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Delito de Opinião

«Something is rotten in the state of Denmark»*

Cristina Torrão, 10.11.19

Quando se fala na compra da Gronelândia, por parte dos EUA, costumo rir-me, na convicção de que a Dinamarca nunca o irá permitir. Há dias, porém, vi um documentário televisivo num canal alemão que me transformou esse riso num sorriso amarelo.

A Dinamarca, um país que se considera civilizado, tem mais em comum com os EUA de Trump do que o que se poderia pensar. Perante os olhares perplexos dos cidadãos dinamarqueses e alemães, o país escandinavo constrói, desde o Verão, uma cerca de metal ao longo de toda a fronteira que separa os dois países.

Fronteira Dinamarca Alemanha.PNG

Imagem daqui

A fronteira entre a Alemanha e a Dinamarca tem uma extensão de apenas 70 km, uma estreita faixa de terra entre os Mares do Norte e Báltico. Com o pretexto de se protegerem da peste suína africana, os dinamarqueses procedem à construção de uma cerca de metal com 1,50 m de altura, obra orçada em 10 milhões de euros. Apenas as estradas com postos fronteiriços serão poupadas. O motivo alegado é recearem que os javalis vindos da Alemanha possam levar consigo o vírus da peste suína africana, apesar de a doença não existir no país da Sra. Merkel. Os dinamarqueses, porém, alegam que, no ano passado, a peste suína africana foi detectada na Bélgica, a apenas 60 km da fronteira alemã. E, pelos vistos, acham que mais vale prevenir do que remediar.

Fronteira Dinamarca homem com cão.jpg

Imagem daqui

A população local, tanto de um lado, como do outro, está perplexa e descontente. Afinal, estamos a falar da fronteira entre dois países da Comunidade Europeia. Além disso, no Norte da Alemanha vivem muitos dinamarqueses, assim como é numerosa a comunidade alemã no Sul da Dinamarca. A cerca está a ser construída em plena natureza, em locais por onde as pessoas passeavam livremente, sem se preocuparem em que país estavam. Principalmente os alemães, que festejam, nesta altura, os trinta anos da queda do muro de Berlim, mostram-se muito desiludidos.

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Imagem daqui

Muita gente duvida da razão apresentada pelos dinamarqueses. Também o Ministro da Agricultura e do Ambiente do Schleswig-Holstein (o Land alemão que faz fronteira com a Dinamarca) põe em causa o sentido e a necessidade da construção da cerca. Afinal, serão as próprias pessoas, não os javalis, quem mais contribui para a disseminação da peste suína africana, nomeadamente, através do transporte de animais e de rações e de excursões de caça, sem se verificarem medidas de higiene e segurança. Por isso, se desconfia que a Dinamarca pretende proteger-se de outros “perigos”. É sabido, por exemplo, que, desde 2015, entraram quase dois milhões de refugiados e migrantes na Alemanha. Ou tratar-se-á de outro motivo, desconhecido de todos (menos do governo dinamarquês, claro)? A falta de transparência é incompreensível e está aberta a especulação.

Fronteira Dinamarca voleibol.jpg

Imagem daqui

Os jovens dos dois países têm protestado pacificamente, por exemplo, usando a cerca como rede de voleibol, onde a bola é jogada de um país para o outro, ou enfeitando a cerca com artefactos coloridos. Mas a sua construção continua. E eu começo a acreditar que não será assim tão difícil o governo dinamarquês entrar em acordo com o Trump...

 

*In Hamlet, William Shakespeare

A Saga da Gronelândia (reescrita)

Cristina Torrão, 21.08.19

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Pintura de Carl Rasmussen

Apesar de ter governo próprio, a Gronelândia pertence à coroa dinamarquesa. A Dinamarca é um país pequeno, mas dos mais ricos do mundo, com uma qualidade de vida de causar inveja. A rainha da Dinamarca, pessoa civilizada e simpática, convidou o Presidente Trump para uma visita oficial ao seu reino. O convite foi aceite. Porém, pouco tempo antes de se iniciar a visita, agendada para o início de Setembro, Trump não resistiu a dar um ar da sua graça e, como não quer a coisa, postou, no Twitter, que gostaria de comprar a Gronelândia, um ponto estratégico que daria muito jeito aos Estados Unidos.

Depois de um momento de perplexidade, o governo dinamarquês considerou tratar-se de uma brincadeira. Nessa atmosfera jocosa, o Presidente Trump, novamente via Twitter, anunciou que prometia não construir uma Trump Tower na Gronelândia, quando a ilha lhe pertencesse. A Primeira-Ministra da Dinamarca, Mette Frederiksen, resolveu então comunicar que a venda da Gronelândia estava fora de questão e que não valia a pena sequer discutir o assunto, durante a visita. Trump agradeceu a resposta directa, dizendo que a chefe do governo dinamarquês tinha poupado trabalho a todos. Poucas horas mais tarde, um porta-voz da Casa Branca comunicou ao governo da Dinamarca que a visita fora cancelada.

A porta-voz da Casa Real foi discreta, disse que era uma grande surpresa, mas que mais nada tinha a dizer. Já os chefes dos partidos da oposição manifestaram o seu desagrado e a sua indignação. Morten Ostergaard, do Partido Social Liberal, disse mesmo: «a realidade supera a ficção - este homem é imprevisível», outros consideraram uma grande ofensa em relação ao povo dinamarquês e da Gronelândia o cancelamento de uma visita oficial, quase em cima da hora. Mesmo o chefe do Partido Populista de Direita, que se diria ser mais chegado a Trump, usou a palavra “farsa”, para classificar todo este absurdo.*

O executivo dinamarquês anunciou uma tomada de posição ainda para esta tarde, mas, até ao momento, não me é conhecida, pelo que se adivinha um segundo volume desta saga.

 

* O link é em alemão, pois foi lá que reuni estas informações. Para quem queira ler mais sobre o assunto, é só ir ao Google, que encontra muitos artigos escritos em português.

Notas políticas (11)

Pedro Correia, 18.02.16

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Imagem da série televisiva Borgen

 

Lembram-se das opiniões que despontaram em Novembro como cogumelos? De repente a Dinamarca era apontada como modelo virtuoso a seguir. Motivo: ali vigora um governo liderado por um partido que não foi o mais votado nas legislativas e o "espírito de pacto" - bem visível na série televisiva Borgen, que de repente todos parecem ter acompanhado em Portugal - era então enaltecido e considerado fundamental para que um político como António Costa ascendesse ao poder por cá, embora sem ter recolhido sequer um terço dos votos expressos no escrutínio de 4 de Outubro.

Que esse modelo fomentasse o radicalismo identitário das forças minoritárias e desvirtuasse a regra número um da democracia - que manda confiar o exercício do poder aos mais votados e não aos que recolhem menos votos - era um pormenor de somenos para os arautos de tal tese, vigente apenas em quatro dos 28 Estados da União Europeia (os outros são a Bélgica, a Letónia e o Luxemburgo.) Que esse modelo assente essencialmente em coligações e não em gabinetes minoritários como aquele que se formou em Portugal era outro irrelevante detalhe.

Esta sinfonia de elogios à Dinamarca ocorreu há três meses - tempo que em política é uma eternidade. Hoje os mesmos que tanto enalteciam aquele país como fonte inspiradora são os primeiros a dirigir críticas ao Executivo de Copenhaga pelas suas leis de exclusão dos imigrantes ditadas pelo mais persecutório espírito xenófobo. De repente, já com Costa instalado em São Bento, a Dinamarca passou de virtuosa a viciosa. Na boca e na pena dos mesmos que tantos adjectivos derramaram em louvor do sistema político da monarquia nórdica.

Presumo que alguns, como protesto, tenham deixado de seguir a série Borgen até ao fim.

Protocolo

Sérgio de Almeida Correia, 12.12.13

As imagens têm corrido mundo.

São ambos relativamente jovens, intelectualmente interessantes, e, cada um à sua escala, poderosos. Ela tem, para um homem, a vantagem de ser elegante. Diria mesmo bonita, bem sabendo que os padrões são sempre relativos e dependem dos olhos de quem vê. O momento não seria o mais apropriado para a galhofa, mas admito facilmente que ambos se enterneceram reciprocamente. Isto é normal entre gente que se entende, que fala a mesma linguagem e tem nos olhos o espelho da alma.

O tempo de um olhar é muitas vezes o tempo que dura um flirt. E que bem faz à alma!

Foram autênticos. Será isso criticável, esquecendo obviamente as questões protocolares? Não creio.

Evidentemente que não posso falar por ela. Nem colocar-me no seu lugar, embora saiba que como homem dificilmente resistiria. Como ele não resistiu. Não há nada como uma mulher interessante, genuína, para nos tirar do sério. Detesto os emplastros protocolares. E o ciúme.

Os que não conseguem perceber a profundidade de tudo o que se esconde por detrás da autenticidade de um gesto simples, de uma troca de sorrisos, de um olhar rápido e furtivo, nunca perceberão nada da vida.

Dão-se alvíssaras

Sérgio de Almeida Correia, 27.06.11

 

Eu quase que jurava que desde as eleições de Novembro de 2001 que a Dinamarca era governada por coligações entre conservadores e liberais e que crises como a que afectam Portugal eram da exclusiva incompetência de socialistas e quejandos.

Bem sei, também, que a Grécia não serve de exemplo e que o estado a que chegou, numa altura em que era governada pela Nova Democracia, não sendo da responsabilidade do Pasok, será seguramente de todos os gregos. 

Mas ao ler o que continua a passar-se na Dinamarca fiquei a pensar se os nossos novos ministros das Finanças e da Economia nos poderão explicar o que está a acontecer por aquelas bandas e se isso tem alguma coisa que ver com os desmandos socialistas, com a falta de supervisão, com a dimensão do Estado social ou com o bagunça típica dos europeus do Sul.

Pode ser que esteja enganado, mas não tendo Teixeira dos Santos ou José Sócrates passado por ali, e sendo a Dinamarca uma monarquia constitucional, quer-me parecer que começam a ser falências a mais e que a coisa não deverá ser apenas um problema da má governação socialista.