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Delito de Opinião

Dia Mundial da Poesia

Joana Nave, 23.03.15

O Dia Mundial da Poesia já passou, foi no dia 21 de Março, um dia meio cinzento, pouco primaveril, mas que teve outros encantos. Um dia que começou com uma caminhada junto ao rio, com o vento a bater na cara e a levar para longe as palavras da boa conversa que preencheu este hiato de tempo. O dia seguiu o seu rumo, entre risos e leituras, entre devaneios e tormentos, e chegou ao fim com o desejo insistente de ir à pequena Feira do Livro da Poesia. Meia dúzia de barraquinhas de madeira, edificadas num dos vértices do jardim do bairro e onde, pousando o olhar sobre vários títulos e autores, haveria eu de escolher o que me traria as memórias quentes dos poemas lidos num Agosto longínquo, era eu então uma adolescente fervorosa e ávida de grandes romances, daqueles que causam dor pela profundidade que alcançam.

 

Deixa-me ser tua amiga, Amor,

A tua amiga só, já que não queres

Que pelo teu amor seja a melhor,

A mais triste de todas as mulheres.

 

Que só, de ti, me venha mágoa e dor

O que me importa a mim?! O que quiseres

É sempre um sonho bom! Seja o que for,

Bendito sejas tu por mo dizeres!

 

Beija-me as mãos, Amor, devagarinho...

Como se os dois nascêssemos irmãos,

Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho...

 

Beija-mas bem!... Que fantasia louca

Guardar assim, fechados, nestas mãos,

Os beijos que sonhei prà minha boca!...

 

in Sonetos, Florbela Espanca

Tonino Guerra morre no Dia da Poesia

Patrícia Reis, 21.03.12
Morreu Tonino Guerra. No Dia da Poesia. Perdemos um poeta e guionista, nascido em 1920, um homem que escreveu para Fellini e Antonioni, mais de 120 guiões e muito, muitos poemas. Aqui fica um.

«Canto Nono»

Terá chovido durante cem dias e a água infiltrada/pelas raízes das ervas/chegou à biblioteca banhando as palavras santas/guardadas no convento.

Quando tornou o bom tempo, Sajat-Novà o frade mais jovem/levou os livros todos por uma escada até ao telhado/e abriu-os ao sol para que o ar quente/enxugasse o papel molhado.

Um mês de boa estação passou/e o frade de joelhos no claustro/esperava dos livros um sinal de vida. Uma manhã finalmente as páginas começaram/a ondular ligeiras no sopro do vento/parecia que tinha chegado um enxame aos telhados/e ele chorava porque os livros falavam.

Poesia

Ana Vidal, 21.03.12

O caminho para Ítaca

Se partires um dia rumo a Ítaca
faz votos de que o caminho seja longo
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem lestrigões, nem ciclopes,
nem o colérico Posídon te intimidem!
No teu caminho jamais os encontrarás
se altivo for teu pensamento
se subtil emoção o teu corpo e o teu espírito tocar.
Nem lestrigões, nem ciclopes
nem o bravio Posídon hás-de ver
se tu mesmo não os levares dentro da alma
se tua alma não os puser dentro de ti.

Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais com que prazer, com que alegria
tu hás-de entrar pela primeira vez num porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir.
Madrepérolas, corais, âmbares, ébanos
e perfumes sensuais de toda espécie
quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egipto peregrinas
para aprender, para aprender dos doutos.

Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas, não apresses a viagem nunca.
Melhor será muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha velho enfim.
Rico de quanto ganhaste no caminho
sem esperar riquezas que Ítaca te desse.

Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te punhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu.

Se a achas pobre
tu te tornaste sábio, um homem de experiência.
E, agora, sabes o que significam Ítacas.

Konstandinos Kavafis (tradução de José Paulo Paz)

 

Cuentan que Ulises, harto de prodigios,
lloró de amor al divisar su Itaca
verde y humilde. El arte es esa Itaca
de verde eternidad, no de prodigios.


(Jorge Luís Borges, Arte Poética)

Num dia que também é da árvore, da floresta, do sono...

Ana Lima, 21.03.12

... um poema que é também um retrato actual da nossa condição, uma reflexão sobre o papel da religião e um apelo ao regresso à agricultura...

 

Falhei na Vida. Zut! Ideais caídos!

Torres por terra! As árvores sem ramos!

Ó meus amigos! todos nós falhamos...

Nada nos resta. Somos uns perdidos.

 

Choremos, abracemo-nos, unidos!

Que fazer? Porque não nos suicidamos?

Jesus! Jesus! Resignação... Formamos

No Mundo, o Claustro-Pleno dos Vencidos.

 

Troquemos o burel por esta capa!

Ao longe, os sinos místicos da Trapa

Clamam por nós, convidam-nos a entrar:

 

Vamos semear o pão, podar as uvas,

Pegai na enxada, descalçai as luvas, 

Tendes bom corpo, Irmãos! Vamos cavar!

 

Coimbra, 1889

 

in António Nobre, , Lisboa, Editora Ulisseia e Editorial Verbo, 2005, p. 237

 

E não me venham dizer que a poesia é coisa sem préstimo e que os poetas clássicos já eram...

Para que bate o luar na relva?

Laura Ramos, 20.03.12

 Claude Monet

 

O luar quando bate na relva
O luar quando bate na relva
Não sei que coisa me lembra...
Lembra-me a voz da criada velha
Contando-me contos de fadas.
E de como Nossa Senhora vestida de mendiga
Andava à noite nas estradas
Socorrendo as crianças maltratadas...
Se eu já não posso crer que isso é verdade,
Para que bate o luar na relva?

 

Alberto Caeiro