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Delito de Opinião

Pensamento da semana

Pedro Correia, 09.06.24

 

O direito à igualdade está grosseiramente ferido nas eleições em Portugal. Quem votou a 2 de Junho (252 mil compatriotas inscreveram-se para o voto antecipado) não dispôs do obsoleto "dia de reflexão". Quem vota a 9 de Junho, cumpriu a tal "reflexão" na véspera, quietinho e caladinho, por força da anacrónica lei, que restringe direitos políticos e comprime a liberdade de expressão. Como se houvesse cidadãos de primeira e de segunda. Uma aberração a que urge pôr fim. Quando haverá coragem de acabar com esta treta?

 

Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana

Em dia de reflexão

Pedro Correia, 08.06.24

A presidência e as eleições

jpt, 09.03.24

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1. A muito generalizada ideia de que o Presidente da República deve pairar sobre o sistema político, qual divindade do regime, nisso implicando como que uma "neutralidade axiomática", é uma aberração, tamanha a contradição que implica. O povo - o eleitorado, se se preferir - elege alguém exactamente para que intervenha. Com viés, esse que deverá ter sido explicitado no seu programa/manifesto eleitoral e fundamentado na sua biografia prévia ao exercício presidencial. A partir daí pede-se tino, ou seja respeito pela lei e fidelidade ao bom senso. 

Assim sendo, é perfeitamente curial que um presidente intervenha, de forma  mais ou menos explícita, num processo eleitoral que decorra sob sua tutela. A bem da sua figura de "primeiro magistrado da Nação" (o que é uma metáfora) talvez não convenha que ande pulando nas arruadas comicieiras dos seus preferidos. Mas só isso. De resto, com lisura - de preferência sem requebros "florentinos" - pode, e até deve, interferir no processo político.

Mas o que não é simpático é a forma "soprada" de intervenção, uma névoa de "diz-que-diz", ademane de "mentideros". Pois não sendo explícita não é falsificável, refutável. Disso lamentável exemplo é a primeira página da edição de ontem do "Expresso" - não só jornal de que Rebelo de Sousa foi director mas também consabida caixa de ressonância dos seus "recados". Pouco importa se o jornal já não tem a influência política que tinha em outras eras tecnológicas - o Pedro Correia anuncia aqui que líderes partidários já nem acedem a serem entrevistados pelos seus jornalistas, demontração da sua crescente irrelevância. E até pouco importará se a "notícia" tem fundo de verdade ("Belém" soprou) ou não (o "Expresso" inventou) - até porque poucos acreditarão que a "caixa" tenha sido inventada na sede do jornal. E também pouco importa se este "diz-que-diz" beneficiará algum dos outros partidos candidatos. Importa que isto não é uma forma democrática, "aberta", de intervir. É, evidentemente, mais uma "marcelice", das muitas. E o regime democrático terá de se depurar deste "marcelismo".

2. Em adenda, e sobre o que vai acontecer amanhã: é-me antipático o partido CHEGA, dado o seu pendor discriminatório, a sua demagogia, para além da evidente contradição entre o que vai escarrapachando nos dizeres programáticos e o conteúdo das inflamadas declarações do seu presidente. Mas ao olhar para as sucessivas sondagens que vêm sendo publicadas, e independentemente da sua fiabilidade, há algo que me parece óbvio: em relação aos resultados de há dois anos parece que o CHEGA crescerá. Atraindo mais 7, 8, 9, 10 por cento do eleitorado, talvez até mais se crermos nas expectativas do professor Ventura. Muito provavelmente será o grande vencedor, relativo, destas eleições, e mais ainda se se pensar que há 4 anos elegeu um deputado com cerca de 2% dos votos nacionais. É mais do que provável outros políticos e imensos comentadores surgirão a declará-lo derrotado: por  não ter chegado aos tais 20%, fasquia alta que ostentou, se calhar por não se ter tornado necessário para fazer maiorias, etc. Mas isso será esconder a realidade, incompreender o país. Tal como o é elidir que o partido meramente contestatário cresceu exponencialemente durante o consulado de Costa, desde o seu início propagandeado até ao máximo pelas forças da velha geringonça, pois usado como "legitimidade anti-fascista" daquela espécie de "Frente Popular", e agora usado como arma de arremesso contra os oponentes de "direita", ditos até quasi-CHEGA. No fundo, esse mais que provável apagar da vitória de Ventura será fazer política como o "Expresso", com "marcelismos" por assim dizer. É o modo da gente ufana...

(A proibição de "falar de política" num dia de "reflexão" é um patético anacronismo, um paternalismo estatista inadmissível no ano do cinquentenário do regime democrático. Que a nova Assembleia da República saiba comemorar os 50 anos do 25 de Abril formalizando a consciência dos efeitos benéficos da democracia. Entre os quais a liberdade de imprensa, a disseminação da educação e nisso a consciencialização da população, para além da pacificação da sociedade. E por isso a desnecessidade das restrições apostas ao tal putativo "dia de reflexão").

Coisa chata: Marcelo votou sem reflectir

Legislativas 2024 (18)

Pedro Correia, 06.03.24

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Foto: José Sena Goulão / Lusa

 

Não imagino como é que Marcelo Rebelo de Sousa conseguiu exercer o direito ao voto antecipado, nas legislativas marcadas para 10 de Março, prescindindo do "dia de reflexão" obrigatório, fixado na lei eleitoral vigente desde 1975. Tão obrigatório que está prevista pena de «prisão até seis meses» a quem se atrever, nesse tal dia e na própria data do sufrágio, a apelar ao voto no partido X ou na coligação Y.

Aberração que se mantém, meio século após o 25 de Abril.

Marcelo, sempre impaciente, não quis esperar. Votou antes, no passado domingo. Aparentemente sem reflectir - tal como fizeram mais 208 mil portugueses. Dispensando o tal "dia obrigatório" durante o qual está vedado às formações partidárias o apelo directo ao voto. Apesar de na véspera desse 3 de Março ter havido campanha, propaganda, arruadas, súplicas sem fim a votar em tudo e mais alguma coisa. 

Exemplo evidente de desajustamento entre a lei e a realidade. Outro que perdura. Apesar dos apelos já feitos pelo próprio Presidente da República para extinguir o famigerado dia obrigatório e compulsivo - resquício da era analógica neste milénio digital. Eleição após eleição, os políticos persistem em manter isto inalterado. Enquanto o mundo vai girando, indiferente aos anacronismos legais de um país que parece congelado no tempo.

 

Leitura complementar: Hoje é aquele dia em que o Papá Estado nos impõe a lei da rolha

O Estado a que chegámos

Pedro Correia, 04.02.24

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A Comissão Nacional de Eleições tentou silenciar a livre opinião política procurando impor o absurdo "dia de reflexão" - que a Internet e o voto antecipado tornaram ainda mais anacrónico - à campanha já em curso para a Assembleia da República, a pretexto de que hoje se realizam eleições na Região Autónoma dos Açores. E entendeu divulgar tal decisão apenas dois dias antes do tal dia, que passou ontem.

Fez muito bem a Iniciativa Liberal em manter o evento que anunciara, em Lisboa, para a apresentação detalhada do seu programa eleitoral com a presença de candidatos de todo o País. Não foi um desrespeito pela lei: foi uma afirmação de liberdade, sem condicionamentos inaceitáveis, neste ano em que celebramos o 50.º aniversário do 25 de Abril. Era o que faltava suspender-se a política no país inteiro a pretexto de que nos Açores teria forçosamente de ser assim.

O mais extraordinário, nesta ridícula tentativa da CNE de impor 24 horas sem política em todo o território nacional cinco semanas antes das eleições legislativas, é que o mesmo órgão deliberativo havia emitido decisão oposta poucos dias antes, a 17 de Janeiro. Admitindo acções de propaganda eleitoral fora dos Açores na véspera e no dia das regionais no arquipélago.

É o Estado que temos. É o Estado a que chegámos.

Dia de reflexão

Pedro Correia, 23.01.21

 

«O lar dos Cerejais, em Alfândega da Fé, tem um surto com 50 casos positivos do novo coronavírus, pouco dias após ter recebido a primeira dose da vacina contra a Covid-19. Foram ali detectados 31 casos positivos entre os 40 utentes e 19 entre cerca de 40 funcionários.»

Lusa, 19 de Janeiro

 

«Quase todos os utentes e alguns funcionários testaram positivo ao novo coronavírus, totalizando 35 infectados num surto no lar Conceição Cabral de Vila Flor. São portadores do vírus 27 dos 30 utentes, assim como oito dos 20 funcionários.»

Lusa, 19 de Janeiro

 

«Um surto de Covid-19 no lar da Santa Casa da Misericórdia das Caldas da Rainha já infectou 107 pessoas, entre utentes e funcionários da instituição. Neste concelho foi detectado outro surto, no lar do centro paroquial de Santa Catarina, registando-se 18 casos de infecção entre os 55 utentes.»

Lusa, 19 de Janeiro

 

«O número de óbitos no surto de Covid-19 num dos edifícios do Lar da Misericórdia de Viana do Alentejo aumentou de quatro para oito. Este surto infectou já um total de 62 idosos, incluindo os oito falecidos.»

Lusa, 20 de Janeiro

 

«O provedor da Santa Casa da Misericórdia de Mirandela alertou hoje para a forma "galopante" como os contágios estão a ocorrer nos lares de idosos, com uma dimensão superior a fases anteriores da pandemia. No lar Nossa Senhora da Paz 62 dos 84 utentes estão infectados.»

Lusa, 20 de Janeiro

 

«O concelho de Vila Franca de Xira regista surtos activos de Covid-19 em quatro lares, estando infectados 176 utentes e 78 funcionários. Na Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca testaram positivo 75 utentes e 34 funcionários. Na Fundação CEBI, em Alverca, estão infectados 59 utentes e 28 funcionários.»

Lusa, 20 de Janeiro

 

«Dez doentes internados na Unidade de Cuidados Continuados Integrados do Hospital da Confraria de Nossa Senhora da Nazaré estão infectados com Covid-19. O surto, detectado no início da semana, resultou num total de 17 casos positivos - dez utentes e sete funcionários.»

Lusa, 20 de Janeiro

 

«O número de pessoas infectadas com Covid-19 no surto detectado num lar do concelho de Arraiolos aumentou para 39 e já se registaram dois óbitos no Hospital do Espírito Santo de Évora. Em quase duas semanas, os casos no lar da Associação de Reformados, Pensionistas e Idosos de Igrejinha passaram de 28 para 39.»

Lusa, 20 de Janeiro

 

«O surto de Covid-19 no Lar da Santa Casa da Misericórdia de Cuba já provocou a morte de sete utentes, num total de 96 pessoas infectadas. Seis dos 62 utentes infectados encontram-se internados no Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja.»

Lusa, 21 de Janeiro

 

«A Câmara de Tondela alertou hoje que os surtos de Covid-19 que se têm registado em lares de idosos estão a deixar estas estruturas sem profissionais de saúde em número suficiente.»

Lusa, 21 de Janeiro

 

«Cinquenta e um utentes e 15 funcionários do lar da Santa Casa da Misericórdia de Redondo estão infectados com o novo coronavírus devido a um surto detectado no Lar António Manuel Fernandes Piteira, depois de uma funcionária ter apresentado sintomas da doença.»

Lusa, 21 de Janeiro

 

«A Santa Casa da Misericórdia de Tarouca registou esta semana um surto na residência de Nossa Senhora do Socorro, estrutura na qual 56 de 60 utentes testeraram positivo ao novo coronavírus.»

Lusa, 21 de Janeiro

 

«Um novo surto de Covid-19 com pelo menos 40 infectados, entre residentes e funcionários, foi detectado no Lar da Santa Casa da Misericórdia de Grândola. Entre os infectados estão 34 utentes e seis funcionários daquela estrutura residencial para idosos.»

Lusa, 21 de Janeiro

 

«Trinta e dois utentes e dez funcionárias do Lar da Santa Casa da Misericórdia de Aljustrel estão infectados com o novo coronavírus devido a um surto na instituição.»

Lusa, 22 de Janeiro

 

«Um surto de Covid-19 no Lar Maria Luísa, em Vila Nova de Cerveira, já provocou a morte de seis utentes, estando outros seis idosos hospitalizados em estado grave.»

Lusa, 22 de Janeiro

 

«Os cinco surtos activos em lares de Torres Vedras já causaram 20 mortos e mais de duas centenas de pessoas continuam infectadas, segundo o mais recente boletim epidemiológico deste concelho.»

Lusa, 22 de Janeiro

 

«Portugal registou mais 15.333 novos casos de infecção com o novo coronavírus e 274 mortes relacionadas com Covid-19, segundo a Direção-Geral da Saúde. Este é o maior número de óbitos em 24 horas desde o início da pandemia e o novo máximo diário de infecções.»

Lusa, 23 de Janeiro

 

Presidenciais (15)

Pedro Correia, 23.01.21

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O DIA DOS ATRASADOS MENTAIS

Eis que chega o chamado "dia de reflexão". Em que as figuras tutelares do Estado nos tratam como atrasados mentais. Coitados de nós: precisamos de espremer as meninges durante 24 horas, em recatado silêncio, para ponderar em que quadradinho haveremos de inscrever um xis. 

Apetece mandá-las "reflectir" para o raio que as parta. E perguntar-lhes, já agora, se este dia importantíssimo também foi concedido aos mais de 240 mil eleitores que optaram por antecipar o voto presencial, exercendo o dever cívico no domingo passado. Sou capaz de apostar que não. Sendo assim, haverá motivo para invalidar tais votos não submetidos ao crivo prévio do "dia de reflexão"? 

Mandam as anacrónicas normas ainda em vigor que todas as acções de promoção das candidaturas estejam interditas nestas 24 horas de solene pasmaceira. Como se fosse possível apagar o que ficou escrito na vasta galáxia digital. E de novo pergunto: sendo assim, por que raio não vigorou isso também no dia 17 de Janeiro, quando dezenas de milhares de portugueses já votavam?

Enfim, perguntas retóricas. Sabendo à partida que não terão resposta. O que esperar afinal dum Tribunal Constitucional, duma Comissão Nacional de Eleições e dum Ministério da Administração Interna que autorizam, permitem e validam a presença nos boletins de voto dum candidato que nunca o foi?

Como se nada disto merecesse ser levado a sério. E se calhar não merece mesmo.

Fora da caixa (24)

Pedro Correia, 05.10.19

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«Aquele que no dia da eleição ou no anterior fizer propaganda eleitoral por qualquer meio será punido com prisão até seis meses.»

Lei Eleitoral, art. 141.º

 

Cá estamos todos a "reflectir". Excepto os 60 mil compatriotas que optaram pela votação antecipada, há uma semana: esses não tiveram direito a reflexão com chancela oficial e 24 horas para o efeito inscritas no granito da lei - confirmando assim que aquele verso da cantiga, «em cada rosto igualdade», é pura treta.

Se o sol nascesse para todos, cada um de nós disporia dum dia inteirinho para reflectir, votasse quando votasse. Verifico que, em flagrante violação dos princípios constitucionais, aqueles mais se apressam a cumprir este relevante dever cívico são afinal penalizados: o Estado que nos pastoreia com os seus códigos e o seu fisco esquece-se deles, trata-os como eleitores de segunda, forçando-os a votar sem o período de reflexão legal que assegura aos restantes cidadãos.

 

Dizem-nos também que este é um dia de abstinência política, em evidente sucedâneo dos ancestrais jejuns de estrita obediência religiosa. Na era das redes sociais, este sacrossanto mandamento tornou-se ainda mais obsoleto: só a força da inércia tem impedido os doutos legisladores cá do burgo de o remeterem para o caixote do lixo da História - medida que só pecaria por tardia. Há desde logo uma clara correspondência etimológica entre abstinência e abstenção, o que não me parece muito estimulante enquanto factor de incentivo ao voto.

Mas todas as tradições acabam por ser quebradas. Também esta, a da interdição da propaganda política em véspera do exercício generalizado do direito a eleger quem nos governará na legislatura que vai seguir-se.

Bastou percorrer os telediários de hoje, mal soaram as badaladas da meia-noite.

 

Abertura do Jornal da Meia-Noite, na SIC Notícias:

«A DBRS subiu o rating da dívida soberana de Portugal, que está agora no terceiro nível acima do lixo. A agência canadiana explica a decisão com a melhoria persistente em vários indicadores-chave do rating. A DBRS espera ainda um compromisso com uma gestão orçamental prudente, independentemente do resultado das eleições de domingo.»

Quarta notícia do 24 Horas, na RTP 3:

«A agência de notação financeira DBRS subiu o rating de Portugal. Passou agora para o nível estável. É o terceiro acima de lixo e é o mais elevado dos últimos oito anos. A SBRS é a agência que tem a classificação mais elevada para a dívida portuguesa.»

Notícia igualmente destacada na 25.ª Hora, da TVI 24:

«A agência canadiana de notação financeira DBRS subiu o rating de Portugal. Uma notícia divulgada seis meses depois de a agência ter dito que ponderava rever em alta a notação de Portugal e em vésperas de eleições legislativas. De acordo com a agência de notação financeira canadiana, o risco do crédito de Portugal tem agora a classificação de BBB+, um nível acima da avaliação feita no início de Abril. Entenda-se que esta avaliação é aplicada à capacidade de um país pagar a sua própria dívida. A letra A indica a melhor classificação e a C ou a D considera o risco especulativo, também designado como "lixo". Também a perspectiva sobre a dívida portuguesa melhorou de estável para positiva.»

 

Bingo! Até uma agência financeira com sede no outro lado do Atlântico contribui para a ponderação do nosso voto.

Dá que pensar neste dia de reflexão.

Europeias (21)

Pedro Correia, 25.05.19

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O DIA MAIS ESTÚPIDO

 

Este é o dia mais estúpido. O chamado "dia de reflexão", em que o estado-tutor nos trata como crianças de colo. Ou como palermóides, incapazes de reflectir noutro dia qualquer. 

É o dia das proibições - aliás, em parte, extensivas ao seguinte, o da jornada eleitoral. É o dia das "pesadas multas" a quem imprima ou debite textos de incentivo ao voto neste ou naquele, como se tal condicionamento não configurasse um grosseiro atentado à liberdade de expressão. E uma evidente violação do princípio da igualdade nesta era em que tudo se comenta ao minuto nos meios digitais.

Recordo-me de certa vez, ainda nas cercanias das urnas, Mário Soares ter declarado sem rodeios aos jornalistas que tinha acabado de votar no filho, candidato por Lisboa. Os bonzos que funcionam como fiéis guardiães da "lei eleitoral" tremeram. Mas Soares, claramente indiferente às consequências, não pagou qualquer multa. Devemos-lhe também esta lição de cidadania por ter demonstrado aos portugueses como tais normas são obsoletas e caducas.

Para mim, se há matéria que hoje mereça reflexão, é esta: vivemos num país em que qualquer recém-nascido já transporta número de contribuinte embora só aos 18 seja autorizado a ter número de eleitor. Isto diz tudo sobre o estado a que chegámos.

Hoje é aquele dia em que o Papá Estado nos impõe a lei da rolha

Pedro Correia, 30.09.17

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Este é o dia mais absurdo da nossa vida pública. O chamado "dia de reflexão" que o Estado impõe aos cidadãos, com pose paternalista e condescendente, instituindo a mordaça ritual aos meios de comunicação como se precisássemos de 24 horas para formarmos uma intenção de voto na sombra e no silêncio. Na era das redes sociais, onde tudo se escrutina e se debate em tempo real à margem dos clássicos circuitos da informação, aliás cada vez mais em crise, este anacronismo já devia ter sido banido da lei eleitoral portuguesa.

Esta é a minha primeira reflexão no inútil dia que parece congelado e congelar-nos no tempo - contemporâneo da imprensa estatizada e do canal único de televisão, que transmitia a preto e branco.

 

A segunda resulta da minha perplexidade perante a existência de 9,5 milhões de eleitores registados num país que tem apenas 8,6 milhões de habitantes em idade adulta. Há portanto 900 mil "eleitores" em excesso - gente entretanto falecida ou emigrada que não foi riscada dos cadernos eleitorais, o que permite as habituais parangonas de alerta contra a "gigantesca abstenção" dos portugueses.

"Em 2013 houve 47,4% de portugueses que não quiseram escolher os seus representantes no poder local", repetem acriticamente os jornais que restam e os canais de televisão que subsistem, transformando o erro factual em notícia sem jamais questionarem a óbvia falsidade destes números. Estamos perante um caso grosseiro de "abstenção técnica", eufemismo utilizado pelos burocratas de turno e pelo jornalismo preguiçoso para justificar o injustificável.

 

Limpeza urgente dos cadernos eleitorais e fim da obsoleta jornada de "reflexão": eis o meu modesto contributo cívico para este dia.

Dos riscos que se correm quando reflicto demasiado

José António Abreu, 03.10.15

Em 2009 deu nisto:

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Em dia de reflexão eleitoral, as duas fotos que coloquei nos posts anteriores têm água. Superfícies amplas de água convidam à reflexão. Como também o fazem planícies extensas ou um céu estrelado. A imensidão faz-nos pensar. Torna-nos humildes. Abre-nos à consideração de outras hipóteses e ajuda-nos a redimensionar problemas. No caso da água, há um temor instintivo. Medo do afogamento e de criaturas estranhas e malignas, reais ou imaginárias. Mas há também fascínio, uma possibilidade de fantasia, de seres de histórias de encantar. E, mergulhado no que Freud chamou inconsciência, um desejo de regresso ao ventre (ao materno e ao primordial).

Perante uma superfície ampla (o mar, uma planície a perder de vista), o céu reage e torna-se também maior e mais presente. Junto ao oceano, a um rio largo ou a um lago, ficamos entre a água e o céu, conjugações improváveis de poeira cósmica presas entre a vontade de voar e a de mergulhar.

 

 

Credo! Por favor, altere-se a Lei Eleitoral.