Toma lá disto
Hoje é dia de doarmos seja o que for ao primeiro brasileiro que encontrarmos por aí, a título de «reparação colonial», como pretende o Presidente da República. Darei o meu contributo. Qualquer moedinha de um cêntimo serve.
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Hoje é dia de doarmos seja o que for ao primeiro brasileiro que encontrarmos por aí, a título de «reparação colonial», como pretende o Presidente da República. Darei o meu contributo. Qualquer moedinha de um cêntimo serve.
Vale a pena recordar o que o alegado mago da economia Nouriel Roubini vaticinou a propósito da crise financeira europeia (2008-2012) em geral e Portugal em particular:
O pior da crise já está para trás: recessão acaba este ano.
Uma "tempestade perfeita" pode afectar a economia mundial a partir de 2013. (...) Dívidas da Grécia, da Irlanda e de Portugal precisam de ser reestruturadas o mais rápido possível. Adiar essa decisão pode resultar num processo de default mais desordenado.
A zona euro encaminha-se para uma ruptura, com a saída dos membros mais fracos, incluindo Portugal, com a actual abordagem à crise.
Portugal e Grécia são os países da zona euro com maior probabilidade de abandonar a moeda única, podendo fazê-lo num horizonte de três a cinco anos.
A zona euro é uma fonte de risco sistémico. Se existir uma situação de desordem na zona euro, será pior que o Lehman Brothers.
A Grécia sairá da zona euro, talvez no início de 2013. Portugal também pode abandonar a moeda única.
Hipóteses de Portugal e Grécia saírem do euro é de 85%
Zona euro vai desmoronar-se dentro de seis meses
Se o Tribunal Constitucional chumbar mais medidas no corte da despesa em Portugal, um segundo resgate pode ser inevitável.
A dívida de Portugal precisará de uma reestruturação. A situação de Espanha é insustentável.
Gravura: "quadradinho" do álbum Le Devin, de Astérix (Uderzo/Goscinny)
O ano, para o Expresso, tem onze meses. Dezembro não conta.
Fiquei a saber, lendo o excelente blogue de Maria do Rosário Pedreira, que alguma luminária com assento no Instituto Camões decidiu carimbar com o rótulo palavras mortas «todas aquelas que não tenham sido utilizadas nos últimos três anos».
Não imagino como os burocratas desse instituto irão averiguar tal coisa. Sei, isso sim, que o tal organismo existe para preservar e valorizar a língua portuguesa, não para emitir certidões de óbito às palavras do nosso idioma. Se tivesse competência para tal, aliás, o Instituto Camões começaria por decretar «mortas» centenas de palavras impressas na obra maior do poeta que lhe dá nome. Palavras como ditosa [pátria], ínclita [geração], infidas [gentes], benignidade [real], avena [agreste], valerosos [feitos], procelosa [tempestade], fermosas [Ninfas], terríbil [Albuquerque].
Nem é necessário recuar tanto no tempo. No próprio século XX, muitas páginas escritas por Aquilino Ribeiro, Vitorino Nemésio, Tomaz de Figueiredo, Agustina Bessa-Luís e outros escritores estarão pejadas de «palavras mortas» à luz do tal critério daqueles anónimos burocratas.
«A redução de vocabulário nos últimos anos tem sido dramática. Não apenas do vocabulário culto que, não há muito tempo, faria parte do dia-a-dia numa família medianamente instruída. Mas daquele que transportava uma tradição ancestral», alertou-nos Mário de Carvalho no seu luminoso manual de escrita intitulado Quem Disser o Contrário é Porque Tem Razão.
Maria do Rosário Pedreira dá exemplos de vocábulos que, segundo o mesmo padrão, já podem ser considerados letra morta: flausina, mastragança, bazulaque, amásia, lambisgóia. Aguarda-as o tal carimbo? Se isso acontecer, outros irão merecer extrema unção a um ritmo cada vez mais acelerado, como a escritora antecipa aqui. E não apenas palavras: também expressões idiomáticas.
De purga em purga, de depuração em depuração - até toda a riqueza semântica do nosso idioma, alicerçada num lastro de muitos séculos, se dissolver no básico linguajar de cafres que já polui o quotidiano, começando pelo das televisões e dos jornais. Que geram títulos como estes, encontrados na imprensa de hoje: «O dark side do Porto, anos 90»; «Sítio abre cowork em Aveiro»; «Como escapar ao burnout?»; «Traficantes go fast condenados por associação criminosa»; «58% dos trabalhadores remotos sentem-se engaged.».
Parecemos condenados, em grau crescente, a balbuciar e rabiscar broken english: talvez isto mereça medalha do Instituto Camões.
P. S. - Sugiro aos leitores que escrevam aqui palavras raras, de que gostem, evitando assim que lhes seja emitida certidão de óbito.
Quando já pensávamos ter visto quase tudo em matéria de imbecilidades, eis mais uma, parida no país que acaba de sagrar-se campeão europeu de futebol: a partir da temporada 2022/2023 os equipamentos verdes serão proibidos nos estádios italianos para satisfazer as queixas dos operadores televisivos que alegam dificuldade em distinguir entre a cor das camisolas e o relvado.
Proibir o verde: eis o sonho totalitário de muita gente também por cá. Em matéria de direitos e liberdades, vamos de restrição em restrição enquanto meio mundo bate palminhas.
Uma carreira nas forças da ordem, nas forças armadas, como segurança, ter-me-á passado ao lado?
Para estas profissões com componente física tive sempre mais queda do que jeito, por isso nunca acalentei a ideia de poder aspirar a ser um John MacClane, ou quem sabe um John Matrix ou até mesmo um Larry Daley.
Por isso, e também porque no meu singelo parecer a máxima de Plautus, apesar de muito acertada, não pode ser dogma, fora do âmbito que a minha profissão e o meu cargo requerem, não é de todo pacífico nem coadunante com a minha maneira de ser e de estar, exercer funções de polícia do povo.
É certo que cumprir e fazer cumprir a lei faz parte da ética de todo o indíviduo que se rege pelas regras democráticas de um estado de direito, mas no pó dos dias desta emergência calamitosa poderá mesmo valer tudo?
Arremessados de encontro à mole ululante, munidos de um telemóvel com uma aplicação do governo português, com um quase inaudível "thou shall not pass", lá vamos nós quase que em slow motion salvar o mundo.
Seria bastante giro até, se não fosse o ridículo disto tudo.
Mais um.
«Só vou [a Sevilha] se o morador comum em Lisboa puder ir. Se não puder ir, não vou.»
Marcelo Rebelo de Sousa, ontem, em Guimarães
«Bom fim de semana a todos. Os que puderem, em Sevilha, claro.»
Ferro Rodrigues, hoje, no Parlamento
Presidência da República, nota à imprensa hoje distribuída
«Eu vou ver o jogo em casa, em Lisboa.»
António Costa, hoje, em Bruxelas
Segunda, 10 de Maio (manhã)
155 imigrantes impedidos de atravessar a cerca sanitária nas freguesias de São Teotónio e Longueira-Almograve para trabalhar em Odemira. Dezenas destes trabalhadores chegaram a fazer testes rápidos à Covid-19, na berma da estrada, com a GNR a assistir. Mesmo assim, foram impedidos de avançar pela burocracia estatal: faltava cumprir uma alínea do despacho n.º4697-A, de 2021, do ministro da Administração Interna e da ministra da Saúde - em vigor desde o dia 8 - que obriga as entidades empregadoras a comunicar a lista de trabalhadores à Direcção Regional da Agricultura do Alentejo, que por sua vez deve remetê-la GNR... que já estava no local. Pormenor fundamental: sem trabalhar, estes imigrantes não recebem salário.
Segunda, dia 10 (tarde)
O presidente da Câmara Municipal de Odemira e os presidentes das duas juntas sob cerca sanitária contestam todo este processo, considerando-o absurdo. José Alberto Guerreiro exige o «fim imediato» daquela cerca. Lembrando que aquele concelho é o mais testado do País e está hoje abaixo dos 240 casos por cem mil habitantes.
Terça, dia 11
O primeiro-ministro reúne um "Conselho de Ministros electrónico" e altera a agenda oficial ao início da tarde para se deslocar a Odemira, onde anuncia o fim da cerca sanitária naquelas freguesias. As restrições à circulação no concelho são levantadas a partir da meia-noite.
No Público: Governo exige teste para sair de Longueira-Almograve, mas a farmácia está noutra freguesia. Se fosse um sketch do Herman ou do Gato Fedorento, o diálogo entre o morador do Almograve e o GNR no cruzamento da Longueira seria algo assim:
- Posso sair da freguesia?
- Pode, com um teste negativo.
- E onde posso fazer um teste?
- Numa farmácia.
- Mas o Almograve não tem farmácia. Posso sair para ir à farmácia de Milfontes fazer o teste?
- Não, não pode sair do Almograve sem um teste negativo.
- Mas então não posso sair da freguesia.
- Com um teste negativo pode.
- Mas se só posso fazer o teste na freguesia vizinha...
- Isso já não é problema meu. Olhe, pergunte ao Cabrita.
(Teste negativo, e não positivo, claro - obrigado à leitora Bea pelo reparo!)
Desde Março de 2020, estivemos cerca de seis meses submetidos a "estado de emergência" - algo inédito em Portugal fora de situações de guerra, impondo drásticas restrições aos direitos, liberdades e garantias consagrados no texto constitucional de 1976.
Sempre em nome do combate à pandemia. Desde o tempo em que ninguém podia comparecer "mascarado" à sala de sessões do Parlamento por ordem expressa de Ferro Rodrigues, em que havia municípios a regar as ruas com desinfectante para afugentar o vírus e em que a directora-geral de Saúde, com manifesto receio, abria garrafas de água munida de lenços de papel nas conferência de imprensa em que comparecia a um metro da ministra, estando ambas sem máscara.
Houve decisões acertadas, outras erradas e muitas absurdas. Ou simplesmente ridículas.
Para mim, nenhuma tão disparatada como aquela que proibia alguém de sentar-se num mero banco de jardim. O mesmo Governo e as mesmas autarquias que nos impunham o dever coercivo de permanência entre quatro paredes domésticas, indiferentes aos brutais custos em saúde mental de tais medidas, interditavam-nos algo tão inócuo como permanecer uns minutos num banco, isoladamente, em repouso ou contemplação da paisagem.
Entre as boas notícias que o tímido "desconfinamento" de ontem nos trouxe, destaco esta: Suas Excelências devolveram o exercício da cidadania aos bancos de jardim, deixando de considerá-los infectos, potenciais transmissores de vírus. Aquelas fitinhas que pretendiam selá-los, como se fossem cenários de crime, podem ser rasgadas.
Falta saber se permanecem noutros locais, públicos ou privados, como este que a imagem de baixo documenta. Esperemos por novas mensagens de Suas Excelências para ficarmos esclarecidos.
Nunca percebi o que simboliza no alto do Parque Eduardo VII aquela pedrinha fálica lá implantada há mais de 20 anos. Sem volumetria para aquele espaço, em óbvia colisão com o enquadramento paisagístico, dando a sensação de que aterrou no local por erro no endereço: garantem-me que estava destinada não a um jardim de Lisboa mas das Caldas da Rainha.
Já que ali se encontra, convém dar um significado à coisa. Inspirado pela verve de um parlamentar socialista, que anda por aí num frenesim a exigir o camartelo para o belo Padrão dos Descobrimentos concebido em 1940 pelo arquitecto Cottinelli Telmo e pelo escultor Leopoldo de Almeida, eu - que milito na facção oposta à dele, contrária à demolição de monumentos - proponho que o "pirilau" do Parque passe a homenagear o Deputado Desconhecido.
Como a imagem mostra, com ejaculação incluída. O tal parlamentar ainda agradece. Eis algo que talvez não lhe agrade derrubar.
Devolver Lisboa aos mouros e o Porto aos suevos: em suma, «descolonizar Portugal.»
Aí está uma medida bem radical para o partido Livre apresentar quando voltar a ter um deputado na Assembleia da República.
Já havia os directos de horas intermináveis sobre autocarros a caminho dos estádios.
Agora regista-se uma inovação nos noticiários televisivos: directos, dia após dia, sobre estações de abastecimento de combustível onde não se vê ninguém, excepto a desgraçada da jornalista (são quase sempre mulheres) a preencher tempo de antena sem novidade alguma: «Aqui regista-se perfeita normalidade»; «Todos os postos que visitámos tinham muito poucas viaturas»; «A tarde tem estado muito tranquila»; «Não há filas em lugar nenhum»; «Encontrámos muitos postos vazios não por falta de combustível mas por falta de clientes.»
Um imenso bocejo. Em perfeito contraste com o alarmismo dos ministros que andaram uma semana inteira a entrar-nos em casa a falar como se o País estivesse em estado de sítio e fosse necessário mobilizar as tropas especiais para travar uma agressão de um país estrangeiro ou uma invasão de marcianos.
Com momentos que me fizeram lembrar a guerra do Solnado. Deixo-a ali mais em cima para quem não sabe ou já não se lembra.
A lógica é admirável: se os cidadãos não forem para as filas dos serviços públicos, não há filas nos serviços públicos. Dito de outro modo: os serviços públicos funcionam globalmente bem se não forem utilizados. É o princípio do SIRESP (o serviço de comunicações de emergência que funciona sempre bem desde que não haja emergências) aplicado às lojas do cidadão e às repartições de registo civil. Nem sei por que motivo há-de o Governo ficar por aqui. Aguardo que o Secretário de Estado das Infraestruturas diga que a culpa dos problemas dos transportes é dos utentes, que os utilizam; ou que o Secretário de Estado da Saúde venha a público defender que os problemas actuais do SNS não se devem às cativações ou à simples irresponsabilidade do Governo, mas sim aos utentes, que teimam em adoecer, em frequentar hospitais e, maçada das maçadas, em agendar cirurgias. Como se não tivessem nada melhor para fazer.
(como é bom de ver, a culpa da falta de obstetras durante o Verão nos hospitais de Lisboa, mas também nos de Beja e de Portimão - a província não faz muitas manchetes - não se deve a nenhuma falha do Ministério da Saúde, mas sim a todas as mulheres que, malvadas, ousaram engravidar algures entre Novembro e Dezembro do ano passado)
Daqui até à filosofia vai um passo de bebé, desde que o bebé nasça no Outono ou na Primavera: se um serviço público abrir e ninguém estiver lá para tratar de alguma coisa, ela faz algum som? Julgo que o exercício funcionava melhor com a árvore e a floresta, mas essas, enfim, arderam em 2017 (e, lá está: se não fosse as árvores...). Fiquemos então com as repartições públicas, exemplo de imaterialismo que julgo não ter ocorrido a Berkeley.
Mais admirável do que a lógica só mesmo o descaramento. Mas esse será tudo menos imaterial.
Rui Rio, como se não tivesse já adversários em número suficiente, decidiu abrir mais uma frente de batalha. Mas ainda não foi desta vez que começou a alvejar o Governo: preferiu atirar-se ao Presidente da República, considerando que Marcelo Rebelo de Sousa faz uma análise «muito optimista um bocadinho superficial» da cena política portuguesa.
«Temos uma crise efectiva de regime, com um descrédito muito grande de todo o sistema partidário», disse hoje Rio aos jornalistas. Falava como se não fizesse parte do sistema partidário e não fosse ele próprio líder de um partido desde Janeiro de 2018. Falava como se não andasse há quase 40 anos na política portuguesa - como vice-presidente da JSD, deputado social-democrata, vice-presidente do grupo parlamentar, secretário-geral do PSD, presidente da Câmara do Porto eleito pelo partido laranja e presidente da Junta Metropolitana do Porto antes de assumir as actuais funções.
Foi preciso ter conduzido o partido à mais estrondosa derrota eleitoral de sempre para se alarmar com a «crisa efectiva de regime». Cabe perguntar se falaria assim caso o PSD não tivesse ficado 11,5 pontos percentuais atrás do PS nas eleições que ocorreram faz hoje oito dias.
Há livros que são editados com os pés, para usar uma expressão da gíria jornalística. Abrimos um exemplar e logo na contracapa ou numa badana deparamos com um erro grosseiro, gerado por ignorância ou incompetência - daqueles que nos levam de imediato a pôr aquilo de parte.
Por vezes o disparate surge não na casca, mas já no miolo, no espaço reservado à apresentação ou prefácio. Aconteceu-me há dias, com um exemplar de uma destas editoras que pretendem difundir "coisas giras" e "fora da caixa". Bastou-me ir à primeira página impressa para deparar com isto: como se não bastasse o impiedoso extermínio das impropriamente chamadas "consoantes mudas", o tiro à letra é tão obsessivo que leva estes mabecos a mutilarem até palavras como "actual", aqui mascarada de "acual". Deve ser idioma de pato: língua portuguesa não é, seguramente.
Fechei o livro e ele lá ficou, a gozar um merecido repouso. Faço votos para que seja perpétuo.
Acabo de ouvir a Filomena Cautela dizer "por amor de Deus" no 5 para a Meia Noite, da RTP. Ainda antes da meia-noite, o que torna a coisa mais grave. Àquela hora estavam certamente criancinhas a ouvir. E as criancinhas devem ser poupadas a expressões eventualmente traumáticas como esta.
Bem sei que o programa tem bolinha no canto superior direito do ecrã. Mesmo assim, trata-se de algo inaceitável num Estado laico. Expressões de conteúdo teológico deviam ser rigorosamente interditas no canal público. Que esperam o Conselho de Administração, o Conselho de Opinião e o Conselho Geral Independente da RTP para aprovarem um Index Verbis Prohibitorum que possa prevenir tais despautérios?
Lisboa, 24 de Julho:
Lisboa, 25 de Julho:
A que propósito é que o chamado "núcleo de deputados sportinguistas na Assembleia da República" recebe com pompa o presidente destituído do Sporting Clube de Portugal, no Palácio de São Bento, dando-lhe um crédito que ele não justifica nem merece? Será que os senhores legisladores não têm mesmo mais nada para fazer?
Segundo o Teorema do Macaco Infinito, um número infinito de macacos teclando aleatoriamente num número infinito de máquinas de escrever por um tempo infinito, produzirá mais tarde ou mais cedo um texto igual ao de uma obra de Shakespeare. Em Portugal, um país onde a macacada parece não ter fim, puseram o teclado de um computador nas mãos de Fernando Madureira, líder da claque do FCPorto. O Macaco, alcunha ternurenta por que é conhecido no meio, não conseguiu produzir um texto organizado. Mas engendrou um trabalho de mestrado classificado com 17 valores (em 20) no ISMAI. Conclusões? As que se podem ler abaixo. Não são necessárias quaisquer considerações adicionais.