táxi com o vizinho (...) Fez radiografias, levou uma série de pontos na cabeça. Tinha o corpo coberto de hematomas, as pernas e os braços com escoriações" (pp. 220/221).

Isto aconteceu em plena Lisboa, no ano de 1971. O que a poetisa em questão escrevia? Poemas eróticos.

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Quem deseja regressar aos tempos pré-revolução de Abril, bem pode ir para o Irão, ou o Afeganistão, ajudar os talibãs.

A bem da nação bolivariana

Pedro Correia, 30.07.24

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Nicolás Américo Thomaz Maduro venceu, por expressiva maioria, a eleição presidencial na Venezuela. Derrotando o candidato da oposição, o antipatriota Edmundo Humberto Delgado González, apoiado por forças estrangeiras que tudo fizeram para conspirar contra o Governo a pretexto do processo eleitoral. Ao ponto do venerando candidato da União Nacional Bolivariana ter alertado para o risco de haver «um banho de sangue» caso o povo votasse de forma errada.

Felizmente as forças armadas, funcionando como guarda pretoriana do regime que em 1999 instituiu um Estado Novo na Venezuela, asseguram a estabilidade institucional, conferidos já os resultados pela Comissão Nacional Eleitoral em estrita obediência às instruções do Governo que a tutela. As actas eleitorais estão salvaguardas em lugar recatado, longe dos olhares indiscretos das forças subversivas que tentam minar a revolução nacional, iniciada na madrugada libertadora de 28 de Maio pelo major-general Hugo Óscar Carmona Chávez, de saudosa memória. 

A bem da nação.

 

ADENDA:

Sua Excelência já recebeu calorosas congratulações de países e partidos amigos. Nomeadamente a República Popular da China, a República Islâmica do Irão, o Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, e o Partido Comunista Português.

Coragem

Pedro Correia, 02.03.24

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Milhares de pessoas desafiaram os esbirros armados em Moscovo para se despedirem ontem de Alexei Navalny, o mais desassombrado opositor do tirano russo, assassinado pelo "crime" de defender o respeito pelos direitos humanos e a instauração de um sistema democrático no seu país.

Sem surpresa, houve mais de 400 detenções: um gesto tão simples como depositar flores na campa de um morto ou em monumentos alusivos a figuras históricas habilita quem o faz a ser julgado por crime de lesa-pátria.

Mesmo cercados pela polícia de choque, estes bravos cidadãos prestaram homenagem ao homem sem medo, agora mártir da resistência. Oraram dentro e fora da igreja onde decorreu a cerimónia fúnebre, com os pais de Navalny na primeira fila. Muitos com olhos marejados, sem reprimirem as lágrimas. Parte deles em silêncio: as palavras, na Rússia, podem originar pesadas penas de prisão. Mesmo assim não faltou quem entoasse de forma bem audível frases contra o ditador e a agressão imposta por Putin à Ucrânia. «Não à guerra» foi o grito mais escutado.

No mundo contemporâneo, há quem sinta dificuldade em apontar exemplos concretos de coragem: parece coisa fora de moda. Pois coragem é precisamente isto.

Rússia: opositor assassinado é "dissidente"

Pedro Correia, 18.02.24

Na chamada "estação pública de televisão" oiço alguém introduzir o tema do homicídio de Alexei Navalny, vítima de sentença de morte extrajudicial decretada pelo ditador de Moscovo, chamando «dissidente» ao assassinado num presídio da Sibéria.

Voltamos à questão de sempre. Se alguém contesta uma ditadura de um determinado quadrante ideológico é denominado opositor. Mas se o mesmo ocorre numa ditadura de outro quadrante ideológico, não é opositor, mas "dissidente". Isto equivale a dizer que, nestes casos, a normalidade é a ditadura - aliás nunca assumida como tal. "Dissidência" é fuga à norma - penalizada, portanto, no discurso jornalístico corrente. Pelo menos no discurso que ouvi na RTP.

 

Como escrevi aqui, um democrata é um democrata - nunca um dissidente. E um opositor é um opositor, ponto final. 

Chamar «dissidente» a Navalny é injuriar a memória deste mártir da liberdade asfixiada na Rússia. É contemporizar com a tirania putinista, que nem permite à mãe de Navalny ter acesso ao corpo do filho - algo impensável até noutros regimes ditatoriais. Certamente com receio do que uma autópsia independente pudesse confirmar: o mais corajoso opositor de Putin foi mesmo assassinado, aos 47 anos.

Às ordens do senhor absoluto do Kremlin, herdeiro espiritual de Estaline. 

Pensamento da semana

Pedro Correia, 21.01.24

Não há ditaduras "de esquerda" nem "de direita". Há ditaduras, ponto final.

A ditadura "anti-americana" do Irão é de esquerda ou de direita? E a da Síria? E a da Bielorrússia? E a da Nicarágua? E a da Guiné Equatorial? O que menos importa são os rótulos, digam os activistas disto e daquilo o que disserem.

 

Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana

Liberdade sim, mas só para nós

Pedro Correia, 03.01.24

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Meio século depois do 25 de Abril, chegámos a isto: queremos a democracia para nós enquanto toleramos e até aplaudimos a implantação de ditaduras noutros quadrantes. Tenho pensado nisto enquanto escuto à minha volta várias vozes mostrando indiferença ou até uma discreta simpatia pelos regimes de Cabul e de Teerão, entre outros.

Ao ouvir isto concluo, uma vez mais, que pecamos por falta de apego à liberdade. Tenho a convicção de que muitos portugueses não se importariam de voltar a ver por cá um regime "musculado". Só isso explica a defesa que fazem, nas redes sociais, dos regimes autoritários ou ditatoriais implantados além-fronteiras.

 

O mais contraditório é que muitas das pessoas que emitem opiniões deste género estão sempre a enaltecer o "nosso" 25 de Abril. Enquanto negam que outros povos tenham o seu próprio 25 de Abril. Democracia aqui, tudo bem; ditadura noutros países, tudo bem também.

«Não me venham falar em direitos humanos», vou lendo e escutando demasiadas vezes. Frase que poderia ter sido proferida por Salazar, reeditada neste Portugal do século XXI. Como se a atracção pelos regimes de "pulso forte" estivesse inscrita no nosso código genético. E se calhar está mesmo.

Pensamento da semana

Pedro Correia, 26.11.23

Ditaduras são ditaduras, tiranos são tiranos. Distinguir uns e outros, à esquerda ou à direita, pela retórica que empregam ou pelo emblema que usam, não faz sentido: todos lesam o Estado de Direito. Liberdade e democracia, erigidas como valores universais, estão sempre acima das divergências ideológicas. Digam as cartilhas mais sectárias o que disserem. 

 

Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana

Pensamento da semana

Pedro Correia, 29.10.23

Alguns entram hoje em êxtase com o eixo Moscovo-Minsk-Teerão-Pequim-Pyongyang. Eu olho para Putin-Lukachenko-Khamenei-Xi-Kim e vejo Hitler-Mussolini-Al Husseini-Pétain-Tojo-Hirohito. Ao novo eixo, tal como acontecia com o outro, não faltam colaboracionistas. 

Estou na margem oposta. Detesto ditadores, desprezo tiranos, abomino genocidas.

 

Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana

Irão e China em luta pela liberdade

Pedro Correia, 05.12.22

«A palavra "revolucionário" só pode aplicar-se a revoluções cujo objectivo é a liberdade.»

Hannah Arendt

 

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Foi preciso morrerem pelo menos 500 pessoas - incluindo muitas crianças - nos protestos iniciados em 16 de Setembro no Irão devido à fúria repressora da ditadura teocrática que ali vigora desde 1979, para os aiatolás recuarem, atemorizados pela imparável vaga de manifestações populares. O regime de Teerão acaba de anunciar a dissolução da sinistra "polícia da moralidade" que perseguia, torturava e matava mulheres só por não cobrirem todo o cabelo com o véu islâmico. É o princípio do fim da tirania, graças à imensa coragem cívica de largos milhares de jovens que correm o risco de ser condenados à morte pelo simples facto de reclamarem direitos, liberdades e garantias considerados banais em diversas outras parcelas do globo - incluindo, felizmente, em Portugal.

 

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Também em Pequim a ditadura está em recuo. Pressionada igualmente por gigantescos protestos em várias cidades e vilas do país. Da parte de gente que vai perdendo o medo e ousa desafiar os mecanismos de repressão do estado policial chinês, controlado desde 1949 em monopólio absoluto pelo Partido Comunista. Destituídos dos mais básicos direitos, incluindo o direito de sair de casa e de circular na rua a pretexto de um "controlo sanitário" que dura há quase dois anos, os chineses atrevem-se a dizer "basta". Muitos já exigem não apenas o fim das restrições impostas a pretexto do combate ao covid-19 mas a demissão do líder supremo, Xi Jinping. Acossado pelos protestos, o regime começou a suavizar as normas sanitárias. Enquanto a proscrita palavra "liberdade" vai ecoando cada vez com mais força em praças e avenidas por multidões de jovens

Onde estão as feministas?

Pedro Correia, 18.10.22

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Fez anteontem um mês que Mahsa Amani, jovem curda 22 anos, foi morta num estabelecimento prisional iraniano. Havia sido detida pela imoral Polícia da Moralidade, acusada de um enorme pecado: não tinha o véu a cobrir-lhe parte do cabelo.

É assim que as mulheres são tratadas no Irão dos nossos dias. Como se ali vivessem mergulhadas nas trevas medievais. 

Mahsa não foi a primeira, nem a décima, nem a centésima vítima da repressão do totalitarismo islâmico que vigora em Teerão desde 1979, com a complacência de muitas bempensâncias do Ocidente. O simples facto de os trogloditas iranianos serem anti-americanos primários é quanto basta para lhes merecer simpatias junto de círculos académicos e jornalísticos na Europa Ocidental - incluindo Portugal

 

Acontece que aquele cobarde homicídio funcionou como um rastilho de revolta que se revela torrencial.

Qual a diferença desta vez? Vem resumida num excelente título da BBC: «As gerações mais jovens estão a iniciar uma revolução.»

Sem temor reverencial face aos aiatolás barbudos que odeiam as mulheres

 

Os esbirros do regime pensaram que tudo se resolveria como sempre: com repressão impiedosa contra quem se atreveu a reclamar nas ruas. Enganaram-se: os protestos alastraram a todas as províncias do Irão. O simples facto de uma mulher ousar tirar o véu que os clérigos lhe impõem a todo o momento no espaço público já é uma forma de dizer não.

Como escreveu o Guardian, algo nunca visto estava a concretizar-se: iranianos de várias idades e condições sociais começaram a arriscar tudo pelos protestos.

Os gritos de revolta inicial contra a brutal teocracia misógina transformaram-se num imparável coro contra a tirania. Em vaga espontânea e crescente, provocando amplos movimentos grevistas nas indústrias de extracção de petróleo e gás natural, fundamentais para o regime. Sem medo. Apesar da impiedosa reacção da camarilha que ocupa sem legitimidade o poder em Teerão há 43 anos. E que já provocou pelo menos duzentas vítimas mortais - incluindo 23 menores.

 

Enquanto isto acontece, e suscita manchetes em todo o mundo, surpreendo-me com o silêncio cúmplice de tantas vozes em Portugal.

Onde estão as nossas feministas?

Por que motivo tantas mulheres com acesso às tribunas de opinião nos espaços mediáticos portugueses, designadamente nos jornais e nas televisões, ainda não esboçaram sequer um sussurro de protesto contra a vaga repressiva que se abate sobre as principais vítimas da violência governamental no Irão, que são mulheres também?

Algo vergonhoso - e que as desacredita para sempre. Até para as indignações selectivas devia haver limites, mas pelos vistos não há.

Quando a inteligência fica burra

Pedro Correia, 17.10.22

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"Guardas Vermelhos" com o Livro de Citações do Presidente Mao (Pequim, 1966)

 

A chamada inteligentzia torna-se burra quando se põe ao serviço de tiranias, ensaiando a «fuga da razão», como lhe chamava Paul Johnson.

É uma burrice perigosa porque vem manchada de sangue. Os maiores déspotas – Hitler, Estaline, Mussolini, Mao, Pol Pot – sempre tiveram legiões de intelectuais a justificá-los e a louvá-los.

Liberdade sim, mas só para nós

Pedro Correia, 31.08.21

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Quarenta e sete anos depois do 25 de Abril, chegámos a isto: queremos a democracia para nós enquanto toleramos e até aplaudimos a implantação de ditaduras noutros quadrantes. Tenho pensado nisto enquanto escuto à minha volta várias vozes mostrando indiferença ou até um discreto regozijo pela queda do regime de Cabul, substituído pela sinistra turba talibã.

Ao ouvir isto concluo, uma vez mais, que pecamos por falta de apego à liberdade. Tenho a convicção de que muitos portugueses não se importariam de voltar a ver por cá um regime "musculado". Só isso explica a defesa que fazem, nas redes sociais, dos regimes autoritários ou ditatoriais implantados além-fronteiras.

O mais contraditório é que muitas das pessoas que emitem opiniões deste género estão sempre a enaltecer o "nosso" 25 de Abril. Enquanto negam que outros povos tenham o seu próprio 25 de Abril. Democracia aqui, tudo bem; ditadura noutros países, tudo bem também.

«Não me venham falar em direitos humanos», vou lendo e escutando demasiadas vezes. Frase que poderia ter sido proferida por Salazar, reeditada neste Portugal do século XXI. Como se a atracção pelos regimes de "pulso forte" estivesse inscrita no nosso código genético. E se calhar está mesmo.

Mau demais

Paulo Sousa, 05.07.21

Vivemos tempos de espíritos agitados. Costuma dizer-se que é nas horas difíceis que se conhecem as pessoas e o mesmo se pode aplicar ao Estado, não fosse ele uma expressão do colectivo.

Bem sabemos que somos governados por gente que, à excepção de uns poucos, procura protagonismo e benefícios próprios. A selecção que fazemos no acesso aos lugares de responsabilidade não se baseia na competência nem na capacidade de decidir bem nas horas difíceis. Por isso demasiados deles, que nem para tempos das vacas gordas serviriam, andam agora em roda livre. Isto, não é válido apenas para os nossos governantes, pois em representação das instituições estão também pessoas com uma noção distorcida da autoridade.

No passado dia 18 de Junho, cumprindo uma ordem do Tribunal, a GNR retirou de sua casa uma criança de 12 anos. Sob ameaça de arrombamento, a mãe foi forçada a abrir a porta à polícia. A criança foi levada assim, à força, e entregue à sua avó paterna. O motivo de tudo isto prende-se com a recusa da menor em usar máscara na escola, alegando não se ter conseguido adaptar a ela e argumentando problemas de saúde. Perante isso, a mãe solicitou sem sucesso o ensino doméstico. Não entendi se a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens acompanhou o processo, nem se deveria pronunciar-se, mas a decisão foi soberana e foi exemplarmente cumprida.

Isto aconteceu no país em que a Valentina, mesmo estando sinalizada como criança de risco, acabou por ser assassinada. Desta vez, a prontidão e o afinco com que esta desumanidade foi perpetrada, teve como justificação o combate à pandemia.

O assunto teria merecido um acompanhamento mediático que não teve, e também por isso, esta brutalidade própria das ditaduras deve ficar registada na nossa memória para que um dia olhemos para trás e nos recordemos do sobressalto que é viver num país com instituições sem a noção da proporcionalidade.