Fez anteontem um mês que Mahsa Amani, jovem curda 22 anos, foi morta num estabelecimento prisional iraniano. Havia sido detida pela imoral Polícia da Moralidade, acusada de um enorme pecado: não tinha o véu a cobrir-lhe parte do cabelo.
É assim que as mulheres são tratadas no Irão dos nossos dias. Como se ali vivessem mergulhadas nas trevas medievais.
Mahsa não foi a primeira, nem a décima, nem a centésima vítima da repressão do totalitarismo islâmico que vigora em Teerão desde 1979, com a complacência de muitas bempensâncias do Ocidente. O simples facto de os trogloditas iranianos serem anti-americanos primários é quanto basta para lhes merecer simpatias junto de círculos académicos e jornalísticos na Europa Ocidental - incluindo Portugal
Acontece que aquele cobarde homicídio funcionou como um rastilho de revolta que se revela torrencial.
Qual a diferença desta vez? Vem resumida num excelente título da BBC: «As gerações mais jovens estão a iniciar uma revolução.»
Sem temor reverencial face aos aiatolás barbudos que odeiam as mulheres.
Os esbirros do regime pensaram que tudo se resolveria como sempre: com repressão impiedosa contra quem se atreveu a reclamar nas ruas. Enganaram-se: os protestos alastraram a todas as províncias do Irão. O simples facto de uma mulher ousar tirar o véu que os clérigos lhe impõem a todo o momento no espaço público já é uma forma de dizer não.
Como escreveu o Guardian, algo nunca visto estava a concretizar-se: iranianos de várias idades e condições sociais começaram a arriscar tudo pelos protestos.
Os gritos de revolta inicial contra a brutal teocracia misógina transformaram-se num imparável coro contra a tirania. Em vaga espontânea e crescente, provocando amplos movimentos grevistas nas indústrias de extracção de petróleo e gás natural, fundamentais para o regime. Sem medo. Apesar da impiedosa reacção da camarilha que ocupa sem legitimidade o poder em Teerão há 43 anos. E que já provocou pelo menos duzentas vítimas mortais - incluindo 23 menores.
Enquanto isto acontece, e suscita manchetes em todo o mundo, surpreendo-me com o silêncio cúmplice de tantas vozes em Portugal.
Onde estão as nossas feministas?
Por que motivo tantas mulheres com acesso às tribunas de opinião nos espaços mediáticos portugueses, designadamente nos jornais e nas televisões, ainda não esboçaram sequer um sussurro de protesto contra a vaga repressiva que se abate sobre as principais vítimas da violência governamental no Irão, que são mulheres também?
Algo vergonhoso - e que as desacredita para sempre. Até para as indignações selectivas devia haver limites, mas pelos vistos não há.